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“Neste tráfico não há lugar reservado”: traficantes portugueses no comércio de africanos para o Brasil entre 1818 e 1828

RESUMO

Entre os anos de 1818 e 1828, a Junta do Comércio portuguesa concedeu permissões para que navios partindo de Lisboa fossem traficar escravos africanos com destino ao Brasil. Essas autorizações foram dadas com base nos tratados firmados entre as coroas de Portugal e da Grã-Bretanha em 1815 e 1817. Este artigo discute o contexto em que esses traficantes agiram, o modo pelo qual essas autorizações foram concedidas e como as fontes existentes na Junta do Comércio no período assinalado possibilitam identificar traficantes baseados em portos lusos.

Palavras-chave:
História Marítima; Tráfico de escravos; Escravidão

ABSTRACT

Between 1818 and 1828, the Portuguese Board of Trade (known locally as the Junta do Comércio) gave ships departing from Lisbon permission to traffic African slaves to Brazil. This authorization was the result of international treaties signed between the monarchies of Portugal and Britain in 1815 and 1817. This article discusses the context in which the slave traders functioned, the ways in which they received license to trade, and how the source documents from the Portuguese Board of Trade during this period provide important information on the slave traders based in Portuguese harbors.

Keywords:
Maritime History; Slave Trade; Slavery

Apresentação

Observada a partir da conjuntura das primeiras décadas do século XIX, a presença de comerciantes de escravos para o Brasil baseados em Portugal passaria por mudanças importantes, advindas dos compromissos assumidos pela Coroa lusa em relação ao tráfico transatlântico de escravos frente às exigências britânicas nessa questão. Acordos assinados em 1815 e em 1817 cujo conteúdo será apresentado brevemente mais adiante, bem como a transformação do Brasil em Reino Unido a Portugal em 1815, o retorno da Corte a Lisboa em 1821, a independência brasileira em 1822 e seu reconhecimento em 1825 (MALERBA, 2000MALERBA, Jurandir. A Corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da independência (1808 a 1821). São Paulo: Cia. das Letras, 2000.; RODRIGUES, 1975RODRIGUES, José Honório. Independência: revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. 5 v., 5 v.) demarcaram um novo contexto para o tráfico negreiro em termos legais e internacionais.

As exigências acordadas sobre a proibição do tráfico ao norte do equador em 1815 e 1817 levaram ao compromisso das autoridades portuguesas em emitir passaportes e autorizações para que seus navios negreiros navegassem apenas entre portos situados ao sul do equador e onde o domínio luso não fosse questionado. Diante disso, a burocracia lusa mobilizou-se para cumprir os entendimentos com os aliados britânicos e para dar cobertura aos traficantes estabelecidos em Portugal.

Este artigo mirará, assim, em um grupo desses traficantes. Analisar o tráfico enquanto um negócio e traçar um perfil dos que dele participaram não é abordagem nova na historiografia. Diversos autores já o fizeram, trazendo importantes contribuições, sobretudo quando incorporaram “as formas específicas assumidas pelo processo de circulação do capital traficante, tanto em sua esfera africana quanto na brasileira” (FLORENTINO, 1997FLORENTINO, Manolo Garcia. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Cia. das Letras, 1997., p. 107). O enraizamento dos interesses mercantis negreiros na sociedade colonial teria se dado a partir do início do século XVIII, quando o tráfico e a demanda colonial por escravos intensificaram-se enormemente. Nas trocas por cativos na África predominavam, então, as mercadorias produzidas na colônia americana, forjando-se o domínio do tráfico de escravos pelos comerciantes estabelecidos no lado ocidental do Atlântico.

Estudos historiográficos procuraram compreender a perda do controle de Lisboa em relação ao tráfico de africanos e o predomínio dos traficantes do Rio de Janeiro nesse negócio, tendo em vista que a existência dos produtos coloniais e os fatores de ordem natural não são capazes de explicar, por si sós, como esse porto concentrou 80% dos escravos importados pelo Brasil de 1700 a 1850.

Para Florentino, a chave explicativa estaria no crédito, nas formas de financiamento que a praça mercantil carioca foi capaz de constituir: é aí que iremos encontrar “as raízes do alijamento dos comerciantes lisboetas do comércio negreiro,” especialmente entre 1790 e 1830 (FLORENTINO, 1997FLORENTINO, Manolo Garcia. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Cia. das Letras, 1997., p. 116). O historiador em questão chamou a atenção para o radical arcaísmo das estruturas produtivas portuguesas no século XVIII, o que diferiria “até mesmo dos padrões clássicos que marcavam as sociedades do Antigo Regime [...], com a aristocracia detendo metade das terras, e seus pares eclesiásticos cerca de 30%” (FLORENTINO, 1997, p. 116). A chave explicativa da perda do controle do tráfico no Congo-Angola feito desde Lisboa para os traficantes cariocas estaria no arcaísmo como projeto:

Prevaleciam, assim, os valores de uma mentalidade não capitalista [...]. Por este mecanismo canalizavam-se pesados recursos adquiridos na esfera mercantil para atividades de cunho senhorial [aristocrático], muitas vezes esterilizando-os. Daí poder-se pensar que o “atraso” português, em pleno século XVIII, era, não um estranho anacronismo, fruto da incapacidade lusitana em acompanhar o destino manifestamente capitalista europeu; pelo contrário, o arcaísmo era, isto sim, um verdadeiro projeto social, cuja viabilização dependia fundamentalmente da apropriação das rendas coloniais. (FLORENTINO, 1997FLORENTINO, Manolo Garcia. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Cia. das Letras, 1997., p. 117).

Inserindo-se no debate, Maximiliano Menz (2012MENZ, Maximiliano M. As 'geometrias' do tráfico: o comércio metropolitano e o tráfico de escravos em Angola (1796-1807). Revista de História, São Paulo, v. 166, p. 185-222, 2012.) defende que, nas últimas décadas, teria se consolidado “um verdadeiro consenso historiográfico em torno da ideia de que o tráfico de escravos era controlado pelos mercadores residentes no Brasil, ao menos desde o século XVIII”. Por essa análise, tal consenso teria “frágeis evidências quantitativas” e englobaria os trabalhos de diversos historiadores brasileiros e estadunidenses. Trabalhos mais recentes escapariam ao “consenso”, apresentando dados seriais que relativizariam o que o crítico denominou de “interpretação canônica sobre o tráfico na Costa da Mina e Angola” (MENZ, 2012MENZ, Maximiliano M. As 'geometrias' do tráfico: o comércio metropolitano e o tráfico de escravos em Angola (1796-1807). Revista de História, São Paulo, v. 166, p. 185-222, 2012., p. 187-189).

Dito desse modo, estamos diante de um binômio em que as argumentações para explicar o predomínio do capital traficante carioca e o comércio bilateral opõem-se à tradicional ideia da dominação colonial pelos interesses metropolitanos, recuperada recentemente com base em evidências quantitativas para demonstrar a presença dos capitais e mercadorias lisboetas no comércio de escravos triangular.

Só é possível afirmar um consenso se não observarmos outras perspectivas de análise presentes na historiografia do tráfico de escravos para o Brasil. A importante abordagem econômica não abarca toda a explicação nem a totalidade dos estudos. A problematização comporta perguntas para as quais a abordagem economicista não apresenta contribuições, por exemplo, que diferença havia para o destino dos africanos traficados se os investimentos na armação de navios, os créditos e as mercadorias usadas nas trocas atlânticas provinham da América, de Portugal ou de parceiros ingleses e estadunidenses.

Trabalhos como o de Florentino, a meu ver, apresentam a vantagem de inserir os poderes, os conflitos e as demandas africanas na história do tráfico transatlântico, uma perspectiva fundamental e não incorporada em estudos econômicos hardcore de tempos mais recentes. Em trabalho escrito anos atrás, defendi que, se havia algo próximo de um consenso (cuidadosamente chamado de “tendência mais ampla”), ele se situava na visão do comércio negreiro como “um negócio de traficantes, senhores de escravos e governos (português e, mais tarde, brasileiro)” (RODRIGUES, 2005RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Cia. das Letras, 2005., p. 24) A incorporação dos eventos africanos como parte essencial do fenômeno do tráfico extrapola o próprio fenômeno, sendo observável também no âmbito de uma renovada História Atlântica (LINEBAUGH; REDIKER, 2008LINEBAUGH, Peter; REDIKER, Marcus. A hidra de muitas cabeças: marinheiros, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.; REDIKER, 2011; REIS; GOMES; CARVALHO, 2010REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos; CARVALHO, Marcus J. M. de. O alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico negro (c. 1822-c. 1853). São Paulo: Cia das Letras, 2010.).

Neste artigo, veremos quais foram as exigências estabelecidas nos acordos internacionais firmados no início do século XIX para que se concedessem passaportes a navios negreiros zarpados de Portugal com destino ao Brasil. Em seguida, vislumbraremos a forma como a diplomacia se materializou em registros burocráticos e traçaremos um perfil dos traficantes baseados no Reino a partir de fontes portuguesas, o que permitirá entender melhor o modo como o Estado protegeu os interesses de traficantes de escravos lusos, eventualmente tendo a intenção de manter os domínios coloniais africanos durante as primeiras décadas dos Oitocentos.

Tratados internacionais e autos de justificações

As negociações sobre o tráfico entre os plenipotenciários britânicos e portugueses tiveram início em 1808 e prosseguiram pelos anos seguintes, traduzindo-se no Tratado de 1815, na Convenção Adicional e no Artigo Separado de 1817 (RODRIGUES, 2000______. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil, 1800-1850. Campinas: Ed. da Unicamp, 2000., p. 97-100)1 1 Bem conhecidos dos estudiosos do fim do tráfico de africanos para o Brasil, os três documentos estão disponíveis online. O Tratado da abolição do tráfico de escravos em todos os lugares da costa de África ao norte do equador, entre os muito altos e muito poderosos senhores o Príncipe Regente de Portugal e El-Rei do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda, feito em Viena pelos plenipotenciários de uma e outra Corte em 22 de janeiro de 1815, e ratificado por ambas está reproduzido em fac símile em <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1764>; a Convenção Adicional ao Tratado de 22 de janeiro de 1815 entre os muito altos, e muito poderosos senhores El-Rei do Reino Unido de Portugal, do Brasil e Algarves e El-Rei do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda, feita em Londres pelos plenipotenciários de uma e outra Corte em 28 de julho de 1817, e ratificada por ambas e o Artigo separado da Convenção assinada em Londres aos 28 de julho de 1817. Adicional ao tratado de 22 de janeiro de 1815 [...]. Feito em Londres pelos plenipotenciários de uma e outra Corte em 11 de setembro de 1817 e ratificado por ambas podem ser lidos em <http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/1866>, acesso em: 20 abr. 2017. . Em impressão bilíngue, esses documentos encontram-se anexados ao conjunto dos autos de justificação tramitados de 1818 a 1828, na Real Junta do Comércio2 2 Reunidos em Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, Junta do Comércio (doravante ANTT-JC), Maço 62, Caixa 204. Reformada em 1788, a Junta do Comércio adquiriu funções regulatórias e de tribunal entre fins do século XVIII e ao longo do século XIX, sendo composta por deputados nomeados pela Coroa e que acumulavam os cargos de secretário, juiz conservador e fiscal. Ver Guimarães (2008, p. 288-290). , em Lisboa, para legalizar a saída de navios negreiros dos portos portugueses.

Em linhas gerais, o tratado de 1815 remete a outro, firmado no Rio de Janeiro em 19 de fevereiro de 1810, sobre a cooperação entre portugueses e britânicos para a gradual abolição do tráfico de africanos. Em Viena, o novo acordo previa “a abolição imediata do referido tráfico em todos os lugares da costa de África sitos ao norte do equador” (CONVENÇÃO..., 1815). Permitia-se a continuidade do tráfico ao sul da linha, “nos atuais domínios da Coroa de Portugal, ou nos territórios sobre os quais a mesma Coroa reservou o seu direito no mencionado Tratado de Aliança [de 1810]” (CONVENÇÃO..., 1815), sendo as restrições pagas com a desistência, por parte dos ingleses, de cobrar um empréstimo contraído por Portugal em Londres em 1809.

É na Convenção de 1817 que vamos encontrar a regulamentação burocrática da autorização para negreiros portugueses participarem do comércio de escravos ao sul do equador. Definia-se como tráfico ilícito aquele feito de quatro formas: (a) em navios e sob bandeira britânica ou por conta de vassalos britânicos em navio sob qualquer bandeira; (b) em navios portugueses nos portos africanos ao norte do equador; (c) sob bandeiras portuguesa ou britânica, por vassalos de outras potências ou, finalmente, (d) aquele feito por navios portugueses “que se destinassem para um porto qualquer fora dos domínios de S. M. Fidelíssima [i.e., o rei de Portugal]” (CONVENÇÃO..., 1817, p. 3). A mesma convenção definiu os territórios lícitos do tráfico, listando aqueles que a Coroa de Portugal possuía na África ao sul do equador, a saber:

[...] na costa oriental [...], o território compreendido entre o Cabo Delgado e a Baía de Lourenço Marques; e na costa ocidental, todo o território compreendido entre o oitavo e o décimo oitavo grau de latitude meridional. [...] Os territórios de Molembo e de Cabinda na costa oriental [sic, trata-se obviamente da costa ocidental] da África, desde o quinto grau e doze minutos até o oitavo de latitude meridional. (CONVENÇÃO..., 1817, p. 3).

A convenção alterou os trâmites para a emissão dos passaportes e tornou obrigatória a tradução desse documento para o idioma inglês, a fim de viabilizar a fiscalização que os ingleses passariam a fazer sem serem obrigados a dominar a língua portuguesa. Para muitos portugueses as concessões eram amargas, mas o momento mostrava-se difícil para a monarquia, no exílio carioca desde a invasão do Reino pelas forças franco-espanholas em 1808, em meio às Guerras Napoleônicas na Europa. A mesma Convenção de 1817 estabelecia quem eram os funcionários do governo lusitano aptos a assinarem os passaportes: o Ministro da Marinha, no caso de navios zarpados do Rio de Janeiro; o governador ou capitão geral das demais capitanias americanas e o secretário da Marinha para os navios saídos dos portos lusos. De certo modo, isso comprometia os ocupantes de cargos na administração a executarem fielmente o acordo.

O novo modelo de passaporte continha os dados seriais que encontramos nos autos de justificação e esclarece os motivos pelos quais os donos dos navios tinham de confirmar exatamente qual era a tonelagem dos mesmos: em caso de apreensão, os negreiros seriam levados a julgamento nas comissões mistas anglo-portuguesas e as indenizações, quando coubessem, seriam liquidadas na Comissão Mista de Londres, mas os proprietários dos navios não podiam “reclamar indenização por um maior número de escravos do que aquele que, segundo as leis portuguesas existentes, lhes será permitido de transportar, conforme o número de toneladas do navio apresado” (CONVENÇÃO..., 1817, p. 13).

Por fim, no Artigo separado adicional ao tratado de 1815, assinado em Londres em 11 de setembro de 1817, manifestava-se a intenção de abolir totalmente o tráfico. Sem estipular uma data precisa, previa uma vigência de 15 anos para a Convenção Adicional.

Para os negreiros partidos do Brasil após a independência, as consequências (ou a falta delas) decorrentes desses acordos diplomáticos são bem conhecidas. Em poucas palavras, o reconhecimento da independência, em 1825, seria seguido pelo tratado anglo-brasileiro de 13 de novembro de 1826, prevendo o fim do tráfico de escravos para dali a três anos, mantendo os termos da Convenção Adicional de 1817. Ratificado pela Coroa inglesa em 13 de março de 1827, o novo acordo permitia a continuidade legal do tráfico até 13 de março de 1830. As negociações em torno desse tratado, bem como sua assinatura formal, marcaram profundamente as relações entre o Império do Brasil e os governos britânicos ao longo do segundo quartel do século XIX (BETHELL, 1976BETHELL, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Edusp, 1976.; CONRAD, 1985CONRAD, Robert E. Tumbeiros: o tráfico escravista para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985.; RODRIGUES, 2000______. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil, 1800-1850. Campinas: Ed. da Unicamp, 2000.), com reações muito evidenciadas no plano da política institucional brasileira e que podem ser acompanhadas nos debates por vezes tumultuados na Câmara dos Deputados e no Senado. As tentativas de proibição do tráfico trouxeram elementos de disputas internas no Legislativo brasileiro, entre os poderes constitucionais e no que se refere aos projetos de entendimento do país que emergiria da separação em relação a Portugal. A pressão estrangeira pairou sobre o tráfico de africanos e todas essas discussões e repercussões podem ser melhor avaliadas se considerarmos a existência de duas leis de proibição do tráfico de africanos para o país, em 1831 e em 1850, e a dificuldade em torná-las eficazes e efetivas (RODRIGUES, 2000; PARRON, 2009PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1871. 2009. 366 f. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.).

Quanto aos negreiros estabelecidos em Portugal, as repercussões e consequências dos acordos firmados nas primeiras décadas do século XIX com a Grã-Bretanha são menos conhecidas. O conjunto de autos de justificação da Junta do Comércio trazem pistas importantes para ampliar o conhecimento sobre essa temática, na medida em que revela indícios da legalidade com a qual foi preciso blindar os traficantes lusos. Por esses autos, podemos conhecer traficantes e navios que partiram do Reino para participar do comércio de cativos, estabelecer suas rotas e indagar que estas eram cumpridas à risca. Comprovadamente, temos 32 navios fazendo 47 viagens de Portugal à África entre 1818 e 1828. O Quadro 1, a seguir, relaciona as embarcações cujos donos solicitaram passaportes para viagens negreiras.

Quadro 1
Navios e viagens negreiras partindo de Portugal (1818-1828)

Ao correr os olhos pelo Quadro 1, podemos deduzir que muitas dessas viagens eram ilícitas, ainda que cumprissem as formalidades dos acordos bilaterais anglo-portugueses. Ao definir o que era tráfico ilícito, a Convenção de 1817 incluía os navios com destino aos portos fora dos domínios portugueses. Nessa categoria entravam todos os portos do Brasil a partir de 1822 (ou 1825, se quisermos ser mais legalistas). As autoridades portuguesas sabiam que permitir o tráfico de escravos com destino ao Brasil era ilegal a partir da independência brasileira e do seu reconhecimento. Todavia, a Junta do Comércio lisboeta continuou a emitir passaportes para navios negreiros destinados aos portos brasileiros entre 1822 (ou 1825) e 1828, atuando como órgão de legitimação e proteção dos comerciantes e de garantia do projeto colonial português, que passou a centrar-se na África. Desse modo, das 47 viagens arroladas no referido quadro, ao menos 17 eram ilegais, conforme os acordos diplomáticos firmados entre Portugal e Grã-Bretanha, já que ocorreram após a assinatura do tratado de reconhecimento da independência do Brasil.

Pelos autos de justificação da Junta do Comércio em Lisboa, pude sondar algumas das conexões empresariais dos proprietários desses navios negreiros atuantes a partir dos portos lusos, não apenas em termos societários, mas também perscrutar a existência de redes de negócios envolvendo homens que atuavam também em outras atividades mercantis.

Perfis de traficantes e interações entre eles

Os traficantes de escravos ligavam-se entre si e a outros comerciantes em “sociedades com acionistas espalhados por vários países” (MARQUES, 2001MARQUES, João Pedro. Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo: um percurso negreiro no século XIX”. Análise Social, Lisboa, v.36, n. 160, p. 609-638, 2001., p. 610) com membros nos três continentes banhados pelo Atlântico. Dela participavam agentes com inserções as mais diversas:

[...] desde o rei negro vendedor de escravos até ao plantador americano que os utilizava, [a rede] se constituía numa infinidade de intermediários e coniventes - mercadores na costa africana, autoridades coloniais subornadas que permitiam a exportação ou importação de escravos, marinheiros que os transportavam através do Atlântico, e por aí [a]fora - que atuavam no circuito escravista. (MARQUES, 2001MARQUES, João Pedro. Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo: um percurso negreiro no século XIX”. Análise Social, Lisboa, v.36, n. 160, p. 609-638, 2001., p. 610).

Se incluirmos as autoridades que atuavam desde o Reino de Portugal, o circuito torna-se mais completo e complexo do que o descrito acima. Há dificuldades a superar no esforço para conhecer quem eram os investidores no negócio negreiro. Por ora, é viável avançar no estabelecimento de perfis de traficantes proprietários de navios e das interações entre negociantes negreiros com base nos autos de justificação da Junta do Comércio e em algumas outras fontes.

Particularmente em tempos de repressão, os traficantes parecem ter se unido em comunidades com um sentido identitário, protegendo-se mutuamente e exibindo seu poder e sua fortuna. Verger já chamara a atenção para isso ao notar, por exemplo, as demonstrações públicas de religiosidade promovidas por eles na Bahia (VERGER, 1981VERGER, Pierre. Notícias da Bahia de 1850. Salvador: Corrupio; Fundação Cultural da Bahia, 1981., p. 76-79). Manolo Florentino (1997FLORENTINO, Manolo Garcia. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Cia. das Letras, 1997., p. 122), que pesquisou o funcionamento da comunidade negreira carioca, observou que era prática comum os maiores traficantes do Rio de Janeiro entre 1811 e 1830 comprarem ou fretarem uns dos outros as mesmas embarcações.

Ensaiarei aqui breves prosopografias dos donos de algumas embarcações negreiras atuantes a partir de Lisboa, focando naqueles para quem é possível estabelecer conexões, sobretudo entre os anos entre 1818 e 1828. Em que pese o avanço das pesquisas nos últimos anos, ainda se trata de um desafio: “[...] a biografia dos implicados no tráfico negreiro, sobretudo a dos implicados fracassados ou daqueles cujo sucesso foi apenas moderado e fugaz, é geralmente desconhecida e não muito fácil de fazer, à míngua de documentação” (MARQUES, 2001MARQUES, João Pedro. Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo: um percurso negreiro no século XIX”. Análise Social, Lisboa, v.36, n. 160, p. 609-638, 2001., p. 610)3 3 Destacamos alguns trabalhos que têm contribuído para ampliar o conhecimento acerca dos traficantes e suas conexões. Ver Albuquerque (2016), Gomes (2016) e Jesus (2004). .

O primeiro dos traficantes que abordarei é João Esteves Alves, comerciante com investimentos em navios engajados em rotas diversificadas. Seus interesses empresariais envolviam várias embarcações, entre elas o brigue Restaurador e a escuna ou o iate São Francisco de Assis, ambos em plena atividade no ano de 1818. A maioria dos registros sobre Alves o menciona sempre como único proprietário dos navios, homem com um estilo peculiar de demandar vantagens para si. A primeira situação a revelar isso foi um inusitado pedido para que os oficiais da Torre de Belém não atrapalhassem a saída de sua galera General Miranda rumo ao Pará, a fim de aproveitar os bons ventos que sopravam4 4 Esta é a única embarcação em que Esteves Alves aparece ao lado de um sócio, no caso, Domingos José de Miranda. Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, consultado a partir de http://resgate.bn.br (a partir daqui AHU-CU), Pará, Caixa 146, doc. 11.069, 22 de fevereiro de 1814. . O segundo caso refere-se ao Restaurador que, estando pronto a seguir para Angola, ainda não conseguira a certidão de tonelagem “afim de ser[em] declarad[as] as cabeças que o navio deve receber em cumprimento do Tratado [de 1817] em que por duas toneladas concede cinco cabeças” 5 5 “Autos de requerimento e justificação de João Esteves Alves para habilitação do seu brigue Restaurador”. ANTT-JC, Caixa 204, Maço 62. . Os lotadores, provavelmente na mesa do Marco dos Navios, duvidaram da lotação declarada. Alves argumentou que, no comércio de escravos, as medidas eram diversas:

[...] porque neste tráfico não há lugar algum reservado, porque [...] logo que o primeiro escravo entra para o navio não há agasalhado algum nem reservado que formam dentro da lancha e com encerados procuram o tombado [?] da dormida até o Brasil, por isso essa lotação e medida é muito diversa, que só deve servir para este tráfico6 6 “Autos de requerimento e justificação de João Esteves Alves para habilitação do seu brigue Restaurador”. ANTT-JC, Caixa 204, Maço 62. .

Na visão do traficante, todos os lugares disponíveis deveriam servir para medir a quantidade de africanos a serem embarcados, ainda que nem todos os espaços fossem ocupados por eles. Isso, evidentemente, agravava a superlotação do porão, mas Esteves Alves não demonstrou qualquer preocupação humanitária nesse sentido. Ao contrário, preocupava-se somente com a demora na partida de seu brigue, pois o tribunal da Junta do Comércio não daria expediente na semana seguinte ao seu pedido, protocolado em setembro de 1818. Os lotadores replicaram, lembrando que em qualquer navio, tumbeiros inclusive, era preciso reservar espaço para os paióis de mantimentos, a aguada e a guarda dos panos e amarras, além do rancho para acomodar a equipagem do navio - neste caso, composta por 39 homens. Ousado, Alves dizia que os lotadores das toneladas não cumpriam suas funções, “antes tratando mal o apresentante”, e implorava que S. M. “mande [que] os lotadores passem a bordo do mesmo brigue e façam uma exata medida, lotando coberta, câmara, entre câmara, paióis e ranchos, por que em tais negociações de escravos não há agasalhados até o Brasil [...] e passem certidão”7 7 “Autos de requerimento e justificação de João Esteves Alves para habilitação do seu brigue Restaurador”. ANTT-JC, Caixa 204, Maço 62. .

A arrogância típica dos que sempre obtêm privilégios do Estado não se limitava a tentar obrigar funcionários públicos a medirem seu navio usando um método que lhes favorecesse. Alves queria mais para seus navios em suas repetidas viagens às ilhas atlânticas, ao Mediterrâneo, Angola, África Oriental e Brasil, entre 1818 e 18208 8 Passaporte para viagem Lisboa-Barcelona-Rio de Janeiro, 14 de agosto de 1816 em AHU-CU, Rio de Janeiro, Caixa 276, doc. 19.164; passaporte para viagem entre Lisboa-Tenerife-Angola-Brasil transportando 180 escravos, 7 de outubro de 1818 em AHU-CU, Avulsos do Brasil, Caixa 43, doc. 3.460. . Ele pediu emprestado ao Arsenal da Marinha dezesseis peças de artilharia “com os competentes apetrechos” para que o Restaurador e o São Francisco de Assis fossem traficar escravos de Moçambique e Cabinda até Brasil, muito provavelmente para se defender dos corsários atuantes no Rio da Prata. O Arsenal deu-se ao trabalho de responder, informando que só o Restaurador tinha capacidade para receber artilharia, mas que esta não deveria ser emprestada “pela necessidade que delas possa ocorrer de um momento para outro” no Forte de São Paulo, onde estavam em uso9 9 AHU/CU, Ultramar, Caixa 25, doc. 2.131, requerimento de 2 de junho de 1818. .

Manuel Ribeiro da Silva, contemporâneo de Esteves Alves, era negociante em Lisboa, nascido em 1767. Entre os 40 e os 60 anos de idade, fez fortuna no comércio ultramarino e estabeleceu relações sólidas com comerciantes de Lisboa e dos portos do norte do Brasil. A primeira aparição desse traficante o menciona como dono do bergantim Diana, em viagem entre a Bahia e Porto Novo, em 1804 (PARÉS, 2013PARÉS, Luis Nicolau. Cartas do Daomé: uma introdução. Afro-Ásia, Salvador, v. 47, p.295-395, 2013., p. 363). Em 1807, era caixa e sócio de Antônio Rodrigues de Figueiredo na galera N. S. da Conceição Flor de Pernambuco, construída na Bahia. Em 1812, Silva era sócio de Jacinto José Dias de Carvalho & Cia. na galera Felicidade, que solicitou passaporte em Lisboa em junho daquele ano para seguir viagem ao Pará. Vamos reencontrá-lo nove anos depois como sócio de Estêvão José Alves no navio Incomparável, rumo a São Luís. Com Antônio José de Amorim, dividia a sociedade do Ativo em 1824, que viera de Serinhaém e, até ser comprado pelos dois, chamava-se Apolo. Ribeiro da Silva teria vivido por um tempo na capital pernambucana, mas já voltara a Lisboa nessa altura, provavelmente motivado pelo antilusitanismo daqueles anos. No Recife, ele teria acusado um padre por desencaminhar mulheres e portar arma (CABRAL, 2008CABRAL, Flavio José Gomes. Conversas reservadas: “vozes públicas”, conflitos políticos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. 2008. 136 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008., p. 44). Como traficante, possuía também o Lucrécia em 1826, mas o navio que deixou mais rastros da ação de Manuel foi a galera Santa Cruz, com quatro pedidos de passaporte a fim de seguir ao Pará entre 1826 e 1828. A mesma galera continuava ativa no comércio com o norte do Brasil, já que seu senhorio pediu dispensa de levar capelão em uma viagem “com diminuta tripulação” da Santa Cruz a São Luís, tendo em vista que uma resolução da Real Junta do Comércio lusa, no reinado de D. Miguel, abria essa possibilidade10 10 “[...] as embarcações que não tiverem lugar decente e digno aonde se pudesse celebrar o santo sacrifício da missa e de pequena tripulação fossem dispensadas de levar capelão, determinação tão sábia como prudentemente tomada, que alivia de um mui oneroso ônus a navegação das embarcações dos seus fiéis vassalos [...]”. AHU-CU, Maranhão, Caixa 180, doc. 13.092, 9 de março de 1831. A mesma embarcação pede passaporte para ir ao Maranhão em janeiro de 1832, cf. AHU-CU, Maranhão, Caixa 180, doc. 13.106. .

Ribeiro da Silva depôs ainda no auto de justificação do Especulador Africano em 1827, propriedade de Manuel José Rodrigues. Nessa altura, aos 60 anos de idade, vivia na Freguesia de Santa Justa, em um imóvel na Rua da Prata. Talvez como outros traficantes, Manuel Ribeiro da Silva tenha deixado de participar do comércio de escravos por volta de 1826, data a partir da qual ele parece ter direcionado seus investimentos para o comércio de outras mercadorias entre Portugal, o Maranhão e o Pará. É provável que esse tenha sido o tipo de comércio que legou a Manuel Ribeiro da Silva Filho, a quem certamente ele vinha instruindo nos negócios. Testemunha de justificação do General Sampaio em 1828, Silva Filho foi descrito como negociante em Lisboa, 28 anos, morador no mesmo endereço do pai11 11 AHU/CU, Bahia, Caixa 249, doc. 17.165; AHU-CU, Pará, Caixa 144, doc. 10.955; AHU-CU, Maranhão, Caixa 166, doc. 12.110, 5 de junho de 1821; “Autuação do requerimento de Antônio José de Amorim...” e “Autuação do requerimento de Manuel Ribeiro da Silva, proprietário do bergantim Lucrécia, destinado a comércio de escravos”, em ANTT-JC, Maço 62, Caixa 204; AHU-CU, Pará, Caixa 164, docs. 12.522, 12.547, 12.569 e 12.585; “Autuação de requerimento de Manuel José Rodrigues, proprietário do brigue escuna Especulador Africano a comércio de escravos” e “Autuação de requerimento de João José de Faria, proprietário do bergantim denominado General Sampaio a comércio de escravos” em ANTT-JC, Maço 62, Caixa 204. .

A interação entre os traficantes pode ser percebida nas declarações de propriedade dos navios e também na frequência com que esses mesmos comerciantes testemunhavam justificando os pedidos de passaportes de seus companheiros traficantes12 12 Salvo indicação em contrário, as informações deste e dos parágrafos a seguir provém de ANTT-JC, Maço 62, Caixa 204. . Manuel da Cruz, sócio de Matias José de Almeida no Andorinha do Tejo em 1822, jurou pelos Evangelhos ser verdade tudo o que continha a petição de seu colega Francisco José de Sousa Lopes no processo do São José Diligente Vulcano em 1823. Domingos Fernandes Alves, negociante no Rio de Janeiro e sócio do Astrea, em 1826, aparecera no ano anterior na justificação do Boa Viagem. Francisco José Guimarães, negociante no Rio de Janeiro, era sócio de Marcelino José Alcântara no General Rego, em 1819. Em 1823 e 1825, Alcântara aparece como único dono desse mesmo navio. João José de Faria, negociante em Lisboa, era o dono do General Sampaio em 1828, mas, sete anos antes, testemunhara na justificação do mesmo navio, então propriedade de Manuel Gomes da Cunha & Cia. Depôs ainda para os donos do Lucrécia e do Paquete Feliz em 1825.

Entre 1821 e 1822, Antônio Francisco da Silva testemunhou para o Bom Caminho - com cujos donos mantinha negócios havia cerca de vinte anos - e os negociantes do Maranhão proprietários do Marquês de Pombal. Estabelecido em Lisboa, atuava por esses anos como correspondente dos senhorios do Triunfo da Inveja, ao mesmo tempo que tinha parte na sociedade da galera Maria, que navegava entre Belém, Salvador, Angola e Lisboa13 13 Passaporte da Junta de Sucessão Provincial do Pará autorizando a galera Maria a partir do Pará rumo a Lisboa (Belém, 1 de junho de 1821), em AHU/CU, Pará, Caixa 152, doc. 11.622; passaportes autorizando mesma galera ir de Lisboa ao Pará em 4 de abril de 1818, 14 de novembro de 1821 e 3 de agosto de 1822, em AHU/CU, Pará, Caixa 162, doc. 12.408; Caixa 151, doc. 11.687 e Caixa 155, doc. 11.894; passaporte para viagem de Lisboa para a Bahia e Angola em AHU/CU, Bahia, Caixa 261, doc. 18.258. .

Bernardo José Fernandes, negociante em Lisboa, era outro que testemunhou em autos de justificação, no caso do Astrea em 1826, quando tinha 50 anos de idade. Seus interesses empresariais incluíam a sociedade com Antônio José Moreira no São Nicolau Augusto em 182714 14 Passaporte emitido em 20 de junho de 1821 autorizando a viagem de Lisboa para Bahia do São Nicolau Augusto em AHU-CU, Bahia, Caixa 264, doc. 18.620; termo de juramento como proprietário do navio em 1 de junho de 1822 em AHU-CU, Bahia, Caixa 269, doc. 18.947; requerimento de bilhete de estilo (passaporte) para o navio seguir viagem rumo a São Luís em 4 de agosto de 1826 em AHU/CU, Maranhão, Caixa 179, doc. 12.953. .

Se atentarmos para o rol de testemunhas arroladas pelos donos de navios para confirmarem seus pedidos de passaportes, poderemos dizer algo mais sobre as interações entre esses negociantes. Antes de prosseguir, observo que, ao mencionarem seus endereços residenciais ou comerciais, os processos de justificação informam algo sobre a geografia social lisboeta. Apenas uma testemunha vivia do outro lado do Tejo, em Cacilhas; todos os demais se concentravam nas freguesias nobres de Lisboa, tais como Madalena, Lapa, Mártires, Sacramento, Santa Justa e São Paulo. A burguesia da primeira metade do século XIX incorporara hábitos aristocráticos, como a abundante criadagem de brancos e negros nas casas, “desde secretários, mordomos ou criados, até cozinheiros, cocheiros, palafreneiros, aguadeiros, moços de mesa, lacaios, escudeiros” (SÁ, 1992, p. 9). Suas casas de moradia ou de comércio situavam-se perto do rio, onde pulsava a vida marítima, mas a uma distância conveniente de outros em redutos ribeirinhos de marinheiros e da boêmia popular. Estes se encontravam no Bairro Alto e na Alfama, bairros diversos das áreas de concentração dos ricos:

Havia nomeadamente diferenciações linguísticas, por exemplo, o emprego de gírias. Era sobretudo de noite que mais se notavam as fronteiras que separavam a boêmia da respeitável sociedade. Prostitutas, fadistas, marialvas, toureiros, boleeiros, vagabundos e marinheiros tinham os seus mundos característicos; mantinham uma convivência aberta entre si; independentemente das origens sociais de cada um. (SÁ, 1992SÁ, Victor de. Lisboa no liberalismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1992., p. 9-10).

Algumas testemunhas repetem-se com frequência nos processos de justificação. Negociantes lisboetas como Antônio da Cunha Guimarães, Bento Antônio de Andrade, Feliciano José Colares e Sebastião Lopes Ramos surgem na documentação da Junta do Comércio depondo várias vezes em diversos processos de concessão de passaportes. Mas a testemunha predileta dos negreiros era Bento José da Cunha Viana, sobre quem me deterei adiante.

Cunha Viana era um especialista em conseguir passaportes de vários tipos. Não por acaso, ele foi qualificado nos processos como um despachante de navios. Nessa condição, conseguia as certidões do Marco dos Navios, estudava a legislação e os acordos diplomáticos para instruir seus clientes sobre como legalizar seus negócios e ia à Junta do Comércio verificar o andamento das petições. Viana também emprestava credibilidade aos pedidos, sobretudo quando o tráfico de escravos para o Brasil feito sob bandeira portuguesa tornou-se ilícito, já que exceto no caso do Ativo, de 1824, todos os demais processos em que ele depôs na Junta datam de 1825 a 182815 15 O Astrea, o Dois Irmãos, o Especulador Africano ou Especuladora Africana, o General Sampaio, o Maria Teresa, o Orfeu, o São Nicolau Augusto, o Via Láctea, o Voador, o Lucrécia e o Conde dos Arcos, todos em ANTT-JC, Maço 62, Caixa 204. .

Esse homem também era procurador de muitos negociantes estabelecidos em Lisboa e no ultramar. Para quem se encontrava em Lisboa, ele atuava desde fins do século XVIII mediando a concessão de passaportes a indivíduos que queriam vir ao Brasil ou para cá retornar depois de uma temporada no Reino16 16 Ver, entre muitos outros, os pedidos de emissão de passaportes para voltarem ao Rio de Janeiro feitos por Manuel Pinheiro Guimarães e família em 1798 e por Bernardino Peres em 1801. AHU-CU, Rio de Janeiro, Caixa 168, doc. 12.478 e Caixa 191, doc. 12.754. . Gente do Porto, em especial, valia-se de seus serviços para encaminhar e acompanhar o andamento de requerimentos em Lisboa. Vianna atuava também no negócio da emissão de passaportes para navios mercantes não ligados ao tráfico de africanos, tendo sido procurador em Lisboa de vários negociantes portuenses que pretendiam enviar seus barcos para fazer comércio no Rio de Janeiro17 17 Ver, por exemplo, AHU-CU, Rio de Janeiro, Caixa 245, doc. 16.697, datado de Lisboa, 8 de maio de 1807. Este é apenas um dos diversos pedidos de passaporte que ele mediou naquele ano; até 1816 encontraremos sinais dessa atividade desenvolvida por ele. ou então estabelecer-se ou fazer a navegação em outros portos americanos18 18 Ver requerimento de Joaquim Rodrigues Pinheiro, do Porto, pedindo passaporte para ir a Pernambuco, por seu procurador em AHU-CU, Pernambuco, Caixa 282, doc. 19.180, 20 de outubro de 1820; Despacho do passaporte do Senhora da Penha de França e São José Fortaleza para viagem do Porto à Bahia, 13 de setembro de 1807, em AHU-CU, Bahia, Caixa 249, doc. 17.176; Requerimento de José Almeida da Silva para obtenção de passaporte do navio Urano, para ir de Santos ao Reino, com escala na Ilha da Madeira. AHU-CU, São Paulo, Caixa 60, doc. 4.566, 8 de novembro de 1806. . Foram dezenas os pedidos mediados por Viana referentes à navegação entre os portos lusos e as capitanias do Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e São Paulo.

De modo similar, Viana despachava passaportes para navios que, do ultramar, desejavam viajar ao Reino, particularmente ao Porto19 19 AHU-CU, Pernambuco, Caixa 231, doc. 15.582, 1801 e Caixa 285, doc. 19.502, 1822. , e vamos encontrá-lo prestando serviços até mesmo a libertos, como Inácia Maria dos Prazeres que, depois de conseguir se livrar de seu ex-senhor Manuel Barbosa de Carvalho em Portugal, desejava regressar ao seu Pernambuco natal20 20 AHU-CU, Pernambuco, Caixa 258, doc. 17.296, datado de Lisboa, 16 de dezembro de 1805. .

Viana era perito em passaportes, inclusive os que encobriam atividades ilegais, como a entrada e saída de escravos no Reino, proibida desde 1761 e, a partir de 1776, permitida apenas a escravos marinheiros que deveriam retornar ao ultramar e não servir a senhores no território reinol - legislação que, capciosamente, vem sendo recuperada em tempos recentes como exemplos de um precoce e ilustrado abolicionismo português21 21 Ver, por exemplo, Marques (2017) e “Um regresso ao passado em Gorée. Não em nosso nome”. Diário de Notícias, 19/04/2017, disponível em http://www.dn.pt/portugal/interior/um-regresso-ao-passado-em-goree-nao-em-nosso-nome-6228800.html, acesso em 20/04/2017. . Quando veio do Grão-Pará, João Inácio de Siqueira, mestre do navio Senhora do Livramento e Telêmaco, trouxe consigo os meninos pardos Maria e Joaquim e as pretas Romana e Isabel, sendo esta última forra e trazendo consigo uma filha, criança de peito. Todos vieram de Benguela. Siqueira não teve qualquer embaraço para desembarcar com seu séquito negro em Lisboa, em 1809. Para justificar tudo isso e a viagem dos cinco jovens, Siqueira procurou os bons serviços de Viana22 22 AHU-CU, Rio de Janeiro, Caixa 255, doc. 17.422, datado de Lisboa, 23 de setembro de 1809. O documento não permite saber se o pedido foi atendido. . O empenho para introduzi-los no Reino nessa data sugere que eles eram tratados como escravos e deveriam servi-lo a bordo na próxima viagem ao Rio de Janeiro. Se fossem comprovadamente forros, não seriam necessárias tantas explicações.

Estrangeiros também procuravam Cunha Viana para aproveitar as boas chances criadas a partir da abertura dos portos do Brasil ao comércio. Foi o que fizeram o padre sardo Jerônimo Raggio e o espanhol João White, de Cádiz, este último desejoso de vir à Corte no Rio de Janeiro a bordo do navio inglês Rembler23 23 AHU-CU, Rio de Janeiro, Caixa 266, doc. 18.258, datado de 7 de agosto de c.1812 e Caixa 265, doc. 18.235, datado de Lisboa, 7 de julho de 1812. . João ou Juan White (como consta na grafia de seu nome em documentos escritos em espanhol e anexados ao pedido de passaporte) provavelmente era da mesma família de Jose Maria Blanco White, conhecido intelectual e abolicionista espanhol e seu contemporâneo que, no início do século XIX, juntamente com outros deputados às Cortes de Cádiz, combatiam o tráfico de escravos, que nessa altura ganhava força em Cuba e Porto Rico (BLAS; RAMOS-GOROSTIZA, 2014BLAS, Luis Perdices de; RAMOS-GOROSTIZA, José Luis. Blanco White, Spanish America, and Economic Affairs: The Slave Trade and Colonial Trade. History of Political Economy, v. 46, n. 4, p. 573-608, 2014.; FRADERA, 2013FRADERA, John M. Include and Rule: The Limits of Liberal Colonial Policy, 1810-1837. In: BROWN, Matthew; PAQUETTE, Gabriel (Eds.). Connections After Colonialism: Europe and Latin America in the 1820s. Tuscaloosa: The University of Alabama Press, 2013. p. 61-95., p. 72).

Nosso despachante de navios sentiu o baque da independência brasileira. Amigos seus esforçaram-se para ajudá-lo: Manuel José Maria da Costa e Sá, oficial da Secretaria da Marinha e Ultramar e deputado da Junta do Comércio, escreveu uma carta a Bernardo José d’Abrantes e Castro, membro do Conselho Ultramarino, sugerindo que se encontrasse um meio de apoiar Cunha Vianna, muito prejudicado em seus negócios em razão do reconhecimento do Império do Brasil24 24 AHU-CU, Colônia do Sacramento, Caixa 4, doc. 288, 20 de junho de 1826. . É possível que sugestões como essa tenham feito a carreira do despachante marítimo ganhar uma sobrevida depois de 1825, no setor de passaportes de navios do tráfico ilícito de escravos para o Brasil, como vimos, com o beneplácito e as vistas grossas de autoridades do Conselho Ultramarino e da Junta do Comércio. Temos aqui um exemplo revelador de como se dava a articulação entre agentes públicos das diferentes instâncias de poder no Estado português para ajudar um empresário privado, amigo de ambos. Em um mundo social e juridicamente desigual, auxiliar um bom amigo a manter seus negócios e sobreviver frente à transformação das leis era algo entendido como padrão de normalidade. É desalentador observar como tal padrão sobreviveu ao tempo e às transformações e como a transparência na ação do poder público é uma conquista rapidamente reversível quando a sociedade se mostra impotente, desarticulada ou desatenta.

Considerações finais

No que se refere à presença portuguesa no tráfico, a intenção aqui não foi tomar partido no binômio apontado na apresentação deste texto, que entendo como reducionista. No processo histórico do tráfico, as longas periodizações são relevantes para demonstrar tendências, mas podem nos fazer perder de vista a especificidade de questões perceptíveis em temporalidades mais curtas. De outro lado, a visão pode ficar obscurecida quando o estudioso adota o procedimento de aferrar-se aos dados seriais de um período limitado para elaborar explicações mais ambiciosas. Deixar as circunstâncias políticas e as transformações sociais de lado em nome da segurança dos dados numéricos pode ter o efeito colateral de nos fazer perder de vista a complexidade do processo histórico.

Seria necessário um exercício de história comparativa, que foge ao escopo deste artigo, para questionar o predomínio carioca no tráfico ou afirmar seu contrário, ou seja, a força da presença dos traficantes lusos na manutenção dos interesses metropolitanos, superando o persistente arcaísmo. Ao lidar com os dados aqui apresentados, pretendi demonstrar o esforço dos comerciantes portugueses em se manterem ativos no negócio negreiro, focando nos interesses comerciais existentes entre eles e seus homólogos nos portos americanos onde se dera a colonização lusa, sob a forma de sociedades capitalistas ou representação de comerciantes ultramarinos em Lisboa e no Porto. Nesse esforço, eles puderam contar com o importante apoio da Coroa portuguesa em uma conjuntura periclitante e na qual muita coisa estava em jogo: as relações com seu secular e mais importante aliado externo (a Grã Bretanha), a perda do poder político sobre seu mais importante domínio colonial (o Brasil), a tentativa de continuar presente no lucrativo tráfico negreiro para sua antiga colônia americana e a viabilização de um novo projeto colonial, agora focado na África.

Isso não desfaz as ideias do arcaísmo como projeto, do empreendedorismo carioca (ou pernambucano, ou baiano, enfim) ou do predomínio lisboeta no tráfico: apenas reforça a busca da sobrevivência nos negócios, com seus agentes atuando em mais de uma frente e lidando com um mundo em rápida mutação. Trata-se, enfim, de sujeitos históricos enfrentando as adversidades de seu tempo, lançando mão das armas e dos aliados de que dispunham.

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  • REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos; CARVALHO, Marcus J. M. de. O alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico negro (c. 1822-c. 1853). São Paulo: Cia das Letras, 2010.
  • RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Cia. das Letras, 2005.
  • ______. No mar e em terra: história e cultura de trabalhadores escravos e livres. São Paulo: Alameda, 2016.
  • ______. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil, 1800-1850. Campinas: Ed. da Unicamp, 2000.
  • RODRIGUES, José Honório. Independência: revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. 5 v.
  • SÁ, Victor de. Lisboa no liberalismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1992.
  • VERGER, Pierre. Notícias da Bahia de 1850. Salvador: Corrupio; Fundação Cultural da Bahia, 1981.

Notas

  • 1
    Bem conhecidos dos estudiosos do fim do tráfico de africanos para o Brasil, os três documentos estão disponíveis online. O Tratado da abolição do tráfico de escravos em todos os lugares da costa de África ao norte do equador, entre os muito altos e muito poderosos senhores o Príncipe Regente de Portugal e El-Rei do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda, feito em Viena pelos plenipotenciários de uma e outra Corte em 22 de janeiro de 1815, e ratificado por ambas está reproduzido em fac símile em <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1764>; a Convenção Adicional ao Tratado de 22 de janeiro de 1815 entre os muito altos, e muito poderosos senhores El-Rei do Reino Unido de Portugal, do Brasil e Algarves e El-Rei do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda, feita em Londres pelos plenipotenciários de uma e outra Corte em 28 de julho de 1817, e ratificada por ambas e o Artigo separado da Convenção assinada em Londres aos 28 de julho de 1817. Adicional ao tratado de 22 de janeiro de 1815 [...]. Feito em Londres pelos plenipotenciários de uma e outra Corte em 11 de setembro de 1817 e ratificado por ambas podem ser lidos em <http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/1866>, acesso em: 20 abr. 2017.
  • 2
    Reunidos em Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, Junta do Comércio (doravante ANTT-JC), Maço 62, Caixa 204. Reformada em 1788, a Junta do Comércio adquiriu funções regulatórias e de tribunal entre fins do século XVIII e ao longo do século XIX, sendo composta por deputados nomeados pela Coroa e que acumulavam os cargos de secretário, juiz conservador e fiscal. Ver Guimarães (2008, p. 288-290).
  • 3
    Destacamos alguns trabalhos que têm contribuído para ampliar o conhecimento acerca dos traficantes e suas conexões. Ver Albuquerque (2016), Gomes (2016) e Jesus (2004).
  • 4
    Esta é a única embarcação em que Esteves Alves aparece ao lado de um sócio, no caso, Domingos José de Miranda. Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, consultado a partir de http://resgate.bn.br (a partir daqui AHU-CU), Pará, Caixa 146, doc. 11.069, 22 de fevereiro de 1814.
  • 5
    “Autos de requerimento e justificação de João Esteves Alves para habilitação do seu brigue Restaurador”. ANTT-JC, Caixa 204, Maço 62.
  • 6
    “Autos de requerimento e justificação de João Esteves Alves para habilitação do seu brigue Restaurador”. ANTT-JC, Caixa 204, Maço 62.
  • 7
    “Autos de requerimento e justificação de João Esteves Alves para habilitação do seu brigue Restaurador”. ANTT-JC, Caixa 204, Maço 62.
  • 8
    Passaporte para viagem Lisboa-Barcelona-Rio de Janeiro, 14 de agosto de 1816 em AHU-CU, Rio de Janeiro, Caixa 276, doc. 19.164; passaporte para viagem entre Lisboa-Tenerife-Angola-Brasil transportando 180 escravos, 7 de outubro de 1818 em AHU-CU, Avulsos do Brasil, Caixa 43, doc. 3.460.
  • 9
    AHU/CU, Ultramar, Caixa 25, doc. 2.131, requerimento de 2 de junho de 1818.
  • 10
    “[...] as embarcações que não tiverem lugar decente e digno aonde se pudesse celebrar o santo sacrifício da missa e de pequena tripulação fossem dispensadas de levar capelão, determinação tão sábia como prudentemente tomada, que alivia de um mui oneroso ônus a navegação das embarcações dos seus fiéis vassalos [...]”. AHU-CU, Maranhão, Caixa 180, doc. 13.092, 9 de março de 1831. A mesma embarcação pede passaporte para ir ao Maranhão em janeiro de 1832, cf. AHU-CU, Maranhão, Caixa 180, doc. 13.106.
  • 11
    AHU/CU, Bahia, Caixa 249, doc. 17.165; AHU-CU, Pará, Caixa 144, doc. 10.955; AHU-CU, Maranhão, Caixa 166, doc. 12.110, 5 de junho de 1821; “Autuação do requerimento de Antônio José de Amorim...” e “Autuação do requerimento de Manuel Ribeiro da Silva, proprietário do bergantim Lucrécia, destinado a comércio de escravos”, em ANTT-JC, Maço 62, Caixa 204; AHU-CU, Pará, Caixa 164, docs. 12.522, 12.547, 12.569 e 12.585; “Autuação de requerimento de Manuel José Rodrigues, proprietário do brigue escuna Especulador Africano a comércio de escravos” e “Autuação de requerimento de João José de Faria, proprietário do bergantim denominado General Sampaio a comércio de escravos” em ANTT-JC, Maço 62, Caixa 204.
  • 12
    Salvo indicação em contrário, as informações deste e dos parágrafos a seguir provém de ANTT-JC, Maço 62, Caixa 204.
  • 13
    Passaporte da Junta de Sucessão Provincial do Pará autorizando a galera Maria a partir do Pará rumo a Lisboa (Belém, 1 de junho de 1821), em AHU/CU, Pará, Caixa 152, doc. 11.622; passaportes autorizando mesma galera ir de Lisboa ao Pará em 4 de abril de 1818, 14 de novembro de 1821 e 3 de agosto de 1822, em AHU/CU, Pará, Caixa 162, doc. 12.408; Caixa 151, doc. 11.687 e Caixa 155, doc. 11.894; passaporte para viagem de Lisboa para a Bahia e Angola em AHU/CU, Bahia, Caixa 261, doc. 18.258.
  • 14
    Passaporte emitido em 20 de junho de 1821 autorizando a viagem de Lisboa para Bahia do São Nicolau Augusto em AHU-CU, Bahia, Caixa 264, doc. 18.620; termo de juramento como proprietário do navio em 1 de junho de 1822 em AHU-CU, Bahia, Caixa 269, doc. 18.947; requerimento de bilhete de estilo (passaporte) para o navio seguir viagem rumo a São Luís em 4 de agosto de 1826 em AHU/CU, Maranhão, Caixa 179, doc. 12.953.
  • 15
    O Astrea, o Dois Irmãos, o Especulador Africano ou Especuladora Africana, o General Sampaio, o Maria Teresa, o Orfeu, o São Nicolau Augusto, o Via Láctea, o Voador, o Lucrécia e o Conde dos Arcos, todos em ANTT-JC, Maço 62, Caixa 204.
  • 16
    Ver, entre muitos outros, os pedidos de emissão de passaportes para voltarem ao Rio de Janeiro feitos por Manuel Pinheiro Guimarães e família em 1798 e por Bernardino Peres em 1801. AHU-CU, Rio de Janeiro, Caixa 168, doc. 12.478 e Caixa 191, doc. 12.754.
  • 17
    Ver, por exemplo, AHU-CU, Rio de Janeiro, Caixa 245, doc. 16.697, datado de Lisboa, 8 de maio de 1807. Este é apenas um dos diversos pedidos de passaporte que ele mediou naquele ano; até 1816 encontraremos sinais dessa atividade desenvolvida por ele.
  • 18
    Ver requerimento de Joaquim Rodrigues Pinheiro, do Porto, pedindo passaporte para ir a Pernambuco, por seu procurador em AHU-CU, Pernambuco, Caixa 282, doc. 19.180, 20 de outubro de 1820; Despacho do passaporte do Senhora da Penha de França e São José Fortaleza para viagem do Porto à Bahia, 13 de setembro de 1807, em AHU-CU, Bahia, Caixa 249, doc. 17.176; Requerimento de José Almeida da Silva para obtenção de passaporte do navio Urano, para ir de Santos ao Reino, com escala na Ilha da Madeira. AHU-CU, São Paulo, Caixa 60, doc. 4.566, 8 de novembro de 1806.
  • 19
    AHU-CU, Pernambuco, Caixa 231, doc. 15.582, 1801 e Caixa 285, doc. 19.502, 1822.
  • 20
    AHU-CU, Pernambuco, Caixa 258, doc. 17.296, datado de Lisboa, 16 de dezembro de 1805.
  • 21
    Ver, por exemplo, Marques (2017) e “Um regresso ao passado em Gorée. Não em nosso nome”. Diário de Notícias, 19/04/2017, disponível em http://www.dn.pt/portugal/interior/um-regresso-ao-passado-em-goree-nao-em-nosso-nome-6228800.html, acesso em 20/04/2017.
  • 22
    AHU-CU, Rio de Janeiro, Caixa 255, doc. 17.422, datado de Lisboa, 23 de setembro de 1809. O documento não permite saber se o pedido foi atendido.
  • 23
    AHU-CU, Rio de Janeiro, Caixa 266, doc. 18.258, datado de 7 de agosto de c.1812 e Caixa 265, doc. 18.235, datado de Lisboa, 7 de julho de 1812.
  • 24
    AHU-CU, Colônia do Sacramento, Caixa 4, doc. 288, 20 de junho de 1826.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2017
  • Aceito
    22 Jul 2017
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