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A miragem do carburante nacional: árvores, açúcar e o terreno da construção de combustíveis alternativos no Primeiro Governo Vargas (1930-1945)

The mirage of national fuel: trees, sugar and the ground construction of alternative fuels in the First Government Vargas

Resumo

Enquanto solução para a crise de superprodução açucareira, fator de equilíbrio para a balança comercial, exploração de recursos naturais e de estratégia militar, os combustíveis alternativos ilustraram vários discursos durante o Primeiro Governo Vargas. O presente artigo visa analisar o papel desempenhado pelas políticas de fomento à produção de combustíveis alternativos no Brasil. Nesse sentido, ele centra a sua análise nas ideias, na circulação de tecnologia e nas tensões geradas pelo aumento da utilização desses combustíveis alternativos. Outro aspecto a ponderar será a silvicultura e a agricultura científica que se tornaram locus privilegiado dos discursos em prol do uso racional das florestas e do solo. Assim, propõe-se discutir as ideias de acadêmicos, técnicos, estadistas e agricultores na construção do que se chamou “combustíveis nacionais”. Sobre o assunto, as revistas agrícolas, a legislação florestal e açucareira, os trabalhos técnicos do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e do Instituto do Açúcar e do Álcool foram de crucial importância. A abordagem do fortalecimento das políticas de combustíveis alternativos permite que se compreenda a forte ênfase dada à autossuficiência energética em um quadro maior de crise açucareira, agricultura predatória e devastação do patrimônio florestal.

Palavras-chave:
Combustíveis alternativos; Patrimônio florestal; Açúcar

Abstract

As a solution to the sugar overproduction crisis, a balance factor in the trade balance, the exploitation of environmental resources and military strategy, alternative fuels illustrate many speeches in the first Vargas Government. This article aims to analyze the role played by the promotion of policies to produce alternative fuels in Brazil. In view of that, we focus the analysis on ideas, on the flow of technology, and in the tensions generated by the increased use of these alternative fuels. The forestry and scientific agriculture became privileged locus of speeches in favor of the rational use of forests and soil. As a result, we aims to discuss the academic, technical, statesmen, and farmers ideas in the construction of what is called "national fuels". On the subject, agricultural magazines, forest and sugar laws, the technical work of the “Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio” (Ministry of Agriculture, Industry, and Commerce) and, the “Instituto do Açúcar e do Álcool” (Sugar and Alcohol Institute) were of crucial importance. The approach to the strengthening of alternative fuels policy allows to understand the obsessive attitude toward energy self-sufficiency in a larger movement of sugar crisis, predatory agriculture and devastation of the forest heritage.

Keywords:
alternative fuels; forest heritage; sugar

Poderíamos dizer que a primeira fase de debates e pesquisas sobre a utilização do gasogênio1 1 Nascimento (1987, p. 9) aclara que “os gasogênios eram aparelhos destinados a produzir combustível gasoso através da queima incompleta de substâncias sólidas como carvão mineral e vegetal, lenha e mesmo detritos vegetais, como, por exemplo a casca do babaçu. Os gases produzidos, além da geração de calor, poderiam ser utilizados na alimentação de motores a explosão em instalações fixas ou automotoras, advindo daí as possibilidades de sua aplicação em veículos de transporte como substituto dos combustíveis líquidos tradicionalmente usados nos mesmos”. e do álcool no Brasil remontam à Primeira República. Esse esforço de pesquisa voltado para a utilização das florestas como combustível tornou-se corrente desde os anos de 1910. Por sua vez, nesse momento, o álcool seria utilizado em pequena escala em caminhões, tratores, pequenas instalações para iluminação elétrica, acionamento de bombas, máquinas de beneficiamento, dentre outras. Em verdade, essa atividade já atendia a uma maior procura por combustíveis. No entanto, uma série de motivos contribuiu para que a construção da política de combustíveis tivesse um lento começo. Por outro lado, efetivamente, já se enunciava um papel estratégico para os combustíveis alternativos, assim como as bases de uma afirmação definitiva em prol de políticas de fomento ao gasogênio e ao álcool.

Fato é que, no primeiro Governo Vargas, as condições passaram a diferir de modo a produzir um número crescente de políticas e atitudes, granjeando uma maior receptividade e investimentos em combustíveis alternativos. Importantes destilarias foram montadas e experiências foram feitas para a utilização do álcool e das florestas como agente de luz, força motriz e calor. Aliás, colocaram-se em prática ou foram propostas medidas vitais que provocariam uma verdadeira revolução na posição ocupada por esses subprodutos da cana-de-açúcar e das matas brasileiras. O aumento do número de veículos e a escassez de combustíveis gerada pela Segunda Guerra foram fatores importantes nesse momento. Como ocorreu em vários países, o Brasil passou a ser partidário da necessidade de diminuir a dependência do petróleo americano e minimizar o déficit na balança comercial. Como afirma Gildo Magalhães dos Santos Filho (2004), a tecnologia adquire maior relevo quando pesa na sua aplicação uma relação de produção e se tornam explícitos os valores econômicos envolvidos. Ademais, realmente, não eram escassas as fontes de energia que poderiam ser utilizadas no Brasil.

Vê-se, assim, que se aliavam os altos custos de importação do petróleo a um rol expressivo de matérias-primas nacionais que poderiam ser utilizadas como combustível. Deve ser levado em conta que ocorreu mesmo uma circulação de tecnologias, ideias e modelos de políticas públicas entre diversos países. Se, no início, a busca por combustíveis alternativos refletia um enfoque mais econômico, passou-se progressivamente a incorporar preocupações estratégicas dos militares com a deflagração da Segunda Guerra Mundial. Sobre tudo isso, ainda se acrescentavam as questões ambientais oriundas, em grande parte, da introdução paulatina da ciência na agricultura e nas reservas florestais. Mas é certo que, por ter um recorte e abordagem eminente políticos, a associação dos combustíveis alternativos ao processo crescente de desmatamento e à crise de superprodução açucareira ficou relegada aos espaços pouco estudados ou “sombreados” - para utilizar a expressão de Francisco Foot Hardman (1988HARDMAN, F. F. Cidades errantes: representações do trabalho urbano-industrial nordestino no século XIX. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Vértice, Ed. Revista dos Tribunais, Anpocs, p. 64-80, 1988.).

Parece fundamental enveredar por uma análise que antecede ao Proálcool e, mais recentemente, as políticas de incentivo ao álcool e aos biocombustíveis - objeto de uma maior atenção dada pela historiografia sobre combustíveis alternativos. Em outras palavras, perceber de que maneira as preocupações em nacionalizar a produção de combustíveis já estavam na ordem do dia desde o início do século XX. De fato, foram objeto de uma política diferenciada e de um conjunto de posições e atitudes que caracterizaram os trabalhos de estadistas, agricultores e técnicos. Indaga-se, assim, de que maneira um conjunto documental formado por revistas agrícolas, boletins do Ministério da Agricultura, folhetos e livros técnicos podem trazer ao centro do debate uma fase de desenvolvimento de tecnologias nacionais e as suas implicações na economia açucareira e no patrimônio florestal.

Este trabalho também tem como objeto de preocupação o conjunto de críticas e ideias que buscavam minimizar os problemas ambientais, como a silvicultura e a chamada agricultura científica na lavoura canavieira. Ou seja, de que forma os discursos e políticas energéticas podem colocar no centro do debate historiográfico algumas questões fundamentais para pensar um desenvolvimento insustentável.2 2 Warren Dean (1996, p. 337-332) utiliza a ideia de desenvolvimentos insustentáveis para analisar a década de 1970 no Brasil. Mas é preciso que se atente para os pontos de similaridade em ambos os projetos em desenvolvimento nesses dois períodos, principalmente quando apresentam uma visão de exploração praticamente descontrolada do patrimônio florestal, a defesa do reflorestamento fortemente atrelado ao eucalipto e a falta de preocupação com as mudanças na paisagem. Nesse sentido, a crescente utilização dos subprodutos da cana e das florestas como uma solução para uma crise energética e de superprodução são questões centrais para o entendimento do que se pode chamar de uma política dos carburantes nacionais e suas consequências agrícolas e ambientais. Há que se ter em conta que a ânsia por desenvolver pesquisas sobre combustíveis alternativos passava a estar cada vez mais ligada às políticas públicas. Se a intenção inicial era racionalizar a produção de combustíveis, caminhou-se, na verdade, para um dirigismo do Estado sobre esses produtos.

Como é possível perceber, as novas técnicas voltadas para o álcool, mais cedo ou mais tarde, foram adotadas por todos os países produtores de açúcar. Assim como a ideia de prodigalidade da natureza sugeria a possibilidade de implantação de um modelo enérgico que tivesse como uma das bases as grandes reservas florestais existentes em alguns países, consideradas suscetíveis de serem renovadas. Ademais, pode-se perceber que a exploração racional dos solos e das matas era pensada como uma solução para controlar o desmatamento oriundo do uso das áreas florestais ou do avanço dos canaviais. O zelo fortificador em tempos de guerra e uma balança comercial negativa somaram-se a um quadro de fortalecimento da agricultura científica, da silvicultura e de circulação de tecnologias. Seria, por outro lado, bastante esclarecedor perceber que as preocupações ambientais e uma exploração racional dos solos tornaram-se uma questão de grande interesse naquele tempo. Os problemas e a demora para colocar muitas dessas ideias em prática acabaram por fortalecer transformações nos setores agrícola e energético, mesmo que essas mudanças não se apresentassem totalmente despojadas das antigas práticas de cultivo ou do tradicional manejo dos recursos naturais.

O combustível nacional e a escolha pelo açúcar

Os estudos voltados para a produção de combustíveis alternativos tiveram interesse em uma gama variada de matérias-primas. No Brasil, ressaltava-se como uma possibilidade a produção do álcool de mandioca, batata-doce, milho, beterraba, inhame, sorgo, frutos de palmeiras, dentre outros. A percepção e a representação do álcool de cana como o mais viável e econômico foi, lentamente, tomando força como objeto de preocupação maior por apresentar uma saída para a grave crise de superprodução que assolava o setor açucareiro. Além disso, havia, de fato, uma herança importante já difundida através da propaganda e das demandas feitas pela Sociedade Nacional da Agricultura durante toda a Primeira República (MENDONÇA, 1990MENDONÇA, S. R. Ruralismo: agricultura, poder e Estado na Primeira República. 1990. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990.). A partir de certo momento, o álcool de cana integrava-se definitivamente ao conjunto de combustíveis que se constituíram em uma preocupação principal não só dos produtores de açúcar, mas também do Governo. Deixou de estar à margem, para se tornar o sustentáculo de uma política de fomento aos combustíveis alternativos. Nesse particular, a indústria alcooleira demonstrou ser razoavelmente elástica para dar uma resposta às necessidades tanto da expansão do setor automotivo em tempos de Guerra como de um setor açucareiro que enfrentava uma crise de superprodução que era mundial, diminuindo as possibilidades de exportação.

A mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo Vice-Presidente do estado de São Paulo, Heitor Teixeira Penteado, em 1930, é ilustrativa para a compreensão da importância que a indústria alcooleira3 3 Como é sabido, o álcool pode ser obtido não apenas do melaço, ou seja, álcool residual, mas também diretamente da cana. Ademais, o álcool divide-se em dois produtos diferentes: o álcool hidratado, usado principalmente como matéria-prima, como insumo industrial ou como um substitutivo inferior para a gasolina; já o álcool anidro é usado como um aditivo oxigenante para a gasolina. Foi a produção do álcool anidro que o Governo Vargas tentou promover (SZMRECSÁNYI, 1988, p. 62-63). passou a ter com o acirramento da crise do setor açucareiro após a conjuntura negativa do pós-1929. Retomava-se o ideal do álcool como a solução para a crise de superprodução do setor açucareiro e uma alternativa para o setor energético.

A utilização do álcool industrial poderá constituir uma nova válvula regularizadora do mercado açucareiro. São numerosas as suas aplicações. Por ser mais perfeita e resistirem a uma compressão maior os seus gases, o álcool, não obstante possuir menos valor calorífico que a gasolina, torna-se quando empregado em mistura com certos corpos, bastante eficiente para acionar motores a explosão [...]. Todavia, para que esta industrialização do álcool como motor possa alcançar o desejado êxito, torna-se necessário remover certos obstáculos de ordem fiscal, facilitar o seu transporte e o seu comércio, e intensificar a sua fiscalização (SÃO PAULO, 1930, p. 37-38).

Sob tal prisma, o Governo implementaria, através do Decreto n. 19.717, de 20 de fevereiro de 1931, a obrigatoriedade da mistura de 5% de álcool em toda a gasolina importada. Além disso, esse decreto estabeleceu que os automóveis a serviço da União, Estados e Municípios deveriam utilizar álcool ou, na falta deste, um carburante com pelo menos 10% de álcool. As estradas de ferro também só poderiam cobrar um frete inferior a 50% do estabelecido para a gasolina, e os automóveis de carga ou de passageiros com motores de compressão um para seis teriam um abatimento de 20% sobre os direitos de importação (VELLOSO, 1942VELLOSO, L. Legislação açucareira e alcooleira (1931-1942). v. 1. Rio de Janeiro: IAA, 1942., p. 7).

Na prática, como aponta Pedro Ramos (1999RAMOS, P. Agroindústria canavieira e propriedade fundiária no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, 1999., p. 91), esses primeiros dispositivos legais só se consolidariam como marcos efetivos da intervenção estatal com a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool, em 1933. Certo é que ao centralizar os compromissos provenientes de uma relação secular entre os produtores de açúcar e o Estado, o IAA gesta e fabula com base na produção alcooleira uma revisão da mesma cantilena de recuperação dos tempos áureos da indústria açucareira brasileira. Não resta dúvida que a vocação agrícola, ou mesmo açucareira, foi um fator de legitimidade da visão do álcool como o combustível nacional pelo Instituto. É preciso que se tenha em conta que a intervenção do Estado foi intensificada, possibilitando colocar em prática muitas ideias e demandas dos produtores de açúcar pensadas e levantadas nos anos anteriores (IAA, 1949). O IAA redigiu uma importante legislação açucareira e alcooleira donde emergiam interesses até então difíceis de conciliar (VELLOSO, 1942VELLOSO, L. Legislação açucareira e alcooleira (1931-1942). v. 1. Rio de Janeiro: IAA, 1942.).

A resposta ao que seria feito com o excesso das canas plantadas não pode ser vista como uma história particular do Brasil. A solução mundial aos excessos do açúcar seria a sua conversão em álcool, estabelecendo um equilíbrio que escapava dos baixos preços do mercado externo. O fortalecimento global do álcool ocorreu tanto nos países produtores de açúcar de cana quanto de beterraba. As experiências na França, Alemanha, Inglaterra, Cuba, Argentina, dentre outros, criaram uma rede de circulação de saberes técnico-científicos que se fortaleceram com uma participação cada vez mais ativa do Estado. Ademais, as próprias políticas de fomento adotadas em outros países serviriam de modelo, como no caso das misturas. Em 1922, a França foi o primeiro país que promulgou uma lei tornando obrigatória a adição de certa quantidade de álcool a toda gasolina importada,4 4 Essa resolução foi tomada pelo conselho do Comité Scientifique du Carburant nomeado pelo governo francês para estudar a questão, após os brilhantes resultados da experiência realizada em Beziers, em abril de 1922 (VIZIOLI, 1930, p. 26). sendo seguida rapidamente por outros países.5 5 Diante dos diagnósticos apresentados acerca do agravamento da crise do setor açucareiro, em 1932, o Governo implementaria uma forte campanha para a divulgação do álcool-motor, chegando a autorizar misturas contendo 60% de álcool de baixa qualidade com 40% de gasolina (TRUDA, 1937, p. 97).

A tão aclamada vocação das terras brasileiras para o açúcar soava como um contraponto fundamental à crescente importação de combustíveis estrangeiros. Deve-se dar o devido relevo ao significativo aumento no pós-1930 com os gastos com gasolina. Durante o período da Guerra até 1943, o país gastou Cr$ 4.137.528.000,00 só com a importação de petróleo e derivados. Assim, o álcool passou a ser visto também como uma forma de poupar divisas (GUIMARÃES, 1991GUIMARÃES, C. G. A indústria álcool-motora no Primeiro Governo Vargas (1920-1945). 1991. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1991., p. 97). Esse pensamento tão representativo da época tornou-se hegemônico nas falas presentes em periódicos e relatórios técnicos de diversas instâncias governamentais. Esse lado da questão em relação ao álcool pode ser inferido pela fala do futuro presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool, Gileno Dé Carlí.

Ocorrerá, fatalmente, portanto, o aumento da matéria prima. Impossibilitado de produzir açúcar, abre-se-nos o caminho da fundação de um gigantesco parque industrial para álcool anidro. Rota acertada. Diretiva econômica lógica. Consequência: gradativa nacionalização do combustível e segurança absoluta dos justos preços do açúcar. [...] O Brasil, em matéria de combustível, é um país colônia. Andamos arrastando cifras fantásticas, para transformação em movimento, em circulação, em força. Porém, nem sempre é motivo de orgulho a ostentação nas colunas de importação, de números astronômicos (DÉ CARLÍ, 1942aDÉ CARLÍ, G. Aspectos da economia açucareira. Rio de Janeiro: Editores Irmãos Pongetti, 1942a., p. 46).

A intenção do IAA era claramente transformar o açúcar na principal base de produção de combustíveis alternativos. A ideia de apresentar a cana como matéria-prima mais econômica encontra-se presente em vários textos e discursos do período.6 6 Um exemplo seria a fala de Vizioli (1930, p. 12). Ele enfatizava que o melaço das usinas constitui para o industrial açucareiro a matéria-prima mais barata na fabricação do álcool. Sob o seu ponto de vista, o custo de produção poderia ser considerado nulo. Em torno desse pensamento se deu o desenvolvimento de pesquisas há muito financiadas pelo Governo, tanto para aperfeiçoar o carburante nacional como para justificar a sua supremacia frente a outros produtos. Já em 1931, em uma conferência organizada pela SNA, o chefe do Serviço Geológico do Ministério da Agricultura, Luiz Flores de Morais Rego, afirmava que, dentre os recursos brasileiros em carburantes de substituição,

o álcool, derivado da indústria do açúcar e futuramente extraído de outros produtos vegetais por processos modernos, é incontestavelmente o produto nacional mais apto ao emprego intensivo como carburante de substituição. Diversas razões concorreram para tanto: a multiplicidade de fontes capazes de produzi-lo, espalhadas por todo o país; a facilidade de intensificação imediata de sua produção pela indústria açucareira, com melhor aproveitamento dos melaços e aumento de rendimento da fermentação, e pelo tratamento por processos modernos de outros produtos vegetais e, finalmente, a possibilidade de obtê-lo por preço muito baixo pelo fator de aperfeiçoamento dos processos de fabricação (REGO, 1931REGO, L. F. M. Os carburantes nacionais e o álcool (Conferência feita em 03/03/1931, na Sociedade Nacional de Agricultura pelo chefe do Serviço Geológico do Ministério da Agricultura, Rego). A Lavoura: Boletim da Sociedade Nacional da Agricultura. Rio de Janeiro: Tip. do Jornal do Commercio, p. 70-75, abr.-jun. 1931., p.72).

À revelia de uma crise gerada pela superprodução, o controle da produção parecia causar calafrios na maioria dos representantes do açúcar, embora já o fosse adotado em outros países há algum tempo.7 7 Em 1911, Augusto Ramos afirmava que existia na Alemanha uma lei que praticamente impunha a cada usina, ano por ano, o contingenciamento da sua produção. Foram os próprios usineiros que a solicitaram ao Governo alemão, assim como o Governo Paulista proibiu os fazendeiros de abrir nova plantação de café (BRANDÃO SOBRINHO, 1912, p. 12). As pesquisas e experimentações com combustíveis alternativos trariam o anelo de alcançar o “justo preço” e minimizar os efeitos da exportação forçada para aumentar os preços no mercado interno, ou seja, as chamadas cotas de sacrifício. O equilíbrio entre a produção e o consumo ligava-se ainda mais ao consumo nacional, agora dos subprodutos da cana-de-açúcar. Nesse momento, caberia ao Estado tentar racionalizar esse processo produtivo com a criação desde centros de pesquisa até a propaganda no mercado. Tal mecanismo de defesa possibilitou não apenas manter ativa a cambaleante economia açucareira, como ainda lhe reforçava as bases ao financiar para os homens ligados ao açúcar um parque destilador de álcool anidro (SAMPAIO, 2015SAMPAIO, M. Afinal, alternativo a quê? Agente motriz, álcool-motor, carburante nacional, álcool anidro, álcool hidratado ou etanol: o combustível “verde-amarelo”. Cadernos Ceru, São Paulo, v. 25, n. 2, p. 39-66, 2015., p. 45). Isto é, era imperioso auxiliar a nascente indústria alcooleira como o principal meio para debelar a crise de superprodução que assolava o setor açucareiro desde muito. Esse discurso se faria presente no próprio Estatuto de criação do IAA, em 1933.

Considerando que, desde as medidas iniciais, de emergência e preparatórias, sempre se considerou que a solução integral e a mais conveniente à economia nacional para as dificuldades da indústria açucareira, está em derivar para o fabrico do álcool industrial uma parte crescente das matérias-primas utilizadas para a produção de açúcar. [...] considerando que o consumo de álcool industrial oferece um mercado cada vez maior, com possibilidades quase ilimitadas [...] (VELLOSO, 1942VELLOSO, L. Legislação açucareira e alcooleira (1931-1942). v. 1. Rio de Janeiro: IAA, 1942., p. 85).

Em verdade, o exame dos relatórios e da legislação açucareira revela a expansão dos estímulos ao consumo do álcool de cana feita pelo Estado às expensas de outras matérias-primas. O IAA teria um papel fundamental tanto na adaptação dos veículos como no aumento do consumo, principalmente através da obrigatoriedade de uso. Um exemplo ilustrativo seria a postura tomada pelo IAA em 1938. Numa atuação conjunta com o Conselho Federal de Comércio Exterior, o Instituto obrigou as companhias importadoras de gasolina a manterem bombas destinadas à distribuição de álcool anidro (Conselho Federal de Comércio Exterior, 1944, p. 83-84). Também em 21 de fevereiro de 1941, com a resolução da Comissão Executiva, o Instituto daria um novo impulso para a indústria alcooleira com a elevação para 20% do teor da mistura álcool-gasolina. A breve apreciação do Estatuto de criação do IAA atesta o alto grau de controle que o Instituto teria sobre a produção e o consumo da produção alcooleira. Vale ainda ressaltar que devido à complexidade do assunto, criou-se uma Secção para cuidar das questões específicas da produção alcooleira - a Secção do Álcool-Motor -, sendo que a ela caberia cuidar do

recebimento do álcool destinado à mistura, entrega da parte pertencente às companhias e empresas importadoras de gasolina, preparação e venda do novo carburante para as repartições públicas e distribuição por todos os centros de consumo (VELLOSO, 1942VELLOSO, L. Legislação açucareira e alcooleira (1931-1942). v. 1. Rio de Janeiro: IAA, 1942., p. 323).

Por outro lado, é de lembrar que o intervencionismo do IAA ficaria facilitado pelo Estado Novo. Para Gnaccarini (1972GNACCARINI, J. C. A. Estado, ideologia e ação empresarial na agroindústria açucareira do Estado de São Paulo. 1972. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1972., p. 72), a indústria álcool-motora teria um novo destaque nesse período, pois a “questão do açúcar como um problema nacional e a ideia do dirigismo estatal firmava-se na ideologia dominante”. Releva assinalar que, nesses anos, ocorreria um recrudescimento da crise de produção, o que levou muitos produtores de açúcar a repensarem o papel da indústria alcooleira. Esse novo posicionamento modificou a própria matéria-prima utilizada na fabricação do álcool, que passou a ser feito realmente com os excessos da produção açucareira. Como se sabe, durante o Governo Provisório, o álcool era feito somente com os resíduos do açúcar e as sobras dos canaviais. Segundo Guimarães (1991GUIMARÃES, C. G. A indústria álcool-motora no Primeiro Governo Vargas (1920-1945). 1991. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1991., p. 94), essa nova fase da indústria alcooleira foi um reflexo direto da ampliação dos poderes do Estado após o golpe que daria início ao Estado Novo. Além disso, a criação de diversas seções referentes à produção sucroalcooleira ressaltava uma maior inserção da agroindústria canavieira no projeto corporativo do Estado.

Além disso, o IAA desenvolveria estratégias para convencer a população da importância do álcool-motor, através de congressos e patrocínios de corridas, como no caso da Subida da Tijuca, em 1938, e o Grande Prêmio da Cidade do Rio de Janeiro, em 1939.8 8 O principal objetivo do Instituto era aumentar o consumo nas cidades mais industrializadas, como no caso de São Paulo, que já consumia no período 50% da gasolina importada. Tendo em conta que São Paulo seria o Estado com o maior número de automóveis no Brasil, o seu papel como um dos principais produtores e consumidores possibilita entrever o panorama mais amplo da modernização do estado e a sua relação intrínseca com a expansão da indústria sucroalcooleira pelo país, como se observa no Gráfico 1.


Mas, se os combustíveis alternativos assumiram uma importância crescente como fonte de energia, estratégia militar e de escoamento dos excessos açucareiros, os problemas ambientais apresentavam-se como uma realidade distinta daquelas propugnadas frequentemente nos discursos que marcaram a fala desses atores sobre os benefícios da agricultura científica. A opção pelo álcool e não por um maior contingenciamento da produção sem dúvida afetou muito mais diretamente as florestas em face das características ainda predatórias das técnicas de cultivo e da continuação da utilização da lenha nos fornos das usinas e nas estradas de ferro. O aumento da produção sucroalcooleira se deu em grande medida com o avanço sobre novas áreas.

Simplesmente citada na maior parte dos trabalhos, pouca atenção vem sendo dada ao gap tecnológico tanto na parte industrial quanto na parte agrícola da produção sucroalcooleira brasileira quando comparada aos principais produtores de açúcar mundial. Mais ainda: se algumas grandes fábricas brasileiras passaram a adotar uma tecnologia próxima aos grandes produtores de açúcar, a lavoura ainda era marcadamente feita pelos moldes de uma agricultura extensiva. Ou seja, a incorporação de novas técnicas de cultivo se dava com muito mais vagar. Chamava a atenção a fala de Vizioli (1924VIZIOLI, J. A indústria sacarina no Brasil. A Lavoura. Boletim da Sociedade Nacional da Agricultura. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, p. 10-15, maio-jun. 1924.) para o fato de que não era só devido às deficiências na fábrica que Pernambuco, com uma superfície de 129.000 km², produzia apenas 217.750t, quando Cuba, com 125.000 km², produzia 3.750.000t. Duas décadas mais tarde, Dé Carlí (1942b) acabaria por concordar com Vizioli ao asseverar que não se percebia que se estava plantando em áreas cada vez maiores, embora o rendimento estivesse baixando cada vez mais devido ao esgotamento dessas terras.

De fato, no Brasil, a destruição das florestas brasileiras se fez presente nas duas principais regiões açucareiras. Não obstante, os problemas ambientais causados pela ampliação do cultivo da cana em várias de suas regiões não constituíram o cerne dos escritos e discursos sobre a cana-de-açúcar nesse período. Seria, por outro lado, bastante esclarecedor avaliar os poucos relatos e artigos que seriam publicados nos boletins agrícolas, livros e folhetos. Chamam a atenção as publicações realizadas na revista de divulgação do Instituto do Açúcar e do Álcool, Brasil Açucareiro. A chamada agricultura científica ou o cultivo racional do solo apresentava-se como a única solução para contornar os problemas de uma “lavoura vampira”. Segundo A. Menezes Sobrinho,9 9 Menezes Sobrinho era diretor da Estação Geral de Experimentação de Barreiros, em Pernambuco. já se conseguia perceber a decadência de várias regiões e o êxodo para as novas zonas. O resultado era um permanente assalto às florestas virgens, o húmus perdido na voragem das derrubadas e uma paisagem desolada de fazendas decadentes. Para ele, esse quadro era inexplicável pela existência de tecnologias agrícolas como o trator moderno, a adubação química, dentre outras. O agrônomo ainda faria uma defesa da campanha pró-reflorestamento e de punições mais severas às queimadas, uma vez que o Código Florestal já previa penalidades desde 1934. Dizia ele que as queimadas arruinavam “um patrimônio que pertence menos ao fazendeiro do que a pátria, sua eterna redentora” (MENEZES SOBRINHO, 1943MENEZES SOBRINHO, A. Cultivo racional do solo. Brasil Açucareiro: órgão oficial do Instituto do Açúcar e do Álcool, Rio de Janeiro, n. 2, p. 290-292, fev. 1943., p. 190).

Essa nova gama de escritos refletia uma crescente influência da figura dos técnicos e da sua defesa da ciência na constituição da pedra angular da agricultura moderna. Aliás, seria nesse colar de ideias e no fortalecimento desses novos atores que a destruição dos solos, da água e das florestas começou a se destacar como mais uma das características do atraso da indústria sucroalcooleira. Embora o recorte e a abordagem eminentemente política e econômica tenham prevalecido, a exploração racional das riquezas naturais já era apresentada como uma condição a ser alcançada futuramente em um modelo agrícola mais baseado na ciência. Mesmo marcadamente apresentada como uma aspiração secundária, isso não impede que se atente para esse outro aspecto da realidade. Ou seja, a associação em vários estudos entre a modernização da agricultura e as preocupações com o meio ambiente.

Vale ressaltar o escrito do redator do Brasil Açucareiro, Adrião Caminha Filho,10 10 Adrião Caminha Filho também era técnico do Ministério da Agricultura. que abordou em um dos seus editoriais a questão das terras cansadas. Segundo ele, os danos ambientais eram uma consequência das técnicas de produção e cultivo atrasados. A agricultura intensiva seria vista como uma medida essencial para o melhoramento da cultura, a diminuição do custo da produção do açúcar e a produção maior e melhor em menores áreas. Nesse caso, ele defenderia a necessidade de pensar o desmatamento como um dos sérios problemas da indústria sucroalcooleira. A seu ver, a solução seria uma ação conjunta dos governos federal e estadual, bem como a de particulares. O intuito era a instalação de hortos florestais, a distribuição profusa de mudas e sementes de essências e o plantio de florestas de rendimento. Caminha Filho também proporia a criação de uma taxa sobre a tonelada de cana e sobre o saco de açúcar para a constituição de um fundo florestal destinado à exclusiva aplicação no reflorestamento. Para o redator de Brasil Açucareiro, o progresso da produção açucareira e alcooleira deveria caminhar pari passu à adoção da ciência na agricultura e à racionalização dos usos das riquezas naturais (CAMINHA FILHO, 1943CAMINHA FILHO, A. A indústria e a lavoura canavieira em atraso na Bahia. Brasil Açucareiro: órgão oficial do Instituto do açúcar e do Álcool, Rio de Janeiro, n. 4, p. 404-405, abr. 1943., p. 57).

Se uma parte expressiva desses dirigentes enfatizava a solução da crise de superprodução açucareira voltando-se para a modernização e o desenvolvimento do setor sucroalcooleiro, também não divergia quanto às dificuldades geradas pelo atraso na lavoura. A formulação desses discursos foi uma resposta à necessidade de minimizar os problemas ambientais. Como nos lembra Gallini (2002GALLINI, S. Invitación a la historia ambiental. Cuadernos Digitales. Publicación electrónica em história, archivística y estúdios sociales, Panamá, v. 6, n. 18, p. 147-171, oct. 2002.), é por meio da análise desses textos relativos à agricultura no século XX que se consegue perceber as dramáticas e repentinas mudanças ambientais modernas. Isso assentado, não há como relevar a defesa feita por alguns desses homens da necessidade de se rever os princípios que regiam o equilíbrio entre a agricultura, a modernização e o meio ambiente.

Podemos ainda apreender do relato dos principais dirigentes do IAA certa constância nas referências ao desmatamento provocado pela expansão açucareira. Nesses escritos, a percepção da relação da usina com o seu entorno natural estava invariavelmente mediatizada pelo desflorestamento. Em livro publicado em 1942, Gileno Dé Carlí (1942c, p. 57) acentua que havia uma visceral incompatibilidade entre a cana-de-açúcar e a natureza - a usina, de um lado, e a floresta, de outro. Em verdade, o avanço de uma significava a destruição da outra em um ritmo cada vez mais comum de menor produtividade. Para ele, em Pernambuco, principal região açucareira do país,

A devastação da mata acelerou a decadência. Se a mata nenhuma influência exerce sobre o regime de chuvas, grande é o seu valor como regulador da umidade do solo. E, quanto, teriam a usina, o engenho, queimado de matas em Pernambuco, por exemplo? De 1925-26 a 1938-39, Pernambuco produziu cerca de 50.000.000 sacas de açúcar de usina e 12 milhões de sacas de açúcar bruto, somando assim 62 milhões de sacos de açúcar. Considerando que o gasto médio de lenha para a fabricação desse volume de açúcar corresponde a cerca de 25% sobre a tonelagem de canas esmagadas, vamos encontrar um volume de 13.250.000 toneladas de lenha, que ao preço médio de 15$000 a tonelada atinge a 198.750:000$000. O gasto anual de lenha corresponde a 14.196:000$000. Isso, o que é aplicado na indústria açucareira. Há, porém a derrubada de mata para o plantio de cana, ficando a lenha apodrecendo, quando não é queimada. Ainda, há a exploração intensiva da mata para atender as exigências das estradas de ferro, quer de trânsito público, quer de particulares, para o transporte das canas às usinas (DÉ CARLÍ, 1942cDÉ CARLÍ, G. O processo histórico da usina em Pernambuco. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1942c., p. 51).

De qualquer modo, foram escassas as tentativas de preservar essas matas ou de implementar técnicas que diminuíssem a devastação. As florestas eram derrubadas e queimadas para o plantio, o que assegurava uma fertilidade muito grande e o baixo custo da produção. O esgotamento das terras ou a falta de lenha eram resolvidos primeiramente pelo caráter itinerante dessa lavoura, intensificado com o avanço dos trilhos da estrada de ferro. O cenário que se fazia presente pela construção das usinas era uma herança de terras esgotadas pelas constantes queimadas, pela falta da utilização de implementos agrícolas e pelo grande descaso de seus donos. Não obstante a agricultura intensiva apresentar uma ampla gama de recursos que proporcionassem meios para reparar os danos ambientais, as inovações tecnológicas tiveram linhas mais marcantes no processo de aumento da produção. Ou seja, as inovações tecnológicas privilegiariam muito mais políticas como o desenvolvimento da produção alcooleira, relegando a parte da lavoura e das florestas apenas poucas medidas secundárias. Nesse sentido, embora esses discursos fossem pródigos em referir-se ao fim de uma lavoura predatória, a prática corrente de exaurir os recursos naturais marcaria igualmente o desenvolvimento da chamada agricultura científica (SCHAMA, 1995SCHAMA, S. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 22).

Deve-se lembrar que o desmatamento era um problema antigo no Brasil. A falta de lenha já criava dificuldades para os engenhos no Nordeste nos fins do século XVII. Pelo mesmo motivo, em Campo dos Goytacazes (Rio de Janeiro), no último quartel do século XVIII, dos nove engenhos abandonados, quatro o foram pela falta de lenha. Uma das primeiras soluções encontradas foi à demarcação no alvará de 13 de maio de 1802, com o estabelecimento de uma distância mínima de meia légua entre dois engenhos (PETRONE, 1968PETRONE, T. S. A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e declínio (1765-1851). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968., p. 7). Apesar de toda legislação e problemas, a lenha marcava os traços definitivos da atuação da usina. Em 1936, o químico Fróes Abreu11 11 Fróes Abreu era Assistente Chefe da Secção de química tecnológica do Instituto Nacional de Tecnologia. (1936, p. 190-194) destacava que a lenha ainda era o combustível do interior do país. O resultado dessa intensa exploração se verificava pela crescente área devastada. As estradas de ferro, as companhias de navegação fluvial e as fábricas do interior, como os engenhos e as usinas, eram os grandes consumidores de lenha. Segundo ele, mesmo com todos os problemas crescentes gerados pela dificuldade de obtenção de lenha, raramente se tentava de qualquer modo reparar a mata destruída.

Curiosamente, o próprio presidente do IAA, Barbosa Lima Sobrinho (1943), seria alvo de críticas ao defender que devido à não existência de um reflorestamento sistemático no país, o uso de petróleo nas destilarias seria melhor que a devastação das matas brasileiras. Para ele, que mal havia em que se queimasse um quilo de óleo para fabricar 3,5 litros de álcool. No entanto, devido às críticas, as destilarias centrais do Instituto foram adaptadas para o uso de lenha. Vê-se, assim, que os interesses econômicos ainda eram preponderantes na visão de parte desses atores. Na continuação do mesmo texto, Lima Sobrinho defenderia que a saída seria obrigar as destilarias de Campos, Bahia e Pernambuco a realizarem estudos sobre reflorestamento e consumo de lenha. O bagaço de cana era colocado como alternativa viável, como acontecia em Minas Gerais. Essas medidas, ao que se sabe, demoraram a ser implementadas. É certo, todavia, que já começavam a merecer o interesse desses homens.

Aliás, a análise da trilogia açúcar - bosques - desmatamento, como observa Monzote (1999MONZOTE, R. F. El fin de los bosques y la plaga del Marabú em Cuba, Historia de uma venganza ecológica. In: VIEIRA, A. (Org.). História e meio-ambiente: o impacto da expansão europeia. Região Autônoma da Madeira, Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico, 1999. p. 369-392., p. 20-22), demonstra ser uma realidade em quase todos os países açucareiros. O autor não vê a história agrária como passível de ser apartada das questões ambientais. Para ele, a própria noção de degradação ambiental está em grande medida presente nas preocupações e necessidades de sobrevivência dos seres humanos. Certo é que no Brasil, ou por necessidade de combustível, ou pela alegada falta de divisas, as florestas e o açúcar passaram a significar uma fonte energética a ser aproveitada em tempos de crise. O álcool teria um maior significado para o crescimento do país, recebendo um especial cuidado por parte do Governo, ainda que não se negassem os problemas do seu avanço em detrimento de um patrimônio florestal. Pródigos em levantar os problemas açucareiros oriundos de uma superprodução gerada pela existência de 22.261 engenhos, segundo o registro de 1935 do IAA, a solução terminava invariavelmente na produção de álcool para dar vazão aos excessos da produção crescente de açúcar, facilitando a liberdade no plantio de cana (TORRES FILHO, 1937TORRES FILHO, A. O álcool motor como solução para o problema da indústria açucareira. A Lavoura. Boletim da Sociedade Nacional da Agricultura, Rio de Janeiro, p. 1-6, jul.-dez. 1937., p. 4).

Em verdade, como observa Worster (2004WORSTER, Donald. ¿Por qué necesitamos de la historia ambiental? Revista Tareas, Panamá, n. 117, p. 119-131, mayo-ago. 2004.), a História Ambiental pode oferecer um conhecimento profundo da nossa cultura, das instituições econômicas e de suas consequências para a terra. O estudo do complexo agroindustrial sucroalcooleiro, conjuntamente com a análise de suas consequências ambientais, possibilita ao historiador abarcar uma visão mais completa das modificações que ocorreram na paisagem, no sistema de transportes, nos tipos de cultivos agrícolas, na cultura, na sua economia. Enfim, visualizar o que se formou durante séculos sob a égide do açúcar e do álcool. Nesse caso, a inspiração utilitária dos homens ligados ao açúcar faria da floresta uma mera coadjuvante da indústria sucroalcooleira.

A hora do gasogênio

Havia muito que brasileiros e europeus testavam combustíveis alternativos que utilizassem a madeira. Essa necessidade esteve diretamente relacionada à expansão da frota de automóveis, principalmente naqueles países que não contavam com uma produção substancial de petróleo. Assim, é recorrente encontrar referências elogiosas aos carros movidos a gasogênio. Fruto do temor quanto à possibilidade da escassez do petróleo, buscou-se escorar a produção de combustíveis em matérias-primas fartamente encontradas e de custo baixo. O gasogênio talvez seja um dos exemplos mais ilustrativos dessa política. É digno de nota que seus defensores já apontavam suas qualidades desde os primeiros anos do século XX, sendo que no Brasil já se pode encontrar algumas mobilizações em seu favor. No entanto, as defesas mais aguerridas e a implementação de fato de políticas públicas somente se fizeram notar mais claramente durante o cenário de escassez de gasolina provocado pela Segunda Guerra Mundial. Entende-se que a razão de tanto açodamento no Brasil em torno desse combustível estava diretamente relacionada à necessidade de diminuir a dependência do petróleo americano e minimizar o déficit na balança comercial, contrabalanceando assim a baixa da exportação cafeeira.

No Brasil, de fato, a predominância do apoio estatal iria marcar o avanço desses projetos energéticos alternativos. O Decreto-lei n. 1.125, de 28 de fevereiro de 1939, que criou a Comissão Nacional do Gasogênio e cursos de gasogênio, no Ministério da Agricultura, era claro sobre a necessidade de reagir à elevada importação de combustível estrangeiro, como se depreende pelas suas considerações iniciais.

Considerando que os combustíveis, como fontes principais da energia utilizado na circulação dos valores possuem na economia dos povos um valor inestimável. Considerando que os países que importam tais produtos têm o dever, quer sob o ponto de vista econômico, que sob o ponto de vista militar, de cuidar com todo empenho da produção e desenvolvimento dos mesmos, quando possível, ou de utilizar toda e qualquer fonte energética que possam substituir os combustíveis universalmente conhecidos (BRASIL, 1939, p. 84).

O estudo desse decreto é duplamente útil: seu texto, além de revelar um pensamento de defesa dos combustíveis nacionais, ajuda a conhecer o modo como eram encaradas essas matérias-primas. Nesse sentido, releva notar que a Comissão iniciaria sua atuação com finalidades tais como: promover o uso do gasogênio nos tratores agrícolas, caminhões e instalações fixas; incrementar a fabricação do gasogênio no Brasil; incentivar o replantio de florestas; fomentar a produção e distribuição do combustível apropriado ao gasogênio; promover o uso dos métodos mais econômicos de produção de carvão de madeira com o aproveitamento dos subprodutos e fazer a propaganda nos meios produtores da utilidade da construção de estradas ou caminhos com rampa homogênea para permitir o tráfego fácil de veículos automotores a gasogênio. Como no caso do álcool, a obrigatoriedade de uso se constituiria numa prática de fomento importante. No artigo quinto, que criou a Comissão Nacional do Gasogênio, ficava instituído que todo proprietário com mais de dez veículos teria de possuir um a gasogênio, por grupo de dez (BRASIL, 1939, p. 83-85).

Aliás, é de lembrar a criação da Comissão Nacional de Combustíveis e Lubrificantes em 1941. Essa Comissão era composta pelo Presidente do Conselho Nacional do Petróleo, do Presidente da Comissão Executiva do Instituto do Açúcar e do Álcool, de um membro da Comissão Nacional de Gasogênio e de um membro do Conselho de Minas e Metalurgia. Percebe-se a importância vital dessa Comissão ao verificarmos que dentre os seus quadros constava um representante do Ministério da Guerra, um do Ministério da Marinha e um do Ministério da Aeronáutica. Além disso, a sua sede localizava-se na sede do Conselho Nacional de Segurança, cujo Secretário Geral teria o voto de minerva (VELLOSO, 1942VELLOSO, L. Legislação açucareira e alcooleira (1931-1942). v. 1. Rio de Janeiro: IAA, 1942., p. 459-460).

Como se viu, uma das principais vantagens apontadas em relação ao gasogênio era o fato de que o carvão de lenha se encontrava em qualquer ponto do território nacional. Não seria lícito supor assim que a demanda de madeira seria um entrave. Mas não se deve iludir-se sem completar o quadro delineado por vários apontamentos que repercutiram de forma negativa nos avanços do gasogênio. Apesar de que os defensores do gasogênio fossem pródigos em mencionar a vastidão das florestas brasileiras, alguns dos seus críticos já enfatizavam a destruição das matas, principalmente em São Paulo. Pertencente à geração que defenderia os investimentos no petróleo brasileiro, Monteiro Lobato (1947LOBATO, J. B. M. O escândalo do petróleo e ferro. São Paulo: Brasiliense, 1947.) figurou entre os mais exacerbados críticos ao gasogênio, partilhando com alguns técnicos a crescente preocupação com as mudanças climáticas devido à destruição das florestas, transformadas agora em combustível.

Estamos em fim de setembro e não chove. Tudo seco e resseco por aí afora. Não há mais pastos e, portanto, não há mais leite, nem manteiga nem carne. E a primeira semeadura dos cereais está perdida. Por que não chove em São Paulo? Por que ultimamente se têm atrasado tanto as chuvas e este ano até agora não deram sinal de si? Há diversas razões aparentes, que qualquer racionalizador oficial aponta com todo o lampeirismo - e erra. Mas se formos escafandriando o assunto, veremos que a diminuição das chuvas tem como causa a intensa e extensa derrubada das matas e capoeiras para a produção de lenha e carvão para os gasogênios (LOBATO, 1948LOBATO, J. B. M. Prefácios e entrevistas. São Paulo: Brasiliense, 1948. , p. 69).

Um aspecto a ser destacado seria que dentro dos quadros governamentais que formavam a Comissão do Gasogênio encontrava-se um representante do Serviço Florestal.12 12 A formação dos membros da comissão era: o Ministro da Agricultura como presidente, contando com representantes do Ministério da Guerra, do Instituto Nacional de Tecnologia, do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas, da Escola Nacional de Agronomia, do Serviço Florestal, da Sociedade Nacional de Agricultura, do Automóvel Clube do Brasil, das empresas de transporte e dos fabricantes de gasogênio. Pode-se perceber que esse estreitamento entre as florestas e a ciência faz parte de uma visão utilitarista, posta a serviço mais das demandas do mercado do que de políticas de preservação de fato de um patrimônio florestal. É preciso não esquecer que o estudo das relações entre a natureza e a valorização do espaço ocupado por agrônomos, engenheiros, químicos e o desenvolvimento de conhecimentos técnicos e a sua difusão em grande escala, é um tema essencial para a História ambiental. Nesse movimento, segundo Leff (2003LEFF, E. La ecología política en América Latina: un campo en construcción. Sociedade e Estado, Brasília, v. 18, n. 1/2, p. 17-40, jan.-dez. 2003., p. 22), a natureza converteu-se em objeto de domínio das ciências, continuando a ser desnaturalizada e convertida em recurso.

Em primeiro lugar, deve-se lembrar que a discussão do papel da ciência na criação de alternativas de proteção à natureza teve origem ainda no século XIX. O importante debate entre preservacionistas e conservacionistas teve como bloco de amarração, em linhas gerais, a presença ou não do homem nos espaços naturais. Por um lado, os preservacionistas defenderiam a exclusão dos humanos das áreas marcadas por uma natureza intocada. Destacava-se o papel dos parques naturais, como o de Yellowstone,13 13 Luciana Murari (2009, p. 165) ressalta que um dos marcos do conservacionismo seria a criação do primeiro parque natural do mundo, o parque de Yellowstone, em 1872, nos Estados Unidos. nos Estados Unidos, que se destinavam à pesquisa e ao lazer. Por outro, os conservacionistas defendiam a possibilidade de uma exploração racional dos recursos naturais.

Cabe observar que o Brasil seria influenciado por ambas as correntes. Exemplo concreto seria a forte propagação das ideias ligadas à silvicultura norte-americana. Assim como, igualmente, a criação de parques teria vários entusiastas. Ao mesmo tempo, essas duas concepções de proteção à natureza passaram a fazer parte dos discursos e políticas tanto do Estado como de cientistas e agricultores brasileiros. José Luiz de Andrade Franco e José Augusto Drummond (2009FRANCO, J. L. A.; DRUMMOND, J. A. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil anos 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 2009., p. 48-49) destacam que, de 1920-40, conceitos como o de proteção, conservação e preservação podiam ser intercambiados, uma vez que se entendia que a natureza tanto poderia ser explorada racionalmente como era preciso criar espaços preservados com biodiversidade biológica que atendessem tanto à ciência como ao lazer. Essas duas vias são importantes porque nos revelam a visão de interdependência entre preservação da natureza, ciência e agricultura.

Por outro lado, trata-se de perceber se as elites rural, intelectual e política brasileira seriam quase arrastadas por uma correnteza única gerada pela necessidade de mudar os modelos de exploração da terra e dos recursos naturais em face do processo crescente de degradação das florestas. Nesse sentido, é preciso considerar o processo de circulação do ideário conservacionista que geraria diferentes níveis de impacto nas relações entre a agricultura e os recursos naturais nos países centrais do capitalismo (MURARI, 2009MURARI, L. Natureza e cultura no Brasil (1870-1922). São Paulo: Alameda, 2009., p. 165). Ademais, muitos fazendeiros permitiram que parte de suas fazendas permanecesse como matas, não apenas para exploração futura, mas também como reserva de madeira (DEAN, 1996DEAN, W. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996., p. 249). Podemos imaginar, nesse sentido, que o conservacionismo se fortaleceria, igualmente, por unir o tão aclamado progresso com uma preservação da natureza vista como racional.

Exemplo disso seria a atuação do diretor do Serviço Florestal, Francisco Iglesias, que no desempenho do seu cargo seria um propagandista exacerbado do gasogênio. Em várias das suas entrevistas aos jornais, ele defenderia a necessidade de se rever a dependência do petróleo estrangeiro, que seria viabilizada por uma exploração racional das florestas brasileiras.

Todos que estão assistindo com interesse a campanha, sob todos os aspectos patrióticos que nosso governo através do Ministério da agricultura está realizando em prol do gasogênio em seus múltiplos empregos poderá concluir facilmente que esse novo carburante - novo para nós, porém, velho principalmente para a Europa - poderá suprir em quase todas as aplicações e emprego da gasolina [...] Indubitavelmente, por todos os motivos expostos, estamos sem dúvida, na hora do gasogênio, cujo gasto de lenha, em nosso país, dentro das exigências legais da exploração é perfeitamente exequível e conveniente, com o aproveitamento das matas de rendimento definidas do código florestal (CORREIO PAULISTANO, 31/05/1941, p. 4).

Note-se que a fala de Francisco Iglesias não pode ser considerada dissonante ao propor a utilização das florestas como combustível. Muitos cientistas e técnicos simpatizantes da causa da proteção à natureza defendiam a necessidade de combinar o progresso econômico com uma das soluções para a preservação da flora nativa. Havia uma forte confiança no reflorestamento e na exploração racional das florestas (FRANCO, 2009FRANCO, J. L. A.; DRUMMOND, J. A. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil anos 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 2009., p. 52). Em consequência disso, a resposta estaria em promover juntamente com o gasogênio uma política de reflorestamento. Havia uma afinidade entre essas duas questões extremamente relevantes. Ou seja, acreditava-se que o incremento do uso do gasogênio iria valorizar sobremaneira as florestas com sensível aumento do reflorestamento. Essa postura pode ser sentida em um artigo publicado no Boletim Técnico do Instituto Agronômico de São Paulo em 1940.

O gasogênio forneceria justamente um mercado para este produto, facilitando, assim, o reflorestamento. Além disso, acredito poder afirmar, o desenvolvimento da exploração da riqueza florestal, para se procurar combustível, corresponde, por assim dizer, a uma forma de previdência (BOLETIM TÉCNICO DO INSTITUTO AGRONÔMICO DE SÃO PAULO, 1940).

A aplicação parcial dessas ideias, ou melhor, a restrição quase absoluta à pesquisa na adaptação dos automóveis e não na silvicultura, expressava a complexidade de se adotar o reflorestamento em um país que via suas riquezas naturais como inesgotáveis. Certo é que o uso sistematizado das matas sem nenhum tipo de controle chegou a gerar algumas preocupações, principalmente nas proximidades das grandes cidades, onde a degradação era mais visível. A ideia da necessidade de regulamentação começou a aparecer em discursos que postulavam os cuidados que se deveria ter diante da intensa ação dos cortadores de lenha. Observa-se também a defesa de que seria preciso estimular o reflorestamento como forma de ligar as regiões consumidoras de lenha à matéria-prima, e não somente se apoiar nas matas das regiões mais longínquas dos centros urbanos.

Ora, reina no momento certa escassez das matérias primas empregadas na fabricação de gasogênios. É, pois, natural que as partidas das quais possamos dispor reservadas deem preferência àqueles veículos de maior interesse nacional. Acresce que o próprio combustível, ou seja, o carvão vegetal e em alguns tipos a lenha, está sendo encarecido pelo consumo que dele fazem os motoristas-amadores. Teoricamente, nossas reservas florestais são inesgotáveis, mas o abastecimento de vários grandes centros consumidores não se realiza sem dificuldades, dada a escassez de matas nas proximidades. Por isso mesmo, aludida resolução do C. F. C. E. ocupou-se também do problema de reflorestamento, recomendando que a exploração das matas se faça dentro dos princípios da silvicultura (GAZETA DE NOTÍCIAS, 12/11/1943).

Além do desmatamento, um dos principais problemas apontados era o seu menor rendimento em relação à gasolina. O gasogênio significava uma perda de 50% do rendimento do motor ou 30% caso fosse adaptado a uma máquina feita para consumir gasolina (NASCIMENTO, 1987NASCIMENTO, B. H. A carreira fugaz do gasogênio. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, v. 27, p. 9-26, 1987., p. 10). De qualquer forma, não seria esse um problema fundamental para aqueles que acenavam para a viabilidade do gasogênio devido ao fato de o país contar com uma ampla cobertura vegetal, o que propiciava um baixo preço da lenha e do carvão. Como lembra Dean (1997, p. 278-279), a urbanização e a industrialização significaram uma maior demanda por combustível, madeira e outros recursos florestais. As áreas florestais iam progressivamente diminuindo à medida que essas demandas aumentavam. As críticas eram em grande parte feitas pela elite tecnocrática e científica. Mesmo que quase todos eles fossem servidores do Estado, houve muito pouco interesse ou políticas públicas de fato voltadas para a exploração racional das florestas.

Em contrapartida, os defensores do gasogênio teriam um forte argumento. O montante registrado em moeda nacional com os gastos em gasolina crescia de ano para ano. Em dezembro de 1938, já existiam no Brasil 170.196 veículos, sendo 106.764 automóveis, 54.903 caminhões e 8.529 ônibus; São Paulo concentrava o maior número desses veículos. De 1934-1938, a majoração das importações de gasolina atingiu 36,4%. (DÉ CARLÍ, 1939, p. 7-9). A pressão maior na balança comercial já era discutida nos diversos níveis de poder, principalmente nas cidades mais industrializadas, como São Paulo. Aliás, o Vice-Presidente do Estado, Heitor Teixeira Penteado, contabilizava: “No ano transato, segundo as estatísticas, o consumo de gasolina no Estado de São Paulo, foi de 140 milhões de litros, na importância aproximada de 140.000 contos de réis. Essa elevada quantia, como é sabido, se escoa para o estrangeiro” (SÃO PAULO, 1930, p. 38).

Como quer que seja, diante dessa insegurança econômica gerada pela dependência da gasolina particularmente no período da Guerra, o gasogênio seria visto como uma saída viável. A questão florestal seria aqui considerada como um mal menor, que poderia ser remediado posteriormente com o reflorestamento. Em um dos seus artigos, José Augusto Pádua reforça o diagnóstico da importância de perceber o lugar dos movimentos de devastação e conservação das florestas em alguns contextos específicos ligados à ideia de fortalecimento nacional (PÁDUA, 2015PÁDUA, J. A. A Mata Atlântica e a Floresta Amazônica na construção do território brasileiro: estabelecendo um marco de análise. Revista de História Regional, Ponta Grossa, n. 20, p. 232-251, 2015., p. 248). Dessa feita, o agrônomo Otávio Rodrigues da Cunha, técnico do Departamento Nacional de Produção Vegetal, foi um dos que defendeu claramente a importância do gasogênio para o fortalecimento do Brasil no cenário internacional. Em um artigo intitulado “Carburantes sólidos”, publicado no Boletim do Ministério da Agricultura, em 1939, dizia que:

É um prazer escrever sobre gasogênio. Sinto que propagandeio, trabalho para o bem do meu povo, visando engrandecimento econômico da nossa pátria. O Brasil gasta, anualmente, rios de dinheiro na compra dos carburantes necessários à movimentação dos motores dos seus veículos. E adquirindo-os fora, do estrangeiro, e pagando-os em dinheiro ouro, é natural interpor-se um limite nos gastos, para o equilíbrio financeiro de intercâmbios comerciais (CUNHA, 1939CUNHA, O. R. Carburantes sólidos. Boletim do Ministério da Agricultura, Rio de Janeiro, ano 28, n. 7, p. 38-49, jul.-set. 1939., p. 49).

Aliás, o gasogênio ganhou força no período da Guerra nos países europeus. Nesse momento, difundiram-se de maneira sistemática as novidades científicas e tecnológicas que impactaram a agricultura e as florestas em diversos países. Podemos facilmente perceber que os incentivos aos combustíveis nacionais na Europa tiveram uma forte influência no Brasil. Em verdade, embora de forma menos visível, a silvicultura praticada em vários países da Europa, Estados Unidos, Austrália, dentre outros, seria vista como um modelo a se seguir tanto por engenheiros como por botânicos (FRANCO, 2009FRANCO, J. L. A.; DRUMMOND, J. A. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil anos 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 2009., p. 280). Como se pode perceber por um artigo publicado na revista Chácaras e Quintais, o uso do gasogênio emergia de fortes interesses econômicos e militares, nem sempre fáceis de serem conciliados com as questões ambientais.

A conflagração de 1914-18 consagrou a ditadura do petróleo. A lamentável guerra atual anuncia a vitória dos carburantes nacionais. A França intensifica a fabricação e o uso de veículo a gasogênio. Não há nada que inventar; bastará aperfeiçoar e industrializar o novo sistema. Atualmente, há na França, 10.000 veículos a gasogênio, em sua maioria caminhões empregados no transporte de mercadorias. O Ministro das Obras Públicas, senhor de Monzie, circula em Paris num automóvel movido pelo novo carburante. É pilheria: Sou um ministro-reclame. O meu automóvel não é elegante, mas é patriótico (BARBIELLINI, 1939BARBIELLINI, A. O carburante nacional. Chacaras e Quintaes, Rio de Janeiro, v. 60, n. 6, p. 748-749, dez. 1939., p. 748).

Por mais que houvesse problemas, a justificativa recorrente era de que realmente se estava tratando de uma questão fundamental, mesmo de segurança nacional. Para muitos desses homens, não poderia ser de outra forma em um momento de escassez de combustíveis durante a Segunda Grande Guerra. Ademais, era visível o crescimento do seu consumo. Ora, no final de 1943 havia na capital 7.352 veículos movidos a gasogênio vistoriados e 3.512 no interior. A cidade de São Paulo passaria de um consumo de carvão vegetal diário de 150 toneladas em 1942 para 300 toneladas em 1944 (NASCIMENTO, 1987NASCIMENTO, B. H. A carreira fugaz do gasogênio. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, v. 27, p. 9-26, 1987., p. 19). Ocorre que houve, nesse período, uma verdadeira propaganda dos combustíveis alternativos feita pelo Estado. No caso do gasogênio, destaca-se a realização do Primeiro Grande Prêmio São Paulo de automobilismo no autódromo de Interlagos, em 1944. A vitória de Chico Landi seria expressiva, dada sua trajetória pilotando carros movidos a álcool e gasogênio (CYTRYNOWICZ, 2000CYTRYNOWICZ, R. Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Edusp, 2000., p. 38). O Governo investiria em uma forte propaganda em vários jornais de grande circulação nesse momento, como se pode ver na Figura 1.

Figura 1

Pode-se dizer que a ação governamental para estimular a produção e o consumo do álcool-motor e do gasogênio foi o principal responsável pelo desenvolvimento da produção de combustíveis alternativos. A perda de incentivos ao gasogênio com o final da Guerra acabaria por inviabilizar o seu desenvolvimento. Como indica Nascimento (1987NASCIMENTO, B. H. A carreira fugaz do gasogênio. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, v. 27, p. 9-26, 1987., p. 26), em 1946-47, o corte das verbas da Comissão Nacional do Gasogênio seria de 50,03% em relação a 1945, sendo extinta por decreto logo depois, em 1948. O Serviço Florestal duraria ainda alguns anos mais - até 1962. Considera-se possível que as partes da estrutura econômica da viabilidade do uso do gasogênio não poderiam florescer antes da implementação de uma política de reflorestamento de fato. Como se sabe, a silvicultura seria posta em segundo plano devido em grande parte à ideia de que as matas brasileiras eram inesgotáveis. Aliás, não há como esquecer que a gasolina e o álcool tiveram o apoio estratégico e tático do Estado por contar com uma forte artilharia tanto do setor petrolífero como do usineiro.

Considerações finais

À vista de todo o exposto, pensa-se que quando se passa a estudar a questão dos combustíveis alternativos não se pode deixar de perceber que já existiam condições técnicas para o seu desenvolvimento, um processo de formação de mão de obra especializada, um mercado crescente e de dimensões razoáveis em estados como o Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, a origem e a viabilidade desses projetos estavam ligadas diretamente à ação governamental como financiadora através de empréstimos, facilitação para a importação de maquinários, isenção de impostos, incentivos ao consumo, dentre outros. Além da sua atuação como o principal responsável pelas pesquisas na área de aperfeiçoamento, fiscalização e distribuição em âmbito nacional. Não obstante, o quadro que se delineou nos anos seguintes não foi de sucesso do gasogênio. Ainda que pelos referenciais científicos em voga houvesse uma defesa aguerrida do gasogênio e o seu reconhecimento como um fator de proteção do patrimônio florestal, o fracasso desse combustível se daria por motivos de outra ordem. Dentre eles, figurava a sua própria transformação em um fator de desmatamento.

O álcool teria a seu favor o fato de ser uma das principais soluções para a crise de superprodução açucareira. Essa talvez tenha sido uma das suas principais vantagens, dando-lhe os meios para se desenvolver mesmo nos períodos de paz e de facilidade de obtenção da gasolina. O lobby açucareiro condicionou as políticas de planejamento e se fez presente através de disputas assimétricas de poder pelo peso dos usineiros. Bem acertada seria a fala, já em 1931, do chefe do Serviço Geológico do Ministério da Agricultura, Luiz Flores de Morais Rego, na conferência organizada pela Sociedade Nacional da Agricultura, na qual afirmou que, dentre os recursos brasileiros em carburantes de substituição, “o álcool, derivado da indústria do açúcar e futuramente extraído de outros produtos vegetais por processos modernos, é incontestavelmente o produto nacional mais apto ao emprego intensivo como carburante de substituição” (REGO, 1931REGO, L. F. M. Os carburantes nacionais e o álcool (Conferência feita em 03/03/1931, na Sociedade Nacional de Agricultura pelo chefe do Serviço Geológico do Ministério da Agricultura, Rego). A Lavoura: Boletim da Sociedade Nacional da Agricultura. Rio de Janeiro: Tip. do Jornal do Commercio, p. 70-75, abr.-jun. 1931., p. 72).

Por essa série de políticas públicas de incentivo aos combustíveis alternativos, conseguiu-se, através de um plano parcial, efetivar as aspirações de transformar o álcool no símbolo do combustível verde no Brasil. Vários foram os planos, ideias, políticas, tecnologias e saberes compartilhados entre produtores, técnicos e estadistas. Tanto no caso do gasogênio quanto do álcool, havia a promessa de preservar o patrimônio florestal através da exploração racional do solo e dos recursos naturais. Ainda que esses homens não tenham colocado totalmente em prática uma agricultura científica e a silvicultura, investiu-se em passos lentos em investigações que minorassem os efeitos de uma secular “agricultura vampira” e a crescente utilização da lenha.

Pouco a pouco, a floresta e o açúcar voltaram-se para atender as novas demandas do país. Os combustíveis alternativos fizeram cada vez mais parte deste movimento com o crescimento do uso de automóveis. Os atores sociais - que coligavam desde agricultores até cientistas - escoraram-se nos fantásticos sucessos da ciência para adaptar os modelos e os avanços tecnológicos que tivessem relação com a preservação e o uso racional do patrimônio florestal. Certo é que essas atividades atenderam a uma forte procura por autonomia energética em um período marcado pelas implicações econômicas e políticas da Segunda Grande Guerra. Sobre tudo isso, ademais, se acrescenta a preocupação clara em minimizar a crise açucareira. À vista desse cenário e pelas conotações técnico-científicas de ambos os projetos, o apoio mais firme que encontraram foi na atuação do Estado, o que configurou um crescimento das intervenções de forma ora mais incisiva, ora mais moderada. A influência dessa realidade não excluiu posições opostas, mas não inviabilizou uma forte tendência de tecer teias em conjunto quando se tratava da gestão das florestas, do açúcar e dos combustíveis alternativos.

Como conclusão, pode-se dizer que a escolha pelo álcool em detrimento do gasogênio teve peso decisivo na crise de superprodução açucareira e na definição da política energética do país. Os combustíveis alternativos, se encantavam os brasileiros como uma miragem de um futuro pródigo - tanto para o açúcar quanto para as florestas -, resultaram em um projeto alcooleiro que manteve aspectos de uma cultura predatória. De fato, esses discursos não geraram uma parte importante dos efeitos desejados por falta de coerência dos estadistas ou por razões profundas de ordem estrutural da lavoura ou da exploração das florestas. Houve medidas incentivadoras, inclusive uma legislação que buscava abarcar esses problemas. Debilitaram-se, com efeito, o alcance dessas falas, principalmente pelas meias medidas que introduziram em relação ao uso racional dos solos e das florestas. Os esforços que esses atores preconizavam e colocaram em prática levaram aos traços definitivos que ainda se fazem presente nas políticas voltadas para os combustíveis alternativos. Quanto às florestas, restava-lhes carregar o epíteto de inesgotáveis e dar espaço às novas lavouras de cana.

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Notas

  • 1
    Nascimento (1987, p. 9) aclara que “os gasogênios eram aparelhos destinados a produzir combustível gasoso através da queima incompleta de substâncias sólidas como carvão mineral e vegetal, lenha e mesmo detritos vegetais, como, por exemplo a casca do babaçu. Os gases produzidos, além da geração de calor, poderiam ser utilizados na alimentação de motores a explosão em instalações fixas ou automotoras, advindo daí as possibilidades de sua aplicação em veículos de transporte como substituto dos combustíveis líquidos tradicionalmente usados nos mesmos”.
  • 2
    Warren Dean (1996, p. 337-332) utiliza a ideia de desenvolvimentos insustentáveis para analisar a década de 1970 no Brasil. Mas é preciso que se atente para os pontos de similaridade em ambos os projetos em desenvolvimento nesses dois períodos, principalmente quando apresentam uma visão de exploração praticamente descontrolada do patrimônio florestal, a defesa do reflorestamento fortemente atrelado ao eucalipto e a falta de preocupação com as mudanças na paisagem.
  • 3
    Como é sabido, o álcool pode ser obtido não apenas do melaço, ou seja, álcool residual, mas também diretamente da cana. Ademais, o álcool divide-se em dois produtos diferentes: o álcool hidratado, usado principalmente como matéria-prima, como insumo industrial ou como um substitutivo inferior para a gasolina; já o álcool anidro é usado como um aditivo oxigenante para a gasolina. Foi a produção do álcool anidro que o Governo Vargas tentou promover (SZMRECSÁNYI, 1988, p. 62-63).
  • 4
    Essa resolução foi tomada pelo conselho do Comité Scientifique du Carburant nomeado pelo governo francês para estudar a questão, após os brilhantes resultados da experiência realizada em Beziers, em abril de 1922 (VIZIOLI, 1930, p. 26).
  • 5
    Diante dos diagnósticos apresentados acerca do agravamento da crise do setor açucareiro, em 1932, o Governo implementaria uma forte campanha para a divulgação do álcool-motor, chegando a autorizar misturas contendo 60% de álcool de baixa qualidade com 40% de gasolina (TRUDA, 1937, p. 97).
  • 6
    Um exemplo seria a fala de Vizioli (1930, p. 12). Ele enfatizava que o melaço das usinas constitui para o industrial açucareiro a matéria-prima mais barata na fabricação do álcool. Sob o seu ponto de vista, o custo de produção poderia ser considerado nulo.
  • 7
    Em 1911, Augusto Ramos afirmava que existia na Alemanha uma lei que praticamente impunha a cada usina, ano por ano, o contingenciamento da sua produção. Foram os próprios usineiros que a solicitaram ao Governo alemão, assim como o Governo Paulista proibiu os fazendeiros de abrir nova plantação de café (BRANDÃO SOBRINHO, 1912, p. 12).
  • 8
    O principal objetivo do Instituto era aumentar o consumo nas cidades mais industrializadas, como no caso de São Paulo, que já consumia no período 50% da gasolina importada.
  • 9
    Menezes Sobrinho era diretor da Estação Geral de Experimentação de Barreiros, em Pernambuco.
  • 10
    Adrião Caminha Filho também era técnico do Ministério da Agricultura.
  • 11
    Fróes Abreu era Assistente Chefe da Secção de química tecnológica do Instituto Nacional de Tecnologia.
  • 12
    A formação dos membros da comissão era: o Ministro da Agricultura como presidente, contando com representantes do Ministério da Guerra, do Instituto Nacional de Tecnologia, do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas, da Escola Nacional de Agronomia, do Serviço Florestal, da Sociedade Nacional de Agricultura, do Automóvel Clube do Brasil, das empresas de transporte e dos fabricantes de gasogênio.
  • 13
    Luciana Murari (2009, p. 165) ressalta que um dos marcos do conservacionismo seria a criação do primeiro parque natural do mundo, o parque de Yellowstone, em 1872, nos Estados Unidos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2016
  • Aceito
    18 Out 2016
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