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Histórias cruzadas: uma prosopografia dos fundadores da Revista Brasiliense (São Paulo, 1955)

Crossed histories: a prosopography of the founders of Brasiliense Review (São Paulo, 1955)

RESUMO

Por meio de uma abordagem prosopográfica, o artigo estuda o grupo dos quarenta e cinco participantes do Manifesto de Fundação da Revista Brasiliense, editada na cidade de São Paulo, entre 1955 e 1964. Problematizando a questão do intelectual que estaria apoiando o projeto desenvolvido por Caio Prado Júnior e Elias Chaves Neto, o cruzamento das biografias demonstra que determinadas formas de social ização política, cultural e profissional não per mitem enquadrá-lo como um especialista, mas sim como um intelectual público, engajado no amplo debate sobre a modernização brasileira de meados do século XX.

Palavras-chave:
Prosopografia; Revista Brasiliense; História Intelectual

ABSTRACT

Through a prosopographic approach, this pa per studies the group of forty-five participants of the Manifesto of the Founders of Brasiliense Review, published in São Paulo, between 1955 and 1964. Problematising the issue of intellec tual who would be supporting the project de veloped by Caio Prado Junior and Elias Chaves Neto, the crossing of biographies shows that certain forms of political, cultural and profes sional socialization allow not frame it as an ex pert, but as a public intellectual, engaged in the extensive debate on the Brazilian moderniza tion of the mid-twentieth century.

Keywords:
Prosopography; Brasiliense Review; Intellectual History

A prosopografia é um dos métodos encontrados no atelier do historiador. Consiste em definir uma população e estudá-la a partir de critérios ou variáveis que irão descrever sua dinâmica social, ação política e visão ideológica, por meio de um questionário biográfico, em geral, empenhado no levantamento de aspectos relativos a origem familiar, relacionamentos sociais, formação escolar, ocupações profissionais e ati vidades políticas dos indivíduos envolvidos na pesquisa (CHARLE, 2006CHARLE, Cristophe. A prosopografia ou biografia coletiva: balanço e perspectivas. In: HEINZ, Flávio (Org.). Por uma outra história das elites. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006. p. 41-54. ). A aplicação mais constante do método prosopográfico tem sido feita no estudo das corporações e elites econômicas, políticas e culturais. O objetivo central dessas investigações é detalhar, em um conjunto de trajetórias individuais, as interseções que formam redes e criam possibilidades de ação coletiva (STONE, 2011STONE, Lawrence. Prosopografia. Revista Sociologia e Política, Curitiba, v. 19, n. 39, p. 115-137, jun. 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v19n39/a09v19n39. pdf >. Acesso em: 6 fev. 2015.
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).

Na História Social, há quase meio século, a prática da prosopografia representou uma alternativa ao modelo quantitativo-serial, de associação com os movimentos da economia, permitindo a saída do enquadramento feito a partir das grandes estruturas que demarca vam os limites de pertinência dos agentes individuais, pelo recurso aos “jogos de escala” e a introdução de uma perspectiva relacional, preocupada em evitar “a inclinação primária para pensar o mundo social de maneira realista” (BOURDIEU, 2011BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva. In: BOURDIEU, Pierre. Sobre o poder simbólico. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p. 17-58. , p. 27). Esse giro torna-se flagrante, por exemplo, na micro-história italiana e seu entendimento do processo históri co-social como um campo aberto a possibilidades, em que atores de variadas condições agem em meio a incertezas e oportunidades, constituindo redes interativas que sustentam suas escolhas e estratégias, numa recusa aberta à noção de contexto, se percebida de ma neira estática e determinista (SILVA, 2005SILVA, Fernando Teixeira da. História e Ciências Sociais: zonas de fronteiras. História (São Paulo) [online], Franca, v. 24, n. 1, p. 127-166, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/ pdf/his/v24n1/a06v24n1.pdf >. Acesso em: 22 mar. 2015.
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).

Na História Política, o encontro com as intenções advindas da construção de biogra fias coletivas evitou o aprisionamento desta ao imperativo dos sujeitos, individualmente capazes de conduzi-la, beneficiando-se dos dispositivos analíticos colocados em cena por sociólogos e historiadores sociais. O que implica dizer que a modelagem prosopográfica, não sendo apenas uma simples reunião de histórias de vida, serviu para evitar as ilusões biográficas, situando-se como artefato no apuro da noção bourdieusiana de trajetória, en tendida como uma “série de posições sucessivamente ocupadas, por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessan tes transformações” (BOURDIEU, 2002BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (Orgs.). Usos e abusos da História Oral. 5. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas , 2002. p. 183-192. , p. 189).

Se rumarmos em direção aos subcampos da História Política, iremos perceber uma renovação decorrente do movimento de ruptura dos balizamentos que a identificavam aos grandes homens e às grandes obras. No terreno da História das Ideias Políticas, que tanto nos interessa pela afinidade que possui com a História dos Intelectuais, a prosopografia serviu como aliada na superação do conceito de “história-galeria”, pleiteado nos estudos de Jean-Jacques Chevallier, que perdeu espaço para uma outra historiografia, decidida a abandonar o estudo das grandes obras e ir em busca dos “pensadores secundários, jorna listas notórios, romancistas de grandes tiragens, todos os tipos de autores outrora indignos do panteão do pensamento político” (WINOCK, 1996WINOCK, Michel. As ideias políticas. In: REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; Fundação Getúlio Vargas , 1996. p. 271-294. , p. 281). Esses personagens do dia a dia ganharam espaço em virtude da representatividade de suas ações, da repercussão de suas produções literárias, que se mostraram também como produtos das sensibilidades dominantes do tempo em que vieram a lume. Essa nova perspectiva, emergente na França desde meados da década de 1960, retirou o foco até então predominante na imersão ao mundo das ideias particulares, das idiossincrasias intelectuais, deslocando-o para o estudo das formas de mediação, seja por meio de grupos atuantes em jornais e revistas ou de in dividualidades cruzadas nas instituições escolares.

O uso positivo da prosopografia na história dos agrupamentos intelectuais foi evi denciado por Jean-François Sirinelli (1996SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 231-269. ), ao perceber as condições oferecidas por esse exercício na observação das coincidências de itinerário, geração e sociabilidade que confi guram o campo de ação dos indivíduos que se aproximam ou se afastam em razão das ba talhas de ideias. Antes do seu desenvolvimento recente, porém, a História dos Intelectuais passou pelas mesmas dificuldades enfrentadas pela História Política quando da hegemonia dos Annales na historiografia. O combate desse grupo de historiadores ao “humanismo retrógrado”, tão bem exposto no artigo-manifesto de Fernand Braudel, História e Ciências Sociais: a longa duração (1958), considerou-a também em meio a um “número infindável de defeitos”, caindo-lhe a pecha de elitista, individualista, subjetiva e psicologizante (FER REIRA, 1992, p. 266).

Atualmente, procura-se entender os intelectuais fora da concepção de Julien Benda, de uma clerezia de seres superdotados, homens acima da média, portadores de um senso moral extremo, lutadores da causa da humanidade. Isso permite vê-los, aquém de uma imaginária e inclassificável aristocracia, como objeto acessível aos métodos advindos da História enquanto Ciência Social, “sobretudo através da indispensável constituição de um corpus de textos e de uma abordagem prosopográfica dos itinerários” (SIRINELLI, 1996SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 231-269. , p. 238).

A prosopografia contida neste artigo abarca os quarenta e cinco participantes do Ma nifesto de Fundação da Revista Brasiliense (RB), editada na cidade de São Paulo por Caio Prado Júnior e Elias Chaves Neto, entre setembro de 1955 e março de 1964. O objetivo é conhecer um pouco mais a respeito desse grupo levando-se em conta aspectos geracio nais, escolares, profissionais e de produção intelectual. A hipótese que se quer testar en volve o posicionamento da revista no campo intelectual adjacente, em um período em que as Ciências Humanas e Sociais adquiriam autonomia em termos de autoridade científica, não apenas por meio da formação dos primeiros pesquisadores full time, em virtude da abertura de cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), mas também da chegada das primeiras revistas especializadas no meio editorial paulistano: Sociologia (1939), Revista de História (1950) e Revista de Antropologia (1953).

O que a bibliografia sobre a RB indica não é um perfil exatamente igual a esse. A pesquisa pioneira de Fernando Limongi (1987LIMONGI, Fernando. Marxismo, nacionalismo e cultura: Caio Prado Junior e a Revista Brasiliense. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 27-46, 1987. ) ressaltou os vínculos do periódico com a Revista do Brasil e a “tradição cultural de Monteiro Lobato”, louvada no Manifesto de Fun dação, mostrando que não existiriam maiores rupturas entre a sua concepção editorial e as práticas dominantes no jornalismo cultural. Mais recentemente, Luiz Carlos Jackson (2004JACKSON, Luiz Carlos. A sociologia paulista nas revistas especializadas (1940-1965). Tempo Social [online], São Paulo, v. 16, n. 1, p. 263-283, 2004. Disponível em: <Disponível em: http:// www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v22n65/a03v2265.pdf >. Acesso em: 5 abr. 2015.
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, p. 267) reiterou a hipótese de Limogi, dizendo que embora recebesse muitos artigos eminentemente acadêmicos, como aqueles que divulgavam o projeto investigativo desen volvido em torno da Cadeira de Sociologia I da Universidade de São Paulo (USP), dirigida por Florestan Fernandes, a revista se colocava a “meio caminho entre os campos político e cultural”.

Deve-se ressaltar, ainda, que o publisher da RB, também principal acionista da editora que a patrocinava, embora reconhecido intelectual nas áreas de história, economia, ge ografia e filosofia, não estava profissionalmente inserido na vida universitária.¹ 1 Ele participou, sem êxito, do concurso público para a cátedra de Economia Política da Faculdade de Direito da USP, em 1954, com a tese Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira. Na ocasião, entretanto, lhe foi concedido o título de Livre-Docente. As memórias de Elias Chaves Neto registram que o texto originou o programa de ação da RB. O seu viés de entrada no debate intelectual esteve relacionado ao marxismo de matriz comunista, dentro do qual produziu uma interpretação da formação social brasileira, em muitos as pectos divergente do enquadramento dominante no Partido Comunista do Brasil (PCB), que valorizava a permanência dos restos feudais como antagonista da modernização da economia nacional.² 2 Os aspectos de ruptura de Caio Prado Júnior frente ao marxismo-leninismo animaram uma vasta e competente bibliografia. Fernando Novais (1986) e Roberto Schwarz (1999) enfatizaram o salto crítico-qualitativo do autor de Evolução Política do Brasil (1933) e Formação do Brasil Contemporâneo (1942) em relação aos usos mais esquemáticos do materialismo histórico, considerando-o um primeiro exemplar do marxismo de cátedra no Brasil. Bernardo Ricupero (2000) detalhou a condição de isolamento do intelectual paulistano no interior do PCB, lançando mão de uma hipótese que pode ser útil a esse artigo. Ele atentou que, sem organizar uma dissidência, Caio Prado Júnior agia dentro de um “grupo de pares”, que compartilhava não somente uma posição política heterodoxa, mas laços de amizade e relações sociais homogêneas, originando um ethos comunitário.

Os anos em que a RB esteve em circulação coincidiram com a construção de uma relativa autonomia da vida acadêmica paulistana em relação às atividades políticas e cul turais da cidade, levando-nos à percepção de que essas esferas mantiveram uma situação de trocas seletivas. Os intelectuais universitários das Ciências Humanas e Sociais, em geral, resguardavam-se em posições distantes da política dos grandes partidos da época. O que quer dizer que esses intelectuais, em regra, não postularam candidaturas a cargos eletivos nesses partidos, embora manifestassem variada militância política. Eles, no entanto, não deixaram de estar envolvidos nos projetos culturais da grande imprensa, como mostra a frequência com que muitos assinaram artigos e resenhas no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo. Esse caderno de cultura, aliás, possuía um formato muito próximo das revistas especializadas, tendo sido idealizado pelo cientista social e crítico literário Antônio Cândido de Mello e Souza (JACKSON, 2004JACKSON, Luiz Carlos. A sociologia paulista nas revistas especializadas (1940-1965). Tempo Social [online], São Paulo, v. 16, n. 1, p. 263-283, 2004. Disponível em: <Disponível em: http:// www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v22n65/a03v2265.pdf >. Acesso em: 5 abr. 2015.
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, p. 278).

Na segunda metade da década de 1950, a imprensa dos principais centros urbanos brasileiros passou por um período de reformas, dentro do qual houve a valorização de espaços dedicados a divulgação da literatura e das artes em geral, como foi o caso do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Os intelectuais universitários, porém, pouco estiveram presentes neste e na maior parte dos suplementos culturais editados na época, residualmente abertos a uma pauta relacionada aos temas políticos do desenvolvimento nacional (ABREU, 1996ABREU, Alzira Alves. Os suplementos literários: os intelectuais e a imprensa nos anos 50. In: ABREU, Alzira Alves; FERREIRA, Marieta Morais; LATTMAN-WELTMAN, Fernando (Orgs.). A imprensa em transição: o jornalismo brasileiro nos anos 50. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 13-60. , p. 34). É preciso observar, então, que a colaboração constante de cientistas sociais como Egon Schaden, Florestan Fernandes e Maria Izaura de Queiroz, em artigos e resenhas publicados no suplemento de O Estado de S. Paulo, demonstra uma exceção que muito tem a dizer sobre o campo intelectual paulistano.

A profissionalização do exercício intelectual em São Paulo não teve apenas uma tra jetória no sentido da autonomização do campo científico. Era também importante e ne cessário para os intelectuais das Ciências Humanas e Sociais manterem um elo com o público mais amplo. Como escrevera Maria Alice Rezende de Carvalho (2007CARVALHO, Maria Alice Rezede de. Temas sobre a organização dos intelectuais no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online], São Paulo, v. 22, n. 65, p. 17-31, 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v22n65/a03v2265.pdf >. Acesso em: 2 fev. 2015.
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, p. 23), os sociólogos uspianos, enquanto “seres funcionalmente modernos em meio a uma ordem patrimonialista e oligárquica”, embora reconhecessem sua independência face ao sistema político estabelecido, ocupavam papéis em que cabiam “simultaneamente, uma identidade acadêmica e um ethos intelectual compatível com a noção de intelectuais públicos” (CAR VALHO, 2007, p. 23). A RB representou, assim, um dos espaços capitais de publicização do pensamento sociológico. Mas se não podemos defini-la como uma revista especializada, como faríamos a sua apresentação? É possível aproveitar a hipótese compartilhada por Limongi e Jackson, apostando na condição híbrida da revista, a meio caminho da interven ção política e cultural? Lançadas as fichas nessa casa, cabem duas questões: qual seria a política editorial da revista e qual seria a cultura política a que pertencera a RB?

Para responder a esses questionamentos, em primeiro lugar, não se pode deixar de entender a RB como um dos projetos da editora que a sustentava. Fundada por Caio Pra do Júnior em 1943, tendo por sócios Arthur Neves, Caio da Silva Prado, Leandro Dupré e Hermes Lima, a Editora Brasiliense manteve uma linha editorial direcionada para a temática nacional, como indicam a publicação das obras completas de Monteiro Lobato e Lima Bar-reto, além de coleções como Problemas Brasileiros (lançada em 1945), cuja proposta era publicar pesquisas atinentes às condições de vida da população, com títulos envolvendo política alimentar, reforma agrária e leis trabalhistas (IUMATI, 1993).

Os autores nacionais editados pela Brasiliense eram, na sua maioria, intelectuais es querdistas e liberais, cujo ponto de contato estava na rejeição das figuras carismáticas de Getúlio Vargas e Luiz Carlos Prestes. Não desprezando os aspectos comerciais envolvidos na publicação de suas obras, a escolha dos títulos a serem lançados pela editora também expõe, além de envolvimentos pessoais, a cultura política dos sócios de maior atividade.³ 3 Registrada em 23/11/1943, a Editora Brasiliense era uma “sociedade por quotas”. A empresa possuía um capital social de Cr$ 5000.000,00 X 2.000.000,00, assim distribuído entre os sócios na data de constituição: Caio da Silva Prado 240.000,00, Arthur Neves 100.000,00, Leandro Dupré 100.000,00, Caio Prado Júnior 50.000,00 e Hermes Lima 50.000,00. Monteiro Lobato tornou-se um dos sócios da empresa na sua primeira expansão acionária, em 12/2/1946, detendo o montante de 100.000,00. Investigações em torno de Yolanda Prado Alves Pinto e da Editora Brasiliense. In. Dossiê 30-k-33 Caio Prado Júnior, Fundo Delegacia Estadual de Ordem Política e Social/São Paulo (DEOPS-SP). Arquivo Público do Estado de São Paulo. Nota-se por essa investigação que o acionista majoritário, quando da fundação da empresa, era o senhor Caio da Silva Prado, pai de Caio Prado Júnior, que, entretanto, não era um ativo participante dos negócios. O engenheiro Leandro Dupré, detentor da segunda maior participação, era o marido da escritora Maria José Dupré, um dos carros-chefe de vendas da editora. O professor Hermes Lima, amigo pessoal de Caio Prado Júnior, detinha uma parte minoritária e residia na cidade do Rio de Janeiro, não se envolvendo diretamente nas decisões. Os sócios que viveram mais de perto o dia a dia da empresa, nos anos iniciais, foram Arthur Neves e Caio Prado Júnior. Arthur Neves e Caio Prado Júnior estiveram juntos no presídio Maria Zélia, detidos na onda repressiva que sucedeu o fechamento da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a supressão dos levantes comunistas ocorridos em Natal, Recife e Rio de Janeiro, em novembro de 1935. No esforço de reorganizar o PCB, em meio à ditadura do Estado Novo, os dois mili taram nos Comitês de Ação, corrente minoritária que advogava uma alternativa à política comunista de “Constituinte com Getúlio”. 4 Esses encontros não foram suficientes para que Arthur Neves, então assistente de Octalles Marcondes Filho na Companhia Editora Nacional, pudesse demonstrar a Caio Prado Júnior o seu interesse em deixar o emprego à procura de um empreendimento no mercado literário. Foi pela intermediação de Tito Batini, em reuniões acontecidas na Sociedade Brasileira de Escritores, que os dois se entenderam, conquistando Arthur Neves o apoio da família Silva Prado para a abertura do negócio (BATINI, 1991, p. 267).

O decênio 1936-1945 forjou o aprendizado político desses atores, em grande medida, pelo desgaste das opções insurrecional e conciliatória em relação a Vargas. Em face a essa experiência, a estratégia da esquerda deveria passar pela construção de alternativas demo cráticas de médio-longo prazo, em termos de ação política, necessitando, para este fim, do alcance de uma consciência intelectual, divulgada ao público leitor fora do exclusivismo partidário.

1. Uma publicação independente

A entrada em cena da RB representou o nascimento de uma publicação independen te no campo da esquerda comunista, na medida em que rompia o controle material do PCB, sobrevivendo com recursos próprios (MONTALVÃO, 2006MONTALVÃO, Sérgio de Sousa. Notas sobre uma publicação comunista independente: a Revista Brasiliense. Urutágua [online], Maringá, n. 10, p. 22-26, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://www.urutagua.uem.br/010/10montalvao.pdf >. Acesso em: 15 mar. 2015.
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). Quando do lançamento da revista, o Partido Comunista (na ilegalidade desde maio de 1947) estava mergulhado em uma linha de oposição radical aos “governos de traição” (Dutra e Vargas), comprometidos com o imperialismo norte-americano, a serem derrubados pela organização das forças democráticas em uma Frente de Libertação Nacional, defendida por Luiz Carlos Prestes no Manifesto de Agosto de 1950. Esse direcionamento foi antecedido pela breve participação comunista na democracia eleitoral, que levou à formação de expressivas bancadas nas câmaras legislativas, além da eleição de Prestes para o Senado da República.

Em pouco tempo de legalidade, o partido obteve uma interlocução privilegiada com

o mundo das artes e da intelectualidade literária, em razão, sobretudo, do prestígio con quistado pela União Soviética na luta contra o nazi-fascismo. A vitória no campo de batalha de Stalingrado e a campanha de libertação do leste europeu valeram àquele país a insígnia de avatar do progresso e da justiça social, em meio às ruínas deixadas pela guerra no cen tro do Ocidente. O relacionamento com os intelectuais foi obtido por meio da abertura de espaços em uma rede midiática rapidamente organizada. No imediato pós-Segunda Guerra Mundial (1945-1947), o PCB contava com nove jornais diários em grandes capitais, três revistas teóricas, duas editoras, uma distribuidora de livros e uma produtora de filmes (FERREIRA, 2012FERREIRA, Muniz Gonçalves. O PCB e a organização do campo intelectual brasileiro. In: ROXO, Marcos; SACRAMENTO, Igor. Intelectuais partidos: os comunistas e as mídias no Brasil. Rio de Janeiro: E-papers, 2012. p. 13-41. ; MORAES, 1994MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado: A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-1953). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. ) para divulgar não apenas o marxismo-leninismo, mas também aproximar o partido das massas urbanas por meio da cobertura da cultura popular e dos fatos quotidianos.

Como organizador da cultura, o PCB legalizado teve forte militância nas associações civis que lutavam por direitos profissionais e ampliação da democracia. É o caso da Asso ciação Brasileira de Escritores (ABDE), cujo primeiro congresso, realizado ainda no Estado Novo, aconteceria no Teatro Municipal de São Paulo, em janeiro de 1945. Os intelectu ais comunistas estiveram integrados à frente antifascista articulada naquele momento, de modo suprapartidário. Essa atitude pluralista rendeu simpatias e permitiu que muitos inte lectuais de renome, como Carlos Drummond de Andrade, se aproximassem da imprensa pecebista em busca de uma estética do povo e da realização da missão social do artista. Os comunistas brasileiros continuaram nesse movimento até que o presidente Eurico Gaspar Dutra reativasse as práticas de perseguição policial e desmonte das sedes partidárias, cul minando no processo de cancelamento das suas atividades legais.

O quadro acima coincidiu com o emergir da Guerra Fria, dividindo as perspectivas futuras da humanidade entre o capitalismo norte-americano e o socialismo soviético; o que acirrou a dependência ideológica do PCB ao cânone stalinista. 5 A diretriz stalinista para a literatura e as artes recomendava o realismo socialista como resposta à decadência da cultura burguesa. Por essa razão, os intelectuais identificados ao movimento comunista internacional deveriam criar trincheiras em defesa da arte proletária. Esse quadro de confronto provocou a hostilidade dos militantes pecebistas a escritores e artistas não enquadrados nessa estética, derrubando a aliança pluralista que prevaleceu durante a queda do Estado Novo. Neste sentido, vale o seguinte comentário de Dênis de Moraes (1994MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado: A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-1953). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. , p. 135): “Embora a repressão tenha contri buído para desagregar as hostes comunistas, foi o sectarismo que enfraqueceu o potencial de representação popular”. No livro Minha vida e as lutas do meu tempo, Elias Chaves Neto (1978, p. 125) narra as dificuldades em se ajustar a essas mudanças:

Não me lembro como me veio parar às mãos o Manifesto de Agosto (estávamos em 1950), o qual li durante as horas de calor intenso, na frescura do meu rancho. [...] Li e fiquei perplexo. Todo fundamento teórico de nossa política caía por terra. Não se tratava mais de um resistir; de defender a democracia; o que dava base jurídica a nossa luta, de estarmos defendendo as tradições culturais do nosso povo. Tratava-se agora de derrubar o governo qualificado de ditadura e, este deposto, de organizar as forças democráticas da nação numa Frente de Libertação Nacional, para tanto formando-se um exército popular. Aplicava-se no Brasil o esquema asiático das guerras de libertação que tinham origem na luta contra o colonialismo.

No reviver das suas inquietações quanto ao posicionamento do Manifesto de Agosto, Chaves Neto traz indícios do que seria, mais tarde, o principal motivo da criação da RB: ajustar o marxismo à realidade nacional. O caminho para se chegar a esse ajuste seria a crítica ao “esquema asiático”, em um movimento em defesa da democracia e das “tradições culturais do nosso povo”. Nesse raciocínio, a mobilização das massas para o socialismo não incluía diretamente a luta armada, nem qualquer proximidade com a ruptura revolucionária (tomada violenta do Estado), mas a continuidade, mesmo nas condições adversas trazidas pela ilegalidade, da política de integração aos poderes constitucionais e ao sistema eleitoral vigente. Isso implica em dizer que haveria espaço suficiente no interior da sociedade civil para o desenvolvimento da luta de classes, estando a sociedade brasileira em processo de “ocidentalização” das suas instituições políticas e sociais. 6 O diretor de redação da RB é visto atualmente como um dos pioneiros na análise da conjuntura política brasileira apoiado em conceitos retirados da obra de Antonio Gramsci, o que se justificaria pelo contato mantido entre ele e o intelectual argentino Hector Agosti, responsável pelas primeiras traduções de Cadernos do Cárcere em seu país (SECCO, 2000, p. 24). A historiografia recente tem demonstrado a procedência das intuições de Elias Chaves Neto quanto à “ocidentalização” da sociedade brasileira em meados da década de 1950, à medida que valoriza as formas de associativismo de classe nesses anos de acelerado crescimento industrial e urbano. Nessa vertente, por exemplo, segue o livro de Pedro Henrique Pedreira Campos (2014) sobre o empresariado da construção pesada, sobretudo no capítulo acerca das formas organizativas das empreiteiras na sociedade civil.

A repercussão popular da carta-testamento, divulgada logo após o suicídio de Getúlio Vargas (24/8/1954) e as notícias sobre o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), disponibilizadas no Relatório Krushev sobre os crimes políticos de Stalin, modificaram as táticas de ação do PCB, dentro daquilo que Raimundo Santos chamou de “a primeira renovação pecebista”. O processo de desestalinização despertou os comunistas brasileiros para a “realidade viva da conjuntura” (SANTOS, 1988SANTOS, Raimundo. A primeira renovação pecebista: Reflexos do XX Congresso do PCUS no PCB (1956-1957). Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1988. , p. 87), levando-os à inte gração no movimento nacionalista, engendrado por uma variedade de vertentes em dis puta pelo controle do Estado Nacional e seus mecanismos de gerenciamento econômico.

O espírito de frente ampla que caracterizou a participação dos comunistas na “etapa nacionalista” da política brasileira, conforme as diretrizes da Declaração de Março de 1958, foi antecipado pelo grupo fundador da RB, reunindo indivíduos de tendências ideológicas espalhadas do centro à esquerda, em uma revista com o propósito de se tornar:

Mais do que uma simples publicação [...], um centro de debates e de estudos brasileiros, aberto à colaboração de todos os que já se habituaram ou se disponham a abordar seriamente esses assuntos e nela terão o meio não só de tornar conhecidos os seus trabalhos, como também de influir sobre a opinião pública. (MANIFESTO DE FUNDAÇÃO, 1955).

A concretização desse projeto, entretanto, só foi possível após o aquecimento do mercado editorial, passada a crise da importação do papel, que quase levou a Editora Bra siliense ao fechamento nos primeiros anos da década de 1950 (IUMATTI, 1993, p. 4). Junto a essa conjuntura desfavorável, a empresa de Caio Prado Júnior também passou por pro blemas internos, provenientes da administração de Arthur Neves. Atuante nos primeiros anos da editora, pela experiência vivida nesse mercado antes da sua entrada na sociedade, Neves foi acusado de envolvimento em práticas de gestão fraudulenta, prejudicando os negócios e levando Caio Prado Júnior a mover contra ele uma ação na justiça e a aumentar a sua participação acionária a fim de obter maior poder decisório. 7 Correspondência entre Caio Prado Junior e Hermes Lima sobre a venda de ações que este último possuía como sócio da Editora Brasiliense. Arquivo Hermes Lima, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV), HL c 1953.10.29.

A recuperação econômica da Editora Brasiliense acompanhou a movimentação do setor editorial, consequência da capacidade organizativa desse segmento do empresaria do, que pressionou os órgãos competentes por medidas como a inclusão de livros e papéis na lista de mercadorias importadas isentas de licença prévia (GALUCIO, 2009GALUCIO, Andrea Lemos Xavier. Civilização Brasileira e Brasiliense: trajetórias editoriais, empresários e militância política. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. Disponível em: <Disponível em: http://www.historia.uff.br/stricto/td/930. pdf >. Acesso em: 22 jun. 2015.
http://www.historia.uff.br/stricto/td/93...
, p. 77). O crescimento das vendas acompanhou a guinada promovida pelo plano de metas de Jusce lino Kubitschek, que beneficiou os editores com “[...] o aumento da concessão de licenças para importação de equipamento gráfico; isenção de impostos para a indústria editorial, exceto o Imposto de Renda; e subsídio ao papel importado” (GALUCIO, 2009, p. 79).

No ano de criação da RB, a Editora Brasiliense ocupava a 24ª posição no ranking na cional do número de títulos publicados em livro. As cinco maiores editoras brasileiras eram a Companhia Editora Nacional, Melhoramentos, Francisco Alves, Editora do Brasil e José Olympio. Deve-se observar, porém, que, entre elas, as quatro primeiras eram especializa-das em livros didáticos (GALUCIO, 2009GALUCIO, Andrea Lemos Xavier. Civilização Brasileira e Brasiliense: trajetórias editoriais, empresários e militância política. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. Disponível em: <Disponível em: http://www.historia.uff.br/stricto/td/930. pdf >. Acesso em: 22 jun. 2015.
http://www.historia.uff.br/stricto/td/93...
, p. 46). A empresa de Caio Prado Júnior não se destacava pela edição desse tipo de livro, alavancando os negócios na segunda metade dos anos 1950 mediante contratos assinados com o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o Instituto Nacional do Livro (INL) para a venda de títulos do catálogo de literatura brasileira (IUMATTI, 1993, p. 5).

2. Os signatários do Manifesto de Fundação

Na caracterização do grupo fundador da RB, a pesquisa que sustenta este artigo teve por base as fontes tradicionalmente consultadas na realização de uma prosopografia (ver fontes e bibliografia, no final do artigo): anuários, apresentações de autores, dicionários biográficos e biobibliográficos, enciclopédias, memórias, “orelhas” de livros, perfis (muitos deles disponíveis na web), prefácios e posfácios. Destaca-se, nesse conjunto, o Dicionário de Autores Paulistas, organizado por Luís Correa de Melo para as comemorações do quarto centenário da cidade de São Paulo. 8 Na década de 1950, São Paulo completou o processo de metropolitização, simbolicamente associado aos eventos do IV Centenário, que visava projetar nacionalmente a cultura e a ciência produzidas na cidade. A maior intervenção urbanística da ocasião foi a inauguração do Parque do Ibirapuera, marcada por exposições de arte, premiações literárias e reuniões científicas que mobilizaram a intelectualidade local (ARRUDA, 2001). O dicionário organizado por Luís Correa de Melo é representativo desse momento. Nele foram encontrados os dados referentes a 16 dos 28 fundadores identificados da revista nascidos em território paulista, número equivalente a 57% do total. Essa cifra expõe a projeção dos nomes reunidos, enquanto escritores de expressão pública, dentro do espaço urbano que sediava a publicação.

O Manifesto de Fundação é um documento datado de agosto de 1955, que expõe as intenções da política editorial em vias de desenvolvimento pelos mentores da RB, com a anuência de Abguar Bastos, Acácio Ferreira, Adroaldo Ribeiro Costa, Afonso Schimdt, Aguinaldo Costa, Alice Canabrava, Álvaro de Faria, Aníbal Machado, Carlos Pasquale, Ca tulo Branco, Ciro T. de Pádua, Edgard Cavalheiro, Edgar Koetz, Egon Schaden, E.L. Berlink, Fernando de Azevedo, Fernando Segismundo, Florestan Fernandes, Francisco Pompeu do Amaral, Gilberto de Andrada e Silva, Heitor Ferreira Lima, Heron de Alencar, J. N. Fonseca Lima, Jayme Gramaciotti, João Climaco Bezerra, João Cruz Costa, José Kalil, José Maria Gomes, Josué de Castro, Léo Ribeiro de Moraes, Mario Mazzei Guimarães, Mario da Sil va Brito, Nabor Caires de Brito, Omar Catunda, Osmar Pimentel, Pinto Ferreira, Rossine Camargo Guarnieri, Ruy Bloem, Salomão Schattan, Samuel B. Pessoa, Sergio Buarque de Holanda, Sergio Milliet e Wilson Alves de Carvalho.

O cruzamento das informações biográficas desse grupo teve por objetivo responder a duas indagações: 1) Que tipo de intelectual predominou no grupo fundador da RB?; e 2) Quais foram os elos entre os indivíduos que emprestaram seus nomes para alavancar a revista? Para alcançá-lo, foram estabelecidas as entradas descritas a seguir.

2.1 Data de nascimento (ano)

A amostragem partiu do intervalo entre 1881-1930, dividindo-o em cinco décadas, nas quais foram encontrados registros de nascimento dos participantes do Manifesto de Fundação. Assim, foram obtidas as variações assinaladas no Gráfico 1.

Gráfico 1
Signatários do Manifesto de Fundação da RB - ano de nascimento

Os mais velhos do grupo (com 55 ou mais anos de idade) fizeram parte de uma gera ção nascida na primeira década republicana (o participante de idade mais avançada nasceu em 1889) e ambientada intelectualmente no período de “redescobrimento do Brasil” dos anos 20 do século passado; marcado tanto pela renovação estética do modernismo, quanto pela difusão das ideologias cientificistas de salvação nacional, por meio de projetos e aspirações de reformas educacionais e higiênico-sanitárias. Esses também foram anos de contestação ao republicanismo oligárquico pelas vias comunista e liberal.

Quadro 1
Signatários do Manifesto de Fundação da RB- nascidos entre 1881 e 1900

Os dados levantados apontaram maior concentração de nascidos nas décadas de 1901-1910 (14) e 1911-1920 (15), levando a perceber que a maioria dos participantes do Manifesto de Fundação estava entre 35 e 54 anos de idade. Esses participantes passaram ainda jovens (menos de 30 anos) pela Revolução de 1930, atingindo a maturidade política, intelectual e o reconhecimento público entre a crise da Segunda República (1935-1937) e a queda do Estado Novo (1945).

Os pontos de inflexão do grupo nascido entre 1901 e 1910 foram a instituição do ensino universitário - na USP e na Universidade do Distrito Federal (UDF) - e a política de massas da ANL.

O projeto da USP foi idealizado por um dos participantes do grupo da RB, Fernando Azevedo, intelectual associado ao jornal O Estado de S. Paulo, diário favorável a reformas que estimulassem a ordem social competitiva, de traço liberal, no Brasil (CAPELATO, 1989CAPELATO, Maria Helena. Arautos do liberalismo: a imprensa paulista (1920-1945). São Paulo: Brasiliense, 1989. ). No modelo azevediano, a Faculdade de Filosofia ocupava papel de destaque, atraindo aqueles que desejavam pensar o país fora dos quadros do formalismo jurídico, tornando-se rapidamente um importante centro irradiador da cultura moderna na capital paulista. Nela estudaram alguns manifestantes da revista: Alice Piffer Canabrava, Egon Schaden e João Cruz Costa. Além desses alunos regulares, que finalizaram seus cursos, também a frequentaram Caio Prado Júnior e Elias Chaves Neto.

A UDF, no Rio de Janeiro, trouxe à tona um projeto universitário nascido dos combates da Associação Brasileira de Educação (ABE), ainda na Primeira República, que priorizava o desenvolvimento da atividade científica livre e desinteressada no ensino superior. Sujeita às adversidades da conjuntura política, a universidade aberta na gestão do prefeito Pedro Ernesto, logo depois interrompida, representou uma experiência inovadora dentro da ordem patrimonialista e da rápida ascensão do nacionalismo autoritário, que logo a identificaria como um corpo estranho a ser extirpado. Do quadro docente dessa universidade fizeram parte Josué de Castro e Sérgio Buarque de Holanda.

A ANL reunia partidários do aprofundamento democrático da sociedade brasileira, a se materializar mediante reformas envolvendo o cancelamento da dívida externa e a nacionalização de empresas estrangeiras (LEVINE, 1980LEVINE, Robert. O regime de Vargas: os anos críticos, 1934-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. ). Movimento de frente popular apoiado pelo PCB, a ANL foi posta na ilegalidade com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), logo após a leitura do manifesto de Luiz Carlos Prestes exigindo todo o poder para a organização. O estado de exceção induzido pela LSN atingiu em cheio os aliancistas que, embora representassem diversos setores da esquerda, seriam duramente reprimidos após a derrota dos levantes comunistas em finais de 1935. Nesse período, uma série de detenções arbitrárias lotou os presídios paulistas. Segundo Dainis Karepovs (2002KAREPOVS, Dainis. A luta subterrânea: O PCB em 1937-1938. São Paulo: Hucitec, 2002. , p. 61), foram efetuadas 551 prisões de ordem política no estado de São Paulo, entre novembro de 1935 e fevereiro de 1937.

A onda anticomunista dos anos 1930 marcou a trajetória de alguns dos manifestantes da RB, diretamente envolvidos com a ANL. Caio Prado Júnior, Gilberto de Andrada e Silva e José Maria Gomes, ambos do PCB, foram aprisionados por agentes dos órgãos repressivos logo nos primeiros dias após o fracassado putsch comunista. No Rio de Janeiro, Abguar Bastos, deputado federal e membro do diretório nacional da ANL, foi preso em março de 1936, acusado de participação em atividades revolucionárias.

Quadro 2
Signatários do Manifesto de Fundação da RB - nascidos entre 1901 e 1910

Quadro 3
Signatários do Manifesto de Fundação da RB - nascidos entre 1911 e 1920

Com base nos dados coletados, verificou-se um crescendo até 1920 e, posterior mente, a situação se inverte, pois, houve apenas mais dois participantes da RB nascidos nos anos seguintes: Salomão Schattan (21/04/1921) e Heron de Alencar (08/11/1921). É necessário perceber que até mesmo esses dois casos ainda apontam para o período an terior, devendo-se, por prudência, incluí-los no mesmo universo político e intelectual dos nascidos a partir de 1901.

Observando o conjunto identificado de datas natalinas, o resultado a que se pode chegar é de uma divisão geracional correspondendo a dois subgrupos: os que vivenciaram a crise da Primeira República e os que vivenciaram a experiência de reconstrução nacional da Era Vargas (1930-1945).

2.2 Local de nascimento (unidade federativa)

A investigação relativa ao local de nascimento dos signatários do Manifesto de Funda ção da RB demonstra claramente a predominância dos paulistas (28), cuja soma ultrapassa bastante a dos participantes das demais unidades federativas (15). É importante, porém, observar uma presença não desprezível de membros oriundos das regiões Norte, Nor deste e Centro-oeste (9), coerente em relação ao projeto da revista de evitar as “funestas ilusões” do progresso, que “mal dissimula, sob o extraordinário desenvolvimento dos gran des centros urbanos, o atraso econômico do país” (MANIFESTO DE FUNDAÇÃO, 1955). Os fundadores da revista nascidos nessas regiões, entretanto, muitas vezes fizeram suas vidas profissionais no eixo Rio-São Paulo. Foi o que ocorreu com o amazonense Abguar Bastos, o baiano Nabor Caires de Brito e o mato-grossense Heitor Ferreira Lima.

Gráfico 2
Signatários do Manifesto de Fundação da RB - local de nascimento

2.3 Local de residência (1955)

O local de residência dos manifestantes no ano de fundação da RB indica a hegemonia da capital paulista (31). As cidades do Rio de Janeiro (5) e de Salvador (2) surgem em se gundo e terceiro lugares. Os demais participantes do manifesto viviam em cidades de porte médio do estado de São Paulo (Santos e Taubaté), capitais das regiões Sul e Nordeste do Brasil (Porto Alegre, Fortaleza e Recife) e no exterior (Paris).

É, portanto, em torno da cidade de São Paulo que se desenvolve o núcleo de participantes do manifesto, em uma demonstração do seu raio de abrangência, eminentemente voltado para o campo intelectual paulistano.

Gráfico 3
Signatários do Manifesto de Fundação da RB - local de residência (1955)

2.4 Escolarização

Conhecidos os cortes geracional e espacial do grupo fundador da RB, a próxima en trada traz indicações a respeito da escolarização dos participantes do manifesto. Esse item é útil para pensar a posição da revista no campo intelectual paulistano, a partir da divisão entre “amadores” e “profissionais” (SAID, 2005). Os primeiros são entendidos aqui como in telectuais dispostos a emitir opiniões sobre os mais diferentes assuntos de interesse públi co. Os últimos seriam detentores de uma posição especializada, fechados em uma deter minada área do conhecimento, em comunicação privilegiada com os seus pares, atuando para um público mais restrito.

O período que separa o ano de nascimento do manifestante mais velho (1889) e a cria ção da RB (1955) coincide com uma fase de grandes transformações na atividade intelectu al. A passagem do século XX assistiu não apenas ao crescimento do número de homens e mulheres envolvidos em afazeres burocráticos dentro das suas atividades profissionais diá rias, mas também ao aprofundamento do processo de especialização do saber. As antigas profissões liberais da advocacia e da medicina, sinônimos de independência resultante do talento individual, passaram por um severo processo de assalariamento, enquadradas em serviços prestados em escritórios e clínicas de vocação empresarial (MILLS, 1969MILLS, Charles Wright. A nova classe média. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. ).

A tendência geral para a especialização provocou mudanças no campo universitário e permitiu que novas formações e titulações fossem oferecidas. Sobretudo a partir da década de 1940, no Brasil, surgem ou se consolidam uma variedade de cursos dirigidos para a ciên cia social aplicada (tais como Administração, Arquitetura, Ciências Contábeis e Economia) visando atender a rápida evolução do mercado nacional e a abertura de novas carreiras no interior do Estado. Essas transformações logo atingiriam a capital paulista, que contou com o impulso de instituições escolares geradoras de um impacto considerável sobre as formas de produção intelectual da cidade. Houve, assim, o declínio do intelectual polígrafo, capaz de desempenhar diversas funções na imprensa e no meio editorial (MICELI, 2001MICELI, Sergio. Poder, sexo e letras na República Velha (estudo clínico dos anatolianos). In: MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. p. 13-68. ), substituído pelo especialista na medida em que os bacharéis se viram confrontados com os primeiros contingentes de mestres e doutores formados em pós-graduações no Brasil. A crítica literária e o ensaísmo histórico, político e social foram os nichos que sofreram as mais intensas mutações em relação aos seus produtores, decorrentes da profissionalização acadêmica dessas áreas.

O Gráfico 4, a seguir, mostra que a maioria dos fundadores da RB detinha o diploma de ensino superior (19), interrompendo os estudos após a conclusão do bacharelado. A maior parte deles era formada em Direito (12) e, em seguida, Engenharia (4) e Medicina (2). Esse afunilamento nas chamadas “profissões imperiais” resultava da trajetória tardia de di versificação dos cursos superiores no Brasil. Nesse quadro, a única diplomação divergente seria a de Sérgio Milliet, que estudou Ciências Econômicas e Sociais na Escola de Comércio da Universidade de Berna, na Suíça. Exceção que confirma a regra, pois o primeiro curso superior em Economia do país iniciou as suas atividades em 1938, na Faculdade de Ciên cias Econômicas e Administrativas da Universidade do Brasil (UB), impedindo, até então, a obtenção desse diploma.

Além dos que obtiveram diplomas de nível superior, fizeram parte do grupo sete par ticipantes com o ensino fundamental ou médio. Os que obtiveram especializações stricto sensu (12) defenderam teses de doutorado ou livre-docência em Antropologia (1), Direito (1), Economia Política (1), Filosofia (1), História (2), Letras Neo-latinas (1), Matemática (1), Medicina (2) e Sociologia (2).

Gráfico 4
Signatários do Manifesto de Fundação da RB - escolarização

2.5 Atividade profissional

Apenas as informações a respeito da escolarização não suprem o detalhamento ne cessário para uma conclusão mais consolidada sobre o perfil intelectual dos fundadores da RB. Pode-se aproximar dela adicionando a essa prosopografia a atividade profissional e a produção intelectual do grupo, como será feito neste e no próximo item.

A pesquisa demonstrou que a maior parte dos participantes do Manifesto de Fundação da revista era formada por professores universitários (12), jornalistas (9), editores (3), corres pondendo a 55 % do total de integrantes do grupo. Chegou-se a essas compartimentações considerando-se a atividade profissional de cada manifestante no ano de lançamento da RB (1955). Assim, por exemplo, Sérgio Milliet, embora tenha atuado como professor na ELSP (1937-1944) e secretário de redação de O Estado de S. Paulo, aparece catalogado como “gestor cultural”, em virtude das atividades por ele exercidas na direção da Biblioteca Municipal de São Paulo e na organização da Bienal de Artes daquela cidade. Os fundado res da RB identificados na pesquisa dividiram-se profissionalmente conforme expressa, a seguir, o Gráfico 5.

Gráfico 5
Signatários do Manifesto de Fundação da RB - atividade profissional

A presença marcante de professores universitários revela a proximidade da RB com a pesquisa acadêmica, em especial a que era desenvolvida na USP, instituição a qual per tenciam 40% desse conjunto. Mostra também que a formação especializada levava-os prioritariamente para a universidade. Afinal, de todos os participantes do manifesto que obtiveram doutorado, cátedra ou livre-docência até 1955, apenas um não ingressou pro fissionalmente na vida universitária: Caio Prado Júnior.

Por outro lado, a forte presença de indivíduos dedicados ao jornalismo insinua a par ticipação de intelectuais não especializados entre os fundadores da RB. 9 As faculdades de Comunicação Social são um fenômeno bastante recente no Brasil, haja visto que o primeiro curso de jornalismo do país, aberto na Fundação Cásper Líbero, data de 1948. O exercício anterior do jornalismo esteve aberto aos letrados de um modo geral e aos bacharéis em particular, especialmente os bacharéis em Direito. Nesse sentido, é interessante conhecer a formação escolar dos que abraçaram essa profissão, assim como os órgãos de imprensa a que estiveram vinculados, a fim de saber que tipo de inserção profissional tiveram na área.

Quadro 4
Formação escolar e atuação profissional dos jornalistas do grupo fundador da RB

No grupo de fundadores da RB, os que exerceram o jornalismo como profissão foram escolarizados até o ensino fundamental ou médio, ou então, concluíram o bacharelado em Direito. Aqueles que obtiveram outras formações superiores não se dedicaram ao jornalis mo de forma integral, o que não os impedia de atuarem como colaboradores eventuais ou frequentes da imprensa. O caso mais emblemático na relação de distanciamento entre a especialização pós-graduada e o jornalismo é o de Sérgio Buarque de Holanda. Nos anos 1920, depois de formado em Direito, ele participou ativamente da imprensa escrita, em diversas funções, desempenhadas em agências de notícias e jornais de grande circulação, para mais tarde realocar-se profissionalmente como diretor do Museu Paulista e profes sor de História da USP. O rito de passagem nessa trajetória de especialização viria com o concurso para a cadeira de História da Civilização Brasileira, em 1958, no qual apresentou a tese Visão do Paraíso (DIAS, 1994DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Sérgio Buarque de Holanda na USP. Estudos Avançados, São Paulo, v.8, n. 22, p. 269-274, 1994. ).

Os jornalistas do Manifesto de Fundação atuaram tanto na imprensa operária (anar quista) e popular (comunista) como na grande imprensa. Um dos mais velhos do grupo, Afonso Schmidt, teve uma trajetória abrangente, iniciada em parceria com Edgard Leuen roth em A Lanterna, passando por jornais como a Voz Operária, órgão da Federação Ope rária, na capital da República. Cronista e poeta, Schmidt publicou uma grande quantidade de textos em folhetos e revistas de variedades. Na década de 1920, integrou-se à imprensa comercial, assumindo funções na recém-criada Folha da Manhã (PAULILO, 2002PAULILO, Maria Célia. Tradição e modernidade: Afonso Schmidt e a literatura paulista. São Paulo: Annablume, 2002. ). A pre sença de Schmidt na grande imprensa diária não o afastaria dos projetos de vinculação partidária, estando à frente de Fundamentos (1948-1955), que surge como uma “revista de cultura moderna”, mas logo se redefine, em meio à guinada sectarista do PCB, com um estilo panfletário em defesa das teses jdanovistas. Nabor Caires de Brito teve trajetória semelhante a de Schmidt, com passagem pela imprensa partidária e a grande imprensa. O jornalista dirigiu Notícias de Hoje, principal veículo de comunicação escrita do PCB em São Paulo durante a legalidade pós-Estado Novo, sendo convidado mais tarde para assumir função semelhante na sucursal paulista do Última Hora.

Os homens de imprensa da RB eram profissionais prestigiados no métier, independen temente de suas atividades políticas, estritamente partidárias ou exercidas em movimentos de opinião. Alguns deles até não tiveram envolvimento direto na luta política ou o fizeram fora do campo ideológico da esquerda. O primeiro caso inclui Mário Mazzei, redator-chefe da Folha da Manhã, considerado um dos fundadores do jornalismo agropecuário no Brasil, e o último, Ruy Bloem, colunista político de O Estado de S. Paulo e secretário municipal de Educação da capital paulista na gestão de Lineu Prestes, prefeito indicado pelo governador Adhemar de Barros, do Partido Social Progressista (PSP).

O terceiro agrupamento profissional mais representativo entre os fundadores da RB era formado por editores. Além do proprietário da Editora Brasiliense, nele estiveram Edgard Cavalheiro e Mário da Silva Brito, nomes de grande projeção no meio cultural paulistano. Atuando ininterruptamente como colaborador da imprensa e biógrafo, Edgard Cavalheiro ocupou funções gerenciais nas editoras Martins, Globo e Cultrix, até abrir negócio próprio, com a Companhia Distribuidora de Livros (CODIL), pouco antes do seu falecimento em 1958. Já a experiência do escritor Mário da Silva Brito no ramo editorial coincidiu com a sua passagem pela Editora da Civilização Brasileira, cujo proprietário era Ênio Silveira. É im portante notar que Cavalheiro e Brito foram dirigentes da Câmara Brasileira do Livro (CBL), órgão corporativo envolvido na expansão do setor editorial.

2.6 Produção intelectual

Para atingir uma interpretação mais conclusiva a partir do uso da prosopografia, o Grá fico 6, a seguir, incorpora a produção intelectual dos biografados. Mesmo que a presença no grupo fundador não levasse a uma assiduidade na publicação de artigos na revista (em alguns casos houve até mesmo nulidade), conhecer o tipo de publicação mais frequente dos manifestantes auxilia a compreender os perfis de apresentação e recepção intentados pela RB.

A pesquisa considerou como produção intelectual apenas aquela apresentada na for ma de comunicação escrita (livro ou artigo), desconsiderando o texto jornalístico, visto como inerente à atividade profissional dos seus produtores, não como reflexão resultante da pesquisa científica, erudita ou da criação literária. Com isso, deliberadamente, re duziu-se o universo pesquisado, eliminando-se três participantes do Manifesto de Funda ção: o ilustrador Edgard Koetz e os jornalistas Mário Mazzei e Nabor Caires de Brito. Outro problema enfrentado na catalogação dos manifestantes foi a variedade da sua produção, definida pelo que tornou mais conhecido cada um deles. Caso emblemático é o de Caio Prado Júnior, autor de livros sobre História, Filosofia e Teoria Econômica. A opção foi con siderá-lo apenas historiador.

O resultado da investigação demonstrou uma inclinação do grupo fundador para o Ensaio Econômico, Político e Social, conforme expressa o Gráfico 6.

Gráfico 6
Signatários do Manifesto de Fundação da RB - produção intelectual

O predomínio dos ensaístas indica a presença de intelectuais não especializados entre os fundadores da publicação. Mas só é possível confirmá-la adicionando a essa informação o nível de escolarização e a atividade profissional de cada um deles, como se verifica, a seguir, no Quadro 5.

Quadro 5
Escolarização, profissão e temas dos ensaístas do grupo de funda-dores da RB

O que se observa nesse grupo é o predomínio de jornalistas que não obtiveram especializações acima da graduação universitária. O tipo de publicação procurada por eles não se distanciava das suas atividades profissionais, e até as complementava. É o caso do livro de Ruy Bloem, A crise da democracia e a reforma eleitoral, lançado pela editora Martins em 1955BLOEM, Ruy. A crise da democracia e a reforma eleitoral. São Paulo: Martins, 1955. . Na ocasião, Bloem era colunista político de renome em São Paulo e o livro resultou da campanha jornalística encabeçada por ele na Folha da Manhã e na Folha da Tarde contra o personalismo na política brasileira, provocada, conforme o argumento, pela demora em suprimir os efeitos negativos do código eleitoral regido pela Lei Agamenon, aprovada em maio de 1945, ainda durante a ditadura do Estado Novo. A edição reunia artigos originalmente publicados na imprensa, que passariam à “vida menos fugaz do livro” (BLOEM, 1955BLOEM, Ruy. A crise da democracia e a reforma eleitoral. São Paulo: Martins, 1955. , p. 16). Ao escrever sobre o assunto, o autor não procurou apenas apresentar os fatos, mas trazer a público uma opinião estabelecida em amplo conhecimento histórico e jurídico. Com uma conotação doutrinária, a redação de Bloem expunha uma interpretação liberal do Brasil contemporâneo, numa crítica aberta ao mau uso da política de massas por determinados grupos, responsáveis pela condução da democracia a níveis cada vez mais baixos, em que os projetos de nação eram substituídos por ataques pessoais recíprocos entre os principais candidatos.

Logo após o grupo de ensaístas, com quatro representantes cada, estiveram personagens envolvidos com a produção intelectual em História, Literatura em prosa e Medicina Social. Essa divisão revela um viés basicamente humanista e cultural nos participantes do manifesto de 1955, pois mesmo os cientistas que participaram do lançamento da revista vieram das ciências sociais e médicas, não havendo nela nenhum representante das ciên cias físicas e naturais.

3. Considerações finais

Manifestos são documentos que demarcam a entrada coletiva dos intelectuais na es fera pública, diante da qual se postam a favor ou contra ideologias e práticas políticas e sociais, em nome de algum ideal de justiça. Vistos por outro ângulo, são também re presentativos das “estruturas elementares da sociabilidade” (SIRINELLI, 1996SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 231-269. , p. 248) que imperam nesse meio. O artigo aqui desenvolvido tratou do Manifesto dos Fundadores da RB nessa segunda vertente, não se importando com o conteúdo do mesmo, mas com a possibilidade de investigar as redes de relacionamento que lhe deram origem. O método da prosopografia foi crucial nesse sentido, permitindo detalhar alguns aspectos do grupo em questão, com ênfase para o nível de escolarização, a atuação profissional e o tipo de produção intelectual dominante.

Os dados levantados trouxeram a percepção da RB como um projeto apoiado por um grupo de intelectuais centrados na cidade de São Paulo, em sua maioria jornalistas e professores universitários das áreas de Ciências Humanas e Sociais, com uma produção intelectual voltada majoritariamente para o ensaio (econômico, político e social), a história, a literatura em prosa e a medicina social. Essas formas de expressão estiveram unidas para elaborar interpretações do Brasil, permitindo que a publicação em tela se autointitulasse um centro de estudos brasileiros, aberto em um momento de ascensão do nacionalismo enquanto ideologia do Estado desenvolvimentista, logo após o suicídio de Getúlio Vargas.

Os principais espaços de socialização desse grupo foram a universidade, o partido comunista e a associação de escritores. O editor da revista passou de modo irregular por essas três instituições. Bacharel em Direito pela antiga faculdade do Largo de São Francis co, Caio Prado Júnior frequentou informalmente os cursos oferecidos na Faculdade de Filosofia da USP, aproximando-se de alguns dos professores da missão francesa, como os geógrafos Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig e o etnólogo Claude Levi Strauss, em virtude de sua cultura e posição de classe. Ele não ingressou no corpo docente dessa ins tituição de ensino superior, mesmo após concorrer à cátedra de Economia Política. Militou por décadas no PCB, divergindo quase sempre do ordenamento interno, atingindo maior reconhecimento em funções destinadas ao público externo, enquanto dirigente da ANL e deputado estadual paulista (1947-1948). Esteve próximo do meio literário como autor e proprietário da Editora Brasiliense, por meio da qual consolidou um círculo de relaciona mentos profissionais e pessoais; mas também enquanto participante da ABDE, atuando na organização do primeiro congresso nacional de escritores.

Graças à sua posição no intrincado jogo de relacionamentos que originou a RB, a trajetória de Caio Prado Júnior confunde-se com a dos fundadores da revista que diri giu. A prosopografia aqui concluída confirma essa hipótese, entendendo-a como uma publicação apoiada por indivíduos que participaram de uma rede de relacionamentos formada com base em processos de socialização política, cultural e profissional muito semelhantes. O intelectual que emerge dessa experiência não é o professor universitário apegado aos limites da sua especialidade, mas o que se poderia chamar de intelectual público, engajado no amplo debate sobre a modernização brasileira em meados do sé culo XX.

Referências

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  • MANIFESTO DE FUNDAÇÃO. Revista Brasiliense, São Paulo, v. 1, n. 1, ago./set. 1955.
  • 1
    Ele participou, sem êxito, do concurso público para a cátedra de Economia Política da Faculdade de Direito da USP, em 1954, com a tese Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira. Na ocasião, entretanto, lhe foi concedido o título de Livre-Docente. As memórias de Elias Chaves Neto registram que o texto originou o programa de ação da RB.
  • 2
    Os aspectos de ruptura de Caio Prado Júnior frente ao marxismo-leninismo animaram uma vasta e competente bibliografia. Fernando Novais (1986) e Roberto Schwarz (1999) enfatizaram o salto crítico-qualitativo do autor de Evolução Política do Brasil (1933) e Formação do Brasil Contemporâneo (1942) em relação aos usos mais esquemáticos do materialismo histórico, considerando-o um primeiro exemplar do marxismo de cátedra no Brasil. Bernardo Ricupero (2000) detalhou a condição de isolamento do intelectual paulistano no interior do PCB, lançando mão de uma hipótese que pode ser útil a esse artigo. Ele atentou que, sem organizar uma dissidência, Caio Prado Júnior agia dentro de um “grupo de pares”, que compartilhava não somente uma posição política heterodoxa, mas laços de amizade e relações sociais homogêneas, originando um ethos comunitário.
  • 3
    Registrada em 23/11/1943, a Editora Brasiliense era uma “sociedade por quotas”. A empresa possuía um capital social de Cr$ 5000.000,00 X 2.000.000,00, assim distribuído entre os sócios na data de constituição: Caio da Silva Prado 240.000,00, Arthur Neves 100.000,00, Leandro Dupré 100.000,00, Caio Prado Júnior 50.000,00 e Hermes Lima 50.000,00. Monteiro Lobato tornou-se um dos sócios da empresa na sua primeira expansão acionária, em 12/2/1946, detendo o montante de 100.000,00. Investigações em torno de Yolanda Prado Alves Pinto e da Editora Brasiliense. In. Dossiê 30-k-33 Caio Prado Júnior, Fundo Delegacia Estadual de Ordem Política e Social/São Paulo (DEOPS-SP). Arquivo Público do Estado de São Paulo. Nota-se por essa investigação que o acionista majoritário, quando da fundação da empresa, era o senhor Caio da Silva Prado, pai de Caio Prado Júnior, que, entretanto, não era um ativo participante dos negócios. O engenheiro Leandro Dupré, detentor da segunda maior participação, era o marido da escritora Maria José Dupré, um dos carros-chefe de vendas da editora. O professor Hermes Lima, amigo pessoal de Caio Prado Júnior, detinha uma parte minoritária e residia na cidade do Rio de Janeiro, não se envolvendo diretamente nas decisões. Os sócios que viveram mais de perto o dia a dia da empresa, nos anos iniciais, foram Arthur Neves e Caio Prado Júnior.
  • 4
    Esses encontros não foram suficientes para que Arthur Neves, então assistente de Octalles Marcondes Filho na Companhia Editora Nacional, pudesse demonstrar a Caio Prado Júnior o seu interesse em deixar o emprego à procura de um empreendimento no mercado literário. Foi pela intermediação de Tito Batini, em reuniões acontecidas na Sociedade Brasileira de Escritores, que os dois se entenderam, conquistando Arthur Neves o apoio da família Silva Prado para a abertura do negócio (BATINI, 1991, p. 267).
  • 5
    A diretriz stalinista para a literatura e as artes recomendava o realismo socialista como resposta à decadência da cultura burguesa. Por essa razão, os intelectuais identificados ao movimento comunista internacional deveriam criar trincheiras em defesa da arte proletária. Esse quadro de confronto provocou a hostilidade dos militantes pecebistas a escritores e artistas não enquadrados nessa estética, derrubando a aliança pluralista que prevaleceu durante a queda do Estado Novo.
  • 6
    O diretor de redação da RB é visto atualmente como um dos pioneiros na análise da conjuntura política brasileira apoiado em conceitos retirados da obra de Antonio Gramsci, o que se justificaria pelo contato mantido entre ele e o intelectual argentino Hector Agosti, responsável pelas primeiras traduções de Cadernos do Cárcere em seu país (SECCO, 2000, p. 24). A historiografia recente tem demonstrado a procedência das intuições de Elias Chaves Neto quanto à “ocidentalização” da sociedade brasileira em meados da década de 1950, à medida que valoriza as formas de associativismo de classe nesses anos de acelerado crescimento industrial e urbano. Nessa vertente, por exemplo, segue o livro de Pedro Henrique Pedreira Campos (2014) sobre o empresariado da construção pesada, sobretudo no capítulo acerca das formas organizativas das empreiteiras na sociedade civil.
  • 7
    Correspondência entre Caio Prado Junior e Hermes Lima sobre a venda de ações que este último possuía como sócio da Editora Brasiliense. Arquivo Hermes Lima, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV), HL c 1953.10.29.
  • 8
    Na década de 1950, São Paulo completou o processo de metropolitização, simbolicamente associado aos eventos do IV Centenário, que visava projetar nacionalmente a cultura e a ciência produzidas na cidade. A maior intervenção urbanística da ocasião foi a inauguração do Parque do Ibirapuera, marcada por exposições de arte, premiações literárias e reuniões científicas que mobilizaram a intelectualidade local (ARRUDA, 2001). O dicionário organizado por Luís Correa de Melo é representativo desse momento.
  • 9
    As faculdades de Comunicação Social são um fenômeno bastante recente no Brasil, haja visto que o primeiro curso de jornalismo do país, aberto na Fundação Cásper Líbero, data de 1948. O exercício anterior do jornalismo esteve aberto aos letrados de um modo geral e aos bacharéis em particular, especialmente os bacharéis em Direito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2016
  • Aceito
    04 Fev 2017
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