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OS DIREITOS DE PROPRIEDADE DA TERRA URBANA NA AMÉRICA PORTUGUESA: o caso do município de São Paulo colonial

Property rights of urban land in Portuguese America: the case of the São Paulo town in colonial period

RESUMO

A proposta deste artigo é discutir os direitos de propriedade referentes às terras urbanas no período colonial. Assim, propõe-se abordar o caso do município de São Paulo, sobretudo por ter preservado quase a totalidade de seus registros históricos locais referentes às concessões de terra urbana. Parte-se, pois, da formulação teórica sobre direitos de propriedade, cotejando com o debate sobre propriedades rurais. A intenção é propor um exercício de reflexão sobre o instituto urbano e pensar os direitos de forma diversa e que tenha relação com os contextos sociais. Para este propósito são utilizadas as Cartas de data de terra de São Paulo e, mediante a análise quantitativa das concessões, pretende-se desenvolver as características da terra urbana a fim de compreender melhor o fenômeno fundiário na cidade e suas permanências coloniais.

Palavras-chave:
Terra urbana; Propriedade; Concessões; São Paulo

ABSTRACT

The objective of this article is to discuss property rights relating to urban land in the colonial period. For this, we discuss the case of São Paulo, mainly because this city has preserved almost all of their local historical records relating to urban land concessions. We leave therefore the theoretical formulation of property rights, comparing with the debate on rural properties. The idea is to propose a reflection exercise on the urban institute and think about rights in different ways and relating with the social contexts. We will use the Cartas de data de terra and, through quantitative analysis of concessions, seek to develop urban land features as way to better understand the phenomenon of land in the city and its colonial permanencies.

Keywords:
Urban land; Property; Concessions; São Paulo

Pretendemos, neste artigo, discutir a terra urbana e sua relação com os direitos de propriedade na América Portuguesa. Como objeto de estudo, escolhemos o município de São Paulo, notadamente pelo conjunto documental preservado desde os primeiros anos de estabelecimento da Câmara Municipal, em 1560. Outro aspecto que denota a relevância de São Paulo para o estudo é justamente o papel que essa localidade assumiria na explosão demográfica urbana ocorrida na segunda metade do século XX. Assim, a cidade passaria para a condição de maior núcleo urbano do país e uma das maiores metrópoles do mundo.

Optamos por utilizar a denominação genérica município em detrimento à vila pelo fato de São Paulo ter sido elevada à condição de cidade em 1711. A mudança de status do município pouco alterou as dinâmicas internas, denotando mais uma dignidade concedida à localidade, não representando alterações significativas observadas nas estruturas de poder e nas relações políticas e econômicas.

A influência do passado colonial na estruturação da terra urbana em São Paulo, longe de significar uma herança direita, denota uma influência importante que merece ser contemplada no debate sobre a evolução do conceito de terra urbana e direitos de propriedades, o que permitirá, dessa forma, uma contribuição para qualificar a compreensão das dinâmicas atuais relativas à questão fundiária na cidade.

Segundo o Censo Demográfico (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/ >. Acesso em: 31 out. 2016.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
), a população urbana no Brasil, em 2010, atingiu a cifra de 160.925.792. Em face da população rural, cuja marca foi de 29.830.007 habitantes, observamos que 84,36% da população brasileira atualmente vive em cidades.

Edésio Fernandes (2007FERNANDES, Edésio. Constructing the 'Right of the City' in Brazil. Social & Legal Studies, Los Angeles, Londres, Nova Delhi e Cingapura, v. 16, n. 2, p. 201-219, 2007., p. 201) aponta que o fenômeno da rápida urbanização do Brasil ocorreu nas últimas quatro décadas. Tal situação não foi isolada, pois, no mesmo período, situação semelhante se deu na América Latina (FERNANDES, 2007FERNANDES, Edésio. Constructing the 'Right of the City' in Brazil. Social & Legal Studies, Los Angeles, Londres, Nova Delhi e Cingapura, v. 16, n. 2, p. 201-219, 2007., p. 202). Do início da colonização portuguesa até 1970, a população rural foi majoritária. E, somente a partir dessa década, o contingente urbano cresceria exponencialmente. Tal fenômeno, cujas marcas caracterizariam as estruturas das cidades brasileiras, nos leva a problematizar o urbano e, em especial, a questão da terra urbana e o acesso à propriedade como forma de compreender melhor a questão na atualidade.

Fernandes (2007FERNANDES, Edésio. Constructing the 'Right of the City' in Brazil. Social & Legal Studies, Los Angeles, Londres, Nova Delhi e Cingapura, v. 16, n. 2, p. 201-219, 2007., p. 203), em "Constructing the 'Right of the cities' in Brazil", destaca que uma das principais características do desenvolvimento urbano nos países da América Latina é o fato de que a produção social do espaço urbano tenha sido desenvolvida por meio de processos informais de acesso à terra urbana e à moradia. Essa situação levou dezenas de milhões de brasileiros a não terem acesso à terra urbana e à habitação sem que fosse pelo meio informal e, muitas vezes, por mecanismos à margem da legislação vigente (FERNANDES, 2007FERNANDES, Edésio. Constructing the 'Right of the City' in Brazil. Social & Legal Studies, Los Angeles, Londres, Nova Delhi e Cingapura, v. 16, n. 2, p. 201-219, 2007., p. 203). Urbanistas e cientistas sociais, diante da explosão do fenômeno urbano nos países da América Latina, África e Ásia, iniciaram reflexões com o intuito de apresentar soluções às situações caóticas das cidades inchadas e com deficiências de planejamento, infraestrutura e, notadamente, de acesso à terra.

Assim, como resposta a esse fenômeno, a formulação de Henri Lefebvre1 1 Principalmente as obras Le droit à la ville (1968) para a formulação e conceituação da noção de 'direito à cidade', e Du contrat de citoyenneté (1990) para a discussão sobre a participação popular na gestão democrática da cidade, posta como fundamental para a implementação do modelo proposto por Lefebvre. sobre o 'direito à cidade' inspiraria trabalhos e reflexões sobre formas de intervenção na nova realidade urbana, inicialmente na América Latina e, posteriormente, em outras regiões e contextos (FERNANDES, 2007FERNANDES, Edésio. Constructing the 'Right of the City' in Brazil. Social & Legal Studies, Los Angeles, Londres, Nova Delhi e Cingapura, v. 16, n. 2, p. 201-219, 2007., p. 201-202).

Esses debates culminaram com a redação do Estatuto da Cidade,2 2 Lei nº. 10.257 (BRASIL, 2001). legislação que trata da gestão do espaço urbano, especialmente no que tange ao acesso à propriedade, ao planejamento e à participação social nas escolhas para as cidades. O instrumento proposto pelo Estatuto é justamente o Plano Diretor, obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas e em áreas de especial interesse turístico - art. 41 (BRASIL, 2001). Fundamentado na noção de direito à cidade, o Estatuto consiste basicamente no direito ao aproveitamento da cidade como usufruto da vida urbana, com todos os seus serviços e comodidades disponíveis e, como parte fundamental para essa efetivação, o direito à participação nas decisões de gestão da cidade (FERNANDES, 2007FERNANDES, Edésio. Constructing the 'Right of the City' in Brazil. Social & Legal Studies, Los Angeles, Londres, Nova Delhi e Cingapura, v. 16, n. 2, p. 201-219, 2007., p. 208).

Edésio Fernandes (2007FERNANDES, Edésio. Constructing the 'Right of the City' in Brazil. Social & Legal Studies, Los Angeles, Londres, Nova Delhi e Cingapura, v. 16, n. 2, p. 201-219, 2007., p. 209) assinala que a rápida urbanização da América Latina, na segunda metade do século XX, ocorreu sob o paradigma dominante do legalismo liberal. No mesmo caminho, David Harvey (2012HARVEY, David. O direito à cidade. Lutas Sociais, São Paulo, n. 29, p. 73-89, jul.-dez. 2012., p. 73), em "O direito à cidade", destaca que vivemos num mundo onde os direitos de propriedade privada e a taxa de lucro se sobrepõem a todas as outras noções de direito. Assim, como a urbanização depende da mobilização de excedente, emerge uma conexão estreita entre o desenvolvimento do capitalismo e a urbanização (HARVEY, 2012HARVEY, David. O direito à cidade. Lutas Sociais, São Paulo, n. 29, p. 73-89, jul.-dez. 2012., p. 74). As propostas de reformulação do espaço urbano, baseadas nas ideias de Lefebvre, creditam à apropriação capitalista e à noção liberal de propriedade, formulada no século XIX, as bases das cidades contemporâneas.

Contudo, para compreendermos o fenômeno urbano, notadamente o acesso à terra nas cidades, devemos recuar no tempo, ao início da ocupação portuguesa na América. A rápida urbanização ocorrida nos últimos quarenta anos e que mudaria radicalmente as nossas cidades foi assentada em bases prévias ao capitalismo, e foi marcada pela concentração da propriedade, exclusão de grandes contingentes ao acesso à terra, pela informalidade e instabilidade de grande parte do espaço urbano. Com base nesse panorama, propomos, neste artigo, discutir a construção das bases da urbanização no período colonial. Destacamos o processo de concessão de terras urbanas pelas autoridades competentes e como se deu a concentração política na gestão do solo. Da mesma maneira, a concessão politicamente orientada seria acompanhada pela ocupação informal de grandes parcelas de solo por populações desprovidas de contatos políticos e que marcaria profundamente o espaço urbano: Seria essa a gênese da cidade informal no Brasil?3 3 Para a definição de cidade informal como local da ilegalidade, precariedade e informalidade e marcada pela ausência de equipamentos públicos, baseamo-nos em Marta Dora Grostein (2001, p. 14).

Com isso, a concessão de terras urbanas, nos séculos iniciais da colonização portuguesa, assentaria as bases sobre as quais se definiriam as cidades, com destaque para o acesso ao título de propriedade.

A terra urbana colonial

A discussão da terra urbana no Brasil exige a reflexão sobre a transferência e adaptação do instituto das sesmarias de Portugal para as novas colônias. As sesmarias tiveram origem com a Lei de D. Fernando, em 1375. Virginia Rau (1982RAU, Virgínia. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa: Presença, 1982. [1ª edição, 1947]., p. 90) indica como principais motivações para o dispositivo a escassez de cereais ocasionada pelo abandono das lavras à época, a carência de mão de obra pela fuga dos trabalhadores rurais, o encarecimento dos gêneros e dos salários dos homens do campo, a falta de gado para lavoura e seu preço excessivo, o desenvolvimento da criação de gado em detrimento da lavoura, a oscilação perigosa entre o preço da terra pedido pelo senhorio e o oferecido pelo locatário e o aumento dos ociosos, vadios e pedintes.

Ruy Cirne Lima (2002LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Goiânia: EdUFG, 2002. [1ª edição, 1954]., p. 25), em relação ao aproveitamento agrícola, destaca que a função principal das sesmarias era repovoar, pois "a agricultura é condição e, ao mesmo tempo, consequência do repovoamento". E o não aproveitamento das terras em um curto período de tempo seria punido com multas elevadas, desterro e a perda da propriedade inculta (RAU, 1982RAU, Virgínia. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa: Presença, 1982. [1ª edição, 1947]., p. 91).

O instituto sesmarial, apesar de ter surgido no século XIV com as motivações da época, permaneceu por séculos como base para o sistema agrícola português, tanto no Reino como nas Conquistas. Carmen Alveal (2007ALVEAL, Carmen M. Oliveira. Converting land into property in the Portuguese Atlantic World, 16th - 18th century. 2007. 367 f. Thesis (Doctor of Philosophy) - John Hopkins University, Baltimore, 2007. , p. 53) ressalta que, a despeito de ter surgido para solucionar um problema específico, no conjunto legal régio da época em questão, a lei de sesmarias passou por quatro edições sucessivas. Em geral, grande parte das leis portuguesas contidas nas primeiras Ordenações, foi consequentemente mantida nas Ordenações seguintes, com mudanças necessárias, bem como novas leis eram adicionadas.

As sesmarias do Reino foram a base para a construção do sistema nas colônias, especialmente na América. Cirne Lima (2002LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Goiânia: EdUFG, 2002. [1ª edição, 1954]., p. 35) afirma que "das Ordenações Manuelinas passou, com modificação pequena, ao texto das Filipinas a disposição seguinte, a que incontestavelmente se deve a transplantação do regime de sesmarias para as terras do Brasil". Para Costa Porto (1979, p. 42), a interpretação é distinta; segundo ele, a adoção do sistema sesmarial no Brasil resultou das condições peculiares da Colônia, cuja situação, ao primeiro exame, parecia, ao menos sob um aspecto, decalque daquela do Reino, em tempos de D. Fernando: a existência de terras inaproveitadas, incultas e inexploradas.

A principal diferença entre o instituto da sesmaria no Reino e na colônia é a inserção do Brasil em um contexto de exploração agrícola visando ao comércio transcontinental. Costa Porto (1979, p. 43) aponta que, no Reino, distribuía-se o solo a fim de possibilitar a produção e, com ela, assegurar o abastecimento, principalmente pelo fato da Lei das Sesmarias ter sido criada em contexto de crise de abastecimento interno. Ao passo que, na América Portuguesa, visa à produção, mas tendo em vista, de maneira principal, o povoamento, mesmo porque não havia população para abastecer (COSTA PORTO, 1979COSTA PORTO, José da. O sistema sesmarial no Brasil. Brasília: EdUnB, 1979., p. 43).

Tal diferença é reforçada por conta das distinções legais entre as duas formas do instituto das sesmarias. Carmen Alveal (2007ALVEAL, Carmen M. Oliveira. Converting land into property in the Portuguese Atlantic World, 16th - 18th century. 2007. 367 f. Thesis (Doctor of Philosophy) - John Hopkins University, Baltimore, 2007. , p. 114) afirma que em Portugal, as sesmarias eram dadas pelos conselhos, forma pela qual era dividido o território, ficando eles a cargo do seu controle. Para as capitanias ultramarinas ficaram sujeitas ao controle de uma só pessoa, na maioria das vezes o governador-mor, responsável pelo parecer final dado aos capitães e/ ou governadores (ALVEAL, 2007ALVEAL, Carmen M. Oliveira. Converting land into property in the Portuguese Atlantic World, 16th - 18th century. 2007. 367 f. Thesis (Doctor of Philosophy) - John Hopkins University, Baltimore, 2007. , p. 114).

A terra urbana, por sua vez, assume características distintas em relação às sesmarias, tanto no Reino como nas colônias. Os municípios, entidades responsáveis pela gestão das terras urbanas, foram criados em todas as regiões do Império Português. Charles Boxer (2006BOXER, Charles R. O império marítimo português, 1415-1815. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. [1ª edição, 1969]., p. 286), em relação à administração portuguesa, destacou que "a Câmara e a Misericórdia podem ser descritas, com algum exagero, como os pilares gêmeos da sociedade colonial do Maranhão até Macau". Na América, assim como em outras regiões do Império, as vilas criadas seguiram as prerrogativas, direitos e obrigações iguais às do Reino. Isso porque os municípios tiveram, desde o início de sua implementação em Portugal medieval, sua autonomia assegurada por meio de cartas de privilégios e de forais.

A questão da autonomia permitiu aos municípios administrarem e, consequentemente, concederem terras dentro de seu termo, isto é, na área de sua jurisdição. Assim, Raquel Glezer (2007GLEZER, Raquel. Chão de terra e outros estudos sobre São Paulo. São Paulo: Alameda , 2007. [1ª edição, 1992]., p. 58) conceitua a diferença entre terras urbanas e sesmarias na colônia e assevera que a sesmaria podia ser obtida por ato do rei, diretamente, ou via donatário, seu loco-tenente na anuência deste, do governador geral ou do capitão-donatário, com a condição de exploração livre de 'foro' pelo menos até o final do século XVII, mediante a exigência de pré-requisitos do solicitante, como capital e situação social. A terra urbana colonial, por sua vez, era cedida pela Câmara, instância de poder local, detentora de um 'termo' sobre o qual tinha jurisdição legal, jurídica, militar, econômica e administrativa, com o poder de conceder terra para moradias e exploração, quer gratuitamente, quer por meio do 'foro', que era parte de seus rendimentos (GLEZER, 2007GLEZER, Raquel. Chão de terra e outros estudos sobre São Paulo. São Paulo: Alameda , 2007. [1ª edição, 1992]., p. 58).

As sesmarias coloniais eram caracterizadas por serem de extensa dimensão territorial. Alveal (2007ALVEAL, Carmen M. Oliveira. Converting land into property in the Portuguese Atlantic World, 16th - 18th century. 2007. 367 f. Thesis (Doctor of Philosophy) - John Hopkins University, Baltimore, 2007. , p. 315) explica que a dimensão de 20 léguas dadas às sesmarias era corrente ainda no século XVII, uma vez que as primeiras limitações foram estabelecidas somente na última década do mesmo século. Até mesmo em uma colônia com a extensão territorial imensamente maior que no Reino, a restrição às propriedades estava mais relacionada à capacidade de produção da terra do que ao oferecimento por parte da autoridade.

As câmaras municipais, por terem, no geral, jurisdição sobre um termo de seis léguas (GLEZER, 2007GLEZER, Raquel. Chão de terra e outros estudos sobre São Paulo. São Paulo: Alameda , 2007. [1ª edição, 1992]., p. 105; ALVEVAL, 2007, p. 141), realizavam concessões de terras com uma dimensão consideravelmente menor do que as sesmarias coloniais (GLEZER, 2007, p. 103109). Enquanto as sesmarias eram cedidas em léguas, as datas de terra eram oferecidas em braças.4 4 De acordo com Iraci del Nero da Costa (s.d., p. 2), uma légua de sesmaria corresponderia, no período colonial, à 9.000.000 léguas quadradas. Assim, as principais distinções entre as sesmarias e terras urbanas seriam a dimensão dos lotes e, principalmente, o agente político que as concedia. Para a terra urbana, como era atribuição dos municípios, cabia aos poderes locais sua concessão. Tal situação nos leva a problematizar a noção de propriedade, notadamente em uma instância local, marcada institucionalmente pelos usos e costumes mais do que pela legislação.

Historiografia sobre propriedade urbana

A temática da propriedade urbana na América Portuguesa, na historiografia brasileira, é recente. A questão da noção de propriedade é, portanto, uma ausência historiográfica que merece ser contemplada. Não obstante, devemos ressaltar as contribuições advindas da Arquitetura e Urbanismo, notadamente no que se refere à história da urbanização, dando início, em grande parte, ao debate sobre terras no Brasil.

Em 1964, Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil (1500-1720), de Nestor Goulart Reis Filho, arquiteto e urbanista com formação também em ciências sociais, inaugura o estudo da rede urbana de maneira mais sistemática. Embora trate a espacialização do fenômeno urbano, a abordagem da propriedade urbana não é privilegiada. Estrutura a sua tese de livre-docência na discussão da regularidade do traçado urbano colonial e foca seu debate nas propostas apresentadas por Sérgio Buarque de Holanda no capítulo "O ladrilhador e o semeador" de Raízes do Brasil (2006HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2006. [1ª edição, 1936, 2ª edição, 1942]., p. 131).

Murillo Marx, arquiteto e urbanista e pesquisador da história da urbanização, em Cidade no Brasil, terra de quem?, de 1991, enfatiza a espacialidade do fenômeno urbano levando em consideração aspectos institucionais, como as freguesias, paróquias, capelas e municípios. Concebe, portanto, a rede urbana valendo-se da ideia de hierarquia entre estruturas urbanas. Essa reflexão sobre a urbanização que ressalta aspectos institucionais foi esboçada em Nosso chão: do sagrado ao profano, de 1989, no qual abordou como a relação entre Igreja e Estado influenciou a concepção de espaço nas cidades coloniais brasileiras (MARX, 1989MARX, Murillo. Nosso chão: do sagrado ao profano. São Paulo: Edusp , 1989., p. 21). Nesse estudo, o autor reflete sobre o papel da legislação eclesiástica no ordenamento do espaço urbano da vila de São Paulo e como o processo de laicização influenciou esse contexto. Em relação aos terrenos urbanos, Marx (1989, p. 199) salienta que, ao longo de mais de quatro séculos, o espaço de domínio e uso comum do povo paulistano sofreu lenta laicização.

A questão sobre a propriedade urbana - pensada como instituição própria e dotada de características específica - é tratada pela primeira vez na tese de livre-docência da historiadora Raquel Glezer, em 1992. Publicada em 2007, Chão de terra e outros estudos sobre São Paulo discute a conceituação da terra urbana como instituto distinto das sesmarias e com características e formas próprias. Ao conceituar a terra urbana como distinta das sesmarias, Glezer coloca em questão a propriedade como vetor de compreensão da cidade colonial. Passa, pois, da rede urbana de forma ampla para o específico, em um jogo de escalas que tem como objetivo refinar o entendimento do fenômeno.

Fania Fridman, economista política, em Donos do Rio em nome do rei: uma história fundiária da cidade do Rio de Janeiro, de 1999, apresenta o conceito de propriedade em consonância com as proposições estabelecidas por Murillo Marx. Apresenta que seu livro tem como objetivo analisar o papel desempenhado pela Igreja Católica, por meio das ordens religiosas e das confrarias, na produção do espaço e suas consequências sobre o quotidiano na cidade do Rio de Janeiro colonial (FRIDMAN, 1999FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em nome do rei: uma história fundiária da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Garamond, 1999., p. 13). Aponta que, no campo da relação Igreja e Estado, na falta de normas civis específicas para a conformação urbana, as leis eclesiásticas tornaram-se definidoras do estabelecimento das atividades e dos caminhos da expansão territorial (FRIDMAN, 1999, p. 13).

Contudo, a ênfase dada às ordens religiosas reside no fato da documentação administrativa municipal, produzida pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, não ter chegado aos dias atuais. A destruição da documentação camarária levou ao silêncio sobre a atuação do poder local na produção do espaço urbano carioca. Como tentativa de resolver a questão, Fridman afirma que, nos séculos XVI e XVII, apenas os nobres e os religiosos, os homens bons, tomavam assento na Câmara. Além disso, a Câmara não se dedicava aos melhoramentos urbanos, cabendo à população, isto é, aos foreiros, moradores ou instituições religiosas a responsabilidade pela produção de grande parte dos serviços públicos (Fridman, 1999, p. 21).

Amílcar Torrão Filho (2007TORRÃO FILHO, Amílcar. Paradigma do caos ou cidade da conversão? São Paulo na administração do Morgado de Mateus (1765-1775). São Paulo: Annablume, 2007., p. 46), historiador, em Paradigma do caos ou cidade da conversão? São Paulo na administração do Morgado de Mateus (1765-1775), consolida o debate sobre a questão urbana iniciada por Nestor Goulart Reis Filho e afirma que a conceituação, elaborada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, de "ladrilhador" para o colonizador espanhol e "semeador" para o português não pode ser atribuída ao estudo do fenômeno urbano na América. Essa classificação proposta por Holanda diz respeito, segundo Torrão Filho (2007TORRÃO FILHO, Amílcar. Paradigma do caos ou cidade da conversão? São Paulo na administração do Morgado de Mateus (1765-1775). São Paulo: Annablume, 2007., p. 47), ao estudo da mentalidade na colonização ibérica e não cabe, portanto, utilizá-la como classificação para compreensão das cidades coloniais.

Em 2011, Cláudia Damasceno Fonseca, cuja atuação concentra-se nos estudos sobre história da urbanização, publica a obra Arraiais e vilas d'El Rei: espaço e poder nas Minas setecentistas, na qual aborda a hierarquia urbana na espacialidade no contexto da sociedade mineradora do século XVIII.5 5 O livro corresponde à uma versão revista da tese Des terres aux villes d'or: pouvoir et territories urbains au Minas Gerais (Brésil, XVIII siècle) na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em 2001. Seguindo a abordagem de jogo de escalas de Bernard Lepetit,6 6 Abordagem de jogo de escalas apresentada em Bernard Lepetit (2001). retoma a temática proposta por Murillo Marx ao privilegiar a espacialização das estruturas urbanas.

Fonseca (2011FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d'El Rei: espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: EdUFMG, 2011. [1ª edição, 2001]., p. 41) expõe que os capítulos de seu livro estão agrupados em três partes, que correspondem às diferentes dimensões ou 'escalas' que identificamos no processo de formação dos espaços urbanos da capitania de Minas Gerais. Em sua análise, conclui que a superfície que serviu de pano de fundo para a primeira 'constelação' de arraiais mineiros era um imenso sertão, que foi se transformando em território à medida que alguns destes pontos se diferenciaram dos demais, tornando-se centros irradiadores do poder civil e religioso (FONSECA, 2011FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d'El Rei: espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: EdUFMG, 2011. [1ª edição, 2001]., p. 557). Assim, gradativamente, formou-se na capitania uma rede urbana composta por nódulos hierarquizados: cidades, vilas (e vilas cabeça de comarca), povoações-sede de julgados e de freguesia, além de uma miríade de arraiais que continham apenas uma capela filial (FONSECA, 2011, p. 557).

Com base na linha proposta por Raquel Glezer, apresentamos, em 2010, a dissertação de mestrado Poder local e patrimonialismo: a Câmara Municipal e a concessão de terras urbanas na vila de São Paulo (1560-1765) (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Fernando Victor Aguiar. Poder local e patrimonialismo: a Câmara Municipal e a concessão de terras urbanas na vila de São Paulo (1560-1765). 2010. 197 f. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.) no programa e Pós-graduação em História Econômica, na qual abordamos a relação entre os ocupantes dos cargos na administração municipal e a concessão de lotes urbanos. Observamos, ao longo da pesquisa, que a relação entre ocupantes dos cargos e beneficiários das concessões era considerável. Também se destacou a ocorrência de casos de familiares próximos à elite política local como requerentes e recebedores de terras urbanas na vila de São Paulo (RIBEIRO, 2010, p. 192). Esses elementos apresentados nos mostram as potencialidades de análise da terra urbana como fenômeno político, econômico e social. Contudo, essas questões somente podem ser levantadas se avançarmos na conceituação da terra urbana por meio da reflexão desta enquanto propriedade.

Paralelo a essa discussão apresentada, o debate sobre noção de propriedade no Brasil avançou no que tange à propriedade rural. Carmen Alveal, historiadora, em seu trabalho citado anteriormente, destaca a necessidade de problematizar o processo de obtenção da propriedade no que se refere às sesmarias. No capítulo "Para além das Ordenações", defende que a complexidade do sistema administrativo português não se resumia apenas aos governadores gerais e governadores de capitanias. Havia uma gama de cartas régias, alvarás e provisões que complementavam a legislação de sesmarias, além de sanarem eventuais dúvidas sobre o processo, apresentadas pelas autoridades coloniais (ALVEAL, 2007ALVEAL, Carmen M. Oliveira. Converting land into property in the Portuguese Atlantic World, 16th - 18th century. 2007. 367 f. Thesis (Doctor of Philosophy) - John Hopkins University, Baltimore, 2007. , p. 153). Tal posição da autora é explicitada ao afirmar que, como o sistema de sesmarias fazia parte do sistema mais amplo de administração do império português, sua gerência envolvia enorme processo burocrático (ALVEAL, 2007, p. 7).

Assim, da suposta clareza da lei à experiência real das sesmarias houve um emaranhado de situações que revelaram diversas percepções sobre a política de sesmarias (ALVEAL, 2007ALVEAL, Carmen M. Oliveira. Converting land into property in the Portuguese Atlantic World, 16th - 18th century. 2007. 367 f. Thesis (Doctor of Philosophy) - John Hopkins University, Baltimore, 2007. , p. 7). Para compreender o fenômeno das sesmarias, Alveal considera fundamental que as tratemos em seu aspecto amplo, levando em consideração não somente a requisição, mas sua tramitação institucional, sua confirmação e eventuais disputas entre as partes.

Seguindo a linha proposta por Carmen Alveal, Marcia Motta, pesquisadora também com formação em História, propõe discutir a propriedade rural com base em outros termos. Assim, aponta que, para se investigar a história das propriedades e posses na história moderna, é preciso reconhecer que, ao contrário do período liberal, a partir do século XIX, a terra, no período moderno, era um bem cujos direitos estavam fincados numa hierarquia muito complexa e que não se resumia a uma única e linear explicação (MOTTA, 2011MOTTA, Marcia Maria Menendes. Das discussões sobre posse e propriedade da terra na História Moderna: velhas e novas ilações. In: MOTTA, Marcia Maria Menendes; SECRETO, Maria Verónica (Orgs.). O direito às avessas: por uma história social da propriedade. Niterói: EdUFF; Guarapuava: Unicentro, 2011. p. 19-39., p. 21). Portanto, para além de uma pretensa lógica cartesiana de sistemas de deferimentos de herança e de uso da terra, há que se deslindar em diferentes práticas agrárias de posses e, também, avaliar o impacto da lógica de mercado e do chamado capitalismo agrário, o que significa esquadrinhar as concepções de direitos de regras fundamentais em posses imemoriais e práticas de usufruto que impunham limites à apropriação sem limites e sem regras, numa escala de valores, direitos e visões de mundo (MOTTA, 2011, p. 21-22).

Essa interpretação proposta por Marcia Motta nos direciona para que tratemos as propriedades agrícolas dentro do contexto de seu tempo e não baseados na visão de propriedade capitalista dos dias atuais. Diante desse quadro, critica a posição dos que veem a propriedade de maneira simples, como um dado, e não como resultado de um processo histórico marcado por tensões, conflitos e negociações (MOTTA, 2011MOTTA, Marcia Maria Menendes. Das discussões sobre posse e propriedade da terra na História Moderna: velhas e novas ilações. In: MOTTA, Marcia Maria Menendes; SECRETO, Maria Verónica (Orgs.). O direito às avessas: por uma história social da propriedade. Niterói: EdUFF; Guarapuava: Unicentro, 2011. p. 19-39., p. 25). Por fim, defende a necessidade de haver uma história da propriedade e da luta pela terra no setecentos que seja merecedora de uma análise mais acurada, que nos force a olhar o século XVIII com a visão de seu tempo, e não como uma antessala da consagração da propriedade liberal (MOTTA, 2011, p. 39). Com isso, Motta apresenta a necessidade de discutirmos o conceito de propriedade dentro da chave de conceber a pluralidade desses direitos.

João Victor Pollig, doutorando em História, desenvolve, com base nas formulações tecidas por Motta, reflexões sobre os direitos de propriedade ao longo do Caminho Novo, rota que fazia a ligação entre as minas de ouro e o Rio de Janeiro, no século XVIII. Apesar de focar seu estudo nas sesmarias, estabelece importantes ponderações sobre a narrativa das propriedades, baseando-se no debate proposto por E. P. Thompson e Rosa Congost. Observamos que a principal contribuição de Pollig ao estudo dos direitos de propriedade reside no fato de propor uma ruptura com uma tradição nos estudos sobre propriedade, que preconizava a supremacia do direito por meio de leis e demais ordenamentos jurídicos. Defende, pois, que a compreensão da propriedade fundiária passe, necessariamente, pelo costume e pela multiplicidade dos conceitos de propriedade, cabendo a quem propõe analisar o fenômeno levar em consideração as dinâmicas sociais, os poderes locais e os agentes envolvidos (POLLIG, 2015POLLIG, João Victor. Uma breve reflexão sobre a percepção de propriedade na dinâmica sócio ocupacional do Caminho Novo no século XVIII. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XXVIII., 2015, Florianópolis. Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História Florianópolis: ANPUH, 2015. p. 1-11., p. 10).

Com base nessas interpretações, corroborando com a historiografia acima esboçada, propomos discutir as propriedades urbanas em consonância com essas discussões. Para tanto, torna-se necessário discutirmos o conceito de propriedade e de direitos de propriedade.

Conceito de propriedade

As formulações propostas por Marcia Motta para o estudo das sesmarias enquanto propriedade rural têm como base as conceituações apresentadas por E. P. Thompson, notadamente na obra Costumes em comum, de 1991. Apresenta o autor questionamento à interpretação estanque da propriedade como estrutura absoluta e positivada. Essa concepção corresponde à definição atual de propriedade e não pode ser utilizada para compreender situações referentes ao fenômeno no passado. A solução apresentada por Thompson, concebida como uma história social da propriedade, passa pela definição da natureza institucional da propriedade, mapeamento dos agentes envolvidos e a reflexão sobre o papel dos costumes diante da legislação mais formalizada. Nessa obra, Thompson (1998, p. 13) defende que a consciência e os usos costumeiros eram particularmente fortes no século XVIII e que isso questiona a interpretação do predomínio da legislação como regulador exclusivo do acesso à propriedade fundiária na época.

O autor supracitado apresenta o costume como base estruturante na concepção dos direitos de propriedade, mas ressalta que esse fenômeno não pode ser interpretado de forma estanque. Destaca, ainda, que o costume constituía a retórica de legitimação de quase todo uso, prática ou direito reclamado. Por isso o costume não codificado - e até mesmo o codificado - estava em fluxo contínuo. Longe de exibir a permanência sugerida pela palavra tradição, o costume era um campo para a mudança e a disputa, uma arena na qual interesses opostos apresentavam reivindicações conflitantes (Thompson, 1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras , 1998. [1ª edição, 1991]., p. 17). Na conceituação do costume, Thompson reforça a ideia de sua transmissão e manutenção marcadas pela oralidade. Com isso, na interface da lei com a prática agrária, encontramos o costume. O próprio costume é a interface, pois podemos considerá-lo como práxis e igualmente como lei. A sua fonte é a práxis (Thompson, 1998, p. 86). Tal passagem apresenta a dificuldade de apreensão do costume, visto que somente pode ser compreendido por meio da reconstrução da história oral ou, indiretamente, pelas consequências das suas implementações. A esse respeito, se as lembranças dos mais velhos, a inspeção e a exortação tendem a estar no centro da interface do costume entre a lei e a práxis, o costume passa no outro extremo para áreas totalmente indistintas - crenças não escritas, normas sociológicas e usos asseverados na prática, mas jamais registrados em qualquer regulamento. Essa área é a mais difícil de recuperar, precisamente porque só pertence à prática e à tradição oral (Thompson, 1998, p. 88).

Longe de advogar uma unidade para os costumes, Thompson (1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras , 1998. [1ª edição, 1991]., p. 90) atenta que o costume agrário nunca foi fato, porque era ambiência. E, por esta razão, o perfil dos usos do direito comum vai se alterar de paróquia a paróquia, segundo inúmeras variáveis: a economia da colheita e do gado; a extensão das terras de uso comum e das terras incultas; as pressões demográficas; os empregos na região; a presença vigilante ou ausência dos proprietários de terra; o papel da Igreja; o funcionamento rigoroso ou negligente dos tribunais; a complexidade das florestas, dos pântanos ou áreas de caça; o equilíbrio de grandes e pequenos proprietários de terra (Thompson, 1998, p. 90).

Como forma de acesso às questões do costume, Thompson (1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras , 1998. [1ª edição, 1991]., p. 102), para a Inglaterra do século XVIII, apresenta os protestos urbanos a respeito dos direitos comuns que eram frequentemente mais grandiosos e visíveis que os rurais, e mesmo que não sejam característicos do costume agrário, ainda podem nos fornecer uma porta de entrada para o exame das questões mais gerais do direito comum.

No final de sua reflexão sobre o costume agrário, Thompson (1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras , 1998. [1ª edição, 1991]., p. 13) reforça a necessidade de apontar a diferenciação entre a concepção de propriedade antes e depois do século XIX. Antes, a propriedade era composta por vários direitos, de matrizes costumeiras e pautadas em interpretações antigas e marcadas por práticas locais. Depois, a concepção de propriedade se assenta em bases do liberalismo inglês. Dessa forma, a noção de propriedade rural absoluta, que triunfou na Inglaterra no final do século XVIII, continha um aspecto legal e um aspecto político. A propriedade rural requeria um dono da terra, desenvolver a terra requeria trabalho e, portanto, submeter a terra também requeria submeter o pobre trabalhador (THOMPSON, 1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras , 1998. [1ª edição, 1991]., p. 136).

Em uma perspectiva mais ampla, Rosa Congost (2003CONGSOT, Rosa. Property rights and historical analysis: What rights? What History?. The Past and Present Society, n. 181, p. 73-106, nov. 2003., p. 73), em Property rights and historical analysis: What rights? What History?, ressalta a necessidade de apresentar a propriedade como uma miríade de direitos, reforçando o caráter plural desses direitos. Assinala, ainda, que o principal perigo para os estudiosos de propriedade é concebê-la de uma maneira rígida e restrita (CONGOST, 2003CONGSOT, Rosa. Property rights and historical analysis: What rights? What History?. The Past and Present Society, n. 181, p. 73-106, nov. 2003., p. 73). E, com isso, inicia sua proposição valendo-se da ideia de que as relações de propriedade devem ser observadas com base em uma variedade de ângulos e devem ser estudadas a partir de hipóteses que transcendam os limites dos princípios institucionais (CONGOST, 2003CONGSOT, Rosa. Property rights and historical analysis: What rights? What History?. The Past and Present Society, n. 181, p. 73-106, nov. 2003., p. 74).

Sua interpretação corrobora com as propostas de Thompson ao apontar que ainda uma das primeiras regras da análise histórica é, de fato, diferenciar termos como propriedade e direitos de propriedade como conceitos estanques. Para revelar essa ideia de propriedade, Congost (2003CONGSOT, Rosa. Property rights and historical analysis: What rights? What History?. The Past and Present Society, n. 181, p. 73-106, nov. 2003., p. 75) recorre às palavras de Thompson, que denuncia a "metáfora-mercado". E justifica a concepção da propriedade no passado como baseada na experiência do historiador no presente e, de forma não crítica, muitas vezes acaba por reproduzir os instrumentos legais e práticos do presente aos fenômenos do passado.

Assim, Congost (2003CONGSOT, Rosa. Property rights and historical analysis: What rights? What History?. The Past and Present Society, n. 181, p. 73-106, nov. 2003., p. 77) propõe que a necessidade de desenvolvimento de uma nova teoria dos direitos de propriedade aproxima-se da teoria das relações sociais mais do que da teoria do Sul demandado pelo Norte: a forma de analisar as decisões dos homens e legisladores não deve ser baseada na crença de seguir os códigos legais como se fossem sagrados. Essa nova teoria de direitos de propriedade, em razão das múltiplas características locais e variadas no tempo, carece de uma conceituação única. Como demanda de vários fatores, cabe à observação crítica das características de cada direito de propriedade, levando em consideração não somente aspectos legislativos, mas sobretudo as práticas locais, os costumes e como se dava a interação entre norma e prática em cada contexto específico.

Nessa perspectiva, Congost assevera que, na nova abordagem, é fundamental analisar o papel do Estado, da classe social e do crescimento econômico. Somente assim será possível atingir, em cada caso analisado, que tipo de direitos de propriedade estamos analisando (CONGOST, 2003CONGSOT, Rosa. Property rights and historical analysis: What rights? What History?. The Past and Present Society, n. 181, p. 73-106, nov. 2003., p. 106).

Com base nas interpretações e problematizações suscitadas por Thompson e Congost, referentes aos direitos de propriedade, propomos uma reflexão sobre as propriedades urbanas. Como o urbano é local privilegiado do costume, em consonância com o sistema jurídico e administrativo português que garantira aos municípios autonomia na gestão de seus bens, consideramos que a compreensão dos direitos de propriedade na América portuguesa passa pela delimitação e caracterização dos costumes.

Dessa forma, corroborando com o esforço levantado por Congost na elaboração de uma nova teoria dos direitos de propriedade, pretendemos delimitar um quadro da prática legal, no que se refere às propriedades urbanas. Para tanto, como ponto de partida para esta análise, é importante efetuarmos um mapeamento das práticas legais na concessão dos lotes urbanos como forma de atingirmos os costumes locais.

Partimos da seguinte definição de costume estabelecida por Raphael Bluteau (1728BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico... autorizado com exemplos dos melhores escritores portuguezes e latinos e offerecido a El Rey de Portugal D. João V. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1728., p. 586-587): "cousa introduzida, & practicada Segundo o habito das pessoas ou Segundo o uso das suas terras". E acrescentamos, também, que para uma prática configurar como costume é necessário que ela seja consolidada, repetida e tenha como legitimidade a tradição. Assim, para verificarmos o costume no âmbito local, abordaremos a vila de São Paulo entre 1560 e 1765. Esse marco temporal está relacionado, inicialmente, com a instalação do poder político local e, posteriormente, com a restauração da capitania de São Paulo. Essa última data marca a nomeação do primeiro governador da capitania - Morgado de Mateus - e o início de uma política de povoamento, defesa e desenvolvimento econômico. Ações essas que entraram em choque com as práticas locais da câmara de São Paulo e geraram inúmeros conflitos.7 7 Para a discussão sobre o governo do Morgado de Mateus e os conflitos com as câmaras da capitania de São Paulo, ver Bellotto (2007).

A partir desse evento, a caracterização do município de São Paulo como espaço privilegiado de ação do poder local, pela preservação de boa parte da série documental camarária e pela longa duração das atas da Câmara,8 8 Para uma análise da série documental, microfilmagem e transcrição das Atas, ver Ribeiro (2010, p. 81-90). torna-se possível problematizarmos os direitos de propriedade nessa vila colonial. Destacamos que as Atas, custodiadas no Arquivo Municipal Washington Luís, representam o único corpo documental praticamente completo de documentação camarária na América Portuguesa, iniciando, com poucas falhas, de 1560 até a atualidade.

Terra urbana em São Paulo e os direitos de propriedade

O município de São Paulo apresenta, no Arquivo Municipal, uma série documental que compreende as concessões de terra urbana desde o estabelecimento da Câmara Municipal, em 1560. Tal situação permite uma análise privilegiada, pois podemos analisar como os direitos de propriedade foram concedidos em um amplo espaço de tempo.

As terras urbanas, por serem localizadas na área de jurisdição do município, eram concedidas pela Câmara Municipal. Afonso Taunay (2003TAUNAY, Afonso D'Escrangolle. São Paulo nos primeiros anos e São Paulo no século XVI São Paulo: Paz e Terra, 2003. [1a edição, 1921]., p. 107), ao descrever a vila nas primeiras décadas de sua história, afirma que as terras urbanas eram concedidas aos moradores pobres e que, ao contrário das propriedades rurais, eram diminutas e sem relevância econômica.

Contudo, conforme adiantamos anteriormente, a propriedade urbana não pode ser compreendida em oposição à dimensão e relevância econômica da rural, mas a partir de seu contexto local e institucional. As requisições e concessões de terra eram registradas nas Atas da Câmara, registro esse de todas as sessões e deliberações efetuadas pelos oficiais municipais. Essa documentação permite, nas palavras de Taunay (2003TAUNAY, Afonso D'Escrangolle. São Paulo nos primeiros anos e São Paulo no século XVI São Paulo: Paz e Terra, 2003. [1a edição, 1921]., p. 20), visualizar um panorama rico e detalhado do cotidiano da vila paulistana. Apesar do primeiro volume das Atas, referente a 1560, ter sido extraviado (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Fernando Victor Aguiar. Poder local e patrimonialismo: a Câmara Municipal e a concessão de terras urbanas na vila de São Paulo (1560-1765). 2010. 197 f. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., p. 81), a coleção documental apresenta uma série contínua e traz apenas algumas poucas falhas.

Valendo-se do corpus documental das Atas, o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo organizou, em 1937, as Cartas de data de terras de São Paulo. Nessa coleção, foram organizadas e transcritas todas as informações referentes às propriedades no termo do município encontradas nas Atas da Câmara. Assim, observamos entre 1562 e 1765, 243 concessões de terras urbanas no município de São Paulo (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Fernando Victor Aguiar. Poder local e patrimonialismo: a Câmara Municipal e a concessão de terras urbanas na vila de São Paulo (1560-1765). 2010. 197 f. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., p. 112). Cabe ressaltar que essas informações são referentes aos registros de concessão, isto é, às terras documentadas na Câmara e não correspondem ao panorama de ocupação do solo do município. Isso porque verificamos que o registro tem relação com a fixação da propriedade e reconhecimento de um indivíduo enquanto proprietário. As ocupações de terra, sem o registro e o título de propriedade reconhecidos, continuaram sendo a forma mais frequente de aquisição de propriedade no período colonial.

As solicitações de terra urbana seguem um padrão contínuo em suas requisições. Por exemplo, em 1583, Gonçalo Fernandes e seu cunhado Afonso Dias, solicitam 40 braças em terras vizinhas à sua propriedade. Argumentam que Gonçalo havia se casado com a órfã Madalena e que não possuía chão para lavrar. Prometia pagar foro de 10 réis anuais para a Câmara (CARTAS..., 1937CARTAS de datas de Terra de São Paulo. São Paulo: Departamento de Cultura, 1937. v. 1-4, v. 1, Carta VIII).

Em 1637, José Ortiz de Camargo solicita terras sob o argumento de que é morador nessa vila e as terras ora concedidas a Ascenso Ribeiro encontravam-se devolutas. Alega também a necessidade de mais terras para a sua produção (CARTAS..., 1937CARTAS de datas de Terra de São Paulo. São Paulo: Departamento de Cultura, 1937. v. 1-4, v. 2, Carta XLIII). Outra argumentação recorrente no século XVII era a necessidade de regularização de terras já ocupadas. Em 1682, André Lopes solicita a regularização de um lote na paragem denominada Jagoapoeruva alegando que se encontrava cultivando a mesma há mais de vinte anos. As terras, localizadas próximas ao bairro da Penha, compreendiam 300 braças e o requerente pretendia pagar 160 réis anuais de foro à Câmara (CARTAS..., 1937CARTAS de datas de Terra de São Paulo. São Paulo: Departamento de Cultura, 1937. v. 1-4, v. 3, Carta XLIX).

A solicitação de terras devolutas era frequente. Isso ocorria por serem as propriedades das terras urbanas, tal como as rurais, somente efetivadas mediante posse e cultivo da concessão. Já no século XVIII, em 1714, o capitão Luiz Soares Ferreira solicita a mercê de receber chãos "na forma do estyllo" por estarem as ditas terras devolutas. O argumento utilizado foi que tal ato pareceria "conveniente ao augmento da cidade e da republica" (CARTAS..., 1937CARTAS de datas de Terra de São Paulo. São Paulo: Departamento de Cultura, 1937. v. 1-4, v. 4, Carta XIX).

As terras indígenas, incorporadas ao patrimônio municipal no século XVIII,9 9 Para as terras indígenas em São Paulo e o processo de incorporação ao patrimônio municipal, ver Bomtempi (1970). também foram alvo de requisições pelos moradores de São Paulo. Em 1727, Francisco Rodrigues Fortes solicita a concessão de 400 braças em terras limítrofes à propriedade de João de Godoy. Argumenta que essas terras pertenciam originalmente aos índios da aldeia de São Miguel e encontravam-se, no momento, devolutas (CARTAS..., 1937CARTAS de datas de Terra de São Paulo. São Paulo: Departamento de Cultura, 1937. v. 1-4, v. 4, Carta LVIII).

Com base nos exemplos supramencionados, verificamos que as requisições seguiam um padrão semelhante, o que incluía o nome do solicitante, a argumentação para o pedido, a dimensão do lote e, algumas vezes, o valor de foro pago à Câmara. É importante ressaltar que todas as solicitações eram acompanhadas de sua confirmação, indicando que a solicitação de terras não seguia a uma avaliação de contextos, mas que os solicitantes já conheciam os instrumentos de concessão da Câmara.

Tais situações nos levam a adotar algumas estratégias na compreensão das concessões de terras urbanas em São Paulo. A primeira é que não podemos visualizar padrões seguindo as informações contidas nas solicitações de forma qualitativa. O grande volume de solicitações exige que tratemos os dados de forma quantitativa. Para tanto, é necessário elaborar um Banco de Dados10 10 O Banco de Dados foi construído em nossa dissertação de mestrado, sendo discutido e problematizado em Ribeiro (2010, p. 105-108). com as concessões, com base no qual possamos estabelecer algumas problemáticas norteadoras para nossas análises. Coletamos, pois, informações referentes ao requerente da terra, argumentação utilizada na solicitação, dimensão da propriedade solicitada, localização aproximada e pagamento, quando havia, dos foros anuais à Câmara. Ajustamos, assim, uma informação qualitativa, compilada de uma documentação descritiva de natureza camarária, para formatá-la de modo que pudesse ser analisada nos seus aspectos seriados, ou seja, quantificáveis.

A problemática central para as terras urbanas em São Paulo e que foi construída em nossa dissertação de mestrado consiste na relação entre concessão dos lotes e os ocupantes dos cargos municipais na Câmara. A hipótese levantada diz respeito à participação de oficiais da Câmara, bem como de seus funcionários, no processo de concessão de terras urbanas. Valendo-nos desse eixo, pretendemos estabelecer algumas problemáticas a fim de compreender melhor o fenômeno das concessões de propriedades urbanas em São Paulo e qualificar quem eram os requerentes de lotes em relação aos grupos detentores de poderes na esfera local.

Questões sobre a terra urbana em São Paulo

Partindo das solicitações de terras compiladas nas Cartas de Data da Câmara de São Paulo e do Banco de Dados construído com base nas informações nela coletadas, foi possível estabelecermos quatro objetivos específicos para a compreensão das propriedades urbanas em São Paulo.

A primeira, e mais importante questão, consiste em verificar quais eram os vínculos dos requerentes de terra com os ocupantes de cargos na Câmara Municipal. Depois, a segunda questão baseia-se na relação de parentesco dos solicitantes com os membros da elite política local. Um terceiro problema reside em calcular as concessões por gênero, verificando quantas terras foram concedidas a homens e mulheres e qual a proporção dessas solicitações. Por último, pretendemos verificar os padrões na argumentação de pedidos de terra.

A principal dificuldade encontrada nessa análise foi como relacionar a quantidade documental coletada junto às Atas da Câmara e às Cartas de data de terras de São Paulo. Conforme apresentamos anteriormente, analisamos 243 concessões de terra para o período analisado e, para a compreensão do fenômeno, recorremos a uma análise seriada de tais dados. Utilizamos, pois, as reflexões tecidas por Pierre Chaunu, especialmente quando afirma que as análises quantitativas são menos que um objeto, mas mais um método de análise. Requer, dessa forma, uma problematização permanente das fontes e dos métodos utilizados pelos historiadores (CHAUNU, 1976CHAUNU, Pierre. A história como ciência social. Rio de Janeiro: Zahar, 1976., p. 93).

Na mesma perspectiva crítica, François Furet anuncia que é necessário que renunciemos à quaisquer ingenuidades metodológicas e que iniciemos uma reflexão menos assentada em métodos fechados e mais em condições relacionadas diretamente às especificidades do objeto e do problema analisado. Com isso, a abordagem serial associa-se ao estudo dos fenômenos de forma mais ampliada no tempo, justamente pela carência de fontes documentais, e relaciona-se à história como problema (FURET, 1971FURET, François. L'histoire quantitative et la construction du fait historique. Annales. Économies. Sociétés. Civilisations, v. 26, n. 1, p. 63-75, 1971., p. 71).

Valendo-nos desse panorama metodológico e como forma de responder às questões estabelecidas anteriormente, propomos a reflexão pormenorizada em cada uma dos problemas anunciados. A análise quantitativa, necessária diante da escassez de fontes sobre a temática da terra urbana em São Paulo, é somada à análise qualitativa, na qual contemplamos os argumentos utilizados na requisição de terras, conforme veremos adiante.

O primeiro objetivo traçado diz respeito à questão-chave deste artigo. Trata-se da relação entre poder municipal e concessão de terras pela Câmara. Para tanto, compilamos os nomes dos ocupantes de cargos na Câmara, consultando as Atas da Câmara de São Paulo. Em seguida, cruzamos os nomes dos oficiais camarários com os requerentes de terras urbanas em São Paulo.

Verificamos, na Tabela 1, que 51,44% das concessões registradas nas Cartas de Datas de Terra correspondem a requerentes que possuíam vínculo direito com a Câmara Municipal. Dessa forma, pouco mais da metade das terras foi concedida a quem ocupou cargos políticos na edilidade.

Tabela 1
Vínculo com a Câmara Municipal

Apesar de representar mais da metade das concessões, tais dados não nos permitem definir um contexto mais amplo. Devemos notar que 16,87% das datas foram concedidas a uma categoria, definida por nós, como vínculo indireto. Esses são os parentes de membros da administração municipal, categoria que desenvolveremos melhor adiante. Dessa forma, obtivemos 68,31% das concessões como relacionadas, seja direta seja indiretamente, com o poder político local. Vale ressaltar, contudo, que os 31,69% dos casos que foram marcados como sem vínculo, definido por nós como vínculo aparentemente negativo, visto que são as ocorrências nas quais não encontramos relação de parentesco aparentes, o que não quer dizer que não são necessariamente os casos em que não há vínculo.

Diante desse panorama, podemos afirmar que a proposta inicialmente levantada, de que a concessão de terras se deu, principalmente, a membros do poder municipal, pode ser considerada válida. Cabe, agora, caracterizar melhor essa relação, que será explicitada nas questões seguintes. Conforme apresentamos no item anterior, 16,87% das terras foram concedidas a parentes dos membros da administração municipal. Cabe analisar quais eram esses vínculos familiares e quais as consequências dessas relações na compreensão do poder local em São Paulo colonial.

Verificamos, como indica a Tabela 2, que 26,8% das concessões com vínculo indireto se deram para os filhos do ocupante do cargo municipal. Segue a categoria de genro como segunda, com 24,4% e a terceira correspondendo a 14,6% para os irmãos. De maneira geral, notamos que há uma distribuição proporcional entre parentes de sangue como filho, irmão, pai e sobrinho e parentes por casamento como sogro, genro, esposa, cunhado, marido de viúva e filha de genro.

Tabela 2
Relação de parentesco com oficiais da Câmara

As relações de sangue são facilmente compreensíveis se levarmos em conta a ideia de preservação de um grupo familiar e do fortalecimento de uma elite política local. Porém, o que nos chama atenção foi que 24,4% dos casos com vínculo indireto correspondem a requerentes que se casaram com filhas dessa elite política, sendo seus genros. Tal situação nos leva a pensar como se dava a visão em relação aos cargos, da administração e da sociedade para esses grupos. A utilização dos cargos para obter vantagens, materiais e imateriais, foi estabelecida por Max Weber (2003WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: EdUnB , 2003. 2 v.) como uma interpretação patrimonialista da sociedade e acreditamos que essa possa ser aplicada no contexto de São Paulo colonial.

O uso da propriedade municipal, doando-a para genros, pode ser considerada, como limite da concepção patrimonialista, pois se utilizaram do cargo a fim de fornecer uma espécie de dote para o casamento da filha; concessão que permite que a filha tenha, por intermédio de seu marido, uma propriedade e, dessa forma, uma vida mais tranquila. As relações familiares nos levaram a ponderar as relações de gênero para as concessões de terra. Afonso de Taunay (2003TAUNAY, Afonso D'Escrangolle. São Paulo nos primeiros anos e São Paulo no século XVI São Paulo: Paz e Terra, 2003. [1a edição, 1921]., p. 111) afirma que, em 1921, as datas de terras destinavam-se também às mulheres.

No entanto, como mostra a Tabela 3, apenas 4,53% das concessões foram requeridas por mulheres. Tal situação nos levou a analisar esses poucos casos de forma qualitativa. Verificando as Cartas de Datas de Terra, notamos que os poucos casos de mulheres solicitando terras se deu pelo fato dessas não terem parentes homens para solicitar. Muitas são viúvas e sozinhas e utilizam o prestígio do marido falecido para requerer as propriedades. Maria Affonso (CARTAS..., 1937CARTAS de datas de Terra de São Paulo. São Paulo: Departamento de Cultura, 1937. v. 1-4, v. 1, Carta IV), ao requerer terras em 1583, apresenta-se como viúva de Marcos Fernandes. Outro caso que aponta na mesma direção é o de Isabel Rodrigues (CARTAS..., 1937CARTAS de datas de Terra de São Paulo. São Paulo: Departamento de Cultura, 1937. v. 1-4, v. 1, Carta XLII), que solicita terras em 1598, com o argumento de que precisa agasalhar seus filhos e que seu marido António Rodrigues encontra-se ausente.

Tabela 3
Concessões por gênero

O contexto de 94,47% das solicitações terem sido requeridas por homens é reflexo da sociedade patriarcal, em que o título de uma propriedade era de extrema importância política e social e deveria ser masculino.

Após apresentada a relação entre poder local, parentesco e concessões de terra, realizamos a análise das argumentações dessas solicitações. Afonso de Taunay (2003TAUNAY, Afonso D'Escrangolle. São Paulo nos primeiros anos e São Paulo no século XVI São Paulo: Paz e Terra, 2003. [1a edição, 1921]., p. 108), em São Paulo nos primeiros anos e São Paulo no século XVI, de 1921, afirma que o pedido de terras em São Paulo colonial era pautado pela pobreza, pela necessidade decorrente da falta de recursos e pela necessidade de povoamento da terra. Em estudo mais recente, Raquel Glezer (2007GLEZER, Raquel. Chão de terra e outros estudos sobre São Paulo. São Paulo: Alameda , 2007. [1ª edição, 1992]., p. 58) afirma que, para a data de terra, o pedido baseava-se na necessidade, na pobreza, no morar na vila, na troca de serviços com a Câmara, etc.

No entanto, ao verificar de forma quantitativa os padrões de argumentação notamos, e acordo com a Tabela 4, que 30,9% das solicitações apontavam a necessidade como argumento. Ao passo que 15,2% apontavam recompensa como motivo para o pedido, seguindo de 14,3% que alegavam regularização das propriedades já ocupadas.

Tabela 4
Padrões de argumentação nas solicitações de terra

O aparecimento das categorias recompensa, serviço de S. Majestade e serviço de Deus, reforçam a interpretação do uso patrimonialista das terras municipais. É importante problematizar melhor o que é apontado como necessidade nas argumentações. Uma leitura rápida pode nos levar à ideia de que necessidade, tal como usamos o termo atualmente, refere-se à pobreza. Porém, lendo de forma qualitativa as cartas de datas de terra, notamos que necessidade é termo empregado em diversas concepções e, muitas vezes, foi solicitado mais terras simplesmente por precisar de mais espaço, em decorrência de crescimento do número de cabeças de gado, por exemplo. Vemos, portanto, que necessidade diz respeito ao precisar de terras no sentido mais evidente do termo. Não cabe fazer a associação de necessidade com carência e pobreza.

Voltando à Tabela 4, notamos que para 6,5% das concessões, utilizou-se como argumentação o fato do requerente ser da "nobreza da terra" e 4,1% ter casado com a referida categoria. Esses casos, embora não tenham importância quantitativa, nos fornecem uma importante noção, se pensarmos de forma qualitativa. O termo "nobreza da terra", tal como definiu Maria Beatriz Nizza Da Silva (2005DA SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na colônia. São Paulo: EdUNESP, 2005., p. 131), diz respeito a uma categoria social autodefinida, pautada pela tradição, no sentido de afirmar-se como uma elite local. Tal interpretação é reforçada com os 7,8% das argumentações pautarem-se na antiguidade das famílias. A porcentagem de 5,1% das argumentações, referindo-se a ocupar terras devolutas, deve-se ao fato da legislação sobre propriedades municipais exigir que a posse de terras seja efetivada pela ocupação, sob o risco do requerente perder a propriedade (TAUNAY, 2003TAUNAY, Afonso D'Escrangolle. São Paulo nos primeiros anos e São Paulo no século XVI São Paulo: Paz e Terra, 2003. [1a edição, 1921]., p. 110).

Características dos direitos de propriedade em São Paulo colonial

Com base nos dados discutidos anteriormente, observamos algumas características dos direitos de propriedade em São Paulo colonial. Notamos, conforme indicamos nas Tabelas 1 e 2, que a concessão de terras urbanas foi operada em virtude das relações patrimonialistas dos oficiais camarários. A principal consequência disso foi a concentração dos títulos de propriedade urbana nas mãos dos ocupantes dos cargos municipais. Essa concentração de propriedades não gerou conflitos pela posse da terra, pois havia uma grande quantidade de terra disponível para a posse no termo da vila. A partir do momento que a terra passa a ter valor de compra, notadamente quando surge o comércio de terras em finais do século XIX, desponta um mercado e as tensões em torno da questão começam a surgir.

A situação que se apresenta, no período colonial, é a consolidação da elite camarária como grupo proprietário de lotes urbanos, porém, tal fato pouco tem relação com a situação fundiária do município. Ao analisar os dados quantitativos, as informações corroboram com a ideia de que as terras serviriam à consolidação de grupos dominantes. Esse panorama nos leva a questionar como essa situação marcaria a ocupação do solo na cidade e, sobretudo, quais seriam suas interferências no traçado das ruas.

A discussão sobre o traçado urbano, temática predominante na historiografia sobre as cidades coloniais, pode ser dividida, grosso modo, em duas grandes categorias. A primeira defende que a urbanização da colônia não seguiu padrões racionais, ao passo que para a segunda houve racionalidade no ordenamento urbano. A primeira categoria, cujos principais autores são Afonso Taunay e Sérgio Buarque de Holanda, advoga que as vilas e cidades coloniais foram obra do acaso, sem que houvesse preocupação com a organização espacial (TAUNAY, 2003TAUNAY, Afonso D'Escrangolle. São Paulo nos primeiros anos e São Paulo no século XVI São Paulo: Paz e Terra, 2003. [1a edição, 1921]., p. 112; HOLANDA, 2006HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2006. [1ª edição, 1936, 2ª edição, 1942]., p. 96). Nestor Goulart Reis Filho (1968REIS FILHO, Nestor Goulart. Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil (15001720). São Paulo: Pioneira, 1968. , p. 128), como representante da segunda categoria, afirma que houve padrões de racionalidade e regularidade na organização urbana da colônia e que o traçado reto de algumas ruas e a adequação à topografia do sítio eram fatores que denotaram a ausência de acaso nas cidades.

Murillo Marx (1989MARX, Murillo. Nosso chão: do sagrado ao profano. São Paulo: Edusp , 1989., p. 21), por sua vez, aborda a questão do traçado urbano das cidades coloniais seguindo outra lógica, que ultrapassa a discussão sobre regularidade e irregularidade. Apresenta que, apesar de não haver legislação urbanística, a existência de normas referentes ao ordenamento eclesiástico garantiu elementos de ordenamento urbano. A política de determinar que os templos religiosos tivessem de ficar em posição de destaque, com um pátio ou largo em frente ao seu adro, conferiram às cidades uma norma urbana marcante (MARX, 1989MARX, Murillo. Nosso chão: do sagrado ao profano. São Paulo: Edusp , 1989., p. 21).

Diante desse debate, observamos que, seguindo a análise dos dados das concessões de terra urbana, não houve uma preocupação, por parte da Câmara Municipal, de realizar um planejamento quando da concessão de lotes urbanos. Seguindo as reflexões de Murillo Marx (1989MARX, Murillo. Nosso chão: do sagrado ao profano. São Paulo: Edusp , 1989.), verificamos que a ausência de uma racionalidade não significou que as terras fossem concedidas deliberadamente. Observamos, pois, a existência de um ordenamento urbano focado em questões de natureza política. O ordenamento politicamente orientado seria o responsável pela base da ocupação espacial de São Paulo (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Fernando Victor Aguiar. Poder local e patrimonialismo: a Câmara Municipal e a concessão de terras urbanas na vila de São Paulo (1560-1765). 2010. 197 f. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., p. 158159).

A preocupação da edilidade não estaria no equilíbrio e harmonia do uso do solo, mas no pragmatismo da concessão de terras controlada pelo poder camarário. A preocupação do controle de títulos de propriedade, mais que influenciar a espacialidade urbana, iria contribuir para efetivar a exclusão da maioria da população do acesso à terra. Caberia a esses setores excluídos da elite política local ocupar terras sem maiores ordenamentos e conviver com a instabilidade oriunda da ausência do título de propriedade e da formalização dos lotes. A concepção patrimonialista das terras urbanas e a consequente interpretação de que essas pertenciam a grupos que controlavam a Câmara, definiu os direitos de propriedade.

A estrutura urbana de São Paulo seria assentada, pois, na concentração fundiária, na exclusão de grandes contingentes de pessoas do direito à terra e ao acesso ao título de propriedade garantido aos membros dos poderes locais e às pessoas a eles relacionadas. Essa estrutura colonial, apresentada neste artigo, seria a base pela qual assentaria o mercado de terras e a formatação urbana de São Paulo no século XIX. Beatriz Bueno (2005BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. Tecido urbano e mercado imobiliário em São Paulo: metodologia de estudo com base na Décima Urbana de 1809. Anais do Museu Paulista, v. 13, n. 1, p. 59-97, 2005. , p. 65), historiadora e pesquisadora de história da urbanização, em "Tecido urbano e mercado imobiliário em São Paulo: metodologia de estudo com base na Décima Urbana de 1809" apresenta o panorama da questão. Aponta que, apesar da existência de um grande patrimônio eclesiástico, a propriedade imobiliária não era irrelevante do ponto de vista da composição da riqueza da elite paulistana (BUENO, 2005BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. Tecido urbano e mercado imobiliário em São Paulo: metodologia de estudo com base na Décima Urbana de 1809. Anais do Museu Paulista, v. 13, n. 1, p. 59-97, 2005. , p. 84). E que, ao longo do século XIX, os homens ricos da cidades adquiriram chácaras no perímetro urbano, em áreas que margeavam a ocupação colonial tradicional (BUENO, 2005, p. 85). Essas chácaras seriam a base para o loteamento de futuros bairros.

É interessante ressaltar que, segundo Elisângela da Silva (2012SILVA, Elisângela Maria da. Práticas de apropriação e produção do espaço em São Paulo: a concessão de terras municipais através das cartas de datas (1850-1890). 2012. 271 f. Dissertação (Mestrado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 24), a Lei de Terras de 1850 pouco influenciou o panorama fundiário da cidade de São Paulo. A referida autora assinala que, nessa época, não houve, como seria de se esperar, o crescimento de solicitações de grandes glebas de terras na perspectiva de estabelecimento de futuros loteamentos (SILVA, 2012SILVA, Elisângela Maria da. Práticas de apropriação e produção do espaço em São Paulo: a concessão de terras municipais através das cartas de datas (1850-1890). 2012. 271 f. Dissertação (Mestrado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 235). Somente em 1893, com a declaração do fim das concessões de terra pela Câmara e com a autorização de aquisição somente pela compra e venda, que surge um mercado imobiliário na cidade (SILVA, 2012, p. 255). Esse mercado, estabelecido tardiamente, pouco interferiria na estrutura fundiária da cidade. Os grandes loteamentos, assentados nas chácaras concedidas ao longo do século XIX, estavam sob controle dos ocupantes de cargos municipais ou pessoas diretamente relacionadas.

Bairros como Campos Elísios, originado da chácara do Redondo e da chácara do Carvalho, Santa Cecília, a partir da chácara das Palmeiras, República, a partir da chácara do Arouche e Higienópolis, criada a partir das chácaras de Floriano Wanderley e do Conselheiro Ramalho, iriam configurar como novos bairros no limiar do século XX (SILVA, 2012SILVA, Elisângela Maria da. Práticas de apropriação e produção do espaço em São Paulo: a concessão de terras municipais através das cartas de datas (1850-1890). 2012. 271 f. Dissertação (Mestrado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 235-239). Loteamentos esses que, além de contar com a participação ativa de vereadores e pessoas ligadas ao poder municipal no financiamento e aprovação dos projetos, foram assentados em propriedades urbanas concedidas com base nas vinculações dos proprietários com o poder político local.

Assim, os direitos de propriedade em São Paulo teriam longas raízes no período colonial. O liberalismo do século XIX, que fomentaria a mercantilização do solo, teria ainda que relacionar-se com a concepção patrimonialista dos oficiais da Câmara, que ainda advogavam pretensões sobre as terras urbanas. A tensão entre a tradição e a modernidade na apropriação do solo, por mais que gerasse conflitos no que tange ao conceito de propriedade, pouco alteraria o panorama da instituição na cidade. A concentração fundiária, a visão da propriedade como direito de um grupo enquanto privilégio e a exclusão de grande parte dos habitantes, continuaria a ser uma característica marcante da terra urbana.

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  • 1
    Principalmente as obras Le droit à la ville (1968) para a formulação e conceituação da noção de 'direito à cidade', e Du contrat de citoyenneté (1990) para a discussão sobre a participação popular na gestão democrática da cidade, posta como fundamental para a implementação do modelo proposto por Lefebvre.
  • 2
    Lei nº. 10.257 (BRASIL, 2001).
  • 3
    Para a definição de cidade informal como local da ilegalidade, precariedade e informalidade e marcada pela ausência de equipamentos públicos, baseamo-nos em Marta Dora Grostein (2001, p. 14).
  • 4
    De acordo com Iraci del Nero da Costa (s.d., p. 2), uma légua de sesmaria corresponderia, no período colonial, à 9.000.000 léguas quadradas.
  • 5
    O livro corresponde à uma versão revista da tese Des terres aux villes d'or: pouvoir et territories urbains au Minas Gerais (Brésil, XVIII siècle) na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em 2001.
  • 6
    Abordagem de jogo de escalas apresentada em Bernard Lepetit (2001).
  • 7
    Para a discussão sobre o governo do Morgado de Mateus e os conflitos com as câmaras da capitania de São Paulo, ver Bellotto (2007).
  • 8
    Para uma análise da série documental, microfilmagem e transcrição das Atas, ver Ribeiro (2010, p. 81-90).
  • 9
    Para as terras indígenas em São Paulo e o processo de incorporação ao patrimônio municipal, ver Bomtempi (1970).
  • 10
    O Banco de Dados foi construído em nossa dissertação de mestrado, sendo discutido e problematizado em Ribeiro (2010, p. 105-108).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2016
  • Aceito
    12 Dez 2016
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