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Sequestros de bens dos participantes da Inconfidência Mineira como fonte de pesquisa para a história do livro e das bibliotecas (1789)

RESUMO

O artigo discute o sequestro de bens dos participantes da Inconfidência Mineira (1789) como fonte de pesquisa para o estudo da história do livro, das bibliotecas e das práticas de leitura em Minas Gerais, na segunda metade do século XVIII. Primeiro, examinou-se a historiografia do livro e sua interseção com o sequestro. Também foram analisadas as possibilidades e os limites impostos à sua utilização como material de estudo para bibliotecas privadas. Finalmente, mostrou-se algumas práticas de leitura feitas pelos sediciosos mineiros de acordo com as ideias revolucionárias que circulavam na Europa e na América do Norte.

Palavras-chave:
Sequestro; Biblioteca; Práticas de leitura; Inconfidência Mineira

ABSTRACT

This article discusses the seizure of assets owned by the participants in the Minas Gerais State separatist movement known as the Inconfidência Mineira in Brazil, and whether these seizure records may serve as a source for research on the history of books, libraries, and general reading habits in Minas Gerais in the second half of the eighteenth century. First, the historical context of books and the intersection between the seizures and the region’s literary culture were examined. The possibilities and the limits to the use of these seizure records in the study of private libraries is also analyzed. Finally, some of the conspirators’ reading habits, which were influenced by the revolutionary ideas that circulated Europe and North America, are presented.

Keywords:
Seizure; Library; Reading Practices; Inconfidência Mineira

Em 22 de maio de 1792, quando a cabeça do alferes Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido pelo seu apelido de Tiradentes, pendia engaiolada na praça central de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, chegava ao fim a história da rebelião que se pretendia arquitetar em Minas Gerais no ano de 1789, denominada Inconfidência Mineira.

O processo para se apurar o crime de traição, cometido por pessoas abastadas da capitania de Minas contra o Estado e a ordem política e social vigentes, ocorreu após a delação inicial do coronel Joaquim Silvério dos Reis. E, para avaliar esse acontecimento, foram instaurados processos de “devassa” com a finalidade de se apurar criminalmente o delito, visando, por meio de inquirições de testemunhas e outros meios de provas, punir os responsáveis. Este procedimento foi instituído para descobrir crimes de lesa-majestade: traição contra a vida do rei ou de seus representantes ou a segurança do Estado1 1 Entre os planos dos inconfidentes havia a hipótese de se decapitar o governador capitão-general Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, o visconde de Barbacena, e pessoas fiéis à monarquia portuguesa, como o ouvidor de Vila Rica, Pedro José de Araújo, o escrivão da Junta da Real Fazenda, Carlos José da Silva, e o ajudante de ordens do governador, Antônio Xavier de Resende; conforme testemunha José de Resende Costa em sua inquirição. Os sediciosos, portanto, por aventarem tais ideais, cometeram traição (AUTOS..., 1976, v. 1, p. 258). Em outro depoimento, ainda como testemunha, Resende Costa comentou que “o primeiro passo desta conjuração e motim era cortar-se a cabeça ao Ilmo. e Exmo. Visconde de Barbacena, [...] e ao Cel. Carlos José da Silva” (AUTOS..., 1981, v. 4, p. 206). (ORDENAÇÕES..., 1985, v. 3, livro V, título VI, p. 1153).

Para estudar a história e o seu contexto histórico, os Autos de Devassa da Inconfidência Mineira (ADIM) são a principal fonte e porta de entrada, em que se encontram praticamente todos os documentos do processo aberto para julgar o crime de Inconfidência que se abateu sobre a capitania de Minas Gerais.

Ao fim do processo, em abril de 1792, a Alçada condenou à morte o alferes Tiradentes e ao degredo os demais sediciosos; além de terem os seus bens apreendidos pela Coroa portuguesa, mediante sequestro.

Por lei, todos os bens pertencentes à pessoa presa deviam ser apresentados, por meio do sequestro. Aparentemente, os inquiridores da devassa buscaram realizar tal tarefa e a historiografia, em virtude disto, reteve a ideia de que os sequestros representavam um instantâneo verdadeiro de todos os bens pertencentes aos inconfidentes no momento de sua prisão e que a listagem publicada destes bens na versão impressa dos Autos de Devassa indicaria esse patrimônio.2 2 Os Autos de Devassa da Inconfidência Mineira foram publicados pela primeira vez entre 1860 e 1874 na Revista do Arquivo Público do Rio de Janeiro. A segunda edição saiu impressa sob os auspícios do Ministério da Educação em 1938. A edição mais recente e que contempla praticamente toda a documentação paralela sobre o movimento insurreto mineiro foi publicada entre 1976 a 1983 pelo Governo do Estado de Minas Gerais e pela Câmara dos Deputados, em edição da Imprensa Oficial de Minas, em 10 volumes. Um volume complementar a esta edição – o décimo primeiro –, com a apresentação de novos documentos e a republicação de outros de forma mais completa foi impresso em 2001, sob o patrocínio do Museu da Inconfidência.

Por se constituírem como processos à parte da devassa, os Autos de Sequestro originais nunca foram publicados integralmente. O que se conhece e está impresso em sua edição sistemática mais recente, no volume sexto, de 1982, são apenas traslados parciais dos bens dos envolvidos no levante mineiro, exigidos pelos juízes para se ter uma ideia do patrimônio de cada um dos processados. Tramitando em diferentes comarcas de Minas Gerais, os Autos de Sequestro seguiram rumo judicial independente, ora incluindo informações após a descoberta de novos bens, com a realização de novas penhoras, ora com o acréscimo das prestações de contas promovidas pelos fiéis depositários, ora com a devolução a terceiros de pertences que estavam emprestados aos revoltosos, até sua liquidação final, com as formalidades de encerramento (RODRIGUES, 2010a, p. 19-20).

Conduzidos por interrogações acerca dos sequestros, ao possibilitar a reconstrução da vida social e econômica de uma pessoa, procuraremos ver aqui, especificamente, os livros que os inconfidentes possuíam em suas bibliotecas (ou livrarias, como se falava na época), sequestradas, assim como o desvendar de algumas de suas práticas de leitura, por meio das influências que estes mesmos livros promoveram nas suas condutas políticas e sediciosas. Antes, porém, torna-se importante analisar os sequestros de bens como fonte de pesquisas para a reconstrução da história do livro e das práticas de leitura no ambiente das Minas Gerais da segunda metade do século XVIII.

Os sequestros de bens e a historiografia do livro nas Minas setecentistas

Sequestro é o processo em que se faz a descrição, avaliação e partilha dos bens materiais de uma pessoa presa. A anotação do que será apreendido, de acordo com a legislação da época - o Livro V das Ordenações Filipinas -, deve ser feita com minuciosidade e exatidão, de modo a ficar bem conhecido o complexo de bens a ser canalizado para os cofres da Coroa (ORDENAÇÕES..., 1985, v. 3, livro V, título CXXVII, p. 1299-1300).

Tais anotações são, em geral, listagens de bens imóveis, terras, instrumentos de trabalho, animais, vestuário, móveis, escravos, ouro e prata armazenados, objetos utilitários e decorativos, peças religiosas, dívidas ativas (a receber), dívidas passivas (a pagar), prataria, dinheiro, livros e toda espécie de objetos de uso pessoal, que nos permitem conhecer de maneira bastante aproximada a vida cotidiana e as estruturas econômicas e sociais dos conjurados, pois tornam possível o contato com as precariedades vitais e a miséria de uns, com o conforto e a opulência de outros.

No tocante aos róis de bens sequestrados aos inconfidentes de 1789, os livros são os objetos que mais têm exercido interesse histórico, seja pela tentativa do desvendar a existência de uma cultura livresca rica e variada na época, seja no revelar de práticas de leitura e de formas de apropriação das ideias ali contidas, buscando-se saber como seus conteúdos eram compreendidos.

De início, em 1901, ao orientar a transcrição e a publicação de uma série de documentos sobre a Inconfidência Mineira, pertencentes, em sua maior parte, ao acervo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), coube a Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo, o barão Homem de Melo, o ato pioneiro de divulgar os Autos de Sequestro que até aquele instante não haviam sido pesquisados e publicados e dos quais extraiu algumas peças de grande valor, como a relação dos livros que compunham a biblioteca do cônego Luís Vieira da Silva3 3 . SEQÜESTRO dos bens do cônego Luiz Vieira da Silva. Revista Trimestral do Instituto Histórico, tomo 64, v. 103, p. 159-160, 1901. (MATHIAS, 1992, p. 97; RODRIGUES, 2010a, p. 38-39).

Alguns anos mais tarde, em 1945, Eduardo Frieiro trataria do mesmo assunto no primeiro capítulo de seu livro O diabo na livraria do cônego, ao inventariar os livros apreendidos pela devassa mineira na biblioteca daquele religioso, procurando desvendar quais seriam as inclinações de seu pensamento, uma vez que “respirou a plenos pulmões os melhores ares do espírito de seu tempo”4 4 A obra O diabo na livraria do cônego foi impressa pela primeira vez em 1945, em Belo Horizonte, pela Livraria Cultura Brasileira. Em 1957, foi reimpressa com acréscimos e notas pela editora Itatiaia, também de Belo Horizonte. Esta casa publicadora, em parceira com a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), lançou sua segunda edição em 1981. Com constância, observa-se o ano de 1957 como sendo o de aparecimento deste livro (VILLALTA, 2007b, p. 249; ANTUNES, 2009, p. 256). (FRIEIRO, 1981, p. 20).

A partir da pesquisa de Eduardo Frieiro, o sequestro de bens dos inconfidentes passou a ser utilizado como fonte documental no estudo da posse e na construção da história dos livros em Minas Gerais, na segunda metade do século XVIII. Em 1959, foi a vez de Sílvio Gabriel Diniz, com o artigo “Bibliotecas setecentistas nas Minas Gerais”, empreender estudo sobre a composição e quem foram os proprietários das livrarias existentes no território mineiro do século XVIII, informando o que as pessoas cultas liam, ou melhor, “o que havia para ser lido” (DINIZ, 1959a, p. 338). Neste mesmo ano, com o texto “Um livreiro em Vila Rica no meado do século XVIII” analisou o comércio e a circulação de livros na cidade de Vila Rica (DINIZ, 1959b).

Bradford Burns, em 1964, publicou “The Enlightenment in two Colonial Brazilian libraries”, na qual discutiu a repercussão do Iluminismo em Minas Gerais, com base nas obras pertencentes ao acervo da Biblioteca Municipal de São João del-Rei, cujas origens remontam a duas bibliotecas particulares formadas na segunda metade do Setecentos, a dos inconfidentes José de Resende Costa, pai e filho, e a de Batista Caetano de Almeida, político do Primeiro Reinado. Embora sua análise mostre que personalidades intelectualizadas de Minas possuíam boas livrarias, nada pode discutir sobre elas, já que não dispunha de listagens confiáveis dos livros que permitissem saber o que elas continham. Os 800 volumes de Batista Caetano, doados em 1824, e os exemplares dos Resende Costa, em número desconhecido e incorporados em data ignorada, foram anexados ao acervo sem o registro dos títulos que continha (BURNS, 1964).

A seguir, em um espaço de mais de vinte anos e avançando para se descobrir a leitura realizada pelos letrados, tem início as publicações de Paulo Gomes Leite sobre a presença de livros de conteúdo iluminista (muitos deles proibidos), revolucionários e heréticos em várias bibliotecas particulares mineiras setecentistas, como a do cônego Luís Vieira da Silva, analisadas à luz dos Autos de Sequestro e dos códices da Inquisição e dos tribunais censórios, como, por exemplo, em “Revolução e heresia na biblioteca de um advogado de Mariana” (LEITE, 1995).

Empreendendo análise sobre a educação e a moralidade dos letrados mineiros coloniais, Luiz Carlos Villalta, em sua dissertação de mestrado A ‘torpeza diversificada dos vícios’: celibato, concubinato e casamento no mundo dos letrados de Minas Gerais (1748-1801), fornece informações sobre as práticas de leitura, os usos dos livros e a composição das bibliotecas de eclesiásticos mineiros da segunda metade do Setecentos, comparando-as com as livrarias sequestradas dos clérigos envolvidos no movimento sedicioso de 1789 (VILLALTA, 1994a).

Guiando-se nessa linha analítica, os seus artigos “O diabo na livraria dos inconfidentes”, “Os clérigos e os livros nas Minas Gerais da segunda metade do século XVIII” e “O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura”, por exemplo, expõem informações sobre as bibliotecas pertencentes aos clérigos e inconfidentes mineiros, submetendo os dados referentes aos livros (nomes dos autores, títulos, língua em que foram escritas as obras, assuntos e preços) a um tratamento quantitativo, identificando regularidades entre as diversas livrarias e descobrindo os traços singulares de cada uma delas (VILLALTA, 1994b; 1995; 1997). Já em “Ler, escrever, bibliotecas e estratificação social” revisita temas anteriormente pesquisados, como as bibliotecas, correlacionando-as a circulação de livros, práticas de leitura e contestações políticas e religiosas (VILLALTA, 2007c); e em “Lugares, espaços e identidades coletivas na Inconfidência Mineira” (em coautoria com André Pedroso Becho) aprofunda reflexões sobre as origens intelectuais e políticas do movimento insurreto mineiro, a habilidade de ler e a educação (VILLALTA; BECHO, 2007).

Em sua tese de doutoramento Reformismo ilustrado, censura e práticas de leitura: usos do livro na América portuguesa (1999), publicada em 2015 sob o título de Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as Luzes, Villalta investigou o funcionamento da censura e os usos do livro no Reino e na América portuguesa sob o Reformismo Ilustrado português, a fim de compreender como ocorreram as práticas de leitura e os usos enunciados dos livros pelos leitores. Especificamente em seu último capítulo (“Usos inventivos do livro e contestação política: a Inconfidência Mineira”), quando relaciona práticas de leitura e contestação política, aproxima-se das apropriações e das visões que os sediciosos mineiros constituíram a respeito dos livros e dos usos implícitos que inferiram dos conteúdos de textos existentes em suas estantes, notadamente daqueles que evidenciam subversões a ordem pública, auxiliando-os a pensar a rebelião contra a Coroa portuguesa. Baseado nos livros sequestrados e nos depoimentos à devassa da Inconfidência Mineira, observou a sobrevivência naquele ambiente “de elementos culturais e literários que datavam de séculos anteriores ao Setecentos”, como as teorias corporativas de poder da Segunda Escolástica e as interpretações históricas da Restauração Portuguesa de 1640. Tais elementos, de acordo com ele, “mesclaram-se às apropriações das Luzes, em particular a obra do abade Raynal sobre a colonização europeia e a Independência da América Inglesa” (VILLALTA, 2015, p. 508).

Sem incidir diretamente no sequestro, mas analisando uma das obras que ali esteve presente, Rafael de Freitas e Souza com o seu O Tiradentes leitor (2008), cuja origem é sua dissertação de mestrado de 2004, e Kenneth Maxwell com O livro de Tiradentes: transmissão atlântica de ideias políticas no século XVIII, de 2013, desbravam as múltiplas interpretações que os textos constitucionais norte-americanos, reunidos em livro sob o título de Recueil des loix constitutives des colonies angloises, confédérées sous la denomination d’Etats-Unis de l’Amérique Septentrionale [“Coleção das leis constitutivas das colônias inglesas confederadas sob o nome de Estados Unidos da América Setentrional”], publicada em francês, na cidade de Paris, em 1778, proporcionaram aos inconfidentes mineiros e, mais precisamente, ao alferes Tiradentes como veículo de ideias sediciosas. O primeiro empenha-se em discutir o signo cultural que a obra proporcionou para a construção da qualidade de intelectual que faltava para Tiradentes ser considerado um herói nacional completo: a dimensão do letrado possuidor de um dos exemplares do Recueil que circulou entre os conjurados mineiros (SOUZA, 2008). Já sob a coordenação de Kenneth Maxwell, com textos de mais cinco intelectuais, entre eles Júnia Ferreira Furtado e Heloísa Murgel Starling, que em seu capítulo “República e sedição na Inconfidência Mineira: leituras do Recueil por uma sociedade de pensamento”, analisam como os conspiradores mineiros viram e discutiram entre si a bem-sucedida Revolução Americana de 1776 e seus textos constitucionais como modelos do que eles queriam realizar na América portuguesa (FURTADO; STARLING, 2013, p. 107-132).

Por último, André Figueiredo Rodrigues, com A fortuna dos inconfidentes: caminhos e descaminhos de bens de conjurados mineiros (1760-1850), ao estudar os Autos de Sequestros originais empreendidos contra os bens dos revoltosos mineiros, revela que o processo judicial da Inconfidência e as apurações oficiais empreendidas nos sequestros foram motivados por uma complexa rede de interesses que resultaram em intervenções de pessoas e grupos, direta ou indiretamente implicados, que orientaram linhas de investigação, omitiram bens e incriminaram inimigos. E entre a descrição dos bens listados, estavam os livros. Análise detida dos Autos de Sequestro originais permitiu, por exemplo, o conhecimento de algumas das obras presentes nas estantes do poeta Cláudio Manuel da Costa, não descritas qualitativamente nos Autos de Devassa em sua versão impressa, e os números e títulos existentes nas livrarias do cônego Luís Vieira da Silva e de José de Resende Costa (RODRIGUES, 2010a).

Notadamente todos estes autores, com exceção do último referenciado, empreenderam pesquisas que tiveram - principalmente - os sequestros de bens, em sua versão publicada, como fontes de pesquisa na reconstrução da história do livro e da leitura no universo das Minas Gerais setecentista. Aliás, os caminhos percorridos por eles evidenciam a existência de uma cultura escrita rica e variada que esteve presente nas bibliotecas dos envolvidos na Inconfidência Mineira.

A história dessas coleções, como observado no próprio percurso da historiografia que a utilizou, foi sendo conhecida pouco a pouco.5 5 Para que isto se realizasse, foram fundamentais como suportes teóricos e analíticos os apontamentos de Daniel Mornet (Les origines intellectualles de la Révolucion Française), Robert Darnton (Boemia literária e revolução: os submundos das letras no Antigo Regime; O beijo de Lamourette: mídia, cultura e evolução; Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária; entre outros) e Roger Chartier (Leituras e leitores na França do Antigo Regime; As origens culturais da Revolução Francesa; A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre o séculos XIV e XVIII; entre outros). Já para o período colonial brasileiro, muito se deve, de acordo com Luiz Carlos Villalta, aos trabalhos pioneiros de Alcântara Machado (Vida e morte do bandeirante, de 1929), que evidenciou o livro como elemento da vida cotidiana, apesar de “mesquinhas em quantidade e qualidade as bibliotecas particulares” encontradas nos inventários paulistas compulsados de 1578 a 1700; de Carlos Rizzini (O livro, o jornal e a tipografia no Brasil, de 1946), que mostrou o circuito de comunicação que vai da produção do livro e dos jornais até as academias literárias, passando pela censura e pela educação; de Luis Henrique Dias Tavares (Introdução ao estudo das idéias do movimento revolucionário de 1798, de 1959) e de Kátia de Queirós Mattoso (Presença francesa no movimento democrático baiano de 1978, de 1969), que buscaram compreender as origens das ideias presentes na Inconfidência Baiana de 1798; além de Rubens Borba de Moraes (Livros e bibliotecas no Brasil colonial, de 1979), que com análises detidas de bibliotecas institucionais, como as relacionadas com entidades eclesiásticas – jesuítas e outras ordens religiosas – ou de acesso público no Rio de Janeiro (Biblioteca Real) ou na Bahia (Biblioteca Pública), permitiu conhecer as obras que havia nas ditas entidades, a censura, o circuito livreiro e as tipografias coloniais; entre outros (VILLALTA, 2007b, p. 249). Os estudos mais recentes, específicos sobre as bibliotecas mineiras, como os de Paulo Gomes Leite e Luiz Carlos Villalta, utilizaram-se também de investigações acadêmicas sobre o livro e a leitura no período colonial, empreendidas no Brasil e no exterior, a partir dos anos de 1980, quando se ampliou o repertório das fontes, incorporando análises de documentos extraídos da Real Mesa Censória e da Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros, assim como processos e denúncias feitas aos comissários do Santo Ofício que se esmeraram na localização de obras proibidas nas bibliotecas coloniais e, quando a posse não era comprovada, pelo menos sabiam quem as tinha lido. Outros documentos também ganharam relevância nestas e nas pesquisas que se desenvolveram com base no uso de novas teorias e mais sofisticadas metodologias, seja pelo uso de fontes variadas interdisciplinares seja pelo uso de procedimentos quantitativos mais apurados, como as listagens de obras circuladas quando uma pessoa viajava com livros, as operações de compra e venda de livros, os catálogos de livrarias; bem como a valorização dos inventários de bens pós-morte, que ajudaram a conhecer as práticas de leituras e os livros havidos nas bibliotecas privadas.6 6 Apenas para o período colonial brasileiro, temos, por exemplo, as pesquisas realizadas por Júnia Ferreira Furtado (O livro da capa verde: o regimento diamantino de 1711 e a vida no Distrito Diamantino no período da Real Extração), que, em meio à análise que empreendeu sobre a vida cotidiana na região dos diamantes mineiros de 1772 a 1808, encontrou livros nos inventários estudados; Leila Mezan Algranti (“Os livros de devoção e a religião perfeita: normatização e práticas religiosas nos recolhimentos femininos no Brasil colonial” – capítulo constante na obra Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz, organizado por Maria Beatriz Nizza da Silva; Livros de devoção, atos de censura: ensaios de história do livro e da leitura na América portuguesa, 1750-1821) discute a posse, a leitura e a circulação de livros de devoção existentes nas bibliotecas de conventos e recolhimentos femininos na América portuguesa, explorando assuntos como o sistema de censura e os significados das práticas de leitura de livros religiosos; Álvaro de Araújo Antunes (Espelho de cem faces: o universo relacional de um advogado setecentista; sua tese de doutorado ‘Fiat justitia’: os advogados e a prática da justiça em Minas Gerais, 1750-1808; “Os ânimos e a posse de livros em Minas Gerais, 1750-1808” – constante na coletânea O império por escrito: formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico, organizado por Leila Algranti e Ana Paula Megiani) discorre sobre as bibliotecas de advogados que atuavam na cidade de Mariana, em Minas Gerais, no final do século XVIII, procurando compreender a relação entre a posse de livros e suas práticas profissionais; Thábata Araújo de Alvarenga (Homens e livros em Vila Rica: 1750-1800, dissertação de mestrado, de 2003) reconstituiu, por meio de informações extraídas das bibliotecas particulares existentes em Vila Rica, de 1750 a 1800, as práticas sociais que envolveram a posse de livros naquela época, que tinha um sentido eminentemente prático aos seus leitores; Maria Aparecida de Menezes Borrego (A teia mercantil: negócios e poderes em São Paulo colonial, 1711-1765; “Entre fazendas da loja e os trastes da casa: os livros de agentes mercantis em São Paulo setecentista” – constante na coletânea O império por escrito: formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico, organizado por Leila Algranti e Ana Paula Megiani) demonstra a existência de vários livros arrolados nos inventários consultados para São Paulo, testemunhando a existência de um público leitor, ainda que modesto, em um momento em que as práticas mercantis e usuárias de comerciantes que articulavam a cidade de São Paulo a outras regiões da América portuguesa, inserindo-a em redes de negócios que conectavam interesses também nos dois lados do oceano Atlântico. Além destes autores, entre vários outros que ainda poderíamos citar para o período colonial, é digno de referência as pesquisas – mesmo para um momento cronológico superior – de Maria Beatriz Nizza da Silva (os artigos “Livro e sociedade no Rio de Janeiro: 1808-1821”; “Uma biblioteca científica brasileira no início do século XIX”; “Os livreiros de Lisboa e o comércio de livros com o Brasil”; Cultura e sociedade no Rio de Janeiro: 1808-1821) (VILLALTA, 2007b, p. 249-250).

Dentro deste variado universo documental, os Autos de Sequestro, constantemente consultados e tidos como essenciais para o estudo do universo da cultura escrita e livresca nas Minas Gerais do século XVIII, são utilizados como um inventário fidedigno dos fundos bibliográficos apreendidos pelas autoridades governamentais, em que se buscam observar ali certa evolução de um pensamento político, suas redes de interesse, poder e sociabilidade ou mesmo as assimilações de influências contextuacionais de indivíduos, inconfidentes, situados na esfera letrada da capitania.

Antes, é importante que se estabeleçam critérios para o uso dos Autos de Sequestro de bens dos envolvidos na Inconfidência Mineira como fonte de pesquisa, discutindo seus estatutos e indicando os limites e as possibilidades de seu uso.

Os sequestros de bens como fonte de pesquisa para a história do livro

O Auto de um Sequestro constitui-se, como um inventário de bens pós-morte, uma das mais significativas fontes de pesquisa para o estudo da posse de livros e a sua possível leitura.

Apesar de o sequestro seguir uma tramitação sistematizada pela legislação da época, baseada no Livro V das Ordenações Filipinas, que determinava sua confecção com rigor e minuciosidade, sua elaboração cabia à Justiça local, em cumprimento de ordens dos juízes ou corregedores do domicílio do réu, sob a intervenção do desembargador responsável pela devassa ou inquirição judicial. Como uma das penalizações pelo crime de lesa-majestade é a perda total de bens, “o que acarretaria um golpe decisivo no destino das famílias envolvidas”, sua ordem “é delegada de instância superior, após esgotarem-se as possibilidades de defesa dos réus” (RODRIGUES, 2010a, p. 48). Como os envolvidos na Inconfidência de 1789 mantinham domicílio em Minas Gerais, competia ao governador nomear o juiz ou a comissão encarregada de processar os indiciados no crime, fazendo cumprir a lei em sua jurisdição administrativa (ORDENAÇÕES..., 1985, v. 3, livro V, título CXXVI, p. 1299).

Sua preparação não era plenamente objetiva, descrevendo unicamente bem por bem, mas dependia da personalidade e dos critérios do escrivão, que podia ou não cumprir as determinações judiciais que lhe foram impostas ou fazer-se envolver e identificar com estratégias pessoais, como deixar de anotar corretamente ou omitir um determinado patrimônio (RODRIGUES, 2010a, p. 48).

Em vista disto e no tocante ao panorama das bibliotecas encontramos situações extremas que indicam os possíveis limites de análise desta documentação como fonte de pesquisa. Sua leitura evidencia a existência de certa heterogenia no registro das práticas notariais, sendo ora minuciosas e cuidadosas, ora displicentes e repletas de falhas e omissões.

1-) Omissão nos registros

Entre os inconvenientes observados nos registros de livros apreendidos dos inconfidentes mineiros, há casos em que se informaram apenas o número de obras encontradas naquelas livrarias, omitindo-se seus títulos e demais dados tipográficos. Em outros, mencionaram-se somente os nomes dos autores e seus títulos, ou, ainda, apenas parte deles ou abreviaturas (VILLALTA, 1994a, p. 168-190).

Na casa do poeta e magistrado português Tomás Antônio Gonzaga, localizada em Vila Rica, o tabelião informou a existência de apenas 83 livros, sendo “quarenta e três livros de vários autores, franceses, portugueses e latinos; [...] sete ditos de meia folha de qualidade, [...] e trinta e três de quarto dos mesmos”, dentre os bens inventariados de seu Auto de Sequestro (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 49).

Ainda em Vila Rica, na residência do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, comandante do Regimento de Cavalaria Paga e a mais alta patente militar envolvida no movimento sedicioso de 1789 em Minas Gerais, os registros notariais informam que sua biblioteca contava com 84 volumes de livros, distribuídos em duas estantes, uma “pintada” e outra “mais usada” (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 224).

Situação similar também se verifica na listagem da livraria do magistrado e poeta Cláudio Manuel da Costa, que teve detalhadas várias de suas obras e um manuscrito (“Um livro de Santo Inácio de Loyola em manuscrito”), além de uma série de livros descritos sem seus respectivos títulos e autores, como os localizados “na quarta coluna da estante da parte direita, quarenta tomos de livros; na quinta da mesma, quarenta e quatro tomos de livros; quarta coluna da estante para a esquerda, quarenta e nove livros, na mesma estante da quinta coluna, quarenta e seis”, ou, ainda, os “quinze livros de oitavo, e um quarto” e os “três livros de traduções de tragédias, e mais outro dos mesmos relatados e poemas” (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 99-100).

Já no domicílio do padre Carlos Correia de Toledo e Melo, estabelecido na vila de São José del-Rei (atual cidade de Tiradentes, em Minas Gerais), a devassa apreendeu-lhe uma “estante pintada” com 105 volumes de livros de “vários autores, entre grandes e pequenos, a saber: noventa e nove, com capas de pasta, e seis com capas de pergaminho”7 7 Em um segundo momento, no instante em que foram avaliados os seus bens, os livros, que antes foram apenas informados numericamente, passaram a ser descritos detalhadamente, com dados sobre o autor, a obra, seu estado de conservação e formato (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 347-350). (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 70). Descrição semelhante se encontra na identificação dos 4 exemplares apreendidos do alferes Tiradentes: “três de oitavo e um de quarto” (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 58).

No sequestro realizado contra a biblioteca do padre Manuel Rodrigues da Costa, localizada na fazenda do Registro Velho, foram encontrados 73 títulos distribuídos em 212 volumes. Na descrição de seus livros encontramos o registro de “um manual Eclesiástico in-oitavo”, ou “Hobert Teologia, [em] sete tomos in-quarto”, ou “oito tomos da obra de Calmet in-fólio”, ou o livro de “Fernão Mendes Pinto, um volume in-fólio pequeno” e “quinze livrinhos velhos de várias matérias e quase inúteis”, cujos autores e títulos, em razão de seu estado de deterioração, sequer foram mencionados (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 438-440).

Nestes dois últimos casos, a preocupação dos escrivães esteve mais voltada para o registro dos aspectos materiais dos livros, como a forma de sua encadernação (em pasta ou em pergaminho) ou tamanho (livros in-meio-quarto, in-quarto, in-oitavo ou in-fólio), do que transmitir os nomes dos autores e seus respectivos conteúdos.

Embora esta aparente displicência nos impossibilite conhecer a composição temática de boa parte dessas bibliotecas, as características e o estado de conservação daquelas obras podem nos dizer “mais do que aqueles indecifráveis” arrolamentos, pois, como ensina Maria Aparecida de Menezes Borrego, em seu estudo sobre os trastes existentes no interior de casas paulistas no Setecentos, a informação de um livro como “de quarto” evidencia que se tratava de obra acessível à população, isto porque “os livros de formatação ‘in-quarto’ - com as folhas dobradas duas vezes, originando oito páginas - eram mais facilmente manuseáveis e transportáveis”, diferente dos pesados e grandes livros de fólio, de “formatação mais refinada” e que “exigiam apoio no momento da leitura” (BORREGO, 2009, p. 242, 247).

A descrição do estado de conservação dos livros como “velhos”, usados e gastos, por exemplo, permite compreendê-los como obras que foram muito lidas ou circuladas, mesmo não se conhecendo a composição dessas livrarias (BORREGO, 2009, p. 246).

Os enigmas advindos dessas lacunas, que determinaram a feitura dos registros dos livros dessa maneira, talvez, sejam “resolvidos” se buscarem os Autos de Sequestro originais (ainda não pesquisados para a maioria desses inconfidentes), já que trazem os arrolamentos completos dos bens dos sediciosos apreendidos pela Coroa portuguesa, em todas as suas etapas judiciais e fases descritivas de sua existência, com informações do destino, compra, venda, devolução e circulação. É de Robert Darnton a ensinação:

O que era sabedoria proverbial para nossos ancestrais permanece completamente opaco para nós. Abrindo quaisquer livros de provérbios do século XVIII, encontramos coisas como: ‘Quem é ranhento, que soe o nariz’. Quando não conseguimos entender um provérbio, uma piada, um ritual ou um poema, temos a certeza de que encontramos algo. Analisando o documento onde ele é mais opaco, talvez se consiga descobrir um sistema de significados estranho. O fio pode até conduzir a uma pitoresca e maravilhosa visão de mundo (DARNTON, 1988, p. XV).

2-) Registros truncados

Além de anotações parciais, também foram comuns erros de grafia na indicação de títulos e autores, em especial estrangeiros (VILLALTA, 1994a, p. 170).

Ao se entrar na biblioteca do cônego inconfidente Luís Vieira da Silva, localizada em sua residência na cidade de Mariana, a maior entre todas as sequestradas e considerada uma das melhores da capitania, por possuir numerosas obras que representavam o enciclopedismo, a filosofia racionalista e o otimismo naturalista dos iluministas franceses, encontramos anotações quase perfeitas de seu patrimônio livresco (FRIEIRO, 1981, p. 18-20). Apesar disto, ocorreram problemas naquelas anotações. Lá se encontra, por exemplo, o teólogo dominicano Melchiores Cani (Melchior Cano) transformado pelo escrivão em “Melxioris Cari” (VILLALTA, 1994a, p. 170).

Ainda no inventário livresco do dito cônego, da mesma maneira do ocorrido em outros sequestros, muitos livros tiveram os nomes de seus autores e títulos mutilados pelo escrivão, muito provavelmente em virtude de sua escassa formação, rigor ou desconhecimento de idiomas estrangeiros. É frequente encontrar anotado apenas o primeiro nome do autor ou uma palavra ou síntese do título, como na indicação da obra L’histoire du regne de l’empereur Charles-Quint, de William Robertson, que apareceu anotado no sequestro como “Histoire de Charles V”, sem autor. O mesmo também se verifica com Histoire de la Maison de Tudor [sur le trône d’Angleterre], de David Hume, que foi escrito como “Histoire de Tudor”, sem indicação de autoria. Já livros como Elementos de arte militar e Le messiade, por exemplo, apareceram grafados sem menção aos seus autores, respectivamente José Marques Cardoso e o poeta alemão Friedrich Gottlieb Klopstock, e, inversamente, apareceu o nome de Suetônio, sem que se citasse o título de sua obra A vida dos doze Césares, entre outras (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 85-91; VILLALTA, 1994a, p. 170).

Na biblioteca de Cláudio Manuel da Costa constam anotações parciais como “Neto, um tomo”; “Dicionário histórico, quatro tomos” e “Surdo, dois tomos”, entre outros (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 97-99). Infelizmente, apontamentos como estes não nos permitem conhecer as respectivas obras ou autores como um todo.

Também não sabemos, por exemplo, se os seis volumes em oitavo do Nouveau dictionnaire historique, constantes na livraria do cônego Vieira, são do padre jesuíta François Xavier de Feller, “plagiário emérito, que para compô-lo se apropriou descaradamente da obra análoga do beneditino Chaudon”, como nos informa Eduardo Frieiro, ou se não era uma das edições do Dictionnaire de Louis Moreri, ou, ainda, o próprio dicionário de Louis-Mayeul Chaudon (FRIEIRO, 1981, p. 26). Na estante da casa de Cláudio constava, em dez tomos, o “Dicionário de Moreri” (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 97).

Outra dificuldade é o uso de pseudônimos. Ainda no conjunto bibliográfico de Cláudio consta a indicação de “Lourenço Graciano, [em] dois tomos” (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 98). Trata-se do livro do padre e pedagogo espanhol Baltasar Gracián y Morales, El criticón. A obra foi publicada em três partes, sendo a primeira escrita sob o nome fictício de Garcia de Marlones; as demais, como Lourenço Gracián. Nesta obra, o seu personagem central é Critilo, tomado como modelo-homônimo por Tomás Antônio Gonzaga para o seu poema satírico Cartas chilenas. Os versos de Critilo mantêm estreita interlocução com o personagem Doroteu, criptônimo de Cláudio Manuel da Costa. Possivelmente esta obra ou foi emprestada por Cláudio a Gonzaga ou estava entre os livros deste que não lhe foram listados pelo meirinho, quando foi executado o Auto de Sequestro de sua casa.

Outro limite que também se observa é a ignorância dos meirinhos com relação aos impressos de pouco valor, que foram omitidos ou arrolados de maneira truncada (VILLALTA, 1994a, p. 170-190). Isto, talvez, se explique por serem obras de leitura frequente ou, ainda, materiais que nem sempre são livros8 8 Roger Chartier nos ensina que em “meios populares” se encontram materiais impressos com “pluralidade de usos”, com o pormenor de que, em muitos casos, eles nem sempre são livros, ou não o são muitas vezes (CHARTIER, 1990, p. 155). (CHARTIER, 1990, p. 155).

Estes exemplos ilustram o quanto registros truncados ou a falta de informações dificultam que se averiguem o conjunto das obras apreendidas aos sediciosos mineiros.

3-) Os números de livros

Outro aspecto considerável que se impõe nos estudos das bibliotecas inconfidentes está no descobrir quantos livros realmente pertenceram a uma determinada livraria.

Em virtude de alguns registros terem sido anotados de maneira desproporcional, ora com minuciosidade ora com descuido, impossibilitando-nos conhecer com exatidão quais títulos e autores estiveram circunscritos àqueles conjuntos bibliográficos. Entretanto, é possível que seus números, informações tipográficas mais completas e dados de autores e títulos antes omitidos sejam recuperados, desde que se passe a analisar os Autos de Sequestro em sua plenitude, posto que, como tem-se dito e repetido, os seus documentos originais nunca foram publicados integralmente e por se constituírem como processos à parte da devassa, apenas o que se conhece são traslados parciais de bens, escritos para se ter ideia do patrimônio de cada um dos presos. Ou seja, para que isto se realize, é imprescindível buscar e descobrir como e qual foi o destino final dos haveres apreendidos, uma vez que no fim do trâmite judicial, os róis dos livros efetivamente confiscados estão lá indicados, como os demais pertences do condenado, depois de vencidas todas as etapas processualistas de restituição de bens e da partilha entre a família e a Fazenda Real (se os processos chegarem até este ponto).9 9 Detalhes sobre a normatização dos registros de sequestro podem ser lidos em Rodrigues (2010a, p. 51-64). Não é objetivo fazê-lo aqui.

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, localizado na cidade do Rio de Janeiro, guarda em seu acervo 11 códices originais dos sequestros de bens contra o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, o capitão e fazendeiro José de Resende Costa, o padre Manuel Rodrigues da Costa, o fazendeiro José Aires Gomes, o ouvidor Tomás Antônio Gonzaga, o coronel e fazendeiro Francisco Antônio de Oliveira Lopes, o padre Carlos Correia de Toledo e Melo, o poeta e magistrado Inácio José de Alvarenga Peixoto, o sargento-mor Luís Vaz de Toledo Piza, o contador Vicente Vieira da Mota e o cônego Luís Vieira da Silva. O Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência / Casa do Pilar, na cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, detém os documentos de sequestro do ex-contratador Domingos de Abreu Vieira (RODRIGUES, 2010b, p. 46).

Dos 24 condenados, é-nos permitido estudar apenas 12 sequestros originais. Dos sediciosos faltantes, não tiveram bens apreendidos José Álvares Maciel e José de Resende Costa, o filho, por serem filhos-família e viverem debaixo do pátrio poder de seus pais, dos mesmos e respectivos nomes. Logo, faltam-nos descobrir os documentos originais de dez outros conjurados. Na edição impressa dos Autos de Devassa consta a publicação dos traslados dos patrimônios do bacharel Cláudio Manuel da Costa, do padre José da Silva e Oliveira Rolim e do alferes Tiradentes. Dos demais, não há indício dos confiscos contra os bens do fazendeiro e estalajadeiro João da Costa Rodrigues, do alferes Vitoriano Gonçalves Veloso, doutor Domingos Vidal de Barbosa Laje, do padre José Lopes de Oliveira, do carpinteiro e piloto Antônio de Oliveira Lopes, do fazendeiro e capitão João Dias da Mota e do médico Salvador Carvalho do Amaral Gurgel (RODRIGUES, 2010b, p. 46).

Após esta advertência e retornando aos acervos livrescos, a mais famosa biblioteca mineira colonial foi a do cônego Luís Vieira da Silva. Os livros encontrados em sua posse foram primordiais, conforme Eduardo Frieiro (1981), para a concretização do levante, uma vez que influíram decisivamente nos ânimos revolucionários dos demais envolvidos na Inconfidência Mineira.

O espírito do inconformismo e da revolução - o espírito do diabo -, ainda segundo Frieiro, estava presente naquele sequestro. Sua livraria contava com cerca de 800 volumes em 270 títulos. Temas como religião, literatura, filosofia e ciências, do antigo ao moderno, achavam-se bem representados. Há evidentes sinais de apreço à Antiguidade clássica e aos melhores clássicos franceses, italianos e portugueses. Textos filosóficos e literários franceses mostravam-se exagerados. No todo, nada sobre o Brasil ou do Brasil (FRIEIRO, 1981, p. 24, 29-30).

Entre seus livros havia a predominância de assuntos de teor profano, contrário aos padrões da época, que indicavam que entre os religiosos “a maioria possuía obras de devoção e liturgia, teologia e cânones” (VILLALTA, 1994a, p. 197-198).

Mesmo se conhecendo o teor “revolucionário” de sua biblioteca, o número exato de títulos e volumes que a formavam era desconhecido. Por ser objeto de frequentes referências e citações, a livraria do cônego Luís Vieira sempre impressionou os estudiosos pelo valor cultural e histórico de suas obras. Em tais casos, a admiração acabou por fazer acréscimos ao acervo, alterando seus números e levando a falsas implicações históricas (LEITE, 1995, p. 155).

O número de livros atribuído ao religioso inconfidente impressiona. Enquanto Eduardo Frieiro, de maneira pioneira, atribuiu-lhe 270 obras em cerca de 800 volumes, Paulo Gomes Leite indicou 276 títulos em 563 volumes (LEITE, 1995, p. 156). Luiz Villalta, em textos diversos, apontou números discordantes: em A ‘torpeza diversificada dos vícios’ escreveu que a biblioteca do cônego compreendia 241 títulos em 556 tomos e nos artigos “Os clérigos e os livros nas Minas Gerais da segunda metade do século XVIII” e “Ler, escrever, bibliotecas e estratificação social”, 279 obras em 612 exemplares (VILLALTA, 1994a, p. 168; 1995, p. 24; 2007c, p. 302).

Apesar dessas discrepâncias numéricas, descobrimos, com base nos Autos de Sequestro originais de bens do cônego Luís Vieira, que, na verdade, lhe foram confiscados 267 livros em 569 volumes. Estes números baseiam-se nos traslados finais de seu sequestro, após a devolução de livros que não lhe pertenciam e a reorganização temática e quantitativa das obras (INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO, 1803, DL 70.11). Essa flutuação em seus números explica-se por dois motivos: o desconhecimento que se tem do processo integral e o fato de se acreditar que a listagem publicada nos Autos de Devassa seja um instantâneo perfeito e absoluto de tudo que o sedicioso tinha em sua casa, esquecendo-se de que alguns dos bens poderiam ser de terceiros.

Aliás, bens de terceiros se fizeram presentes no sequestro contra a casa de Cláudio Manuel da Costa. Como qualquer bem apreendido poderia ser restituído ao seu verdadeiro proprietário, desde que este comprovasse com documentos ou testemunhas que o objeto confiscado pela devassa fosse seu e não do inconfidente, ele teria o bem devolvido. Isto ocorreu com Francisco de Souza Martins, sobrinho do poeta e magistrado, que solicitou ao Tribunal da Junta da Real Fazenda, de Minas Gerais, a devolução de objetos que lhe pertenciam e que foram apreendidos pela justiça dentro da casa de seu tio. Ao final do processo e após comprovar que bens dados por seu tio João de Souza Costa e entregues ao seu pai, o capitão Antônio de Souza Mesquita, deixados sob a guarda de Cláudio, quando este se mudou de Vila Rica para as lavras que possuía em Itabira e Pitangui, foram lhe restituídos. E entre os vários trastes de casa devolvidos (camas, mesas, cadeiras, colchão etc.), lá estavam “uma Prosódia, dois Virgílios e outros mais livros” (AZEVEDO, 1943, p. 282-283).

Quanto aos livros indicados, apenas Prosódia, do padre jesuíta Bento Pereira, consta do rol nominal de livros apreendidos ao poeta. Os outros dois títulos de livros do poeta romano Virgílio poderiam estar entre as obras que foram quantificadas, mas não nomeadas pelo tabelião, conforme explicitado no item sobre a omissão de livros nos sequestros.

Como estes, outros casos se sucedem e podem ser evidenciados em pesquisas na documentação primária correlata ao processo de devassa ajuntado na versão impressa dos Autos de Devassa.

Em suma, as livrarias e a quantidade de livros e exemplares apreendidos aos inconfidentes encontram-se descritas, a seguir, na Tabela 1.

Tabela 1
Livros apreendidos aos inconfidentes mineiros

Pelo observado, a indicações dos livros sequestrados aos sediciosos mineiros contêm erros e omissões, colocando em dúvida as análises feitas do patrimônio livresco dos conjurados. Para dirimir as diferenças entre as duas versões dos Autos de Sequestro (a impressa e a manuscrita), recomenda-se a consulta aos originais daquele documento, pois, em razão do desconhecimento dos conteúdos dessas peças processuais, a historiografia atribuiu números discordantes àquelas bibliotecas.

4-) Subtração e erros de transcrição

Como mostrado, mesmo sendo uma importante fonte de pesquisa, a leitura dos Autos de Devassa merece cautela, especialmente porque ocorreram imprecisões e displicências na transcrição do texto original manuscrito para a versão impressa. Em virtude disto, os sequestros também podem ser vítimas de outro tipo de omissão: a subtração de livros. Exemplo típico pode ser aventado no levantamento realizado contra os bens do poeta, magistrado e minerador Inácio José de Alvarenga Peixoto, morador da vila de São João del-Rei, que decepciona pela pobreza numérica de obras apreendidas: apenas quatro títulos em dezoito volumes. Nesse sequestro não se observam quaisquer reflexos da carreira de magistrado nem livros de literatura (VILLALTA, 1994a, p. 194-495).

Além da possibilidade de livros comprometedores terem sido subtraídos das bibliotecas inconfidentes, conforme informado por Eduardo Frieiro, Bradford Burns, Luiz Carlos Villalta, Paulo Gomes Leite e Álvaro de Araújo Antunes, ainda encontramos falhas nas transcrições dos inventários de bens que põem em suspeita a relação dos livros que se encontram transcritos e publicados pela historiografia (FRIEIRO, 1981; BURNS, 1964; VILLALTA, 1994a; VILLALTA, 1994b; LEITE, 1995; ANTUNES, 2004). A biblioteca de José de Resende Costa, de acordo com a historiografia, teve 20 títulos distribuídos em 60 volumes sequestrados, com obras de Voltaire, Jean-François Marmontel, Molière, Fénélon, Racine, Virgílio e Homero (VILLALTA, 1994a, p. 202; BURNS, 1964, p. 432; PINTO, 1992, p. 65; PINTO, 2014, p. 77).

Ao contrário do índice livresco publicado no sexto volume dos Autos de Devassa, e que serviu de base para os autores supracitados, a livraria de José de Resende Costa contava ainda com mais uma obra: Seletas latinas (Selecta Latini Sermonis exemplaria e scriptoribus probatissimis, ad christianae juventutis usum collecta), em seis volumes, do educador francês Pierre Chompré, publicada pela primeira vez em Paris, em 1752, e republicada em Portugal, em seis tomos em oitavo (INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO, 1799, DL 70.9, fls. 5, 22v). Trata-se de uma antologia, composta de trechos escolhidos, e algumas vezes reescritos, de autores latinos, endereçada aos estudantes que pretendiam entrar como alunos na Universidade de Coimbra.10 10 Márcia Abreu (1999, p. 227-228; 232 – nota 30), ao analisar os livros de belas letras importados de Lisboa por comerciantes sediados no Rio de Janeiro, de 1769 a 1822, constatou que Seletas latinas ocupava o segundo lugar entre as obras mais solicitadas e As aventuras de Telêmaco, o primeiro. Esta obra, aliás, também se encontra entre os livros apreendidos a José de Resende Costa (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 428). Há registros nos depoimentos à devassa que um dos planos de José de Resende Costa, o filho, era o de estudar em Portugal, em 1789 (AUTOS..., 1976, v. 1, p. 254-255). O livro, portanto, ao que tudo indica, pertencia ao filho do coronel Resende Costa, que se preparava didaticamente para as provas de ingresso na Universidade. Por ele estar debaixo do pátrio poder, o ouvidor José Caetano César Manitti não realizou nenhum sequestro específico em bens deste conjurado, pois o jovem “se achava empregado nos estudos”11 11 Quando José de Resende Costa filho foi preso e remetido para cadeia no Rio de Janeiro levou consigo roupas que naquele instante não lhe foram sequestradas: seis camisas, um fraque e calção, três ceroulas, um par de meias e um par de sapatos. Estes são os únicos bens citados nos Autos de Sequestro pertencentes ao jovem Resende Costa (ANRJ/ADIM-C5, v. 7, doc. 14, fl. 5). (ARQUIVO NACIONAL, v. 7, doc. 14, fl. 4; RODRIGUES, 2010, p. 50).

Todavia, o significativo é que, nas duas versões manuscritas existentes deste sequestro, a do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (edição completa manuscrita dos Autos de Devassa) e a do Arquivo Nacional (ANRJ) (traslados utilizados na publicação dos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira), constam referências ao livro Seletas latinas. O que existiu, portanto, foi erro na transcrição do documento (ARQUIVO NACIONAL, v. 7, doc. 14, fl. 3).

Além da inclusão de Seletas latinas, constata-se que a obra Ilíada, de Homero, inicialmente indicada em “sete volumes” na versão impressa do sequestro (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 428), passou com a revalidação do sequestro a ser indicada em “oito volumes”; assim como a obra do padre italiano Antônio Genuense, que passou dos “sete volumes” iniciais (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 428) para “dois volumes”. No mesmo volume impresso, consta grafado em duplicata o livro “Horácio, um volume em oitavo” (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 428). A obra Gradus ad parnasum, “um volume em oitavo”, constante na edição impressa do sequestro (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 428), não apareceu escrita na indicação final dos livros que lhe foram apreendidos. Com isso, o número conclusivo das obras sequestradas dos Resende Costa passa a ser 20 títulos em 61 volumes (INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO, 1799, DL 70.9, fls. 5, 22).

Este número também pode ser corroborado quando se confrontam as informações constantes no Auto de Arrematação empreendido contra o patrimônio da família Resende Costa, datado de 1804. Lá existe menção clara aos 61 volumes da biblioteca, arrematados em leilão pela quantia de 35$860 réis (INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO, 1799, DL 70.9, fls. 33-33v).

Também dos títulos que faziam parte da livraria da família Resende Costa, somente dois deles sobreviveram ao tempo: o poema La religion, de “Monsieur” Louis Racine (edição de 1775, em um volume em oitavo), e Oeuvres, do dramaturgo francês Jean Baptiste Racine (em três volumes em oitavo) (Figura 1). Por se conhecerem apenas seus títulos, listados na edição impressa da devassa como “Poema da Religião de Racine” e “Obras de Racine” (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 428), a historiografia atribuiu a autoria destes dois textos a um mesmo escritor: Racine. Ao se localizarem aqueles livros, doados por José de Resende Costa, o filho, em 1827, para a Biblioteca Municipal de São João del-Rei, descobrem-se que os autores eram diferentes: o dramaturgo Jean Racine era pai de Louis Racine12 12 A historiografia a que nos referimos é composta por: Burns (1964, p. 432), Villalta (1994, p. 202-203), Pinto (1992, p. 65; 2014, p. 77). (RODRIGUES, 2010a, p. 40-41).

Figura 1
Livros que pertenceram ao inconfidente José de Resende Costa, o filho, doados à Biblioteca Municipal Baptista Caetano d’Almeida, em São João del-Rei

Estes exemplos elucidam as possibilidades e os limites impostos à utilização dos Autos de Sequestro como material de estudo sobre as bibliotecas privadas dos inconfidentes. Então, antes de validar sua fidedignidade como fonte de pesquisa, faz-se necessário - quando possível - que a edição impressa seja cotejada com a versão manuscrita, pois ocorrem problemas de supressão, omissões e transcrições equivocadas de palavras, autores e títulos de livros.

5-) Usos dos livros

De início, vale recordar que um livro poderia encontrar-se em uma biblioteca casualmente, como por empréstimo, herança, um presente, uma mercadora para venda ou troca, um elemento decorativo ou incorporado ao rol dos bens sequestrados por estar ali apenas aguardando a sua devolução ao verdadeiro proprietário.

Nos sequestros, os livros, como as louças, as vestimentas e os objetos de ourivesaria e de joalheria, descritos com minuciosidade nas apreensões realizadas em algumas residências, também se apresentavam como símbolos de poder e status.

No movimento insurreto mineiro envolveram-se, segundo a versão final da devassa, os principais homens de negócio, magistrados, fazendeiros, militares, eclesiásticos e alguns dos mais importantes intelectuais luso-brasileiros da época; todos pertencentes a um seleto grupo de pessoas abastadas da capitania que se diferenciavam do restante da população e procuravam exteriorizar sua riqueza. Na sociedade colonial, para demonstrar distinção social e ter os privilégios que isto proporcionava, era necessário deixar visíveis os sinais que externavam esta condição. Entre os vestígios que marcavam distância social, a louçaria, as roupas luxuosas de tecidos finos, os adereços de ouro e prata e os livros, tinham funções de demarcação social e ostentação.

Nesta sociedade das aparências, onde o parecer e o ser andavam juntos e onde o luxo e a ostentação se cruzavam, personagens como o poeta Cláudio Manuel da Costa, cuja casa passou por três processos de sequestro, entre junho de 1789 e março de 1791, exibia entre seus trastes domésticos, louças da Inglaterra, de Macau e da Índia, como pratos esmaltados e facas com cabos de prata. E em uma de suas estantes era possível ver a obra Horas latinas, com a “Coroa de Jerusalém” gravada em prata na capa (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 105, 101-102).

É de Luiz Carlos Villalta a explicação de que livros poderiam operar como enfeites, uma vez que era prática “decorar as casas com estantes que aparentavam ter livros” ou com “estantes com livros simulados”13 13 Luiz Villalta (2015, p. 327) lembra-nos que a aparência do livro de algum modo poderia assumir relevância aos olhos do leitor, “construindo nesse uma certa ideia favorável do conteúdo”. A partir do exemplo citado por ele, observa-se isto em versos constantes no poema satírico Cartas chilenas, do poeta Tomás Antônio Gonzaga, quando já em sua Carta 1ª, em que descreve, utilizando-se de alguns acontecimentos e sinais visíveis daquele período, por meio de uma série de convenções retóricas, a chegada de Dom Luís da Cunha e Meneses para assumir o governo da capitania de Minas Gerais de 1783 a 1788, sob a figura do personagem Fanfarrão Minésio. Em certo trecho, lê-se: “Que o gesto, mais o traje nas pessoas / Faz o mesmo, que fazem os letreiros / Nas frentes enfeitadas dos livrinhos, / Que dão, do que eles tratam, boa ideia” (GONZAGA, 1995, p. 52). (VILLALTA, 1997, p. 372-373; 2015, p. 326-327). Sílvio Gabriel Diniz conta-nos a história do mercador e capitão Manuel Ribeiro dos Santos, caixa e administrador do contrato de dízimos de Minas Gerais no período de 1741 e 1750, residente na cidade de Mariana, que, ao enviar pedidos de livros para Portugal, exigia de seus fornecedores a remessa de obras novas “em branco de bom papel encadernados como os de letra redonda” ou “com as melhores capas que houver, todos com títulos dourados nas costas”, para servirem de ornamento (DINIZ, 1959b, p. 182).

Mas, além de servirem como enfeites, os livros também foram reconhecidos pelos inconfidentes como fontes de conhecimento, muito em virtude de seu uso estar ligado ao exercício de atividades profissionais e para a realização de estudos escolares (VILLALTA, 1995, p. 20; 2007b, p. 251; 2007c, p. 300; 2015, p. 328-329, 333).

Na biblioteca de Cláudio Manuel, por exemplo, 30% de seus livros versavam sobre cânones e direito, as quais se seguiam, primeiro, as obras de literatura - que podiam expressar sua aptidão poética - e, depois, os dicionários e livros de história, filosofia, política, teologia e escritura santa. Já na livraria de Alvarenga Peixoto, que teve apenas quatro livros sequestrados, encontram-se listadas apenas obras que lembram suas pretensões poéticas, como Pietro Metastácio, Claude-Prosper de Crébillon, Voltaire e o padre jesuíta Manuel (VILLALTA, 1997, p. 365).

Ao estudar todos os inventários de leigos e clérigos existentes no cartório do 2º Ofício da cidade de Mariana, de 1714 a 1822, em um total de 911 documentos, Luiz Villalta localizou bibliotecas em 76 deles, com 1.253 obras, algumas delas repetindo-se com maior ou menor frequência entre um inventário e outro, perfazendo a soma de 2.031 volumes. A maior biblioteca pertencia ao advogado José Pereira Ribeiro, com 211 títulos em 476 volumes (VILLALTA, 2007c, p. 302; 2015, p. 358-359, 376) Paulo Gomes Leite, em estudo específico sobre esta livraria, apontou que seus livros eram em número de 201, distribuídos em 486 volumes (LEITE, 1995, p. 156). Já Álvaro de Araújo Antunes, ao analisar a relação do doutor Ribeiro com sua biblioteca, enquanto proprietário e leitor, indicou-nos que em suas estantes havia 204 títulos dispersos em 476 tomos (ANTUNES, 2004, p. 34).

Independente das discordâncias numéricas, a biblioteca do doutor José Pereira Ribeiro serve-nos para ilustrar outra característica enunciativa derivada do uso dos livros: a de que eles estavam na base das redes de sociabilidade, já que ofereciam “subsídios para aqueles que dominavam ou contestavam a ordem”, inserindo-se em estratégias de poder (VILLALTA, 2015, p. 333). E neste universo relacional, José Pereira Ribeiro é citado nos Autos de Devassa como o possuidor e o responsável por ter trazido para as Minas Gerais dois livros proibidos pela censura régia: o Recueil e a Histoire philosophique et politique des établissemens et du commerce des européens dans les deux Indes [“História filosófica e política dos estabelecimentos e do comércio dos europeus nas duas Índias”], de Guillaume Thomas François Raynal, conhecido por abade Raynal.

Quando foi realizado o seu inventário, em 1798, a obra de Raynal estava emprestada ao inconfidente Domingos Vidal de Barbosa Laje, e as leis norte-americanas ao cônego Luís Vieira da Silva. Pela presença destes dois textos em sua biblioteca e por eles serem constantemente referenciados pelos sediciosos em contextos de crítica ao colonialismo português, Paulo Gomes Leite atribuiu a essa biblioteca o epíteto de o mais importante “suporte ideológico da Inconfidência Mineira” (LEITE, 1995, p. 156, 158, 162).

No universo da segunda metade do século XVIII, os inconfidentes protagonizaram uma boemia literária e esta, saindo dos círculos puramente literários e em confluência entre as ideias iluministas europeias e as tradições luso-brasileiras, tornou-se, aos poucos, explicitamente política e subversiva, convertendo-se em Inconfidência. De sua existência, Villalta, já tantas vezes citado, lembrou que os conjurados traziam obras proibidas do exterior, que permutavam livros e traduções de textos e discutiam as ideias apontadas nos livros (VILLALTA, 2015, p. 471-480).

Tais livros, ainda de acordo com ele, chegavam às mãos dos mineiros por intermédio de livreiros, da compra de espólios arrematados em leilão e de brasileiros que regressavam de estudos na Europa, trazendo em suas bagagens compêndios literários ilustrados que procuravam divulgar e integrar-se às correntes modernas dos conhecimentos filosóficos, científicos, literários e revolucionários que pretendiam a quebra dos laços coloniais (VILLALTA, 2015, p. 480-500).

Em suas reuniões, além de poesias, os revoltosos discutiam a situação política e econômica da capitania de Minas Gerais, mirando-se no exemplo da bem-sucedida independência das Treze Colônias Inglesas da América do Norte, que conheceram por meio de escritos publicados em francês e em inglês. Apesar de a posse de livros não ser disseminada, sua circulação e seu uso eram intensos.

A repercussão dos livros sobre os inconfidentes e o seu grau de inventividade, enquanto leitores, evidenciam-se quando se analisam aspectos que vão de pontos mais estritamente literários, como menções a realização de traduções, a empréstimos de livros e a leituras, até elementos que remetem claramente ao próprio movimento insurreto.

Naqueles círculos de sociabilidade, as obras eram lidas não apenas por aqueles que as compravam, mas também pelos seus familiares e amigos, pela prática corrente do empréstimo. O magistrado Alvarenga Peixoto revelou a boemia literária dos encontros realizados na casa de Francisco de Paula Freire de Andrada: local onde ocorreram as mais significativas e acaloradas discussões sediciosas em Vila Rica. Nas suas inquirições, mencionou que frequentava aquela residência para conversar, “rir um pouco”, “entregar um livro” e “tirar outro de sua livraria” para ler (AUTOS..., 1982, v. 5, p. 118-120; VILLALTA, 2015, p. 473). Já o médico Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, recém-chegado naquela localidade, visitou o alferes Tiradentes para pedir-lhe um dicionário de francês de que carecia (AUTOS..., 1978, v. 2, p. 218).

Nos Autos originais do Sequestro empreendido contra os bens do cônego Luís Vieira da Silva há menção a obras arroladas naquele confisco que não lhe pertenciam, o que provocou reclamações como a feita pelo Intendente do Ouro de Vila Rica, desembargador Francisco Gregório Pires Bandeira, que, em 1790, solicitou a devolução de três de seus livros que estavam emprestados àquele religioso: a Istoria civile del regno di Napoli, de Pietro Giannone, e dois títulos do filósofo francês abade Gabriel Bonnot de Mably - Observations sur le gouvernement de les États Unis de l’Amerique e De l’étude de l’histoire, à Monseigneur le prince de Parme. Situação inversa também ocorreu: o religioso emprestou ao dito Bandeira duas obras literárias: um tomo de autoria de Pietro Metastásio e, outro, os Contos morais, de Jean-François Marmontel (INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO, 1803, DL 70.11, fl. 11).

Além dos empréstimos, de terceiros e realizados entre os inconfidentes, outra prática cotidiana que o livro se prestava era proporcionar reuniões de leitura e discussões coletivas. Ainda na casa do dito tenente-coronel Francisco de Paula, em um dos conventículos ali realizados, Tomás Antônio Gonzaga encontrou-se com o padre Carlos Correia de Toledo, o alferes Tiradentes e Alvarenga Peixoto para conversarem, de acordo com suas palavras, sobre “humanidades”. Nessa ocasião, de acordo com a fala de Gonzaga, Alvarenga utilizou-se da palavra para proclamar “umas oitavas feitas ao batizado de um filho do Excelentíssimo Dom Rodrigo [José de Meneses]”, o seu famoso poema Canto genetlíaco, e eles examinaram alguns livros do anfitrião, dentre os quais “se achava um” que fazia referência ao poeta, profeta messianista e “sapateiro Bandarra” (Gonçalo Annes Bandarra) (AUTOS..., 1982, v. 5, p. 223; VILLALTA, 2015, p. 473).

Estes exemplos ilustram alguns dos usos que se podem atribuir aos livros, como fontes de conhecimento das principais ideias que circulavam na Europa e na América do Norte, principalmente escritas nos idiomas francês e inglês, ou como objetos de ornamentação, símbolos de poder e sociabilidades, por meio de permutas, empréstimos e discussões em reuniões privadas.

Práticas de leitura e condutas políticas e sediciosas

O Auto de um Sequestro evidencia o rol de livros apreendidos a uma pessoa, mas não, necessariamente, nos permite afirmar que uma determinada obra daquele conjunto bibliográfico foi lida ou teve as suas ideias compreendidas pelo titular da livraria confiscada.

Para conhecer se determinada obra foi lida ou que parte significativa dela foi assimilada, não se faz necessário que haja referência nominal explícita a ela. Citações em poemas, obras, sermões, depoimentos ou no conversar do dia a dia podem revelar que houve algum contato com uma obra ou maneira de pensar de um autor (SOUZA, 2008, p. 65).

Em contextos específicos da devassa, vários depoentes relataram proposições que acreditavam, tendo-se por base ideias, autores ou livros que leram ou conheceram, direta ou indiretamente. Naquele ambiente, possivelmente, ninguém reproduziria as concepções de autores sem que com elas tivesse concordância e que esteja convencido de sua verdade. Se houvesse divergência, a referência seria negativa, para deixar claro o dissentimento (SOUZA, 2008, p. 65-66).

Utilizando-se dos mais variados recursos linguísticos, os inquiridos deixaram transparecer em seus depoimentos citações de leituras e autores que acreditavam. Exemplo disso, ocorreu com o padre Carlos Correia de Toledo, que disse em seu depoimento, de 4 de fevereiro de 1790, que

[...] ouviu dizer a Francisco Antônio de Oliveira Lopes que havia um livro de um autor francês, que estava na mão de um doutor na cidade de Mariana, o qual no fim trazia o modo de se fazerem os levantes, que era cortando a cabeça ao governador e fazendo uma fala ao povo e repetida por um sujeito erudito, e que este livro tinha sido mandado queimar por Sua Majestade (AUTOS..., 1982, v. 5, p. 149-150).

Apesar de as informações transmitidas pelo padre Toledo não condizerem perfeitamente com os ensinamentos do abade Raynal, já que ele não desenvolveu detalhes tão concretos sobre a maneira “de se fazerem os levantes”, a citação permite compreender como o seu livro, Histoire philosophique [...] dans les deux Indes (título resumido), informado indiretamente, impregnou o imaginário dos inconfidentes e dos seus inquiridores. Se o padre Toledo não consentisse com aquele texto, por que se prestaria a memorizar a essência do conteúdo daquele livro?

Em seu depoimento à devassa, datado de 16 de novembro de 1789, o tenente-coronel Francisco de Paula contou que em sua casa o alferes Tiradentes, Alvarenga Peixoto, padre Toledo e padre Rolim elogiaram o abade Raynal como um “escritor de grandes vistas, porque prognosticou o levantamento da América setentrional” (AUTOS..., 1982, v. 5, p. 173).

Como se observa, o padre Toledo admirava e concordava com as ideias de Raynal, indicando-nos a existência de práticas de leitura nos cenáculos literários de Vila Rica. Como ele, outros sediciosos também se interessavam pelos livros que apresentavam discussões sobre a independência da América inglesa. Um deles foi o alferes Tiradentes, que andava “buscando pelas livrarias uns livros que tratavam do levante dos ingleses”, conforme declaração concedida pelo padre José Lopes de Oliveira, em Vila Rica, aos 30 dias do mês de junho de 1789 (AUTOS..., 1976, v. 1, p. 206).

O testemunho prestado por Francisco Xavier Machado, porta-estandarte do Regimento de Cavalaria Paga de Vila Rica, ao falar sobre o alferes Tiradentes, transmitiu informações sobre a sua intensa atividade livresca, suas práticas discursivas e as estratégias que utilizava na exposição das principais ideias revolucionárias, assim como a repercussão que os livros causavam sob os inconfidentes e o seu grau de inventividade. Segundo ele,

[...] sempre lhe ouvia ao dito Joaquim José exagerar a beleza, fertilidade e riqueza do país de Minas Gerais, e que por estes motivos podia bem ficar independente assim como fez a América Inglesa; ao que ele testemunha [o porta-estandarte] lhe respondia falando, naturalmente, que tal nunca poderia suceder, porque Minas não tinha força para se conservar, nem marinha para se defender, como tinha a América Inglesa; [...] e que passados alguns dias, o mesmo Alferes fora a casa dele testemunha e lhe mostrara um livro escrito em francês, pedindo-lhe que lhe quisesse traduzir um capítulo dele, que vinha a ser o dito livro em francês A Coleção das Leis Constitutivas dos Estados Unidos da América, e o capítulo que apontava vinha a ser a seção oitava, sobre a forma da eleição do conselho privado, por cujo conteúdo ser invulgar ao dito Alferes, ele, testemunha, traduziu; o qual, depois, folheou muito o mesmo livro e como quem queria achar outro lugar, deixando-lhe ficar o mesmo livro [...] Também sabe ele, testemunha, que o mesmo Alferes procurou naquela cidade [Vila Rica] ao Sargento-Mor Simão Pires Sardinha, levando-lhe uns livros ingleses para lhe traduzir certos lugares que também diziam respeito a coisas da América (AUTOS..., 1976, v. 1, p. 189-190).

Ainda que longo, o excerto é esclarecedor e revela, de antemão, que embora a influência intelectual sobre os conspiradores mineiros fosse de matriz francesa (e o livro do abade Raynal é exemplar nisto, sendo o mais citado nos Autos de Devassa), o espelho que procuravam para a prática revolucionária vinha do exemplo da bem-sucedida revolução norte-americana de 1776. Apesar das ideias libertárias estadunidenses serem originalmente francesas, o Recueil, ou a “Coleção das Leis Constitutivas dos Estados Unidos da América”, a principal coletânea dos documentos constitucionais fundadores dos Estados Unidos, era o principal veículo de informação sobre o republicanismo norte-americano para os inconfidentes mineiros (JARDIM, 1989, p. 44; FURTADO; STARLING, 2013, p. 107-132; FRIEIRO, 1981, p. 39-41).

O depoimento ilustra, ademais, a estratégia do alferes Tiradentes de pedir a uns e a outros que lhe traduzissem capítulos das leis norte-americanas, publicadas em francês no Recueil. Com isso, as pessoas entravam em contato com a propaganda revolucionária, pois ali estão descritas as ideias fundamentais de liberdade adotadas pelas colônias inglesas.

O relato de Francisco Xavier também nos esclarece que as obras, além de lidas e interpretadas, tinham suas ideias transmitidas de maneira oral, veiculadas pelas conversas. As pessoas são acusadas de falarem umas com as outras e, nessas redes de sociabilidade, exteriorizarem concepções consideradas subversivas. Se no mundo dos letrados, as ideias sediciosas eram discutidas nos círculos privados de Vila Rica; Tiradentes, pelo seu ativismo, passou a divulgá-las nos espaços públicos, como tavernas, prostíbulos e pelos caminhos que cruzavam Minas Gerais de alto a baixo. A boemia literária proliferou-se nos mais diversos estratos sociais. Os livros, principalmente aqueles que propiciaram aos mineiros manter contato com o que havia de mais sofisticado e subversivo na época, ajudavam nas discussões e na leitura crítica da conjuntura sociopolítica e econômica que acometiam as Minas Gerais da segunda metade do século XVIII e, mesmo, sobre os possíveis horizontes a serem seguidos após a concretização do levante. Liam, por exemplo, que a opressão fiscal sobre as Treze Colônias Inglesas foi o estopim para a eclosão do processo independentista nas terras da América do Norte. Aqui, sua reinterpretação motivou desejos de libertação da opressão colonial, do rompimento de laços com Portugal. Isto, aliás, em estreita relação com o pensamento do Iluminismo.

Nas bibliotecas sequestradas aos inconfidentes abundavam obras de conteúdo iluminista, sendo muitas delas proibidas pela censura régia e pela Igreja. Ali estavam autores como os franceses Montesquieu, abade Mably, Étienne de Condillac, Simon-Nicolas-Henri Linguet e Voltaire (que aparecia praticamente em todas as livrarias), os alemães Bielfeld e Christian Wolff, o holandês Cornelius de Pauw, os escoceses David Hume e William Robertson, o italiano padre Antônio Genuense, o espanhol Benito Feijoo e o português Luís Antônio Verney, entre outros; ao lado da Encyclopédie, de Denis Diderot e Jean le Rond d’Alembert, “máquina de guerra a serviço do espírito crítico e da incredulidade, movida por livres-pensadores que almejavam subverter os fundamentos políticos e religiosos da sociedade” (FRIEIRO, 1981, p. 49).

Ao lado dessas obras de conteúdo mais “radical”, encontravam-se também textos que ensinavam a doutrina e os dogmas da fé e que expunham apreços à Antiguidade clássica, à história universal, às ciências, ao direito e à literatura, com os melhores clássicos franceses e portugueses.

Como observado, e sem nos determos especificamente naqueles temas e nos livros que se podem descrever dentro de cada um destes assuntos, o espírito do inconformismo e de críticas ao sistema político e econômico vigentes em Minas Gerais revelou-se, primordialmente, nos depoimentos prestados à devassa da Inconfidência. Nas respostas dos interrogatórios, mostrou-se que as ideias revolucionárias se difundiam por meio da oralidade, a partir da exposição de interpretações aprendidas nos livros que estavam em suas livrarias.

Considerações finais

Os Autos de Sequestro de livros são fontes importantes para se perceber o que havia no interior das bibliotecas privadas apreendidas aos envolvidos na Inconfidência Mineira. Valendo-se deles, é possível estudar a posse e a possível leitura de obras anotadas no momento do escrutínio. Mas, ao lado do puro indicativo de posse desses livros, algumas limitações ao seu uso como fonte de pesquisa foram informadas, e são importantes serem conhecidas para se saber os limites e as possibilidades de uso daqueles documentos como registros históricos, como a omissão nos registros de autores e títulos, anotações truncadas, subtração e erros de transcrição e inexatidão na quantidade de livros arrolados no inventário livresco. Neste ponto, aliás, a consulta aos volumes originais de sequestro faz-se fundamental, pois ali se encontram os números finais e a destinação que tiveram algumas daquelas obras apreendidas.

O uso dos livros também foi lembrado ao se comentar a boemia literária e a sua intersecção com as ideias revolucionárias que circulavam na Europa e na América do Norte, condicionando possíveis condutas políticas e sediciosas, difundidas sob dois suportes: os livros e a linguagem oral. Portanto, graças às devassas e aos sequestros de bens, tomamos conhecimento da posse e da circulação de livros, bem como das ideias dos movimentos políticos.

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Notas

  • 1
    Entre os planos dos inconfidentes havia a hipótese de se decapitar o governador capitão-general Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, o visconde de Barbacena, e pessoas fiéis à monarquia portuguesa, como o ouvidor de Vila Rica, Pedro José de Araújo, o escrivão da Junta da Real Fazenda, Carlos José da Silva, e o ajudante de ordens do governador, Antônio Xavier de Resende; conforme testemunha José de Resende Costa em sua inquirição. Os sediciosos, portanto, por aventarem tais ideais, cometeram traição (AUTOS..., 1976, v. 1, p. 258). Em outro depoimento, ainda como testemunha, Resende Costa comentou que “o primeiro passo desta conjuração e motim era cortar-se a cabeça ao Ilmo. e Exmo. Visconde de Barbacena, [...] e ao Cel. Carlos José da Silva” (AUTOS..., 1981, v. 4, p. 206).
  • 2
    Os Autos de Devassa da Inconfidência Mineira foram publicados pela primeira vez entre 1860 e 1874 na Revista do Arquivo Público do Rio de Janeiro. A segunda edição saiu impressa sob os auspícios do Ministério da Educação em 1938. A edição mais recente e que contempla praticamente toda a documentação paralela sobre o movimento insurreto mineiro foi publicada entre 1976 a 1983 pelo Governo do Estado de Minas Gerais e pela Câmara dos Deputados, em edição da Imprensa Oficial de Minas, em 10 volumes. Um volume complementar a esta edição – o décimo primeiro –, com a apresentação de novos documentos e a republicação de outros de forma mais completa foi impresso em 2001, sob o patrocínio do Museu da Inconfidência.
  • 3
    . SEQÜESTRO dos bens do cônego Luiz Vieira da Silva. Revista Trimestral do Instituto Histórico, tomo 64, v. 103, p. 159-160, 1901.
  • 4
    A obra O diabo na livraria do cônego foi impressa pela primeira vez em 1945, em Belo Horizonte, pela Livraria Cultura Brasileira. Em 1957, foi reimpressa com acréscimos e notas pela editora Itatiaia, também de Belo Horizonte. Esta casa publicadora, em parceira com a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), lançou sua segunda edição em 1981. Com constância, observa-se o ano de 1957 como sendo o de aparecimento deste livro (VILLALTA, 2007b, p. 249; ANTUNES, 2009, p. 256).
  • 5
    Para que isto se realizasse, foram fundamentais como suportes teóricos e analíticos os apontamentos de Daniel Mornet (Les origines intellectualles de la Révolucion Française), Robert Darnton (Boemia literária e revolução: os submundos das letras no Antigo Regime; O beijo de Lamourette: mídia, cultura e evolução; Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária; entre outros) e Roger Chartier (Leituras e leitores na França do Antigo Regime; As origens culturais da Revolução Francesa; A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre o séculos XIV e XVIII; entre outros). Já para o período colonial brasileiro, muito se deve, de acordo com Luiz Carlos Villalta, aos trabalhos pioneiros de Alcântara Machado (Vida e morte do bandeirante, de 1929), que evidenciou o livro como elemento da vida cotidiana, apesar de “mesquinhas em quantidade e qualidade as bibliotecas particulares” encontradas nos inventários paulistas compulsados de 1578 a 1700; de Carlos Rizzini (O livro, o jornal e a tipografia no Brasil, de 1946), que mostrou o circuito de comunicação que vai da produção do livro e dos jornais até as academias literárias, passando pela censura e pela educação; de Luis Henrique Dias Tavares (Introdução ao estudo das idéias do movimento revolucionário de 1798, de 1959) e de Kátia de Queirós Mattoso (Presença francesa no movimento democrático baiano de 1978, de 1969), que buscaram compreender as origens das ideias presentes na Inconfidência Baiana de 1798; além de Rubens Borba de Moraes (Livros e bibliotecas no Brasil colonial, de 1979), que com análises detidas de bibliotecas institucionais, como as relacionadas com entidades eclesiásticas – jesuítas e outras ordens religiosas – ou de acesso público no Rio de Janeiro (Biblioteca Real) ou na Bahia (Biblioteca Pública), permitiu conhecer as obras que havia nas ditas entidades, a censura, o circuito livreiro e as tipografias coloniais; entre outros (VILLALTA, 2007b, p. 249).
  • 6
    Apenas para o período colonial brasileiro, temos, por exemplo, as pesquisas realizadas por Júnia Ferreira Furtado (O livro da capa verde: o regimento diamantino de 1711 e a vida no Distrito Diamantino no período da Real Extração), que, em meio à análise que empreendeu sobre a vida cotidiana na região dos diamantes mineiros de 1772 a 1808, encontrou livros nos inventários estudados; Leila Mezan Algranti (“Os livros de devoção e a religião perfeita: normatização e práticas religiosas nos recolhimentos femininos no Brasil colonial” – capítulo constante na obra Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz, organizado por Maria Beatriz Nizza da Silva; Livros de devoção, atos de censura: ensaios de história do livro e da leitura na América portuguesa, 1750-1821) discute a posse, a leitura e a circulação de livros de devoção existentes nas bibliotecas de conventos e recolhimentos femininos na América portuguesa, explorando assuntos como o sistema de censura e os significados das práticas de leitura de livros religiosos; Álvaro de Araújo Antunes (Espelho de cem faces: o universo relacional de um advogado setecentista; sua tese de doutorado ‘Fiat justitia’: os advogados e a prática da justiça em Minas Gerais, 1750-1808; “Os ânimos e a posse de livros em Minas Gerais, 1750-1808” – constante na coletânea O império por escrito: formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico, organizado por Leila Algranti e Ana Paula Megiani) discorre sobre as bibliotecas de advogados que atuavam na cidade de Mariana, em Minas Gerais, no final do século XVIII, procurando compreender a relação entre a posse de livros e suas práticas profissionais; Thábata Araújo de Alvarenga (Homens e livros em Vila Rica: 1750-1800, dissertação de mestrado, de 2003) reconstituiu, por meio de informações extraídas das bibliotecas particulares existentes em Vila Rica, de 1750 a 1800, as práticas sociais que envolveram a posse de livros naquela época, que tinha um sentido eminentemente prático aos seus leitores; Maria Aparecida de Menezes Borrego (A teia mercantil: negócios e poderes em São Paulo colonial, 1711-1765; “Entre fazendas da loja e os trastes da casa: os livros de agentes mercantis em São Paulo setecentista” – constante na coletânea O império por escrito: formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico, organizado por Leila Algranti e Ana Paula Megiani) demonstra a existência de vários livros arrolados nos inventários consultados para São Paulo, testemunhando a existência de um público leitor, ainda que modesto, em um momento em que as práticas mercantis e usuárias de comerciantes que articulavam a cidade de São Paulo a outras regiões da América portuguesa, inserindo-a em redes de negócios que conectavam interesses também nos dois lados do oceano Atlântico. Além destes autores, entre vários outros que ainda poderíamos citar para o período colonial, é digno de referência as pesquisas – mesmo para um momento cronológico superior – de Maria Beatriz Nizza da Silva (os artigos “Livro e sociedade no Rio de Janeiro: 1808-1821”; “Uma biblioteca científica brasileira no início do século XIX”; “Os livreiros de Lisboa e o comércio de livros com o Brasil”; Cultura e sociedade no Rio de Janeiro: 1808-1821) (VILLALTA, 2007b, p. 249-250).
  • 7
    Em um segundo momento, no instante em que foram avaliados os seus bens, os livros, que antes foram apenas informados numericamente, passaram a ser descritos detalhadamente, com dados sobre o autor, a obra, seu estado de conservação e formato (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 347-350).
  • 8
    Roger Chartier nos ensina que em “meios populares” se encontram materiais impressos com “pluralidade de usos”, com o pormenor de que, em muitos casos, eles nem sempre são livros, ou não o são muitas vezes (CHARTIER, 1990, p. 155).
  • 9
    Detalhes sobre a normatização dos registros de sequestro podem ser lidos em Rodrigues (2010a, p. 51-64). Não é objetivo fazê-lo aqui.
  • 10
    Márcia Abreu (1999, p. 227-228; 232 – nota 30), ao analisar os livros de belas letras importados de Lisboa por comerciantes sediados no Rio de Janeiro, de 1769 a 1822, constatou que Seletas latinas ocupava o segundo lugar entre as obras mais solicitadas e As aventuras de Telêmaco, o primeiro. Esta obra, aliás, também se encontra entre os livros apreendidos a José de Resende Costa (AUTOS..., 1982, v. 6, p. 428).
  • 11
    Quando José de Resende Costa filho foi preso e remetido para cadeia no Rio de Janeiro levou consigo roupas que naquele instante não lhe foram sequestradas: seis camisas, um fraque e calção, três ceroulas, um par de meias e um par de sapatos. Estes são os únicos bens citados nos Autos de Sequestro pertencentes ao jovem Resende Costa (ANRJ/ADIM-C5, v. 7, doc. 14, fl. 5).
  • 12
    A historiografia a que nos referimos é composta por: Burns (1964, p. 432), Villalta (1994, p. 202-203), Pinto (1992, p. 65; 2014, p. 77).
  • 13
    Luiz Villalta (2015, p. 327) lembra-nos que a aparência do livro de algum modo poderia assumir relevância aos olhos do leitor, “construindo nesse uma certa ideia favorável do conteúdo”. A partir do exemplo citado por ele, observa-se isto em versos constantes no poema satírico Cartas chilenas, do poeta Tomás Antônio Gonzaga, quando já em sua Carta 1ª, em que descreve, utilizando-se de alguns acontecimentos e sinais visíveis daquele período, por meio de uma série de convenções retóricas, a chegada de Dom Luís da Cunha e Meneses para assumir o governo da capitania de Minas Gerais de 1783 a 1788, sob a figura do personagem Fanfarrão Minésio. Em certo trecho, lê-se: “Que o gesto, mais o traje nas pessoas / Faz o mesmo, que fazem os letreiros / Nas frentes enfeitadas dos livrinhos, / Que dão, do que eles tratam, boa ideia” (GONZAGA, 1995, p. 52).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2017
  • Aceito
    22 Jul 2017
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