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VOZES FEMININAS NA LUTA ANTISSALAZARISTA: envolvimento de portuguesas e brasileiras (São Paulo, 1950-1970)

Female voices in the antissalazarista resistance: involvement of Portuguese and Brazilian women (São Paulo, 1950-1970)

RESUMO

Nas décadas de 1950 e 1960, entre os portugueses chegados a São Paulo destacou-se um grupo de exilados que buscou organizar a resistência ao governo salazarista. Esta investigação pretende uma contribuição para o estudo do protagonismo feminino nas ações e lutas de oposição ao salazarismo, evidenciando as ações de duas mulheres: Maria Archer e Arajaryr Campos. Para enfrentar tal desafio, a pesquisa valorizou uma diversidade de fontes e referências: a documentação do DEOPS/SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), cartas, diários, livros de memória, entrevistas, imprensa, priorizando o periódico Portugal Democrático.

Palavras-chave:
Maria Archer; Arajaryr Campos; antissalazarismo; Humberto Delgado; Portugal Democrático.

ABSTRACT

In the 1950s and 1960s, between the portuguese arrived in São Paulo distinguished a group of exiles, who sought to organize the antissalazarista resistance. This investigation intends a contribution to the study of women's protagonism in the actions and opposition struggles to Salazar, highlighting the actions of two women: Maria Archer and Arajaryr Campos. The research emphasized a variety of sources and references: the documentation DEOPS/SP (State Department of Political and Social Order), letters, diaries, memory books, interviews, press, prioritizing Portugal Democrático journal.

Keywords:
Maria Archer; Arajaryr Campos; antissalazarismo; Humberto Delgado; Portugal Democrático journal.

Nas décadas de 1950 e 1960, entre os portugueses chegados a São Paulo destacou-se um grupo de pessoas que, no exílio, buscou organizar a resistência ao governo salazarista. Esta investigação pretende contribuir para o estudo do protagonismo feminino nas ações e lutas de oposição ao salazarismo, dando relevância às ações de duas mulheres: Maria Archer e Arajaryr Campos.

Para enfrentar tal desafio, a pesquisa valorizou uma diversidade de fontes e referências: a documentação do DEOPS/SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), cartas, diários, livros de memória, entrevistas, imprensa, priorizando o periódico Portugal Democrático.

Deslocamentos: saídas

Em Portugal, a República foi instaurada em 1910, num momento de instabilidade política, crise econômica e social. Terminada a I Grande Guerra (1914-1918), as dificuldades foram agravadas com a alta dos preços, desemprego e miséria no campo - o que desencadeou descontentamento, lutas e reivindicações -, bem como o crescimento das organizações operárias e sindicais e a fundação do Partido Comunista Português (PCP) em 1921. Disputas políticas, crise econômica, déficits econômicos, manifestações de trabalhadores geraram golpes e contragolpes, levando os militares ao poder (1926) (MAXWELL, 2006MAXWELL, Kenneth. O Império derrotado: revolução e democracia em Portugal. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.). Esses contextos de tensões dinamizaram novos fluxos de saídas, inclusive o exílio de opositores ao regime (1927-1928).

Com a ascensão do General Carmona (1928), foi nomeado para a pasta das finanças Antônio de Oliveira Salazar, posteriormente apontado para a Presidência do Conselho de Ministros. Em 1932, ele encabeçou a elaboração da Constituição do Estado Novo, implantado em 1933-1934, que se caracterizou como um governo corporativo, forte e intervencionista, com leis trabalhistas e proibição de greves, cultivando alianças com a Igreja Católica, constituindo-se num regime autoritário católico. Sua gestão era resistente às mudanças econômicas, confinando Portugal a padrões tradicionais e centrados nas atividades agrícolas, com uma política econômica avessa à industrialização, considerada a causa dos conflitos de classe (SECCO, 2004SECCO, Lincoln. A Revolução dos Cravos e a crise do império colonial português. São Paulo: Ed. Alameda, 2004.; PINTO, 1994PINTO, Antonio Costa. Os Camisas Azuis: ideologia, elites e movimentos fascistas em Portugal- 1914-45. Lisboa: Editorial Estampa , 1994.; TORGAL, 2009TORGAL, Luís Reis. Estados Novos, Estado Novo. 2. ed. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009. 2v.; MATTOSO, 1998MATTOSO, José. O Estado Novo. In: ROSAS, Fernando (coord.). História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p. 468-476.).

As ações de oposição e resistência ao salazarismo foram permanentemente sufocadas, tais como o Levante Operário (1934), a Revolta dos Marinheiros ou Motim dos Barcos do Tejo (1936) e o Movimento de Unidade Democrática (1945-1948). A repressão às oposições era mantida por meio da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e de outros órgãos, bem como de um sistema de estímulo às delações.

Durante a Guerra Fria, o Partido Comunista Português (PCP, na clandestinidade desde 1929) foi particularmente atingido, crescendo as tensões e as ações repressivas do regime a outros opositores. Estes conflitos se agudizaram em torno das eleições para a Assembleia e a Presidência (1957-1958), com a coligação das oposições em torno da candidatura do general Humberto Delgado. A campanha do general tinha como plataforma a restauração das liberdades, a anistia aos presos políticos e a organização de partidos. Ele angariou adeptos e popularidade. Dessa forma, o resultado das eleições surpreendeu com 76% dos votos para o candidato da situação, Américo Tomás.

A fraude eleitoral foi prontamente denunciada; contudo, o governo revidou anunciando aumento salarial para os funcionários públicos, concessão de créditos para a agricultura e a indústria e criação do Banco do Fomento. Paralelamente, desencadeou a repressão com novas ações da PIDE, prisão de vários oposicionistas, enquanto outros eram inviabilizados de manter suas atividades profissionais e políticas, optando pelo exílio.

Apesar da coerção às ações e articulações da oposição, cabe mencionar a "Operação Dulcineia" (1961), encabeçada pelo capitão Henrique Galvão que se apoderou do navio Santa Maria, no Mar do Caribe, com o objetivo de, partindo do Golfo da Guiné, instalar-se em Luanda, uma base de apoio, para, posteriormente, dirigir-se a Portugal. A Marinha norte-americana apreendeu o Santa Maria e, depois de negociações complexas e enfrentando o governo português, conseguiu asilo político no Brasil para todos os envolvidos (MATTOSO, 1998MATTOSO, José. O Estado Novo. In: ROSAS, Fernando (coord.). História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p. 468-476.).

Nos anos 1960-1970, a situação socioeconômica em Portugal mantinha-se com poucas perspectivas; a crise econômica, particularmente a agrícola, assolava o país, gerando carência de alimentos e declínio da produção nos campos. As saídas continuavam a ser a válvula de escape, e as remessas enviadas pelos imigrantes amenizavam as carências (MATTOSO, 1998MATTOSO, José. O Estado Novo. In: ROSAS, Fernando (coord.). História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p. 468-476.; MAXWELL, 2006MAXWELL, Kenneth. O Império derrotado: revolução e democracia em Portugal. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.; SECCO, 2004SECCO, Lincoln. A Revolução dos Cravos e a crise do império colonial português. São Paulo: Ed. Alameda, 2004.; PAULO, 2000PAULO, Heloisa. Aqui também é Portugal: a Colônia Portuguesa do Brasil e o Salazarismo. Coimbra: Quarteto, 2000.; SILVA, 2006SILVA, Douglas Mansur da. A oposição ao Estado Novo no exílio brasileiro 1956-1974. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2006.; OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Fábio R. Trajetórias intelectuais no exílio: Adolfo Casais Monteiro, Jorge de Sena e Vítor Ramos (1954-1974). 2010. 267 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.; RAMOS, 2004RAMOS, Ubirajara Bernini. Portugal Democrático: um jornal de resistência ao salazarismo publicado no Brasil. 2004. 205 f. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004.; MATOS, 2013MATOS, M. Izilda S. Portugueses: deslocamentos, experiências e cotidiano - São Paulo nos séculos XIX e XX. Bauru: EDUSC, 2013.).

Os descontentamentos frente ao regime se generalizavam e as resistências cresciam, articulando diferentes setores médios, estudantes, movimentos operários e oposicionistas (dentro e fora do país). Ampliavam-se os desagrados, especificamente devido às guerras coloniais na África, gerando insubordinação inclusive entre os oficiais. O regime mantinha-se indiferente à questão, apesar de todos os alertas da impossibilidade de continuidade desses conflitos. As articulações políticas da oposição culminaram na Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, conduzida pelos oficiais intermédios do Movimento das Forças Armadas (MFA), cujo programa proposto visava ao fim da guerra na África e à criação de um regime democrático e pluralista em Portugal.

Deslocamentos: sociedade de acolhimento São Paulo

Apesar de espalhado por todo o Brasil, os lusitanos estavam prioritariamente agrupados nos núcleos urbanos. Depois do Rio de Janeiro, São Paulo era a cidade de maior concentração de portugueses, tornando-se o principal polo de atração devido às novas perspectivas geradas pelo crescimento econômico e industrial. Os lusos se constituíram num grupo social e economicamente diversificado, desde abastados industriais e comerciantes (os comendadores) até trabalhadores, envolvidos em funções variadas na indústria, comércio, pequenos negócios, serviços e atividades domésticas.

A partir dos anos 1950 ocorreu nova retomada do fluxo de imigrantes portugueses, particularmente depois da assinatura do Tratado de Amizade e Consulta (1953), que também possibilitou a expansão das ações comerciais e financeiras entre os dois países. Muitos vieram na busca de novas oportunidades profissionais, outros escapando das dificuldades da vida no campo e do serviço militar obrigatório, também fugindo das tensões/perseguições políticas.

Situações-limite, conflitos e repressões políticas geraram a necessidade de deslocamentos de exilados e refugiados. No caso português, as perseguições políticas produziram ondas de exílios em 1926-1927, acentuando-se depois com a implantação do Estado Novo (1933). Pode-se destacar entre os motivos dessas saídas a falta de perspectivas profissionais, as exclusões (muito comuns nas carreiras universitárias e públicas), a censura (de artistas, jornalistas e escritores), as situações de medo e insegurança.1 1 Observando os diferentes momentos políticos e a constituição das oposições ao regime português, pode-se melhor caracterizar os fluxos de exílios. Inicialmente, identifica-se uma leva nos anos 1920-1930, envolvendo os que atuaram na oposição e levantes contra o sistema estabelecido (1927-1928 e 1931): eram na maioria republicanos e democratas; alguns, depois de passagem pela Espanha, exilaram-se na França e na sequência no Brasil. Dentro dessa primeira leva encontra-se João Sarmento Pimentel e Jaime Cortesão. Já entre 1940-1956, intelectuais e políticos em tensão com o regime salazarista exilaram-se majoritariamente no Brasil. A dinâmica oposicionista e o agravamento da repressão depois de 1957-1958 geraram novos fluxos que levaram diferentes quadros políticos e de opção ideológica diversa a saírem, tendo o Brasil como um dos destinos. Entre 1965-1974, percebe-se que o aumento das saídas esteve associado às guerras coloniais, ao movimento estudantil e à emergência de novos grupos políticos. Além do Brasil, cresceram os fluxos para áreas mais próximas á Portugal como Marrocos e Argélia, França, Alemanha, Bélgica, Suécia, Itália e, em menor frequência, para Romênia, URSS, Canadá e USA. As escolhas por esses destinos se vinculam às diferenças de opções políticas, articulações nas sociedades de acolhimento e nível de projeção dos agentes envolvidos (MARTINS, 2005b).

O final da Segunda Guerra coincidiu com o retorno dos governos democráticos no Brasil e também com mudanças na legislação internacional (com a extensão do "asilo político"),2 2 O asilo político é concedido ao estrangeiro que se sente perseguido ou em situação de insegurança em seu país. O refúgio possui o objetivo de proteger o estrangeiro que por motivos religiosos, étnico-raciais ou políticos passam por perigo de vida em seu país. O exílio é o estado de estar longe da própria casa, podendo ser voluntário ou forçado. Apesar de particularidades, utiliza-se como sinônimo das categorias banimento, desterro ou degredo; em alguns casos, também refúgio. Em 1960, o Brasil foi o primeiro país do Cone Sul a ratificar o Estatuto dos Refugiados de Genebra (1951, em vigor a partir de 1954). tornando o país uma possibilidade de acolhimento aos opositores do salazarismo. Dessa forma, constituíram-se redes de apoio e recepção (MACDONALD; MACDONALD, 1964McDONALD, J.; McDONALD L. Chain Migration Ethnic Neighborhood Formation and Social Networks. The Milbank Memorial Fund Quartely, v. XLII, n 1, p. 82-97, 1964.; DEVOTO, 1988DEVOTO, Fernando J. Las cadenas migratorias italianas: algunas reflexiones a la luz del caso argentino. Estudios Migratorios Latinoamericanos, CEMLA, Buenos Aires, n. 8, p. 103-123, 1988.), através de partidos (PCP e PCB), grupos profissionais e políticos, envolvendo jornalistas, intelectuais, acadêmicos brasileiros e associações.

Cabe observar que os exilados nas décadas de 1950-1960 se diferenciavam dos que chegaram anteriormente (1927-1933, em sua maioria, de orientação republicana), incorporando comunistas, socialistas, anarquistas, liberais republicanos, e até dissidentes do próprio regime (após as eleições de 1957-1958). Não obstante a diversidade, essa oposição convergia nas plataformas antissalazaristas (PAULO, 2006/2007PAULO, Heloisa. O exílio português no Brasil: os "Budas" e a oposição antissalazarista. Portuguese Studies Review, Trent University, Peterborough, v. 14, n. 2, p. 125-142, 2006/2007., p. 7).

No Brasil, mesmo em períodos considerados democráticos (1945-1964), os aparelhos repressores se mantiveram atuantes, e esses exilados foram acompanhados e controlados pela Polícia Política. Observa-se que as pressões cresceram depois de 1964, o que pode ser detectado nos acervos do DEOPS/SP,3 3 Na pesquisa na documentação do DEOPS, foram localizados cerca de 6.000 prontuários de portugueses. Na análise, podem-se observar duas fases: 1 - 1924 a 1940, que se caracterizou, na maioria, por lusos com baixa ou média instrução, trabalhadores do comércio ou do setor de serviços (ferroviários, motorneiros, pedreiros, pintores etc.); 2 - a partir de 1940, nota-se a presença de indivíduos com maior grau de instrução (professores universitários, profissionais liberais, escritores, jornalistas, artistas plásticos e de teatro e políticos) e vinculados às resistências ao salazarismo. através dos dossiês dos membros do Portugal Democrático.

Ministério do Exército, nos envia relatório de informações, sobre investigações procedidas na Universidade de São Paulo, ocasião em que vinham sendo constatados movimentos "comunistas", com a participação de alunos e professores daquele e de outros estabelecimentos de ensino, constando em um de seus tópicos, a participação do professor "comunista" VÍTOR RAMOS da Faculdade de Assis, o qual mantinha ligações com o professor BARRADAS DE CARVALHO, de nacionalidade portuguesa que na oportunidade integrava o dispositivo "comunista" da Universidade de São Paulo (Acervo DEOPS/SP doc. 52z0 (4372), Vitor Ramos).

Deslocamentos e resistências antissalazaristas: Portugal Democrático

Como já destacado, nas décadas de 1950 e 1960, no contingente de portugueses recém-chegados, havia vários antissalazaristas que se articularam em ações de oposição no exílio, inclusive atuando pela imprensa. Numa das salas do Centro Republicano Português de São Paulo funcionou o jornal Portugal Democrático, editado entre 1956 e 1977. Sua periodicidade foi ininterrupta e mensal (depois de 1958), com tiragens de cerca de 3.000 exemplares.

A iniciativa da criação do periódico foi de Vítor de Almeida Ramos e Manuel Ferreira Moura, ambos membros do PCP, que arregimentaram outros compatriotas. No primeiro número (julho de 1956) se esclarecia a plataforma:

A política que pretendemos realizar e a missão que temos a cumprir são, pura e simplesmente, servir o Portugal Democrático com verdade e independência... mostrar aos portugueses que se interessam por Portugal a real situação do país, destacando a cultura portuguesa; mudar a imagem do país, vencer as barreiras da censura, da falta de dinheiro e de apoio, estamos voltados para o futuro, consciente das realidades do presente e orgulhoso das grandezas do passado, aqui têm pois os portugueses do Brasil o seu jornal: o Portugal Democrático (Portugal Democrático, n. 1, 1956).

O grupo agregava uma diversidade de tendências políticas: republicanos, simpatizantes do socialismo e a presença hegemônica de comunistas. Pode-se dizer que as páginas do periódico refletem a pluralidade de perspectivas políticas e partidárias, tendo como plataforma unificadora a oposição ao regime salazarista. No entanto, isso não minimizou a existência de divergências e disputas internas.

Entre os envolvidos no Portugal Democrático encontravam-se intelectuais, escritores, artistas, jornalistas, além de um setor não menos atuante (apesar de mais oculto) de militantes e voluntários, operários, comerciantes, técnicos, vendedores, engenheiros, contadores, agrimensores, torneiros mecânicos, empresários, vidreiros, ceramistas, escriturários, securitários, mecânicos industriais e funcionários.

Na sua trajetória, o periódico enfrentou obstáculos, dificuldades de recursos, de distribuição e canais de acesso aos leitores tanto da comunidade portuguesa como da sociedade brasileira. Estas, entre outras limitações, levaram à suspensão da sua publicação (julho de 1957 a maio de 1958). No entanto, com empenho, o projeto foi reavivado um ano depois com a chegada de um grupo de jornalistas (alguns com experiência no Diário Ilustrado, de Lisboa) que contribuiu para a reorganização do periódico. A esfera editorial passou a contar com os nomes de Adolfo Casais Monteiro, Carlos Maria de Araújo, Fernando Correia da Silva, Fernando Lemos, João Alves das Neves, Jorge de Sena e Paulo de Castro. O periódico também teve a participação de expressivos nomes da cultura e da política do Brasil, ainda autores das colônias portuguesas em África (SILVA, 2006SILVA, Douglas Mansur da. A oposição ao Estado Novo no exílio brasileiro 1956-1974. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2006.).

O periódico buscou constituir um estilo próprio, tanto na estrutura como nos aspectos gráficos: optou por estabelecer editoriais (expressão da opinião da equipe frente a uma temática proposta); separou as sessões opinativas das de informação; agregou comentários de colaboradores, além de outros itens como campanhas e denúncias, divulgação de livros e publicações com temáticas afins. Algumas das colunas fixas merecem menção, como "Opinião insuspeita", de Sarmento Pimentel, e "Obscurantismo Salazarista", de Barradas de Carvalho. Cabe ainda realce a riqueza dos desenhos, charges e caricaturas de Fernando Lemos, que acrescentaram um toque de arte, humor, ironia e colaboraram para aprimorar a qualidade gráfica (RAMOS, 2004RAMOS, Ubirajara Bernini. Portugal Democrático: um jornal de resistência ao salazarismo publicado no Brasil. 2004. 205 f. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004.).

Num primeiro momento, o jornal teve circulação restrita. Porém, gradativamente, articulou diálogos e planos de ação através de toda uma rede de contatos e apoios, que contribuíram para a divulgação e distribuição do periódico em vários estados e núcleos da oposição em outros países (RODRIGUES, 2003RODRIGUES, Miguel Urbano. Portugal Democrático - um jornal revolucionário. In: LEMOS, Fernando; LEITE, Rui Moreira (orgs.). A missão portuguesa: rotas entrecruzadas . São Paulo: Editora da Unesp; Edusc, 2003.).

O Portugal Democrático era censurado em Portugal; entretanto, conseguia furar o cerco rigoroso da PIDE usando várias estratégias: chegando por meio das tripulações dos navios; envolvido em outros jornais; em envelopes com nomes fictícios de associações ou através de outros países, como Canadá, Venezuela, Uruguai, Argentina, USA, Inglaterra e França. Assim, tornou-se o periódico português, publicado no exterior, de maior circulação entre os antissalazaristas exilados.

No cotidiano do processo editorial, a execução das tarefas era partilhada, constituindo um empenho coletivo e, muitas vezes, anônimo. Alguns atuavam na busca de apoio financeiro, outros cuidavam da seleção dos temas - da pauta, dos textos, da redação, do convite aos colaboradores e formadores de opinião; já outros se encarregavam de levar a tipografia, trazer as provas, fazer a correção/revisão/conferência, colaboravam na diagramação, dobragem, remessas/expedição e postagem.

Deslocamentos: denúncias e lutas por um Portugal Democrático

Os mentores do Portugal Democrático se depararam com o discurso "oficial" do salazarismo, difundido junto aos portugueses radicados em São Paulo, neste sentido, inicialmente, a proposta visava conscientizar a comunidade portuguesa e brasileira das ações e práticas do governo salazarista, desmistificando a propaganda oficial, denunciando a violência e métodos de repressão, a situação do ensino e os movimentos de estudantes, além de outras questões gerais da política e economia portuguesa.

Protesto contra todas as mentiras, violências, injustiças, crueldades, extorsões - polícia política, campos de concentração, presos políticos, eleições roubadas, desprezo pela liberdade, indiferença pelos direitos do povo e suas gloriosas tradições de independência - que, por todos os modos, num conto do vigário colossal, tem sido apresentado ao mundo inteiro como uma era de progresso, de fraternidade, de paz e prosperidade em Portugal. De esperança, de certeza mesmo, que tudo quanto infelicitou durante trinta anos a nossa pátria, sem liberdade, sem teto, sem pão para o mísero paisano e seus filhos, está no fim (Portugal Democrático, n. 4, 11/1956).

Várias questões foram abordadas no periódico na sua luta antissalazarista, destacando-se temáticas como os campos de prisioneiros e a luta pela anistia. Outro tema no qual o periódico centrou seus debates foi a Questão Colonial (envolvendo Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé, Príncipe, Timor, Macau, Goa, Damão e Diu, na Índia). A posição majoritária do Portugal Democrático era apoiar os movimentos de independência dos países africanos; porém, internamente, havia opiniões contrárias.

Os membros do Portugal Democrático promoveram várias iniciativas de contestação ao regime português, como: concepção do Comitê dos Intelectuais e Artistas Portugueses Pró-Liberdade de Expressão (1958), efetivação da I Conferência Sul-Americana Pró-Anistia para os Presos e Exilados Políticos da Espanha e Portugal (janeiro de 1960), II Conferência Sul-Americana Pró-Anistia para os Presos e Exilados Políticos da Espanha e Portugal (Montevidéu/1961), Ato Público de Solidariedade aos Trabalhadores e aos Povos de Espanha e Portugal (27 de maio de 1962), debate "42 anos de fascismo em Portugal", na PUC/SP (finais de 1968).

Apesar de uma convergência na oposição ao salazarismo, momentos de tensões e cisões levaram ao afastamento de colaboradores, cabendo pontuar as discordâncias e polêmicas frente às lideranças políticas (Humberto Delgado e Henrique Galvão), a "questão colonial" e a hegemonia do PCP na direção do periódico. Em março de 1963, Adolfo Casais Monteiro, Fernando Correia da Silva, Fernando Lemos, Jorge de Sena, Paulo de Castro e Maria Archer excluíram-se do Conselho de Redação devido ao veto, pelo grupo hegemônico do PCP, a um artigo de Casais Monteiro (RAMOS, 2004RAMOS, Ubirajara Bernini. Portugal Democrático: um jornal de resistência ao salazarismo publicado no Brasil. 2004. 205 f. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004.; SILVA, 2000SILVA, Douglas Mansur da. A ética da resistência: os exilados anti-salazaristas do Portugal Democrático (1956-1974). 2000. 160 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Unicamp, Campinas, 2000.).

Após o golpe civil-militar de 1964, a situação política no Brasil foi alterada e as pressões sobre o jornal se ampliaram, analisaram-se os riscos e cogitou-se sobre o encerramento da publicação. Entretanto, corajosamente, decidiu-se por continuar. O aumento da repressão política e o temor de possíveis trocas de informações entre a PIDE e o DEOPS levaram vários colaboradores, como Casais Monteiro, Jorge de Sena e Victor Ramos, a partirem para novo exílio, nos Estados Unidos.

Novos horizontes foram abertos em Portugal depois de 25 de abril de 1974: a Revolução dos Cravos foi entusiasticamente referenciada pelo periódico, que assumiu a cobertura dos fatos. O jornal tornou-se semanal; entretanto, passou a receber ameaças de atentados a bomba do Comando de Caça aos Comunistas, telefonemas que assustaram os anunciantes no jornal, além do retorno a Portugal de muitos colaboradores.

Em 1977, após dezenove anos de atividade, com 205 números, terminava a publicação do periódico que fora a expressão política dos portugueses antissalazaristas exilados em São Paulo, mantendo-se latente nas memórias não só dos que estiveram envolvidos na sua produção, mas dos seus leitores e membros da comunidade portuguesa.

Deslocamentos, resistências, lutas e escrituras: Maria Archer

Entre os colaboradores do periódico foram identificadas apenas quatro mulheres Maria Archer, Maria Irolinda, Manuela de Gouveia e Maria Antônia Fiadeiro. Contudo, vários depoentes declararam que outras participavam do processo de preparação e distribuição (RODRIGUES, 2003RODRIGUES, Miguel Urbano. Portugal Democrático - um jornal revolucionário. In: LEMOS, Fernando; LEITE, Rui Moreira (orgs.). A missão portuguesa: rotas entrecruzadas . São Paulo: Editora da Unesp; Edusc, 2003.).

Esta análise privilegia a participação da escritora e jornalista Maria Emília Archer Eyrolles Baltazar Moreira. Nascida em Lisboa (1899), ela teve sua trajetória de vida marcada pela vivência em Angola, Guiné-Bissau, Niassa e Moçambique, assim como exilada no Brasil, entre 1955 e 1979. Produziu uma ampla gama de escritos (livros, crônicas, teatro, literatura infantil), palestras, conferências e programas radiofônicos, participou ativamente de ações políticas em várias frentes, particularmente na luta antissalazarista.

Nas décadas de 1930 a 1950 sua produção foi intensa, priorizando a temática feminina intercruzada com as matérias coloniais sobre a África portuguesa.4 4 Era escritora profissional e vivia dos seus escritos. Entre sua vasta produção (algumas obras com várias reedições), destacam-se: Três mulheres (1935), África selvagem (1935), Sertanejos, Singularidades dum país distante, Folclore dos negros do grupo Bantu e Ninho de bárbaros (1936), Angola filme (1937), Colônias piscatórias em Angola, Caleidoscópio africano e Viagem à roda da África, Ida e volta de uma caixa de cigarros (1938), Roteiro do mundo português, Há dois ladrões sem cadastro (1940), Fauno sovina (1941), Memórias da linha de Cascais (1943), Os parques infantis (1943), Ela é apenas mulher (1944 - considerado o seu melhor romance), Aristocratas (1945), Eu e elas, Apontamentos de romancista (1945), A morte veio de madrugada (1946), Casa sem pão (1947), O mal não está em nós e Filosofia duma mulher moderna (1950), Bato às portas da vida (1951), Nada lhe será perdoado (1952), A primeira vítima do Diabo (1954), Herança lusíada (s.d.); e as peças de teatro: Alfacinha, Isso que chamam amor, Numa casa abandonada, O poder do dinheiro, O leilão . Em 1945, filiou-se ao Movimento de Unidade Democrática (MUD), atuando em várias ações e movimentos (eleição do Norton de Matos - 1949, presença no julgamento de Henrique Galvão - 1953), tendo sido vigiada e interrogada pela PIDE. Destacou-se pela presença em círculos literários e culturais, bem como teve obras censuradas e apreendidas durante o governo de Salazar: Ida e volta de uma caixa de cigarros (1938) e Casa sem pão (1947). Em 1956, ela declarou

Vim para o Brasil, tendo chegado dia 15-07-1955, porque já não podia viver em Portugal. A ação da censura asfixiou-me e tirou-me os meios de vida. Apreenderam-me dois livros publicados, assaltaram-me com policiais a casa e levaram-me um original que ainda estava escrevendo, violência inédita em países de civilização europeia (Diário de Notícias, 15 jan. 1956).

Apesar da riqueza da sua obra, nestes escritos a análise estará concentrada na trajetória brasileira, particularmente nas crônicas identificadas no jornal Portugal Democrático. Seus vários escritos no Brasil estiveram concentrados na divulgação da cultura dos países aonde viveu,5 5 Terras onde se fala português (1957), Os últimos dias do fascismo português (1959), África sem luz (1962), Brasil, fronteira da África (1963). apregoando a confluência histórico-cultural entre os dois lados do Atlântico (Brasil e África portuguesa), também privilegiando as questões do feminino e a crítica política. Sua análise transitava em diferentes campos do conhecimento - história, geografia, etnografia, sociologia e antropologia -, tendo um estilo agradável e um texto envolvente ao leitor, buscando, além de entreter, defender ideias, debater, informar e instruir.

Na sua obra no Brasil, encontram-se artigos para jornais, crônicas, ensaios, palestras e participações radiofônicas. Trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo, no qual se destacam suas crônicas para o Suplemento Feminino (126 colunas, discutindo as questões do feminino, 1955-57) e na sessão de Literatura e Arte. Archer também escreveu em outros jornais e periódicos, como A Gazeta, Semana Portuguesa e Portugal Democrático (1955 a 1963).

Sinteticamente, observam-se duas fases da sua produção: entre 1955-1963, caracterizada pela árdua militância, produção criativa e visibilidade midiática, e o período entre 1964-1979, no qual notam-se a desaceleração da produção, a reclusão, o silenciamento e a doença. Muitas questões restam sobre essa mudança. Algumas hipóteses podem ser levantadas: o contexto político no Brasil após o Golpe de 1964; cisões e dissidências internas no grupo do Portugal Democrático, levando à ruptura de Maria Archer; além da doença e o avanço da idade (BATISTA, 2007BATISTA, Elisabeth. Entre a literatura e a imprensa: percursos de Maria Archer no Brasil. 2007. 213 f. Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.).

Seus escritos e aparições públicas estiveram sob investigação do DEOPS,6 6 SSP/SP, Dependência Serviço de Informações, doc. 50 C-24-321, 321ª, 323, 1957-63, Vitor Ramos. Acervo DEOPS/SP, depositado em APESP. Dossiê, diferentes e situações onde proferi palestras ou falou ao público, com destaque para I Conferência Sul-Americana Pró-Anistia dos Presos e Exilados Políticos de Espanha e Portugal (22 a 24 de janeiro de 1960), durante a qual proferiu palestra sobre a Censura e o Salazarismo. Em março de 1963, participou do Encontro Estadual de Solidariedade a Cuba, compondo a mesa com Caio Prado Jr., Helena Silveira, José Serra e Jamil Haddad. em cujos arquivos foram encontrados relatórios de "observação preventiva", em ações de militância política, não só referente à luta antissalazarista, porém, em diferentes momentos em que assumiu atitudes, posturas e posições políticas, pontuando a sua opinião, como por ocasião do Ato de Solidariedade ao Povo Cubano (1959), quando declarou

Heróis anônimos tombam dia após dia, nos porões das cadeias políticas de Salazar, enquanto uma centena de fantoches do governo vive no luxo e no conforto. A colônia portuguesa que se encontra no Brasil, talvez por ser formada na sua maior parte de indivíduos apolíticos, que para cá se dirigem e tenho a impressão que aqui se influenciam pela máquina de propaganda orientada pelo governo português, começa ultimamente a tomar consciência e felizmente, da real situação, o mesmo não se deu quando há dois ou três anos passados para aqui se dirigiu o caixeiro viajante da ditadura general Craveiro Lopes.7 7 Em Ato de Solidariedade ao Povo Cubano, promovido pela União Estadual de Estudantes (UEE) em 24 de janeiro de 1959.

Em São Paulo, vivia dos seus escritos, humildemente instalada num apartamento no Bairro de Santana, partilhado com a professora portuguesa Maria do Céu Rosa Lopes. Em cartas ao sobrinho Fernando de Pádua (1973), explicitava suas dificuldades de saúde e financeiras, tinha uma pequena e irregular pensão que não era suficiente para custear os tratamentos de saúde, contando com apoios eventuais de amigos. Pedia também que o sobrinho solicitasse autorização governamental para o seu retorno: apesar de concedida, ela só voltaria em abril de 1979, já com 80 anos e saúde muito abalada, declarando falta de "coragem de voltar sem dinheiro e sem prestígio". Em Lisboa, ficou albergada no Lar Santa Maria de Marvila e morreu em janeiro de 1982 (BATISTA, 2007BATISTA, Elisabeth. Entre a literatura e a imprensa: percursos de Maria Archer no Brasil. 2007. 213 f. Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.).

Maria Archer é apontada como precursora da participação da mulher no movimento de resistência salazarista. Suas ações na imprensa e no rádio muito contribuíram para a denúncia das atrocidades do regime, da mesma forma que se destacou como agente cultural de aproximação nas relações ibero-afro-brasileiras. Como contestadora do salazarismo, escreveu várias crônicas de críticas ao regime, tendo sido uma das articuladoras para organização do jornal Portugal Democrático (1955-1977). Através desses escritos, visava informar sobre a real situação e mobilizar a opinião pública. Sua narrativa demonstrava erudição e cultura, estando marcada pela paixão política e o discurso pedagógico, visando ao convencimento e buscando envolver o leitor.

No Portugal Democrático foram localizadas 12 colunas (1956-1963), tendo como temáticas: a censura e a falta de liberdade de expressão; o imigrante português sem sucesso; carta à rainha Elisabeth da Inglaterra (quando da sua visita a Portugal); polêmica com o artigo "Coisas ignóbeis", escrito sobre sua obra no jornal A voz (26 de fevereiro); oposição a Craveiro (candidato único), contestando a visita dele ao Brasil; a não resistência das mulheres ao salazarismo; comparação dos ditadores Somoza e Salazar; a proclamação da República em Portugal; comentários sobre as obras Segredos de Estado, de Charles De Gaulle, e Brasil, fronteira da África (na qual apresenta o seu livro com o mesmo tema).

Como contestadora do salazarismo, escreveu várias crônicas, através das quais buscava conscientizar portugueses e brasileiros sobre a real situação política em Portugal, denunciando a miséria do povo, a opressão, arbitrariedades e torturas do governo de Salazar, como na crônica Somoza, Salazar e CIA

[...] Dou testemunho do que vi. Mas sei mais do que o pouco que vi, sei de certeza que há milhares de mulheres e homens torturados, deformados, humilhados, envilecidos, assassinados, sumidos em ignotos cemitérios pela polícia salazarista. Sei, e toda a cidade do Porto o sabe, que a sede da PIDE, no Porto, comunica diretamente, pelos fundos, com um dos cemitérios municipais para facilidade dos sepultamentos clandestinos. Quantos presos desapareceram, na PIDE, no Porto, como se tivessem ido para o campo de concentração do Tarrafal? Nunca mais há notícias deles. Desapareceram... que a terra lhes seja leve e o seu nome perdure em nossa memória! (PORTUGAL DEMOCRÁTICO, jul. 1959).

Deslocamentos, memórias e trajetórias cruzadas: Arajaryr Campos

O interesse pelas experiências de luta antissalazarista de Arajaryr Campos surgiu a partir do trabalho de investigação com o jornal Portugal Democrático e o envolvimento desse periódico com o caso do general Humberto Delgado. O jornal cobriu as eleições presidenciais de 1958 e se posicionou frente à derrota de Delgado, acompanhando seu exílio para o Brasil.8 8 Delgado organizou o Movimento Nacional Independente (MNI, de 1959) que se tornou a base para várias de suas ações. Após a eleição, no início de 1959, ele foi demitido da Força Aérea. Sentindo-se perseguido, pediu asilo na embaixada brasileira em Lisboa, aonde permaneceu por cerca de 100 dias. O pedido de asilo gerou controvérsias e tensões, pressões do governo português, dúvidas do então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, pressões do embaixador Álvaro Lins, que assumiu a defesa do asilado. Finalmente, em abril de 1959, Delgado partiu para o Brasil mantendo suas ações de oposição ao regime (também esteve na Argélia, Itália, França, tendo retornado ao Brasil). No Rio de Janeiro, o Movimento Nacional Independente (MNI, encabeçado por Delgado) teve como elemento de divulgação um novo jornal - Portugal Livre (1959-1960, 13 edições), fundado por iniciativa de Miguel Urbano Rodrigues, o qual levantava a plataforma da liberdade de expressão, contra a censura, pela democracia em Portugal e anistia dos presos políticos. A princípio, a chegada do general foi vista com entusiasmo; contudo, gradativamente, ocorreu o distanciamento entre ele e o grupo do jornal, na medida em que Delgado sinalizava com uma oposição militarizada.

A partir de 1959, as lutas do General no exílio passaram a contar com o protagonismo de Arajaryr M. Campos, rastrear esta trajetória enfrentou várias dificuldades, já que as referências a ela só se fizeram mais explicitas quando da sua morte em companhia de Humberto Delgado (fevereiro de 1965, em Villanueva del Fresno/Espanha). Em outros escritos ela foi/é praticamente ignorada, sendo identificada como "secretária", apesar de reconhecida como sua "companheira". Desta forma, as menções a ela se entrelaçam num campo de disputa pela memória do general, mito da resistência antissalazarista que, como toda memória, é uma construção seletiva.

Apesar do ocultamento/esquecimento da presença e atuação de Arajaryr Campos e das dificuldades já apontadas para abordar a temática, a presente análise centra-se em artigos na imprensa brasileira e na obra Uma brasileira contra Salazar: a secretária do General Humberto Salgado no exílio",9 9 Arajaryr Campos morreu aos 35 anos (1965), deixando uma filha de sete anos, Rosângela Moreira de Castro. Em 1995, esta conheceu Iva Delgado na homenagem feita a Arajaryr pela Confederação das Mulheres do Brasil (quando dos 30 anos da sua morte). Nesta ocasião, Iva sugeriu a publicação dos manuscritos que estavam em posse de Rosângela, composto por um diário que cobre o período de 1959-1963, além de cartas, fotos e postais dirigidos à família (CAMPOS, 2006). sob a organização e com introdução de Iva Delgado (filha do general e guardiã de sua memória), incorporada à análise com os devidos cuidados, pois se subentende a existência de cortes e seleções.

O livro, publicado em 2006, se inicia com uma apresentação de Iva Delgado, seguida de uma primeira parte, intitulada "Notas de uma Secretária" (escritos de Arajaryr, cobrindo o período de 1958-1962, contendo 50 páginas); uma segunda unidade, "O assassínio de Arajaryr" (um novo texto construído por Iva, rastreando o período entre 1963-1965 e descrevendo o assassínio do casal); acrescenta-se uma parte III "Retratos e testemunhos" (com depoimentos de outras pessoas);10 10 Depoimentos de J. M. Cabral, Paulo de Castro e dois textos de Antonio Figueiredo, denominado "E a homenagem dos portugueses a Arajaryr Campos?". seguido de um singelo epílogo de Rosangela Castro; finalizando com os agradecimentos aos envolvidos no processo de preparação e divulgação da obra. Também compõem o livro várias imagens (cartões postais e fotos de Arajaryr só e acompanhada pelo General) nas quais se ressaltam as mudanças na sua figura (cabelo, maquiagem, óculos e roupas), as transformações na moça simples de um bairro carioca em uma mulher elegante e sofisticada.

Nos escritos deixados por Arajaryr observa-se um intercruzamento de memórias (as dela com as do general), já que ela própria datilografava as reminiscências de Delgado, sua narrativa retoma detalhes da trajetória de vida do general, que foram rememorados e partilhados durante o convívio.11 11 Estabelece-se um pacto autobiográfico entre narrador e personagem, na elaboração do relato retrospectivo de sua própria existência, podendo-se dizer que só existe a autobiografia quando esta é publicada e chega efetivamente a um leitor (SILVA, 2012; BOURDIEU, 2005; LÉJEUNE, 2008).

Arajaryr Canto Moreira Campos nasceu em 1930, no Rio de Janeiro, filha de pai espanhol e mãe portuguesa, criada no bairro do Rio Comprido. Destacou-se pela sua facilidade com as línguas estrangeiras (inglês, francês, alemão e italiano) e casou-se em 1956, tornando-se mãe dois anos depois. Em 1959, conheceu Humberto Delgado, recém-chegado ao Brasil, tendo sido contratada como sua secretária pessoal e encarregada de relações públicas, funções que desempenhou com competência e dedicação, segundo depoimento do próprio general.

No início do ano de 1960, frente às dificuldades financeiras e políticas, o general transferiu-se para São Paulo. Apesar de não ser mais sua secretária, Arajaryr manteve contato, informando-o e enviando artigos e notícias que circulavam na Capital Federal. Em dezembro de 1960, ela organizou sua vida pessoal e se juntou a ele: "a relação se transformou e a secretária se tornou sua genuína companheira de vida, uma mulher iniludivelmente apaixonada pelo homem que retratou como 'Cavaleiro sans peur et sans reproche'" (ROSA, 2008ROSA, Frederico Delgado. Humberto Delgado: biografia do General sem medo. Lisboa: Esfera, 2008., p. 914). A partir de então, assumiu a luta antissalazarista e acompanhou Delgado até a morte de ambos em 1965.

No livro, o centro do autorrelato de Arajaryr se encontra na primeira parte, na denominada "Notas de uma Secretária", recompondo detalhadamente o trajeto de ambos quando da tentativa de assalto ao Quartel de Beja (percurso Brasil-Marrocos-Espanha-Portugal, 1961-1963). Nessa ocasião, os escritos cobrem uma descrição diária e meticulosa, narrando os perigos da empreitada, perseguições, riscos na travessia da fronteira portuguesa e todos os cuidados dela com Delgado, evitando deixar vestígios (preparação da mala, eliminando etiquetas e iniciais das roupas; seleção dos documentos; observação dos passaportes; vistos falsos e até o transporte oculto da farda do general no forro do seu casaco). Deixa manifesta as constantes preocupações com o destino da empreitada e inquietações com as ações, temendo pela prisão e pela vida do general (CAMPOS, 2006CAMPOS, Arajaryr. Uma brasileira contra Salazar: a secretária do General Humberto Delgado no exílio. Lisboa: Livros Horizonte, 2006., p. 55).

Na narrativa, Arajaryr destacava a sua participação, através do estabelecimento de contatos e articulações, transporte de documentos secretos e acompanhando pessoalmente Delgado nos momentos de aproximação da cidade de Beja, em 31 de dezembro de 1961.

Em face do insucesso da empreitada de Beja, Arajaryr descreveu todas as estratégias de evasão, os esconderijos (numa aldeia do Alentejo e depois na cidade do Porto, em janeiro de 1962), sua viagem a Lisboa para tratar de assuntos sigilosos, enfrentando a perseguição e as estratégias para despistar a PIDE, seguida da partida para Madri, em separado do general, envolta em comovida despedida.

No retorno ao Brasil (16 de janeiro de 1962), acompanhou as entrevistas dadas por Delgado à imprensa brasileira. Finalizou sua narrativa com um comentário datado de um ano após o episódio de Beja, rememorando o ocorrido e declarando sua devoção à causa antissalazarista.

O hiato de tempo entre 1962 e 196512 12 Delgado deixa o Brasil em 1963, instalando-se na Argélia, aonde assume a chefia da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN). Em maio desse mesmo ano tem lugar, em Praga, a II Conferência da FPLN, com a presidência do general. Já 1964, abandona a Frente e em janeiro de 1965 funda a Frente Portuguesa de Libertação Nacional. foi preenchido pelo texto de Iva Salgado, baseado no acervo da família de Arajaryr e outros documentos. Ela rastreia o itinerário do percurso da segunda viagem do casal, passando por Argel/Argélia (julho de 1964), aonde foram hóspedes do presidente Ben Bella, destaca todos os cuidados de Arajaryr com o general, em sua convalescência pós-cirúrgica.

Na sequência, baseando-se na correspondência enviada por Arajaryr à família, a narrativa recupera os percalços da tentativa de nova entrada em Portugal,13 13 As ações de Portugal (pela PIDE), que no Brasil já havia tentado assassinar Delgado, foram aperfeiçoadas através de toda uma rede de informantes em círculos da oposição e rigorosa vigilância às lideranças da oposição no exílio, elemento infiltrados conseguiram obter a confiança do general, que consentiu no encontro de Badajoz (fevereiro de 1965), como uma nova tentativa para derrubar o regime, sendo vítima da cilada que culminaria na sua morte e de Arajaryr. passando por Londres, Marrocos e Espanha (dezembro de 1964 a fevereiro de 1965). Por fim, recobra o atentado e a morte de ambos pelos agentes da PIDE, liderados por Rosa Casaco nos arredores de Olivença, em Los Almerines, perto de Villanueva del Fresno. Seguem a descrição dos eventos com a descoberta e a identificação dos corpos, a notificação oficial da morte, em 24 de abril. Continua rastreando as ações da família de Arajaryr junto ao Itamaraty, na busca por notícias e, depois, reivindicando o translado do corpo. Por fim, recupera alguns noticiários da imprensa brasileira sobre o caso.

A voz de Arajaryr se faz ouvir nas páginas que compõem o corpo central do livro. Nesses escritos, observam-se frequentes palavras de louvor a Humberto Delgado, deste o início através da dedicatória afetiva a ele dirigida. A narrativa explicita emoções e sentimentos; o temor pela vida de Delgado; a ansiedade dos momentos de espera; os reencontros emocionados depois de ocasiões de separação do casal, como quando na partida do Marrocos; a espera apreensiva pelo reencontro na Espanha e o alívio com o toque do telefone: "Céus! Era a voz do general! Que emoção! Meus olhos encheram-se de lágrimas, de alegria incontida..." (CAMPOS, 2006CAMPOS, Arajaryr. Uma brasileira contra Salazar: a secretária do General Humberto Delgado no exílio. Lisboa: Livros Horizonte, 2006., p. 58).

Seus escritos também pontuam os momentos de tensão e perseguição, mesclados de medo e ansiedade. Arajaryr expunha minuciosamente todas as ações, planos, pessoas, contatos, estratégias para despistar possíveis perseguições; detalhava o receio ao carregar documentos importantes e comprometedores; apontava os obstáculos enfrentados, buscando dar à narrativa uma nuança heroica, algumas vezes exposta em tom de aventura. Destacava sua coragem no envolvimento nas ações, pontuando diferentes momentos em que foi perseguida, riscos enfrentados, dificuldades e falta de recursos. Também relatava consternada as dificuldades financeiras e a falta de apoio ao general, bem como questionava a posição e as críticas da imprensa.

Os fatos narrados na obra encontram-se carregados de sentimentos, sensações íntimas e memórias emocionadas. Os escritos sofreram acertos, não somente resgatando, mas também reconstruindo o passado, buscando estabelecer coerência, unidade, continuidade e organização, contendo silêncios, rumores e interdições, nem sempre propositais e conscientes (PASSERINI, 2011PASSERINI, Luisa. A memória entre política e emoção. São Paulo: Letra e Voz, 2011.; ARFUCH, 2010ARFUCH, Leonor. El espacio biográfico: dilemas de la subjetividad contemporánea. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2010.; POLLACK, 1992POLLACK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.).

Através da narrativa, pode-se observar que, juntamente com o envolvimento de Arajaryr com Delgado, foi crescente a sua adesão à causa antissalazarista; seu discurso assumiu termos de denúncia contra o regime e, por vezes, tornou-se agressivo contra os opositores do general no Brasil e em Portugal.

Depois do que escutei, vi e senti em Portugal, mais me revolto por ver um povo in Toto debaixo de um regime ditatorial. Sei o que representa essa ignóbil palavra ditadura, porque escutei, vi e senti os seus efeitos. É pensando na liberdade e democracia da minha pátria que tenho procurado colaborar nesta causa justa e nobre. Creio que em breve há-de irromper no país irmão uma nova época, cheia de Fé e Esperança para aqueles que tanto têm sofrido nos cárceres, no exílio, longe dos seus entes queridos que ficaram em Portugal, sem pão e sem liberdade de expressão (CAMPOS, 2006CAMPOS, Arajaryr. Uma brasileira contra Salazar: a secretária do General Humberto Delgado no exílio. Lisboa: Livros Horizonte, 2006., p. 82).

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Terrível de experienciar e marco de tristeza insuperável, os exílios arrasta(ra)m pessoas perdidas e sem esperanças. Desencadeados por guerras, totalitarismos, genocídios e exclusões, milhares foram/são empurrados para derivas por territórios transitórios, vivenciando um não pertencimento e enfrentando a urgência por reconstruir a vida, vínculos e lutas (SAID, 2005SAID, Edward. Reflexões sobre o exílio. In: SAID, Edward. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras , 2005. p. 114-136., p. 46-60).

Os portugueses que, fugidos das perseguições salazaristas, se exilaram em São Paulo, vivenciaram essas experiências. Entre outras ações, a prática de luta destaca-se pelo periodismo (Portugal Democrático) como forma de expressão política.14 14 Entre as possibilidades de investigação, cabe mencionar a importância do jornal como veículo privilegiado para a circulação e debate de questões políticas e culturais. Caberia aprofundar a análise através de uma ampla prosopografia dos colaboradores mais empenhados; um conjunto de pequenas biografias e suas articulações, incorporando os motivos da partida, o porquê da escolha de São Paulo, as ações e pertencimentos políticos, funções que desempenharam na sociedade de acolhimentos e no jornal, possibilitando rastrear a contribuição dos intelectuais portugueses para a cultura e para a academia brasileira nesse período. Além disso, evidenciar a articulação com outros núcleos de exilados portugueses e a sua relação com o jornal, particularmente os de Paris ou de Argel, loci estratégicos de organização da resistência política no exílio, a partir dos anos 1960.

Mulheres de origens diferentes (Portugal e Brasil), Maria Archer e Arajaryr Campos foram vozes femininas que dos dois lados do Atlântico atuaram, escreveram e denunciaram as atrocidades do regime e assumiram a luta antissalazarista. Apesar deste exercício de focalizar essas trajetórias combatentes, resta a sensação de que muito ainda precisa ser pesquisado no sentido de dar vozes ao protagonismo feminino na história desta causa.

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  • 1
    Observando os diferentes momentos políticos e a constituição das oposições ao regime português, pode-se melhor caracterizar os fluxos de exílios. Inicialmente, identifica-se uma leva nos anos 1920-1930, envolvendo os que atuaram na oposição e levantes contra o sistema estabelecido (1927-1928 e 1931): eram na maioria republicanos e democratas; alguns, depois de passagem pela Espanha, exilaram-se na França e na sequência no Brasil. Dentro dessa primeira leva encontra-se João Sarmento Pimentel e Jaime Cortesão. Já entre 1940-1956, intelectuais e políticos em tensão com o regime salazarista exilaram-se majoritariamente no Brasil. A dinâmica oposicionista e o agravamento da repressão depois de 1957-1958 geraram novos fluxos que levaram diferentes quadros políticos e de opção ideológica diversa a saírem, tendo o Brasil como um dos destinos. Entre 1965-1974, percebe-se que o aumento das saídas esteve associado às guerras coloniais, ao movimento estudantil e à emergência de novos grupos políticos. Além do Brasil, cresceram os fluxos para áreas mais próximas á Portugal como Marrocos e Argélia, França, Alemanha, Bélgica, Suécia, Itália e, em menor frequência, para Romênia, URSS, Canadá e USA. As escolhas por esses destinos se vinculam às diferenças de opções políticas, articulações nas sociedades de acolhimento e nível de projeção dos agentes envolvidos (MARTINS, 2005b).
  • 2
    O asilo político é concedido ao estrangeiro que se sente perseguido ou em situação de insegurança em seu país. O refúgio possui o objetivo de proteger o estrangeiro que por motivos religiosos, étnico-raciais ou políticos passam por perigo de vida em seu país. O exílio é o estado de estar longe da própria casa, podendo ser voluntário ou forçado. Apesar de particularidades, utiliza-se como sinônimo das categorias banimento, desterro ou degredo; em alguns casos, também refúgio. Em 1960, o Brasil foi o primeiro país do Cone Sul a ratificar o Estatuto dos Refugiados de Genebra (1951, em vigor a partir de 1954).
  • 3
    Na pesquisa na documentação do DEOPS, foram localizados cerca de 6.000 prontuários de portugueses. Na análise, podem-se observar duas fases: 1 - 1924 a 1940, que se caracterizou, na maioria, por lusos com baixa ou média instrução, trabalhadores do comércio ou do setor de serviços (ferroviários, motorneiros, pedreiros, pintores etc.); 2 - a partir de 1940, nota-se a presença de indivíduos com maior grau de instrução (professores universitários, profissionais liberais, escritores, jornalistas, artistas plásticos e de teatro e políticos) e vinculados às resistências ao salazarismo.
  • 4
    Era escritora profissional e vivia dos seus escritos. Entre sua vasta produção (algumas obras com várias reedições), destacam-se: Três mulheres (1935), África selvagem (1935), Sertanejos, Singularidades dum país distante, Folclore dos negros do grupo Bantu e Ninho de bárbaros (1936), Angola filme (1937), Colônias piscatórias em Angola, Caleidoscópio africano e Viagem à roda da África, Ida e volta de uma caixa de cigarros (1938), Roteiro do mundo português, Há dois ladrões sem cadastro (1940), Fauno sovina (1941), Memórias da linha de Cascais (1943), Os parques infantis (1943), Ela é apenas mulher (1944 - considerado o seu melhor romance), Aristocratas (1945), Eu e elas, Apontamentos de romancista (1945), A morte veio de madrugada (1946), Casa sem pão (1947), O mal não está em nós e Filosofia duma mulher moderna (1950), Bato às portas da vida (1951), Nada lhe será perdoado (1952), A primeira vítima do Diabo (1954), Herança lusíada (s.d.); e as peças de teatro: Alfacinha, Isso que chamam amor, Numa casa abandonada, O poder do dinheiro, O leilão .
  • 5
    Terras onde se fala português (1957), Os últimos dias do fascismo português (1959), África sem luz (1962), Brasil, fronteira da África (1963).
  • 6
    SSP/SP, Dependência Serviço de Informações, doc. 50 C-24-321, 321ª, 323, 1957-63, Vitor Ramos. Acervo DEOPS/SP, depositado em APESP. Dossiê, diferentes e situações onde proferi palestras ou falou ao público, com destaque para I Conferência Sul-Americana Pró-Anistia dos Presos e Exilados Políticos de Espanha e Portugal (22 a 24 de janeiro de 1960), durante a qual proferiu palestra sobre a Censura e o Salazarismo. Em março de 1963, participou do Encontro Estadual de Solidariedade a Cuba, compondo a mesa com Caio Prado Jr., Helena Silveira, José Serra e Jamil Haddad.
  • 7
    Em Ato de Solidariedade ao Povo Cubano, promovido pela União Estadual de Estudantes (UEE) em 24 de janeiro de 1959.
  • 8
    Delgado organizou o Movimento Nacional Independente (MNI, de 1959) que se tornou a base para várias de suas ações. Após a eleição, no início de 1959, ele foi demitido da Força Aérea. Sentindo-se perseguido, pediu asilo na embaixada brasileira em Lisboa, aonde permaneceu por cerca de 100 dias. O pedido de asilo gerou controvérsias e tensões, pressões do governo português, dúvidas do então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, pressões do embaixador Álvaro Lins, que assumiu a defesa do asilado. Finalmente, em abril de 1959, Delgado partiu para o Brasil mantendo suas ações de oposição ao regime (também esteve na Argélia, Itália, França, tendo retornado ao Brasil). No Rio de Janeiro, o Movimento Nacional Independente (MNI, encabeçado por Delgado) teve como elemento de divulgação um novo jornal - Portugal Livre (1959-1960, 13 edições), fundado por iniciativa de Miguel Urbano Rodrigues, o qual levantava a plataforma da liberdade de expressão, contra a censura, pela democracia em Portugal e anistia dos presos políticos.
  • 9
    Arajaryr Campos morreu aos 35 anos (1965), deixando uma filha de sete anos, Rosângela Moreira de Castro. Em 1995, esta conheceu Iva Delgado na homenagem feita a Arajaryr pela Confederação das Mulheres do Brasil (quando dos 30 anos da sua morte). Nesta ocasião, Iva sugeriu a publicação dos manuscritos que estavam em posse de Rosângela, composto por um diário que cobre o período de 1959-1963, além de cartas, fotos e postais dirigidos à família (CAMPOS, 2006).
  • 10
    Depoimentos de J. M. Cabral, Paulo de Castro e dois textos de Antonio Figueiredo, denominado "E a homenagem dos portugueses a Arajaryr Campos?".
  • 11
    Estabelece-se um pacto autobiográfico entre narrador e personagem, na elaboração do relato retrospectivo de sua própria existência, podendo-se dizer que só existe a autobiografia quando esta é publicada e chega efetivamente a um leitor (SILVA, 2012; BOURDIEU, 2005; LÉJEUNE, 2008).
  • 12
    Delgado deixa o Brasil em 1963, instalando-se na Argélia, aonde assume a chefia da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN). Em maio desse mesmo ano tem lugar, em Praga, a II Conferência da FPLN, com a presidência do general. Já 1964, abandona a Frente e em janeiro de 1965 funda a Frente Portuguesa de Libertação Nacional.
  • 13
    As ações de Portugal (pela PIDE), que no Brasil já havia tentado assassinar Delgado, foram aperfeiçoadas através de toda uma rede de informantes em círculos da oposição e rigorosa vigilância às lideranças da oposição no exílio, elemento infiltrados conseguiram obter a confiança do general, que consentiu no encontro de Badajoz (fevereiro de 1965), como uma nova tentativa para derrubar o regime, sendo vítima da cilada que culminaria na sua morte e de Arajaryr.
  • 14
    Entre as possibilidades de investigação, cabe mencionar a importância do jornal como veículo privilegiado para a circulação e debate de questões políticas e culturais. Caberia aprofundar a análise através de uma ampla prosopografia dos colaboradores mais empenhados; um conjunto de pequenas biografias e suas articulações, incorporando os motivos da partida, o porquê da escolha de São Paulo, as ações e pertencimentos políticos, funções que desempenharam na sociedade de acolhimentos e no jornal, possibilitando rastrear a contribuição dos intelectuais portugueses para a cultura e para a academia brasileira nesse período. Além disso, evidenciar a articulação com outros núcleos de exilados portugueses e a sua relação com o jornal, particularmente os de Paris ou de Argel, loci estratégicos de organização da resistência política no exílio, a partir dos anos 1960.
  • 15
    Maria Izilda Santos de Matos. Professora Doutora - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) - Rua Monte Alegre, 984, CEP: 05014-000, São Paulo, SP, Brasil. Bolsista Produtividade CNPq 1 A.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2016
  • Aceito
    07 Nov 2016
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