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SEM ARGUMENTO: um projeto intelectual quase esquecido (revista Argumento, Brasil, 1973)

Without Argument: an almost fogotten intelectual project (Argumento Review, Brasil, 1973)

RESUMO

As reflexões aqui propostas fazem parte do projeto de pesquisa intitulado "A Dor da História (I) - Estudos de História, Historiografia e Literatura: A Perplexidade no Brasil nos Anos 1970". Com base no editorial da Revista Argumento , n.1, São Paulo/Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1973, este trabalho pretende analisar a relação entre intelectuais e sociedade na ambiência cultural do período ditatorial então em curso, buscando elucidar os sentidos possíveis para a noção de "perplexidade" mencionada na fonte, juntamente com seu mote fundamental: "Contra fato, há argumento". A presença de intelectuais de outros países no Conselho Consultivo da Revista, da América Latina, Europa e EUA, demonstra o esforço da Revista em construir apoios internacionais e consolidar a perspectiva então conhecida como "latino-americanismo". A hipótese central consiste em que a Revista pode ser vista como um lugar privilegiado para o registro, e as decorrentes reinterpretações historiográficas, de que as redes intelectuais latino-americanas foram uma resposta à dinâmica social da perplexidade, ao promover uma abertura à reflexão conjunta e à busca de possíveis soluções específicas para os problemas comuns, fosse no plano do pensamento ou da prática social.

Palavras-chave:
Revista Argumento; Perplexidade; Vida danificada; Latino-americanismo; Teoria e dor social

ABSTRACT

The ideas presented herein are part of the research project "The Pain of History (I) - Studies of History, Historiography and Literature: The Perplexity in Brazil during the years 1970". Based on the editorial of the Argument Review no. 1, São Paulo/Rio de Janeiro, Edition Paz e Terra, 1973, this article analyses the relationship between intellectuals and society in the cultural context, under the dictatorship period then underway. The objective is to clarify the possible meanings of the notion of "perplexity" mentioned in this source, besides its fundamental slogan: "Against fact, there is argument". The presence of intellectuals from other countries in the Consultive Council of the Review demonstrates the Review effort to obtain international support and consolidate the perspective then known as "latinoamericanism". The central hypothesis is that this Review can be seen as a privileged place for the registration, and the resulting historiographic reinterpretations, that the Latin American intellectual networks acted as a response to the social dynamic of perplexity by means of making available an opening to collective thinking and to the search of possible specific solutions to common problems, either in the theoretical level or in social practice.

Keywords:
Argument Review; Perplexity; "Latinoamericanism"; Historical time- social pain

Introdução

As reflexões aqui propostas fazem parte do projeto de pesquisa intitulado "A Dor da História (I) - Estudos de História, Historiografia e Literatura: A Perplexidade no Brasil nos Anos 1970", tendo como fontes a Revista Argumento, o Jornal de Poesia (ambos com quatro números publicados em 1973) e a produção historiográfica da década de 1970, segundo a compilação comentada de José do Amaral Lapa. A expressão "a dor da história" consiste em um termo propositalmente impreciso, referente à tentativa de tornar em alguma medida cognoscível a relação entre sofrimento subjetivo e processos históricos, tanto no que se refere à experiência histórica quanto às dificuldades da historiografia e/ou da teoria da história. A especificidade desses processos e relações, em diferentes momentos e sociedades, demanda atenção da historiografia, conforme alerta Arlette Farge (2011FARGE, Arlette. Lugares para a História. Tradução de SHEIBE, F. São Paulo: Editora, 2011.), uma vez que seu lugar privilegiado de representação e memória têm sido as artes em geral.

O presente trabalho trata da Revista Argumento, publicada pela editora Paz e Terra S.A., situada no Centro do Rio de Janeiro, e distribuída pela Abril S.A Cultural e Indústria, de São Paulo, com o objetivo específico de compreender sua proposta editorial e seus vínculos com a América Latina. A hipótese central consiste na ideia de que a Revista pode ser vista como um lugar privilegiado para o registro, e as decorrentes reinterpretações historiográficas, de duas dinâmicas hoje pouco conhecidas entre as novas gerações: as redes intelectuais de teor "latino-americanista" e a perplexidade diante da experiência histórica dos Estados de exceção constituídos pelas ditaduras então vigentes em vários países do continente.

Um pouco sobre a revista Argumento

A importância das revistas de cultura no período ditatorial era destacada já à época, quando ficou conhecida uma frase lapidar do poeta curitibano Paulo Leminski que afirmava serem as revistas, e não as pessoas, os principais agentes históricos do momento (CAC, 2006CAC, Paco. Revistas literárias brasileiras, 1970-2005. Brasília: Stephanie, 2006. v.1. ). Além das numerosíssimas publicações alternativas, apelidadas de "imprensa nanica", foram marcantes as revistas institucionais, como Estudos CEBRAP (SP), Civilização Brasileira e Encontros com a Civilização Brasileira (RJ), Estudos Políticos (BH), Dados (IUPERJ/RJ), entre outras.

Sob a Direção geral de Barbosa Lima Sobrinho, os quatro números da revista foram publicados em outubro e novembro de 1973, e janeiro e fevereiro de 1974. Vendidos a Cr$ 10,00 (dez cruzeiros) nas bancas de jornal nas principais cidades do país, circularam com uma tiragem inicial de cinco mil exemplares.1 1 Segundo artigo recente de Débora Cota (2014) , a tiragem da revista teria atingido 25.500 exemplares e mesmo 45.500 no terceiro número. Diz a autora que, no período, a revista circulou ao lado de periódicos de pequeno e grande porte, como o jornal O Estado de S. Paulo , o Jornal da Tarde , o Opinião , o Pasquim , a revista Veja , a revista alternativa Ex , dentre outros. A edição de número 3 foi parcialmente apreendida enquanto a quarta estava no prelo, de modo que sua efemeridade deveu-se à intervenção da polícia O Conselho Consultivo era composto pelos nomes de Erico Veríssimo, Florestan Fernandes, Paulo Duarte, Sérgio Buarque de Holanda, Simão Mathias (Brasil); Aníbal Pinto, Octávio Paz, Torcuato Di Tella (América Latina); Alberto Hirschman, Brian Von Arkadie, Dudley Sears (Europa e EUA). Na Comissão de Redação, atuavam Anatol Rosenfeld, Antônio Cândido de Mello e Souza, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Correa Weffort, Leôncio Martins Rodrigues, Luciano Martins, Paulo Emílio Salles Gomes. Tais intelectuais, se em sua maioria eram ainda pouco conhecidos naquele momento, possuem hoje amplo reconhecimento nacional, ou mesmo internacional.

A história da revista remonta à atuação de Fernando Gasparian, fundador da Editora Paz e Terra, e confunde-se, até certo ponto, com a do Jornal Opinião (1972-1977) - semanário brasileiro que, criado como um informativo crítico à ditadura, "alternativo" à grande imprensa, como se dizia à época, foi antecessor da revista Argumento - e das editoras atuantes sob e contra a ditadura. Há contradições e severos debates entre jornalistas e editores do e sobre o período ditatorial, cuja análise foge, todavia, ao âmbito desta pesquisa. Segundo o estudo de Maués (2013MAUÉS, Flamarion. Livros contra a ditadura: Editoras de oposição no Brasil, 1974-1984. São Paulo: Publisher, 2013.), as editoras de oposição ao regime vigente sustentavam posturas políticas variadas, algumas vinculando-se a partidos ou grupos de esquerda, outras possuindo caráter democrático-nacionalista, como no caso da Paz e Terra, pois Fernando Gasparian seria um empresário radicalmente nacionalista e liberal que não concordava com a internacionalização da economia brasileira inserida no bojo do projeto de modernização conduzido pelos governos militares. Das memórias de Marcus Gasparian2 2 GASPARIAN, Marcus. Entrevista. Rio de Janeiro, 08 de dezembro de 2014 [em processo de transcrição]. Todas as referências a ele, neste texto, referem-se a esta entrevista gentilmente concedida a Cairo Barbosa e Renata Marinho Almeida, para os fins deste trabalho. Marcus Gasparian é filho de Fernando Gasparian e, atualmente, um dos sócios-diretores da Livraria Argumento. Está ainda em andamento a pesquisa sobre a formação da revista, que contou também com a participação de outros empresários e intelectuais, como Raimundo Rodrigues Pereira, que depois romperam com Gasparian. Segundo Marcus, Fernando nasceu numa família armênia de boa situação financeira, foi empresário e engenheiro elétrico, mas, sobretudo um humanista, embora sem viés acadêmico. Nacionalista, tinha como melhores amigos os deputados trabalhistas Rubens Paiva (posteriormente torturado e desaparecido) e Almino Afonso e, em 1964, teve sua casa metralhada por um grupo de direita. Em 1970 foi para o exílio em Londres com a família, pois soube constar na listagem de empresários que seriam presos, mas voltou ao Brasil quando soube da morte de Rubens Paiva. Consta que Fernando, como um dos criadores do Jornal Opinião , cuja dissidência formou depois o Jornal Movimento , também alternativo, enfrentou na época problemas com Raimundo Pereira, Ênio Silveira (da Editora Civilização Brasileira, ligada ao PCB), o poeta Moacir Félix (que se teria demitido da Editora Paz e Terra) e o ex-deputado Max da Costa Santos (que também se haveria desligado da Paz e Terra para fundar a Editora Graal), entre outros. Para uma visão do assunto, ver Kucinski (1991) . pode-se deduzir que Fernando era um empresário e homem de letras imerso nas contradições de seu tempo histórico - que, segundo os debates historiográficos, pode-se chamar de "populismo", "nacional-desenvolvimentismo", "nacional-estatismo" ou "Era Vargas"3 3 Há numerosos trabalhos e debates sobre o período. Remetemos aqui apenas a Ferreira; Delgado (2003) , Mendonça (1986) e Gomes (1996) . -, próximo ao trabalhismo na linha do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mas cuja radicalidade nacionalista e anti-imperialista o aproximava também de socialistas ou esquerdas apartidárias de mesmo viés, e o afastava de tantos outros. Fernando teria projetado a revista Argumento, junto com intelectuais igualmente nacionalistas, para ser uma via cultural complementar ao Opinião e, em seguida, teria comprado a editora Paz e Terra, com o intuito de facilitar a publicação de trabalhos que considerava importantes para o Brasil. As reuniões para a edição da revista ocorriam na residência de Antônio Cândido ou de algum outro membro da equipe editorial, que almejava transmitir conteúdos de relevância social e política em textos de boa qualidade, mais longos e bem estruturados, como um protesto intelectual e inteligente contra o Estado de exceção,4 4 No sentido conferido por Agamben (2004) . Ressalvamos a necessidade de uma acurada discussão - que não cabe nos limites deste texto - sobre o significado e os limites do conceito de "estado de exceção" nos países latino-americanos, dado o vasto histórico de violência e arbitrariedade cometidas pelos Estados desses países. Consideramos, entretanto, a aplicabilidade do conceito, tendo em vista que seu parâmetro são os Estados de Direito, cujo modelo serviu, e ainda serve, à constituição jurídico-política na América Latina, desde os movimentos de independência. Compreendemos também que há vários tipos de "estado de exceção", entre os quais se inclui a ditadura de segurança nacional implantada no Brasil e em diversos países do continente nos anos 1960-1970. mas também um meio de difusão cultural que se queria capaz de atingir qualquer tipo de leitor, levando conhecimento e informação ao "povo".

Assim, composta por intelectuais brasileiros de oposição à ditadura, aos quais se aliavam latino-americanos e norte-americanos de esquerda, a revista encontrou o mesmo destino da maior parte dos veículos de imprensa de pequeno porte, naquele contexto: vida breve, por censura e falta de recursos. No caso da Argumento, extinta no início de 1974 com apenas quatro números, as tentativas de negociação com o governo foram infrutíferas e a revista foi fechada.5 5 Agradeço ao prof. Paulo Arantes as informações trocadas em conversa telefônica informal, em fevereiro de 2012. Como numerosos meios de comunicação de oposição política, essa publicação passava por censura prévia, enviando a Brasília o rascunho do que seria publicado e recebendo de volta a notificação do que estava censurado, o que prejudicava a elaboração das edições, pois além de restringir o escopo dos conteúdos e sentidos divulgados, deixava pouco tempo de planejamento e manobra aos editores e aumentava os gastos de publicação. Segundo a entrevista supramencionada, não existiu uma ordem clara para fechamento da revista, mas várias investidas, ameaças, uso de escutas e espiões etc., o que atingia também as gráficas e bancas de venda nas ruas. Com a censura tornando-se cada vez mais presente e as próprias bancas e gráficas recusando-se por temor a participar da continuidade do processo de edição e distribuição, ficou claro que não seria possível manter o periódico, apesar da boa vontade dos autores, que escreveram até o último momento. Crescentemente, aumentava o número de imagens ou espaços em branco nas páginas, e Gasparian teria gastu uma quantidade significativa de suas economias para sustentar a publicação, principalmente nos últimos números, quando pagava do próprio bolso para gráficas que, a custo, ainda aceitavam imprimi-la, e rodava a cidade do Rio de Janeiro no próprio automóvel, distribuindo-a entre as bancas. O último número da Argumento (nº 4) chegou a ser publicado, mas as bancas não aceitaram fazê-la circular. Algumas matérias censuradas teriam sido enviadas e publicadas em revistas internacionais.6 6 Como The Guardian, New York Review of Books, The Observer e Le Monde Diplomatique , segundo informações de Marcus Gasparian, que embasam todo o parágrafo. Sobre a relação entre imprensa e ditadura, e mesmo a colaboração de ambos, ver Kushnir (2004) .

Em cômpito final, apesar de sua extinção, a recepção da Argumento foi considerada muito boa, contando com diversas assinaturas, nacionais e internacionais, e quantidade expressiva de tiragem e venda. Some-se a isso o fato de a livraria Argumento, na cidade do Rio de Janeiro, de certa forma significar uma espécie de continuidade desse projeto, que obteve na década passada ainda uma reedição, em formato virtual [online], por iniciativa de Fernando Gasparian.

Um editorial instigante

No editorial de lançamento da revista Argumento, encontram-se as seguintes reflexões:

A natureza social tem horror ao vácuo cultural e tende a preenchê-lo de uma forma ou de outra. Uma das formas de fazê-lo é utilizando a dependência, a acomodação, o arrivismo. A nossa pretende ser a outra forma, a que se definirá no percurso de nosso grupo. Este é vário na idade e na posição, mas que unifica no entendimento em um veículo novo para o que há de vivo, independente na circunstância cultural brasileira; e um ponto de encontro com o pensamento de outras terras notadamente as do continente. Os obstáculos que eventualmente encontraremos e os estímulos que recebemos serão igualmente indicativos da utilidade de nossa função. Muito intelectual brasileiro foi arrancado de seu mundo e é preciso que encontre um terreno onde possa novamente se enraizar. A limitação de nosso campo poderá ainda ser restringida, mas sempre haverá um papel a ser cumprido pelo intelectual que resolva sair da perplexidade e se recusar a cair no desespero. Nascemos sem ilusões e não está em nosso programa nutri-las. A independência custa caro e não encoraja as subvenções. Não temos propriamente o que vender, mas nos achamos em condições de propor um espaço de lucidez. Esta não é artigo de luxo ou de consumo mas em qualquer tempo é alimento indispensável pelo menos para alguns. Sua raridade é, aliás, sempre provisória; tudo o que a lucidez revela tende a se transformar em óbvio. Contra fato há argumento (ARGUMENTO, 1973. Grifo meu).

Pensar e argumentar como forma de reagir à perplexidade e ao desespero, mantendo a função social do intelectual politicamente participante na sociedade, era o mote incentivador da revista, que, criada pelo professor e crítico de cinema, Paulo Emílio Salles Gomes, obteve ampla repercussão e aceitação. A ideia de que argumentos racionais possibilitam uma lucidez necessária e não mercantilizada, e como tal se revelam combativo instrumento contra a crueza dos fatos da vida política, econômica e cultural do país - onde, naquele momento, primavam a ditadura, o projeto de modernização conservadora e excludente e a percepção de um "vazio" que, não obstante o desenvolvimento da "indústria cultural" no período, derivava da repressão que bloqueou não a criação artística como um todo, mas a grande efervescência intelectual e politizadora que constituía o humus que a nutria no período anterior ao golpe de Estado em 1964 - consistia em elemento fundamental de esperança na recuperação de um espaço para o exercício político e participação do intelectual e do artista na formação e transformação nacional, a despeito da censura, do desespero e da perplexidade que haviam se abatido sobre o universo dos militantes e bem pensantes. O nacionalismo de viés esquerdista, que se desenvolvia no país desde os anos 1940, aproximadamente, com matizes trabalhistas ou socialistas ou comunistas ou ligados ao cristianismo progressista, encontrava-se sufocado pela censura e pelas perseguições diretas, e buscava lutar contra a apropriação da ideia de nação e amor à pátria, pelos grupos ufanistas de direita que sustentavam a ditadura. Contra os fatos positivados, haveria a argúcia dos argumentos, que impediria em alguma medida a inexorabilidade do factual.

No entanto, isso se sobrepõe, como camada sobre camada, ao problema estrutural do lugar social do homem letrado nos países de tradição colonial e ágrafa. Antônio Candido, no conhecido ensaio "Literatura e Subdesenvolvimento", cuja primeira publicação se deu no número 1 da revista Argumento em outubro de 1973, considerava dois tipos de "consciência" predominantes no país, no período anterior ao golpe: uma "consciência amena do atraso" e uma consciência catastrófica do atraso", com distintas implicações na relação do intelectual/artista com a questão da modernidade, do desenvolvimento nacional, e do nacionalismo, ou melhor colocando, a questão da relação entre cosmopolitismo e localismo que marca as artes e o pensamento no mundo pós-colonial.

Essas consciências, por sua vez, se justapõem à tradição de bacharelismo retórico fortemente ligado ao Estado; ao teor missionário do intelectual-interventor no real, segundo o viés iluminista; as complicações desse viés na América Latina analfabeta, gerando, entre outras, as contradições e o sentimento de exílio em terra natal de que fala Sérgio Buarque em Raízes do Brasil; e ainda aos diversos movimentos de silenciamento que ocorrem em uma ditadura. Censura, autocensura, menor circulação de ideias, bloqueio na produção e circulação de sentidos, prejudicando a construção sócio-histórica dos mesmos, empobrece a dinâmica de representação e compreensão social necessária à leitura do mundo e da vida, conforme mostra Orlandi, ao afirmar que a experiência histórica é prejudicada pela ditadura até mesmo na produção dos seus silêncios: "O gesto da censura lesa o movimento da identidade do sujeito na sua relação com os sentidos. Ele lesa, de algum modo, a história" (ORLANDI, 1995ORLANDI, Eni. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 3. ed. Campinas: Unicamp, 1995., p. 113).

Assim sendo, a tarefa que se colocava o grupo editorial da Argumento - de ser um "veículo novo para o que há de vivo, independente na circunstância cultural brasileira", nas palavras do Editorial - adquiria o vulto de uma missão cultural com herança romântica alemã, na qual cabe ao literato inserir-se na construção da formação sóciocultural nacional (Buildung), nos moldes já estudados por diversos autores,7 7 Como, por exemplo, Candido (1984) e Sevcenko (2003) . agora reatualizada para o novo e ingrato contexto. Mas as noções de "novo" e "vivo", presentes na citação acima, remete igualmente a um conjunto de discussões bastante complexas, relativas ao sentido da América, enquanto um Novo Mundo, que a despeito de haver sido conquistado pelo Velho Mundo europeu, possui maior vitalidade e vida própria, em virtude da pujança de sua natureza e força de sua cultura mestiça. Ao longo dos anos 1950 e 1960, em contraposição a uma Europa decadente e saída dos escombros das Grandes Guerras - ainda que em recomposição pelos processos que ficaram conhecidos como "os trinta anos gloriosos do capitalismo" e do correlato Estado de Bem-Estar Social -, reconstruiu-se no continente americano a imagem de uma América promissora, se não paradisíaca, na qual o desenvolvimento industrial e a modernidade teriam significados e características específicas, uma vez que os processos revolucionários houvessem rompido com o imperialismo e os resquícios da dependência colonial. Os acontecimentos da Revolução Cubana trouxeram, a partir de 1959, uma dimensão quase palpável às noções de novidade e vivacidade, fortalecendo as lutas políticas emancipadoras e os sentidos de missão cultural, de transformação revolucionária e de relação entre o universal/mundial, o regional/continental e o particular/nacional, que agora se davam em nova chave.

Novos e recentes fatos permitiam aos intelectuais brasileiros da década de 1970 novos argumentos contra o uso da força e o abuso da lei impostos pelo estado de exceção ditatorial. Nestes, além da intenção de lucidez, de corte enviesadamente iluminista (pois certa concepção iluminista poderia também respaldar a exceção), fazia-se sentir a solidariedade e a unidade latino-americana não só como desejo, mas como necessidade: o "novo terreno" onde os intelectuais "arrancados de seu mundo" pudessem se enraizar. Um solo comum para o pensamento, a arte e a luta política propiciava que o sentido de "missão" e "formação" (ARANTES; ARANTES, 1997ARANTES, Otília; ARANTES, Paulo. Sentido da Formação. São Paulo: Paz e Terra, 1997.) se ampliasse da dimensão nacional para a continental.

Se essa bela e hercúlea tarefa foi bem ou mal sucedida é toda uma questão ainda em aberto, sempre discutível e discutida no campo dos debates culturais brasileiros e, por que não frisar, de todos os países pós-coloniais.

Argumentos Latino-Americanos

Este [grupo de editores] é vário na idade e na posição, mas que unifica no entendimento em um veículo novo para o que há de vivo, independente na circunstância cultural brasileira; e um ponto de encontro com o pensamento de outras terras, notadamente as do continente (ARGUMENTO, 1973, EditorialARGUMENTO. Ano 1, n. 1. São Paulo; Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1973. ).

A presença de intelectuais de outros países como autores ou membros do Conselho Consultivo da revista, nomeadamente Octávio Paz, Anibal Pinto e Torcuato Di Tella,8 8 Para uma rápida localização, cabe informar que Torcuato Salvador Francisco Nicolás Di Tella (1929 -), nascido em Buenos Aires, Argentina, é engenheiro e sociólogo, filho do também engenheiro italiano Torcuato Di Tella. Foi professor de sociologia na Universidad de Chile, na Universidade de Buenos Aires, nas Universidades de Oxford e da Califórnia entre outras. Fundou o Instituto de Desarrollo Económico y Social (IDES) em 1960, e a Fundación Di Tella. Ocupou o cargo de Secretário de Cultura da Argentina durante a presidência de Néstor Kischner, de maio de 2003 até sua renúncia, em novembro de 2004. Nomeado Embaixador Argentino na Itália em 2010, ocupa o cargo na atualidade. Octavio Paz Lozano (1914-1998) foi poeta, ensaísta, tradutor e diplomata mexicano, notabilizado, principalmente, por seu trabalho prático e teórico no campo da poesia moderna e de vanguarda. Em 1945, ingressou no serviço diplomático mexicano. Viveu em Paris o movimento surrealista, com o qual teve fortes laços, sobretudo com André Breton, de quem foi amigo. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1990. Aníbal Pinto (1919-1996) foi economista, professor e escritor chileno, vencedor do Prêmio Nacional de Humanidades e Ciências Sociais em 1995. Colaborou com importantes periódicos chilenos como o Las Noticiais de ultima hora. Durante a década de 1950 foi membro da Comisión Econômica para América Latina y el Caribe, ocupando a posição de diretor da subsede de CEPAL/ILPES no Rio de Janeiro. como representantes da América Latina, evidentemente não era fortuita, assim como não o era a temática latino-americana em diversas matérias ou ensaios, mesmo que escritos por brasileiros.

Marcos Gasparian observa que seu pai era um homem influente e com muitos contatos pessoais, de modo que a maioria dos integrantes da revista eram amigos em comum que, por sua vez, convidavam outros amigos a publicar algo ou trocar matérias, e assim se construía uma teia de relações. Todo intelectual que não concordava com o cenário brasileiro poderia aliar-se ao projeto. Ademais, os editores também preocupados com o que poderia lhes acontecer no quadro repressivo do Estado de exceção, buscaram criar estrategicamente uma linha de auxílio e troca de informação com imprensa e grupos estrangeiros, para garantir alguma forma de proteção coletiva e "segurança". Seus principais contatos eram o The Observer e o The Guardian, britânicos, e o francês Le Monde.9 9 GASPARIAN, Marcus. Entrevista. Rio de Janeiro, 08 de dezembro de 2014.

No estudo de Débora Cota sobre a Argumento, ao lado de estatísticas que revelam a presença significativa de intelectuais latino-americanos como articulistas da revista,10 10 No Anexo da dissertação, na parte "Estatística de autores colaboradores", elencam-se, por exemplo: Angel Rama, Normal Gall, Roberto Cortés Conde, Marta Traba, Anibal Pinto, Pablo Neruda. encontra-se um capítulo especificamente referente à "Integração Latino-Americana", no qual a autora identifica essa preocupação como proposta política e cultural, conforme o próprio Editorial, ao qual se une "um depoimento de Antônio Candido que, alguns anos depois do encerramento do periódico, afirmou a existência do propósito de tornar a revista uma "publicação de cunho e âmbito latino-americanos" (COTA, 2001COTA, Débora. Contra fato, há Argumento: leitura de uma revista cultural de resistência. 2001. Dissertação (Mestrado em Literatura) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001., p. 72).11 11 O depoimento está em Candido (1993), pp. 263. Remetendo à hoje clássica discussão desenvolvida por Angel Rama a respeito do que seja a "América Latina" e das dificuldades de nomear um continente de grande extensão e diversidade, mas com elementos históricos comuns, Cota observa que na Argumento a ideia de integração latino-americana se dá especialmente pelo aspecto cultural, e que este foi compreendido, essencialmente, como "cultura de resistência, que se opõe à situação de subdesenvolvimento e à falta de consciência, à cultura alienada e massificada e à irracionalidade de algumas formas de poder" (COTA, 2001COTA, Débora. Contra fato, há Argumento: leitura de uma revista cultural de resistência. 2001. Dissertação (Mestrado em Literatura) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001., p. 79). Os textos de Antônio Candido e Ángel Rama publicados na revista, diz a autora, podem ser correlacionados por estarem igualmente baseados em uma preocupação de cunho social e integrador, mostrando a unidade da cultura latino-americana pela marca comum de subdesenvolvimento, variedade étnica e dependência do continente e, por isso, são essenciais para se pensar a América Latina na Argumento.

Estava em jogo a valorização do continente em relação aos países desenvolvidos, com a afirmação de um processo cultural que não era meramente um reflexo das potências colonizadoras, mas uma mescla de autocriação local e "cópia" do universal - como se vê no debate efetuado por Roberto Schwarz, no artigo "Criando o romance brasileiro", no n. 4 da revista - o que posteriormente se traduziu no conceito de "transculturação" (que Rama retoma do antropólogo Fernando Ortiz), ou das noções de "antropofagia" oswaldiana e "consciência amena" ou "consciência catastrófica do atraso", que Antônio Candido desenvolve em sua obra. Os capítulos de Literatura e Sociedade, tomado como livro exemplar de suas considerações teóricas, discutem as numerosas ingerências literárias e culturais vivenciadas pelas sociedades coloniais e pós-coloniais latino-americanas, desde sua relação "de dois gumes" com a cultura colonizadora (o localismo e o cosmopolitismo) e percalços do Iluminismo em quadros sociais analfabetos e escravistas, aos problemas e promessas do Modernismo nesses mesmos países, com foco no Brasil, ao longo do século XX. Já para Rama, o ideal de integração mobilizado por Simon Bolívar continuou sendo desenvolvido e tornou-se um elemento caracterizador da especificidade latino-americana e de luta dos países da região por independência e soberania. Outrossim, como no contexto no qual estava inserida a revista vários países da América Latina sofriam as agruras dos regimes ditatoriais e militares que, com base na Doutrina de Segurança Nacional e apoio norte-americano, tinham o objetivo de garantir o capitalismo no continente, o ideal de integração funcionou como uma forma de resistir, alicerçada nas noções de solidariedade entre os povos e de liberdade nacional, estendida ao âmbito continental. Enfim, "a Argumento, por ter como proposta tornar-se um instrumento de resistência ao poder autoritário, sugerida em seu editorial, assume a vocação latino-americana de integração como forma de fortalecer o pensamento divergente e os movimentos de oposição à situação estabelecida no período" (COTA, 2001COTA, Débora. Contra fato, há Argumento: leitura de uma revista cultural de resistência. 2001. Dissertação (Mestrado em Literatura) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001., p. 90).

Todavia, a questão do "latino-americanismo" possuía na época reverberações mais amplas, inseridas nas discussões acerca da ideia de Terceiro Mundo, no seio de uma temporalidade marcada pela forte polarização da Guerra Fria, na qual se encontravam em choque o "Primeiro Mundo", compreendido como o bloco dos países desenvolvidos capitalistas, e o "Segundo Mundo", que reunia os países desenvolvidos socialistas. Eric Hobsbawm (1998HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.) - desenvolvendo uma análise já no fim dessa polaridade - procura, primeiramente, mostrar como se deu a formação e, consequentemente, o choque entre o bloco formado pelos Estados Unidos da América, juntamente com a Europa Ocidental, tendo como principais parceiros a Inglaterra, França e a então Alemanha Ocidental, dividida pelo muro de Berlim, além de outros países de menos expressão internacional; e o bloco da URSS, formado, sobretudo, por países da Europa Oriental e pela então Alemanha Oriental. Seu objetivo precípuo é discutir como, em meio a essas disputas, encontrava-se o "Terceiro Mundo", formado por todas aquelas nações que não faziam parte nem do bloco americano nem soviético, a saber: países de continentes como Ásia, África, Oriente Médio e uma minoria na América Latina.

O "terceiro-mundismo" era, basicamente, a crença de que o mundo seria emancipado pela libertação de sua "periferia" empobrecida e agrária, explorada e forçada à dependência pelos "países-núcleo" daquilo que uma crescente bibliografia chamava de "sistemamundial". Se, como sugeriam os teóricos do "sistema-mundial", as raízes do problema do mundo estavam não na ascensão do capitalismo industrial moderno, mas na conquista do Terceiro Mundo por colonialistas europeus no século XVI, então a inversão desse processo histórico no século XX oferecia aos revolucionários do Primeiro Mundo uma saída de sua impotência. Não admira que alguns dos mais poderosos argumentos, nesse sentido, viessem de marxistas americanos, que dificilmente poderiam contar com uma vitória do socialismo por forças internas dos EUA. As origens dos países do Terceiro Mundo, portanto, remontam ao processo geral de descolonização a partir de 1947, com destaque para a Conferência de Bandung, que reuniu países asiáticos e africanos em 1955, com o fito de sondar e organizar uma nova força política mundial, resistente ao neocolonialismo das grandes potências da Guerra Fria,visando à cooperação econômica e cultural afro-asiática e à construção de políticas externas independentes. Apesar das especificidades de cada país, eles apresentam algumas características comuns entre si: ausência de reforma agrária sistemática; explosão demográfica; regimes militares; busca de desenvolvimento econômico/industrialização.

Nesse quadro, insere-se, portanto, a ideia de latino-americanismo, já pautada desde o século XIX pelos processos de independência da América em relação às metrópoles, sobretudo a espanhola: a "crença" na realização de uma América Latina possível, cujos dilemas de suas diversas sociedades deveriam ser pensados de maneira ampla e conjunta, alargando as fronteiras nacionais, manifestando, assim, as feridas de um passado comum, a saber: as posições de colônia, de territórios política, econômica e culturalmente subjugados, o que não se solucionou com as independências políticas em razão da presença do(s) imperialismo(s) em seus países. Por isso, o "latino-americanismo", como uma percepção de semelhanças históricas e possibilidades de diálogo fecundo e integração cultural, reproduz-se ao longo da história intelectual da América Latina, sendo reiterado em diversos momentos até se constituir como uma espécie de tradição que vigora no pensamento e nas práticas políticas da região. Como "tradição", o latino-americanismo tenta desenhar a existência de um nexo histórico comum nas condições materiais deste recorte do terceiro-mundo, alimentando-se de referências importantes do passado cruel, mas também das vitórias comuns, a saber: as guerras de independência e as lutas revolucionárias; a exploração e a usurpação de terras, metais e riquezas; as raízes latinas, ibéricas e indígenas; o sonho bolivariano da união continental; o legado martiniano; as lutas guevaristas; entre outros. Na tradição latino-americanista, portanto, temas como esses são retomados, apropriados, ressignificados e reinventados, na tentativa de promover uma relação de continuidade e ligação com um determinado passado e com determinados autores para, dessa forma, demonstrar a reivindicação histórica, presente em seus projetos e práticas políticas atuais (PINHEIRO, 2012PINHEIRO, Marcos Sorrilha. Luís Alberto Sánchez e os significados do latino-americanismo. Revista Eletrônica da ANPHLAC, São Paulo, v. 12, p. 230-253, 2012.).

No seio desse universo de referências, Roberto Schwarz (1987SCHWARZ, Roberto. Existe uma estética do Terceiro Mundo? São Paulo: Companhia das Letras , 1987.) questiona a existência de uma estética específica do Terceiro Mundo. Ressaltando o prestígio que países dessa ordem obtiveram, sobretudo com as guerras de emancipação, o autor sublinha como seu laço de união, no contexto dos anos 1950-1960, uma batalha em duas frentes: anti-imperialista e anti-stalinista. Por meio de figuras como Fidel Castro, na América Latina, e Jawaharlal Nehru, na Índia, por exemplo, parecia possível criar um novo caminho para solucionar o impasse entre comunismo e capitalismo. Esse cenário teria possibilitado, na visão do autor, a criação de um clima de vanguarda e profetismo, sobretudo no campo das artes, originando uma dimensão estético-política que foi matriz de trabalhos com objetivo emancipador. Contudo, um excessivo entusiasmo, talvez, teria propiciado uma espécie de "mística terceiro-mundista", que veio a encobrir os conflitos de classes, trazendo uma visão ingênua do antagonismo mundial e, sobretudo, da possibilidade de interdependência entre centro e periferia. Não se dava, portanto, uma resposta plena, no âmbito da identidade nacional, às opressões, confinamentos e explorações a que era submetido o Terceiro Mundo.

No entremeio dessas questões, os intelectuais brasileiros e latino-americanos discutiam as (des)vantagens do engajamento político e seu impacto na qualidade da obra de arte e na experiência estética, tanto do produtor quanto do receptor, bem como as repercussões disso nas produções da indústria cultural, sobretudo da televisão, que se afirmava no Brasil com apoio dos governos ditatoriais, seja na forma de subsídios, seja no cuidado estatal com a infraestrutura de teletransmissão. A preocupação dos editores da revista Argumento com a qualidade dos conteúdos e formas textuais simultaneamente, conforme se vê acima na entrevista de Marcos Gasparian, revela a ponta de um vasto novelo. O lugar da arte, da intelectualidade, da leitura e dos meios de comunicação de massa exige a discussão da história colonial e pós-colonial, como observado no item anterior, juntamente com a discussão do significado da revolução, do subdesenvolvimento e, portanto, do progresso e da modernidade. Apenas à guisa de exemplo, são testemunhos dessa dinâmica os temas tratados: no número 1 da revista, a relação entre literatura e subdesenvolvimento (Antonio Candido); a postura crítica no Cinema Novo e a aceitação popular (Jean-Claude Bernardet); a chamada "via democrática chilena" para o socialismo (Fernando Henrique Cardoso); a relação entre as ações e omissões públicas no que tange à destruição da natureza (Antonio Callado); e a discussão acerca do mito do desenvolvimento e o futuro do Terceiro Mundo (Celso Furtado). No número 2, com o qual ela alcançou significativa repercussão: a relação ente poder e economia e o fracasso da concepção neoclássica (John Kenneth Galbraith); a relação entre estética e ideologia no modernismo brasileiro (João Luiz Lafetá); os problemas de planejamento na relação entre Estado e sociedade no Brasil (Celso Lafer); as mudanças políticas, por meio de revolução ou reforma (Hélio Jaguaribe); a política educacional no quadro do "milagre econômico brasileiro" (Luiz Antonio Cunha); a comparação entre a direção de teatro e de televisão (entrevista de Anatol Rosenfeld com Jorge Andrade); os problemas e promessas das artes plásticas e do cinema brasileiros (Gilda de Mello e Souza e Jean-Claude Bernardet); a miséria da economia nordestina (Antonio Callado); a poética de Pablo Neruda (resenha por Davi Arrigucci Jr.). Já, no 3º número, destacam-se: o debate sobre o mulato, a miscigenação e as relações de coerção (Eduardo Oliveira); reflexões sobre a formação do capitalismo japonês (Hiroji Okabe); o modelo de desenvolvimento econômico brasileiro (Celso Furtado); e a reforma universitária e suas relações com as mudanças sociais (Florestan Fernandes). A última edição, por sua vez, debatia: a criação do romance brasileiro (Roberto Schwarz); a relação entre o contexto social e a marginalidade da produção intelectual (José Arthur Gianotti); o futebol no Brasil (Anatol Rosenfeld); a política habitacional brasileira (Arnaldo Pedroso).

Os nomes de Celso Furtado e Anibal Pinto, como representantes da CEPAL; de Francisco Weffort e Luiz Werneck Vianna, estudiosos do populismo; e de Fernando Henrique Cardoso, como um dos teóricos formuladores da Teoria da Dependência, revelam a abertura da Argumento para os debates sobre o desenvolvimento, os quais, muito além de economia, discutiam o passado e os destinos possíveis dos países da América Latina. Nesse ponto, são exemplares os artigos: "O mito do desenvolvimento e o futuro do 3º Mundo" (n.1) e "O modelo brasileiro" (n.3), ambos por Celso Furtado; e "O enfoque histórico do desenvolvimento econômico" (n.4), por Barbosa Lima Sobrinho. Notabiliza-se na revista a preocupação com os impasses das forças políticas no Chile antes mesmo do golpe de Estado que derrubou o governo socialista de Allende, no mesmo mês de lançamento do primeiro número, como se vê no texto "Política - Chile: um caminho possível", escrito por Fernando Henrique Cardoso (n.1). Sede da CEPAL e das esperanças de uma alternativa socialista tipicamente latino-americana, uma vez que o modelo cubano só pôde sobreviver com ajuda soviética após os embargos impostos pelos EUA, o Chile possuía lugar de relevo nas relações entre-nações que se consolidavam, em especial para os brasileiros que lá se haviam exilado em fuga ou oficialmente banidos. Algo semelhante se pode dizer para o Uruguai, cuja ditadura também foi implantada no mesmo ano de 1973. Mas, se os golpes mataram pessoas e ilusões, não levaram consigo a possibilidade de constituir redes intelectuais que, ao contrário, se fortaleceram.

A estas se deve, se não a origem, a reelaboração e propagação de ideias e sentidos que alicerçavam a concepção de uma unidade latino-americana, pautada em um passado semelhante e experiências históricas comuns, e, por isso mesmo, passível de um destino compartilhado, a ser renovado em nome de um futuro melhor. Para abrir o artigo de Angel Rama na Argumento n.3, intitulado "Um processo autonômico: das literaturas nacionais à literatura latino-americana, os editores destacavam:

Os quatrocentos anos de produção literária latino-americana ainda estão à espera de uma literatura unificadora. E desde já é possível delinear a base desse projeto de integração: uma identidade comum enformada pela herança românica, pelo modo de apropriação das culturas estrangeiras, pela estratificação cultural decorrente do mestiçamento (RAMA, 1974RAMA, Angel. Um processo autonômico: das literaturas nacionais a literatura latino-americana. Argumento, n. 3, p. 36-49, 1974., p. 37).

Em outras palavras, os elementos de uma experiência histórica comum estão colocados, conformando uma tradição e identidade existentes na prática, mas à espera de uma teoria ou arte que os unifique em um todo plural e coerente. A noção de uma mesma herança e tradição desvela uma experiência temporal comum como uma dimensão fundante da "latino-americanidade" ou especificidade latino-americana. Essa experiência temporal pode ser entendida na chave hermenêutica, consoante a leitura de Koselleck (2006KOSELLECK, Reinhardt. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006.): um "campo das experiências" onde se encontram as dimensões do tempo presente e passado, em cruzamento com um horizonte de expectativas em que reside a temporalidade futura. Essa noção de futuro teve sua percepção ampliada à medida que a noção de modernidade (e as correlatas vivências de novidade, velocidade e fugacidade) tornou-se crescentemente materializada, e veio a aprofundar-se com a ideia de um corte temporal introduzido pela Revolução Francesa. Neste sentido, a consideração de uma América de experiências compartilhadas desdobra-se na consideração de uma historicidade e temporalidade também comuns, marcadas pela ideia de continuidade e pelo sentido de processo, permitindo uma noção de identidade que se adensa à proporção que o tempo passa e que os problemas não resolvidos do passado pressionam na direção de processos revolucionários, que também terão pontos comuns e trarão novas perspectivas compartilháveis.

A América, cujo sentido está em debate subjacentemente às discussões sobre o subdesenvolvimento, recebe o atributo do "atraso" criado pelo passado colonial, a ser superado no futuro com os processos de modernização, revolucionários ou reformistas, mas de todo modo, transformadores. Entre a barbárie, a civilização, nos debates dos séculos XVIII e XIX; o atraso e o moderno, no início do século XX; o subdesenvolvimento e o desenvolvimento, nos anos 1950-1970, a América vive no compasso da espera, num entretempo próprio e intrínseco, silenciosamente reconhecível por todos que nascem e vivem no continente, e que para um estrangeiro pode provocar fascínio ou horror, mas sempre estranhamento.

Nessa direção corroboram as reflexões do poeta e ensaísta cubano Waldo Pérez Cino (2014), pois suas considerações sobre o tempo suspenso na literatura cubana adequam-se relativamente bem aos aspectos culturais gerais da literatura latino-americana, compreendida como um todo. Em outras palavras, após a Revolução Cubana vigora uma temporalidade contraída e cindida entre o tempo da tradição e um tempo futuro, pois uma fratura se introduziu no modo de atribuir sentidos aos textos literários, e ao mundo, que já não podem ser lidos como antes, e no entanto uma nova forma de escrever e ler ainda não se concretizou... Isso que Pérez Cino considera hoje uma disfuncionalidade na cultura cubana permite, contudo, interpretação diversa, na linha acima mencionada da especificidade da identidade continental.12 12 Há aqui uma diferença a ser notada em relação aos românticos brasileiros. Gonçalves Magalhães, por exemplo, se considera, de um lado, que os países "americanos" têm passados comuns, por outro pressupõe que a saída seja local, única e original para cada país. Cf. MAGALHÃES (1999) .

As obras poéticas e críticas de Octávio Paz, que começavam a ser traduzidas no Brasil, na década de 1970, como Constelação, Signos em Rotação, O Labirinto da Solidão, apontavam para uma dimensão de temporalidade e espacialidade expandida, na qual os traços da "mexicanidade" se imiscuíam com a universalidade da mística oriental, como foi frequente no século dos extremos. Ao discorrer sobre a temporalidade moderna no seu livro Os filhos do barro, Paz (1984) observa que a modernidade rompe bruscamente com as maneiras de pensar o tempo anterior, seja o tempo imutável das sociedades ditas primitivas, onde o passado imemorial é sempre presente pela repetição rítmica e ritual; seja o tempo cíclico do "eterno retorno" das antigas civilizações; seja ainda o tempo cristão irreversível e heterogêneo, findando na eternidade. Todos eles têm em comum a tentativa de minimizar as mudanças, opondo a unidade de um tempo ideal ou arquetípico à pluralidade de um tempo real. O tempo da modernidade, mesmo que herdeiro da concepção cristã, investe-se numa nova imagem, isto é, a época moderna traz pela primeira vez a concepção que exalta a mudança e a transforma em seu fundamento. O senso crítico, a busca do diferente e as mudanças constantes configuram os princípios da modernidade. Mais do que o novo, porém, a modernidade valoriza o heterogêneo, o estranho e o diverso e, por isso, relaciona-se com o passado para ressaltar as diferenças entre ele e o presente, e para vê-lo em sua pluralidade. O tempo é visto como uma "teia de irregularidades", cuja regra é a variação. Não se cultua o passado, nem a eternidade, nem o tempo que é, mas o futuro, o devir, o tempo que ainda não é, que está sempre a ponto de ser. De onde a valorização da velocidade e do progresso, e a vertiginosa sensação de estarmos vivendo a "aceleração" do tempo histórico: tudo passa velozmente, tudo se torna obsoleto e ocioso muito rapidamente, pois o que importa é o que será. O tempo é, assim, fluxo constante e a compreensão de um passado que não é único, mas plural, conduz à construção de uma pluralidade de memórias, mas as contradições da modernidade abrigam também "um tempo que não é", apoiando-se num futuro "inatingível e intocável".

O que Paz considera como "a crise da modernidade" no século XX, especialmente na segunda metade, advém da mudança nos sistemas de crenças no seio da cultura ocidental. A concepção da história como um processo linear progressivo, sempre voltado para adiante, revelou-se inconsistente, gerando uma "fratura no próprio centro da consciência contemporânea". Os fracassos do progresso e a atmosfera de dúvida geral fazem romper a crença na história e no futuro, que passa a ser visto com desconfiança. Uma "lógica da história" havia nascido no século XIX, para ser mais tarde substituída por um certo pessimismo: falta sentido para o movimento da história, seu universo é complexo e fragmentário, não há direção de todo ou há muitas direções, sem que, no entanto, haja significado em termos de aspirações e valores humanos. A mudança na sensibilidade da época, que tende a afirmar a realidade concreta e particular das coisas, favorece a irrupção do presente (mesmo que desagradável), a desvalorização do futuro e o rompimento do tempo linear. Transforma-se a imagem do tempo: o agora, e não o antes ou o depois, é o valor central da tríade temporal, passado e futuro são dimensões do presente, que se torna o centro de convergência dos tempos. As violências e mudanças do século XX negam a suposta racionalidade do processo histórico; a própria história começa a ser concebida como plural: há muitos passados e muitos futuros possíveis.

Contraído, descompassado, plural, convergente e divergente, o tempo histórico é percebido por autores latino-americanos como o tempo da modernidade ocidental, na qual a América Latina se insere a contrapelo, a gosto ou a contragosto, mas arrevesadamente. Este entretempo é típico, portanto, combinando-se com o entretempo das "brechas" nos estados de exceção, em que se pode em alguns átimos de poucos meses "honrar o exercício da inteligência", conforme as palavras dos editores da Argumento, na nota obituária publicada no segundo número, em novembro de 1973, em homenagem à trajetória de Anatol Rosenfeld, marcada pela dedicação à cultura brasileira com nobreza e lucidez de espírito.

Com tal intenção, podemos ver essa revista fervilhando em meio ao caldeirão mundial dos anos 1960 e 1970 e da América Latina sob os estados de exceção ditatoriais, como palco da conjunção de todas essas percepções, de forma menos ou mais explícita. Assim, a revista, de maneira geral, ocupou um espaço significativo ao buscar integrar autores latino-americanos no projeto de crítica à condição brasileira, e ao esforçar-se por incluir o Brasil na autoimagem da América Latina, mediante uma construção de apoios internacionais que contribuíram para consolidar a perspectiva do "latino-americanismo".

Contra a perplexidade

A limitação de nosso campo poderá ainda ser restringida, mas sempre haverá um papel a ser cumprido pelo intelectual que resolva sair da perplexidade e se recusar a cair no desespero (ARGUMENTO, 1973ARGUMENTO. Ano 1, n. 1. São Paulo; Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1973. , Editorial).

"O Brasil dói": essa frase da jornalista e psicanalista Maria Rita Kehl, em entrevista concedida ao Jornal Brasil de Fato (2012) aponta para o processo da escravidão e para a repressão da ditadura civil-militar sobre seus opositores, entre 1964 e 1985, como experiências históricas dolorosas que se arrastam na vida brasileira, seja ao longo de uma temporalidade bastante distendida (a longa duração, para usarmos a consagrada expressão de F. Braudel), seja em uma temporalidade mais curta, que já vai somando décadas. À história brasileira, marcada desde o princípio por processos brutais - basta lembrar a dinâmica da colonização, a relação com índios e escravos, o tráfico negreiro, as condições de miserabilidade dos imigrantes e dos pobres no período republicano - acresceu-se mais uma camada de violência, com a diferença qualitativa (em relação aos outros períodos ditatoriais no país) de um envolvimento mais amplo das Forças Armadas e do planejamento por parte de setores governamentais de aniquilação física e moral de seus opositores, como ocorreu nas diversas ditaduras latino-americanas dos anos 1960-1970.13 13 Em "Traumatismo de la memoria e impossibilidad del olvido em los países del Cono Sur", Bruno Groppo observa: "El terror fue el instrumento elegido, conforme a los principios ideológicos de la doctrina de la 'seguridad nacional', no solo para destruir toda fuerza de oposición, sino también para disciplinar a la sociedad en su conjunto. Este terrorismo de Estado marcó un salto cualitativo en el ejercicio de la violencia em las sociedades del Cono Sur cuya historia, no obstante, no había sido precisamente pacífica: desde este punto de vista, las dictaduras militares de los años '70 e '80 se distinguen nitidamente de los regímenes autoritários anteriores". O autor menciona o relatório Nunca Más da Argentina/CONADEP, que fala de "sistema de terror institucionalizado" ( GROPPO, 2001 ).

Nesse quadro, não é de espantar que se encontre com frequência a palavra "crise" nos textos da época que tentavam interpretar o seu próprio momento histórico, aliada à noção de "perplexidade" que se apresenta ainda mais repetidamente nos diversos tipos de fontes, em poesia e prosa, em textos das imprensas ordinária ou especializada, em textos historiográficos, em correspondências particulares. No caso da revista aqui em pauta, tratava-se de lutar contra essa perplexidade. Entretanto, o que ela significa?

A busca em alguns dicionários dos significados possíveis para a palavra "perplexidade" resume-se no seguinte quadro: trata-se do embaraço de uma pessoa que não sabe que decisão tomar, hesitação, irresolução, dúvida, ambiguidade, derivando no adjetivo "perplexo", referente a indeciso, duvidoso, irresoluto; ambíguo.14 14 Segundo pesquisa realizada no Aurélio e no Priberam online (acesso em 23/04/2012) e no Dicionário e Enciclopédia Ilustrado Koogan/Houaiss . O sentido etimológico de "perplexidade" não foi encontrado no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa , do prof. José Pedro Machado, mas sim sua decomposição em "per" e "plexo". O substantivo "plexo", que em anatomia significa um entrelaçamento de muitas ramificações de nervos ou de quaisquer vasos sanguíneos, no sentido figurado, significa um encadeamento. Do mesmo vocábulo provêm outros termos que comportam essas ideias de "entrelaçar, trançar": enteroplexo, plexiforme, complexo, plecto, bem como o sentido figurativo de "dispor, arranjar sua vida". Daí se extrai um conjunto de significados conotativos que compõem imagens de algo que está além ou que atravessa um corpo em seu centro de ramificações nervosas e sanguíneas, em sua rede entrelaçada de fatores intelectuais, emocionais, psicofísicos, ou seja, algo que está além ou que atravessa os encadeamentos produzidos por um corpo individual ou social, encadeamentos estes necessários ao processo de produção de nexos e sentidos. Em outros termos, ao ser atravessado o centro-complexo produtor e transmissor de cadeias de sentidos, estes são desestabilizados e desviados, ficam colocados "além", configurando um processo social de desencadeamento e dificuldade de dispor da própria vida. Tal afetação do plexo pode explicar que a cadeia semântica da palavra "perplexidade" inclua ideias de indecisão, hesitação e ambiguidade, sob as quais se ocultam as noções de falta de diretriz e desequilíbrio.

Assim, a noção de perplexidade aponta para uma dinâmica afetivo-cognitiva de certa maneira prejudicial ou impeditiva de laços plenos de sociabilidade e construção coletiva de conhecimento. A hipótese que aqui se defende considera que o Brasil viveu na década de 1970, como fruto dos projetos e ações políticas, econômicas e culturais do Estado, um processo de mudança na estrutura da experiência histórica, sendo esta compreendida a partir dos estudos de Walter Benjamin (2000BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. 3. Ed. São Paulo: Brasiliense, 2000.) e Koselleck (1997KOSELLECK, Reinhardt. L'expérience de l'histoire. Paris: Gallimard/Seuil, 1997.), como um conjunto de vivências sociais, espaciais e temporais - abrangendo da dimensão do trabalho à criação de representações e conceitos abstratos - em que se entrecruzam heranças de tradições e perspectivas passadas, necessidades presentes e expectativas de futuro, tanto em camadas estruturais quanto conjunturais, na longa e na curta duração. O modo como esses vetores se cruzam confere sentido à experiência e sua mudança ou desarrumação profunda pode produzir a ruptura do processo criador de sentido para a existência individual e coletiva, e consequentemente, também para a história. Tal seria o significado da "perplexidade" anunciada pelas fontes aqui tratadas, ou seja, a perplexidade corresponde ou responde às mudanças experienciais, narrativas, artísticas e reflexivas que então se deram no país.

De imediato, isso ter-se-ia manifesto mais diretamente na mímesis artística, cuja liberdade de criação e transfiguração permite mais agilmente que se encontrem formas novas ou renovadas de sentir e dizer, e em cujas obras se pode ler como "o Brasil" foi sentido, vivido e interpretado cotidianamente, e como foi a "dor de viver", naquele momento, em que a relação entre passado e presente parecia irremediavelmente rompida, e o futuro não era vislumbrável. De modo aproximado, a reflexão produzida pelas ciências sociais, aí incluída a crítica literária e de arte em geral, também encontra alguns caminhos de representação, conceituação e análise, por seu olhar treinado para a leitura do tempo presente e seu ensejo crítico, sobretudo quando na oposição política.

É o que se pode inferir da leitura dos artigos da revista Argumento, em que se tentou repudiar a perplexidade e discutir no calor da hora os problemas econômicos, sociais e estéticos produzidos pelo projeto da ditadura, o qual, fundado no binômio "segurança e desenvolvimento" segundo os ditames da doutrina de segurança nacional, não pôde ocultar as fissuras do desenvolvimentismo e as contradições da modernização conservadora, sob as quais se chocam as concepções de tempo passado, presente e futuro de maneira cabal, confundindo-se a ordenação temporal com a mistura inextrincável de arcaísmos e modernizações/modernismos. Contra o fato da perplexidade socialmente disseminada - que poderia afetar, e possivelmente afetou, as dinâmicas de compreensão e solidariedade social, bem como o "sentido histórico" que as gerações anteriores a 1964 possuíam e que lhes servia de bússola política e temporal - os editores da revista buscavam manter a "lucidez" das análises que interpretavam o Brasil e suas conexões com intelectuais das esquerdas latino-americanas, europeias e norte-americanas. A geração que se formara no período do nacionalismo desenvolvimentista brasileiro, e que havia propiciado no país uma mobilização social profunda e um imaginário social novo, como diz Roberto Schwarz (1999SCHWARZ, Roberto. Fim de século. São Paulo: Companhia das Letras , 1999.), a despeito das "falácias nacionalistas e populistas" desenvolvera um senso de responsabilidade histórica - caracteristicamente moderno, pode-se acrescentar - que incorporava a ideia de nação como um todo e a preocupação com o destino dos excluídos, criando, na esfera cultural, um desejo de consistência que a fazia testar-se pela prática social e transformar-se. A derrocada das promessas desse período com a perplexidade provocada pela ditadura não invalidou de todo, em um primeiro momento, "o sentimento das coisas que se havia formado", malgrado o sofrimento que consiste em ver fogo no campo semeado, num imenso esforço humano que ameaça desaguar em vão.

A maior parte desses problemas é ainda hoje vigente e discutida, naquela mesma chave ou em novas, com maior ou menor clareza, embora se possa afirmar que, em grandes linhas, o modelo socioeconômico então projetado, foi vitorioso e se encontra vigente (ARANTES, 2010ARANTES, Paulo. O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo , 2010.; 2014), a despeito das crises subsequentes. Em todas as fontes da época, a perplexidade deixou sua marca de dor, relativa à dificuldade de construir sentidos, de transmiti-los e encontrar as rédeas para reger o próprio destino, fosse por parte dos sujeitos individuais ou coletivos que compõem a pletora da nação ou da identidade continental. A matéria originária e objetiva dessa dor ainda aguarda o seu luto social e sua historicização, para vir a encontrar, talvez, os caminhos da superação, conforme propõem Michel de Certeau (2000CERTEAU, Michel. A escrita da história. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.) e Jörn Rüsen (2009RÜSEN, Jörn. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 2, p. 163-209, 2009.).

Assim sendo...

A revista Argumento pode ser vista como um projeto intelectual de resistência política, epistemológica e cultural às corrosões de diverso teor produzidas nos países que passam pela experiência histórica de Estados de exceção, no caso da América Latina, ditaduras pautadas pelo binômio segurança-desenvolvimento, com base na Doutrina de Segurança Nacional. Ainda que tal projeto tenha sido derrotado ou, numa visão mais otimista, apenas suspenso, constitui um lugar privilegiado para o registro, e as decorrentes reinterpretações historiográficas, de uma configuração hoje pouco conhecidas entre as novas gerações: a construção de redes intelectuais latino-americanas como abertura à reflexão conjunta e à busca de possíveis soluções específicas para os problemas continentais comuns, fosse no plano do pensamento ou da prática social. Em outras palavras, a configuração do latino-americanismo nos anos 1960-70 significou uma resposta a uma situação social marcada pela dinâmica da perplexidade.

A favor do sentido de unidade e contra a situação de danificação que afetava a América Latina como um todo, tanto por sua condição pós-colonial, quanto pela experiência histórica dos Estados de exceção constituídos pelas ditaduras então vigentes em vários países do continente, levantou-se o projeto da revista Argumento, que não merece ser esquecido.

Referências

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  • KEHL, Maria Rita. "O Brasil é afetivo, encantador, violento e tenebroso". Entrevista ao Jornal Brasil de Fato, em 26/12/2011. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/8544. Acessado em 01/05/2012
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  • KOSELLECK, Reinhardt. Futuro Passado Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006.
  • KOSELLECK, Reinhardt. L'expérience de l'histoire. Paris: Gallimard/Seuil, 1997.
  • KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: Nos tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo: Scritta, 1991.
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  • MAUÉS, Flamarion. Livros contra a ditadura: Editoras de oposição no Brasil, 1974-1984. São Paulo: Publisher, 2013.
  • MENDONÇA, Sônia Regina. Estado e economia no Brasil: Opções de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
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  • PÉREZ CINO, Walter. El tiempo contraído: Canon, discurso y circunstancia de la narrativa cubana (1959-2000). Leiden: Almenara, 2014.
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  • RAMA, Angel. Um processo autonômico: das literaturas nacionais a literatura latino-americana. Argumento, n. 3, p. 36-49, 1974.
  • RÜSEN, Jörn. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 2, p. 163-209, 2009.
  • SCHWARZ, Roberto. Existe uma estética do Terceiro Mundo? São Paulo: Companhia das Letras , 1987.
  • SCHWARZ, Roberto. Fim de século. São Paulo: Companhia das Letras , 1999.
  • SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na primeira república. 2. ed. São Paulo: Compania das Letras, 2003.
  • 1
    Segundo artigo recente de Débora Cota (2014) COTA, Débora. Argumento: literatura e cultura nos anos 70. Letras de Hoje, Porto Alegre, n. 4, v. 49, p. 424-433, 2014. , a tiragem da revista teria atingido 25.500 exemplares e mesmo 45.500 no terceiro número. Diz a autora que, no período, a revista circulou ao lado de periódicos de pequeno e grande porte, como o jornal O Estado de S. Paulo , o Jornal da Tarde , o Opinião , o Pasquim , a revista Veja , a revista alternativa Ex , dentre outros. A edição de número 3 foi parcialmente apreendida enquanto a quarta estava no prelo, de modo que sua efemeridade deveu-se à intervenção da polícia
  • 2
    GASPARIAN, Marcus. Entrevista. Rio de Janeiro, 08 de dezembro de 2014 [em processo de transcrição]. Todas as referências a ele, neste texto, referem-se a esta entrevista gentilmente concedida a Cairo Barbosa e Renata Marinho Almeida, para os fins deste trabalho. Marcus Gasparian é filho de Fernando Gasparian e, atualmente, um dos sócios-diretores da Livraria Argumento. Está ainda em andamento a pesquisa sobre a formação da revista, que contou também com a participação de outros empresários e intelectuais, como Raimundo Rodrigues Pereira, que depois romperam com Gasparian. Segundo Marcus, Fernando nasceu numa família armênia de boa situação financeira, foi empresário e engenheiro elétrico, mas, sobretudo um humanista, embora sem viés acadêmico. Nacionalista, tinha como melhores amigos os deputados trabalhistas Rubens Paiva (posteriormente torturado e desaparecido) e Almino Afonso e, em 1964, teve sua casa metralhada por um grupo de direita. Em 1970 foi para o exílio em Londres com a família, pois soube constar na listagem de empresários que seriam presos, mas voltou ao Brasil quando soube da morte de Rubens Paiva. Consta que Fernando, como um dos criadores do Jornal Opinião , cuja dissidência formou depois o Jornal Movimento , também alternativo, enfrentou na época problemas com Raimundo Pereira, Ênio Silveira (da Editora Civilização Brasileira, ligada ao PCB), o poeta Moacir Félix (que se teria demitido da Editora Paz e Terra) e o ex-deputado Max da Costa Santos (que também se haveria desligado da Paz e Terra para fundar a Editora Graal), entre outros. Para uma visão do assunto, ver Kucinski (1991) KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: Nos tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo: Scritta, 1991. .
  • 3
    Há numerosos trabalhos e debates sobre o período. Remetemos aqui apenas a Ferreira; Delgado (2003) FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia Neves. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. , Mendonça (1986) MENDONÇA, Sônia Regina. Estado e economia no Brasil: Opções de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Graal, 1986. e Gomes (1996) GOMES, Anegela de Castro. O populismo e as Ciências Sociais no Brasil: Notas sobre a trajetória de um conceito. Tempo, Niterói, v.1, n.2, p. 31-58, 1996. .
  • 4
    No sentido conferido por Agamben (2004) AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. . Ressalvamos a necessidade de uma acurada discussão - que não cabe nos limites deste texto - sobre o significado e os limites do conceito de "estado de exceção" nos países latino-americanos, dado o vasto histórico de violência e arbitrariedade cometidas pelos Estados desses países. Consideramos, entretanto, a aplicabilidade do conceito, tendo em vista que seu parâmetro são os Estados de Direito, cujo modelo serviu, e ainda serve, à constituição jurídico-política na América Latina, desde os movimentos de independência. Compreendemos também que há vários tipos de "estado de exceção", entre os quais se inclui a ditadura de segurança nacional implantada no Brasil e em diversos países do continente nos anos 1960-1970.
  • 5
    Agradeço ao prof. Paulo Arantes as informações trocadas em conversa telefônica informal, em fevereiro de 2012.
  • 6
    Como The Guardian, New York Review of Books, The Observer e Le Monde Diplomatique , segundo informações de Marcus Gasparian, que embasam todo o parágrafo. Sobre a relação entre imprensa e ditadura, e mesmo a colaboração de ambos, ver Kushnir (2004) KUSHNIR, Beatriz. Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à constituição de 1988. São Paulo: Boitempo /FAPESP, 2004. .
  • 7
    Como, por exemplo, Candido (1984) CANDIDO, Antonio. A formação da literatura brasileira. Belo horizonte: Itatiaia, 1984. e Sevcenko (2003) SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na primeira república. 2. ed. São Paulo: Compania das Letras, 2003. .
  • 8
    Para uma rápida localização, cabe informar que Torcuato Salvador Francisco Nicolás Di Tella (1929 -), nascido em Buenos Aires, Argentina, é engenheiro e sociólogo, filho do também engenheiro italiano Torcuato Di Tella. Foi professor de sociologia na Universidad de Chile, na Universidade de Buenos Aires, nas Universidades de Oxford e da Califórnia entre outras. Fundou o Instituto de Desarrollo Económico y Social (IDES) em 1960, e a Fundación Di Tella. Ocupou o cargo de Secretário de Cultura da Argentina durante a presidência de Néstor Kischner, de maio de 2003 até sua renúncia, em novembro de 2004. Nomeado Embaixador Argentino na Itália em 2010, ocupa o cargo na atualidade. Octavio Paz Lozano (1914-1998) foi poeta, ensaísta, tradutor e diplomata mexicano, notabilizado, principalmente, por seu trabalho prático e teórico no campo da poesia moderna e de vanguarda. Em 1945, ingressou no serviço diplomático mexicano. Viveu em Paris o movimento surrealista, com o qual teve fortes laços, sobretudo com André Breton, de quem foi amigo. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1990. Aníbal Pinto (1919-1996) foi economista, professor e escritor chileno, vencedor do Prêmio Nacional de Humanidades e Ciências Sociais em 1995. Colaborou com importantes periódicos chilenos como o Las Noticiais de ultima hora. Durante a década de 1950 foi membro da Comisión Econômica para América Latina y el Caribe, ocupando a posição de diretor da subsede de CEPAL/ILPES no Rio de Janeiro.
  • 9
    GASPARIAN, Marcus. Entrevista. Rio de Janeiro, 08 de dezembro de 2014.
  • 10
    No Anexo da dissertação, na parte "Estatística de autores colaboradores", elencam-se, por exemplo: Angel Rama, Normal Gall, Roberto Cortés Conde, Marta Traba, Anibal Pinto, Pablo Neruda.
  • 11
    O depoimento está em Candido (1993), pp. 263.
  • 12
    Há aqui uma diferença a ser notada em relação aos românticos brasileiros. Gonçalves Magalhães, por exemplo, se considera, de um lado, que os países "americanos" têm passados comuns, por outro pressupõe que a saída seja local, única e original para cada país. Cf. MAGALHÃES (1999) MAGALHÃES, Domingos J. Gonçalves de. Ensaio sobre a história da literatura do Brasil. In: ZILBERMAN, Regina; MOREIRA, M. E. (ed). Crítica literária romântica no Brasil: primeiras manifestações. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, v. 5, n. 2. Porto Alegre: PUCRS, 1999. p. 27-39. .
  • 13
    Em "Traumatismo de la memoria e impossibilidad del olvido em los países del Cono Sur", Bruno Groppo observa: "El terror fue el instrumento elegido, conforme a los principios ideológicos de la doctrina de la 'seguridad nacional', no solo para destruir toda fuerza de oposición, sino también para disciplinar a la sociedad en su conjunto. Este terrorismo de Estado marcó un salto cualitativo en el ejercicio de la violencia em las sociedades del Cono Sur cuya historia, no obstante, no había sido precisamente pacífica: desde este punto de vista, las dictaduras militares de los años '70 e '80 se distinguen nitidamente de los regímenes autoritários anteriores". O autor menciona o relatório Nunca Más da Argentina/CONADEP, que fala de "sistema de terror institucionalizado" ( GROPPO, 2001 GROPPO, Bruno. Traumatismo de la memoria e impossibilidad del olvido em los países del Cono Sur. In: GROPPO, Bruno; FLIER, Patrícia (org). La impossibilidadad del olvido: recorridos de la memoria en Argentina, Chile y Uruguay. La Plata: Al Margen, 2001. p. 19-42. ).
  • 14
    Segundo pesquisa realizada no Aurélio e no Priberam online (acesso em 23/04/2012) e no Dicionário e Enciclopédia Ilustrado Koogan/Houaiss . O sentido etimológico de "perplexidade" não foi encontrado no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa , do prof. José Pedro Machado, mas sim sua decomposição em "per" e "plexo".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2015
  • Aceito
    06 Fev 2016
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