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O TRADUTOR DOS ABOMINÁVEIS PRINCÍPIOS: José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara e a circulação dos escritos de Voltaire em Portugal e no Brasil (1790-1834)

THE TRANSLATOR OF THE ABOMINABLE PRINCIPLES: José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara and the circulation of written works of Voltaire in Portugal and Brazil (1790-1834)

RESUMO

O presente artigo investiga a vida e a obra do desembargador José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara, o mais importante tradutor dos textos de Voltaire para a língua portuguesa, entre os séculos XVIII e XIX. Sob anonimato, ludibriando o aparato da censura portuguesa, o desembargador publicou as tragédias políticas do filósofo francês, que circularam ultracopiadas ou por meio de impressões clandestinas, a exemplo de Bruto (1806). Sousa da Câmara viveu oito anos na Capitania da Bahia, onde atuou no Tribunal da Relação ao tempo em que os abomináveis princípios franceses influenciaram os eventos da Conjuração Baiana de 1798.

Palavras-chave:
Teatro de Voltaire; Bruto; Censura; Conjuração Baiana

ABSTRACT

This paper investigates the life and work of magistrate José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara, the most important translator of Voltaire's texts into Portuguese, between the eighteenth and nineteenth centuries. Anonymously, deceiving the apparatus of the portuguese censorship, the magistrate issued the political tragedies of the french philosopher, circulated manuscript or through clandestine prints, the example of Bruto (1806). Sousa da Câmara lived eight years in the Captaincy of Bahia, where he served on the time the Tribunal da Relação, in times that abominable french principles influenced the events of Conjuração Baiana of 1798.

Keywords:
Theater of Voltaire; Brutus; Censorship; Bahian Conspiracy

Senadores que haveis exterminado D' entre nós os Tyrannos; que não tendes, Mais do que nossas leis, vossas virtudes [...] E ja d'hum povo livre o poder teme: Humilhado ante nós sua soberba (Bruto, 1806)

Prólogo: O teatro do mundo

Cidade da Bahia, 1799. O cronista frei José do Monte Carmelo registrou as últimas palavras de João de Deus, homem negro, um dos quatro condenados à pena capital sob a acusação de participar da sedição que no ano anterior teve lugar na referida capitania. Um frade carmelita, testemunha da execução, afirmara que o réu confessara publicamente, já no cadafalso, os motivos que o conduziram àquele lugar. João de Deus teria dito que se envolveu na Conjuração de 1798 "depois que dei ouvidos a uns cadernos, a um Voltaire, a um Calvino, a um Rousseau, deixei o que não devera e por isso vim parar a este lugar" (TAVARES, 1975TAVARES, Luis Henrique Dias. História da sedição intentada na Bahia em 1798 (A Conspiração dos Alfaiates). São Paulo; Brasília: Pioneira; INL, 1975. , p. 135). Era o trágico fim da Conjuração Baiana.

Aquele movimento político começou a ser articulado entre 1796 e 1797, sendo que no início de junho de 1798 o governador D. Fernando José de Portugal foi surpreendido por uma carta do ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, datada de 2 de março, na qual acusava "huma denuncia de varias pessoas que parecem infectas de principios Jacobinos". O ministro ordenou ao governador "que tomando conhecimento do facto e achando-o verdadeiro", procedesse com severidade contra os conspiradores.1 1 Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa (AHU), Catálogo Eduardo Castro de Almeida. Doc. 18.360. Officio do Governador D. Fernando José de Portugal para D. Rodrigo de Sousa Coutinho, no qual se refere a uma denuncia em que se accusavam certas pessoas de serem jacobinas. Bahia, 17 de junho de 1798. Ainda em junho, D. Fernando José respondeu ao ministro que "não tem sido constantes aquelles factos que em confuso se apontão na denuncia", alegando que o ministro não declarou o nome das pessoas suspeitas. Sousa Coutinho suprimiu propositadamente, ao que parece, o nome dos suspeitos de conspiração. O governador ainda afirmou que "por cautella tenho chamado algumas vezes à minha presença hum ou outro mancebo, só por me dizerem que pensa com mais liberdade ou com menos instrucção nos verdadeiros principios da religião". D. Fernando José assinalava, ainda, alguma preocupação "com correios da Europa e gazetas inglezas, que não são prohibidos [...] mas nem por isso se tem aqui introduzido principios jacobinos, nem especie de sociedade ou ajuntamentos perniciosos". O governador encerrou seu ofício ao ministro observando "o desejo que tenho de não dar corpo á cousas, emquanto ellas o não merecem" (IGLESIAS MAGALHÃES, 2012MAGALHÃES, P. A. I. Flores celestes: o livro secreto de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu? História (São Paulo), v. 31, p. 65-100, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-90742012000100006&script=sci_arttext >. Acesso em: 15/03/2015.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
, p. 83).

A repressão, iniciada em agosto de 1798, contra os suspeitos da Conjuração, deixou os desembargadores do Tribunal da Relação da Bahia ocupados em investigar e punir os integrantes do movimento que tivera como objetivo separar a referida capitania do domínio monárquico de Portugal, criando uma República Bahianense. O professor Luis Henrique Dias Tavares assinalou que a conspiração, tendo significativa participação de homens negros e mestiços, almejava, ainda, o fim do sistema escravista. Não tardou para que os agentes do governo português identificassem os envolvidos naquele projeto político, que hoje tem seus nomes (re)conhecidos na História: João de Deus, alfaiate, pardo livre, cabo da esquadra do segundo regimento de milícias; Luiz Gonzaga das Virgens, pardo livre, neto de português e de uma escrava; Manoel Faustino dos Santos Lira, pardo forro, alfaiate; Lucas Dantas d'Amorin, soldado pardo. A punição dos envolvidos foi violenta, e os quatro referidos, sentenciados à forca.

Outros nomes logo apareceram na devassa que se seguiu à publicação dos pasquins sediciosos, como os do cirurgião Cipriano Barata, do tenente Hermógenes Francisco de Aguilar Pantoja e do professor de latim da vila de Rio de Contas, Francisco Moniz Barreto. No rol de culpa dos militares e intelectuais envolvidos na conspiração havia a posse de livros e cadernos manuscritos, sendo que alguns eram proibidos de circular nos domínios de Portugal. Os historiadores já examinaram as bibliotecas de Cipriano Barata e Aguilar Pantoja, que foram confiscadas durante a repressão aos conjurados. No espólio deste último constava o Dictionnaire philosophique, tomo primeiro, de François-Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire. Segundo Kátia Mattoso, "O dicionário filosófico de Voltaire [...] é considerado como uma das mais importantes obras desse autor e do pensamento ilustrado que nele se condensava e representava, na época, um instrumento" (MATTOSO, 1969MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Presença francesa no movimento democrático baiano de 1798. Salvador: Itapuã, 1969., p. 30).

Aquela era uma obra proibida de circular nos domínios de Portugal. A existência do volume pertencente ao tenente Hermógenes, todavia, comprova que os livros de Voltaire circulavam na Bahia, alcançando tanto os homens negros, a exemplo de João de Deus, como os oriundos das camadas médias urbanas. Não temos, contudo, até o presente, a real dimensão da influência que os escritos de Voltaire exerceram sobre os intelectuais e rebeldes da América portuguesa, particularmente na capitania da Bahia, entre o limiar do século XVIII e o raiar do século XIX. Desse modo, o objetivo do presente artigo é revelar um personagem que transitou pelo Atlântico e traduziu, sob anonimato, as mais importantes tragédias de Voltaire, produzindo livros impressos e cadernos manuscritos que simplificavam os conceitos da Ilustração e possibilitavam que eles alcançassem grande público, até mesmo entre os iletrados, por meio do teatro.

Não foi registrado na História, teatro do mundo, que o principal tradutor das obras de Voltaire na língua portuguesa estava muito próximo ao episódio que levou os quatro negros conjurados à execução na cidade do Salvador. Esse obscuro tradutor de Voltaire, que viveu na Bahia entre 1794 e 1802, estava, aliás, no lado oposto ao processo que levou João de Deus ao cadafalso. Trata-se do desembargador José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara. É necessário, portanto, retirar a máscara que o manteve anônimo e colocá-lo na cena política e cultural da sua época.

Os limites cronológicos deste artigo se justificam entre os anos de 1790, em que foram impressas as primeiras traduções de Sousa da Câmara, e 1834, que assinala o triunfo do liberalismo em Portugal. Em 1834, já não havia mais impedimentos legais ou perseguições políticas contrárias à divulgação dos textos de Voltaire naquele país, como bem demonstra a publicação de Cândido (1834), traduzido por Alexandre Herculano.

A orientação metodológica do presente artigo é fundamentada pela história intelectual, definida como o estudo do pensamento informal, dos climas de opinião e dos movimentos literários. Aproxima-se, também, da história social das ideias, na medida em que esta compreende o estudo da difusão das ideias e ideologias (DARNTON, 1990DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. São Paulo: Companhia das Letras, 1990., p. 188). A história intelectual abrange um amplo campo de estudos que contempla as obras menores ou de autores esquecidos pelos estudiosos da história das ideias. Esse modelo de história está presente no livro Boemia literária e revolução, de Robert Darnton, no qual o historiador analisa uma coleção de livretos populares denominada Bibliothèque Bleue (Biblioteca Azul). Trata-se de impressos de conteúdo simples e acessível, estudados por Darnton, para além do seu conteúdo, na sua conformação material (capa, tipo de papel, formato), pressupondo que os elementos físicos também produzem significados. Esse pressuposto, contudo, não deve se limitar a uma arqueologia do livro.

De acordo com Chartier, "um texto só existe se houver um leitor para lhe dar um significado" (CHARTIER, 1994CHARTIER, Roger. A ordem do livro: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Trad. Mary Del Priore. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994., p. 11). Sendo um espaço aberto a leituras múltiplas, os textos, segundo o referido autor, não podem "ser apreendidos nem como objetos, cuja distribuição bastaria determinar, nem como entidades, cuja significação seria universal. Devem ser relacionados à rede contraditória das utilizações que os constituíram historicamente" (CHARTIER, 2002CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: UFRGS, 2002., p. 55). A história intelectual deve, portanto, dialogar com a história do livro e da leitura, para que, além de apontar a importância da materialidade dos impressos e dos suportes pelos quais os textos chegam até os leitores, seja possível alcançar uma compreensão também das diferentes formas como um texto pode ser lido, apropriado e interpretado, bem como sua materialização em possíveis desdobramentos políticos.

É certamente difícil apreender a recepção e os significados que um livro pode gerar em um determinado momento histórico. As variáveis e possibilidades são ampliadas em decorrência da complexidade política de Portugal e, principalmente, da América portuguesa na transição do século XVIII para o XIX. Naquele contexto, um mesmo livro poderia levar um homem ao cadafalso e outro ao pináculo da sociedade. O mesmo livro pode alcançar multidões de iletrados por meio do teatro, estudantes da Universidade de Coimbra, ou apenas um anônimo, mas perspicaz, leitor da Gazeta de Lisboa. O mesmo livro pode se tornar um símbolo de uma época, mas ser esquecido pelas gerações seguintes.

As traduções do desembargador Sousa da Câmara

Ao avançar pela biografia de José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara é necessário, primeiro, identificar as traduções que são, efetivamente, suas e estabelecer algumas considerações sobre a circulação das obras de Voltaire em Portugal e no Ultramar, bem como acerca da censura contra elas, entre 1738 e 1834. Foi no período assinalado que concorreram diversos tradutores luso-brasílicos na divulgação dos poemas, comédias e tragédia de Voltaire na língua portuguesa. Na Península Ibérica e nos Impérios ultramarinos de Portugal e Espanha, sob governos absolutistas e com o Santo Ofício em funcionamento, o nome de Voltaire tornou-se sinônimo dos "abomináveis princípios franceses" e suas obras se tornaram alvo das censuras política e religiosa.

François-Marie Arouet, conhecido como Voltaire, é um dos personagens mais representativos da Ilustração francesa na Europa do século XVIII. Apesar da sua notoriedade, é necessário apresentar alguns elementos da sua biografia, bem como a sua significativa obra teatral. Voltaire nasceu em 20 de novembro de 1694, filho de François Arouet, tesoureiro do Tribunal de Contas, e de Catalina Daumert. Foi historiador, filósofo, poeta, gentil-homem da Câmara do Rei em 1747, sócio da Academia Francesa, da Sociedade Real de Londres, de Bolonha e São Petersburgo, alcançando reconhecido prestígio entre as Cortes europeias e os homens notáveis do seu tempo. Voltaire escreveu também obras de teatro, linguagem que desde a Antiguidade, ao ser encenada, permitia alcançar as multidões, incluindo os iletrados. O teatro possibilitava, por meio de sua linguagem dinâmica, aos homens e às mulheres que não sabiam ler, entrar em contato com ideias e princípios filosóficos que implícita ou explicitamente estavam presentes nas obras encenadas. No teatro do mundo, Voltaire pensava formas pelas quais suas mensagens pudessem cativar o povo e o público e, por isso, não cessava de repetir nas suas instruções que enviava de Ferney à d'Alembert em Paris: "Il faut mettre les rieurs de notre côté (Devemos ter o sorriso do nosso lado)" (DARNTON, 2002DARNTON, Robert. Pour les Lumières: défense, illustration, méthode. Bordeaux: Presses Universitaires, 2002., p. 103).

Voltaire reconhecia a facilidade dessa forma de comunicação e dominava a linguagem do teatro. Ele foi autor de vinte e uma obras teatrais: Édipo, tragédia (1718); Artemisa, tragédia (1720); Mariamne, tragédia (1724), refundida com o título de Hérodes et Mariamne, tragédia (1725); O Indiscreto, comédia em um ato (1725); Brutus, tragédia (1730); Erifila, tragédia (1732); Zaira, tragédia (1732); Adelaide, tragédia (1734); Alzira, tragédia (1736); O filho pródigo, ou a Escola da Juventude, comédia em cinco atos e em versos decassílabos (1736); Zulima, tragédia (1740); Maomé, tragédia (1742); Merope, tragédia (1743); Morte de César, tragédia (1743); Princesa de Navarra, comédia em três atos, em verso livre (1745); Semíramis, tragédia (1748); Nanina, comédia em três atos e em verso (1748); Orestes, tragédia (1750); Roma Salvada, tragédia (1752); Duque de Foix, tragédia (1752). Pelos significados dessa vasta obra, bem como dos usos políticos dela, José Gonçalves da Cruz Viva, biógrafo português de Voltaire, o definiu como "grande agitador do século XVIII [...] apóstolo da tolerância e da liberdade de pensar" (VIVA, 1863VIVA, José Gonçalves da Cruz. A mais imparcial e mais exacta biografia de Voltaire. Porto: Tipografia de Sebastião José Pereira, 1863., p. XV).

Em Portugal, as traduções dos escritos de Voltaire, incluindo suas obras de teatro, tiveram um percurso acidentado devido aos diversos mecanismos de censura constituídos naquele país. A censura que vigorou contra seus escritos dificultou aos estudiosos conhecer, com profundidade, as traduções portuguesas do Patriarca de Ferney. Theodor Basterman catalogou, em 1970BASTERMAN, Theodore. Provisional bibliography of Portuguese editions of Voltaire. Studies on Voltaire and the Eighteenth Century, Voltaire Foundation, v. 76-78, p. 15-35, 1970., as obras de Voltaire traduzidas em português, por ocasião da exposição em homenagem ao filófoso francês realizada em Lisboa (jun.-jul. 1969), mas pode-se afirmar que sua lista está atualmente muito defasada. Bem ilustram isso algumas traduções feitas por Sousa da Câmara recentemente identificadas. Para fazer um inventário atualizado das traduções de Voltaire, particularmente aquelas realizadas por Sousa da Câmara, foi necessário recorrer, obviamente, ao catálogo organizado por Theodor Basterman (BASTERMAN, 1970BASTERMAN, Theodore. Provisional bibliography of Portuguese editions of Voltaire. Studies on Voltaire and the Eighteenth Century, Voltaire Foundation, v. 76-78, p. 15-35, 1970., p. 15-35), ao Dicionário Bibliográfico, de Inocêncio Francisco da Silva, bem como aos acervos registrados na PORBASE, a Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (São Paulo) e na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

As informações apuradas durante as investigações nesses acervos e nas bibliografias disponíveis permitem afirmar que, sem dúvida, o principal tradutor das obras de Voltaire para a língua portuguesa foi José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara, tanto pela quantidade das traduções quanto pelos méritos literários dos seus textos. Título que pode ser ainda justificado pela grande importância que suas traduções tiveram no contexto das lutas políticas contra o absolutismo em Portugal e na América portuguesa. Contam-se, no presente, oito traduções de Voltaire da lavra do desembargador, algumas delas ainda manuscritas que circularam ultracopiadas em Portugal e no Brasil, outras impressas, algumas clandestinamente. O anonimato foi a maneira que o desembargador encontrou para se resguardar numa época de censura e perseguição intelectual. A sua acertada estratégia em se manter anônimo cobrou o devido preço, e esse personagem singular tornou-se tão esquecido pelos investigadores da História quanto as suas traduções pelos estudiosos da literatura luso-brasileira. É necessário, então, recuperar sua biografia e identificar sua obra teatral.

José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara, filho de José Duarte Azevedo Sousa da Câmara, nasceu em São João Baptista, Tomar, sendo batizado a 19 de dezembro de 1754.2 2 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Registo Geral de Mercês, Registo de Certidões Negativas, liv. 1 (número de ordem 419), fl.308, 27-06-1816. (PT/TT/RGM/T/0001/336440) Casou-se com Maria da Luz e teve dois filhos, Emília Carlota de Azevedo Sousa da Câmara e Rodrigo de Azevedo Sousa da Câmara. Formado em Leis pela Universidade de Coimbra, tornou-se desembargador do Tribunal da Relação do Porto e cavaleiro da Ordem de Cristo (BORREGO, 2008BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira. Habilitações nas Ordens Militares. Tomo II - Ordem de Cristo. Lisboa: Guarda-mor, 2008., p. 288).

A primeira vez em que o nome de Sousa da Câmara aparece ligado às traduções das tragédias de Voltaire ocorre no frontispício da segunda edição de Bruto, em 1821VOLTAIRE. A morte de Cesar: tragedia / de M. Voltaire. Trad. por Manoel Joaquim Borges de Paiva. Coimbra: Impr. da Universidade, 1821., impressa por diligência de Antonio Maria Couceiro. O tradutor Sousa da Câmara falecera em 1812, portanto, nove anos antes de ter seu nome estampado em livro. Assinala-se que, naquele ano em que Bruto foi impresso com o nome do tradutor, Portugal se encontrava sob os efeitos da Revolução Liberal de 1820 e mais aberto à circulação de obras da Ilustração francesa.

Na mesma época, outros autores começaram a associar o nome de Sousa da Câmara às traduções anônimas. O viajante francês Adrien Balbi, dez anos após a morte do desembargador, em 1822BALBI, Adrien. Essai statistique sur le royaume de Portugal et d'Algarve: comparé aux autres États de l'Europe. Paris: Chez Rey et Gravier, Librairés, 1822. 2v., registra que "A la tête des traducteurs nationaux il faut mettre le desembargador José Pedro de Azevedo Souza da Camara, qui traduit d'une manière heureuse les meilleures tragédies de Voltaire, et qui dans ce genre est au-dessus de toute comparaison avec aucun de ses compatriotes" (BALBI, 1822BALBI, Adrien. Essai statistique sur le royaume de Portugal et d'Algarve: comparé aux autres États de l'Europe. Paris: Chez Rey et Gravier, Librairés, 1822. 2v., II, p. 164). Logo, o conceito de Câmara como competente tradutor das obras de Voltaire circulou pela Europa e seu nome figurou no Allgemeine deutsche Real-Encyklopädie für die gebildeten Stände: "Unter den Uebers. verdient der Desembargador Jose Pedro de Azevedo Souza da Camara, welcher die besten Trauerspiele Voltaire's glücklich übersetzt hat, den Vorzug" (ALLGEMEINE, 1827ALLGEMEINE deutsche Real-Encyklopädie für die gebildeten Stände (Konversations-Lexikon). Leipzing: F. M. Brockhaus, 1827. v. 8., VIII, p. 754). O também francês Ferdinand Denis, historiador da literatura luso-brasileira, registrou: "Je rappellerai également ici un poète mort il y a peu d'années: il jouit d'une grande réputation comme traducteur; c'est Azevedo Souza da Camara, qui fit passer dans sa langue, avec un bonheur étonnant, les meilleures pièces de Voltaire" (DENIS, 1832DENIS, Ferdinand-Jean. Résumé de l'histoire littéraire du Portugal suivi du Résumé de l'histoire littéraire du Brésil. Paris: Lecointe et Durey, Libraires, 1832., p. 470).

Esses três registros de reconhecimento, contudo, não indicam o título das obras que traduziu. Então, quais foram as obras traduzidas por Sousa da Câmara? O médico e poeta Moraes Sarmento revelou, em 1847SARMENTO, João Evangelista de Moraes. Poesias de João Evangelista de Moraes Sarmento. Porto: Typographia Commercial, 1847., alguns dos títulos num soneto feito em homenagem à morte do desembargador, de quem era amigo:


As traduções de Sousa da Câmara circulavam manuscritas e ultracopiadas, discretamente em círculos restritos e iniciáticos, teatros e clubes, onde algumas pessoas poderiam saber sua real identidade. Assim, outras traduções de Voltaire que surgiram em Portugal também lhe foram atribuídas. Foi o caso, por exemplo, de uma tradução impressa de Semiramis. Segundo afirmou Inocêncio Francisco da Silva:

Muitos pretenderam atribuir também ao desembargador Camara a traducção anonyma da Semiramis de Voltaire, que se imprimiu no Porto. Um dos que assim o pensaram foi o celebre João Evangelista de Moraes Sarmento, mencionando-a entre as outras versões no soneto feito por occasião da morte de Camara (que vem a pag. 46 das poesias impressas do mesmo João Evangelista). N'isso porém houve engano, e bastava, quanto a mim, o estylo da versão da Semiramis, para reconhecel-a por obra de mão diversa [de José Lourenço Pinto] (SILVA, 1860, V, p. 89-90).

Foi Inocêncio Francisco da Silva quem divulgou, em 1860, a identidade do principal tradutor das obras de Voltaire em Portugal, sendo, inclusive, contemporâneo de Rodrigo Sousa da Câmara, filho do desembargador, de quem poderia ter recolhido informações mais precisas. Apesar disso, a relação apresentada por Inocêncio, autor do mais completo Dicionário Bibliográfico em língua portuguesa, é equivocada e incompleta.

Disso decorrem algumas questões controversas sobre as traduções de Sousa da Câmara. A primeira, ao contrário do que assinalou Inocêncio, há sim uma tradução de Semiramis feita por Sousa da Câmara, que circulou manuscrita, desconhecida pelo bibliógrafo português, sendo revelada em 1969 no catálogo de Basterman. A versão de Semiramis impressa no Porto em 1793 e a de Lisboa (c. 1800) podem ser atribuídas ao médico José Lourenço Pinto (1753-1815). Laureano Carreira observou que Semiramis "obteve em Portugal um certo sucesso. Teve uma tradução, que ficou manuscrita, pelo desembargador José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara, da qual se conhecem duas cópias" (CARREIRA, 1988CARREIRA, Laureano. O teatro e a censura em Portugal na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Impr. Nacional-Casa da Moeda, 1988., p. 139-140). Essas duas cópias atribuídas ao magistrado estão conservadas na Biblioteca Geral da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

A segunda questão reside em que, além das obras de Voltaire, Sousa da Câmara traduziu Ignez de Castro, tragedia de Mr. di Lamotte, traduzida, em 1792, feita sobre a obra de Antoine Houdar de Lamotte (1723). Inocêncio diz que essa edição de "La Motte só apareceu em português em 1792, numa tradução, hoje perdida" (SOUSA, 1984SOUSA, Maria Leonor Machado. Inês de Castro na literatura portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1984. , p. 131). O redator do Almanach Bertrand de 1918 reclamava que "nunca vimos nenhum d'estes trabalhos" (ALMANACH, 1918ALMANACH Bertrand 1918. Lisboa: J. Bastos, 1918., p. 121). Também não encontrei exemplar impresso, mas na Biblioteca Nacional de Lisboa há uma cópia manuscrita que assinala ter sido feita em 1792. O autor do Parnaso Mariano, em fins do século XIX, nota: "Ignez de Castro, drama que foi traduzido por José Pedro d'Azevedo e Sousa da Câmara. É pouco conhecida por se não distribuir pela venda, mas tem singular merecimento" (PARNASO, 1890PARNASO Mariano. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1890., p. 236, grifo nosso). É uma pista de como Sousa da Câmara divulgava suas produções. Apesar da tradução de Ignez de Castro ter circulado por meios mais restritos, outras traduções feitas por Câmara foram colocadas à venda. A Gazeta de Lisboa de 27 de novembro de 1790 anunciava a publicação de "Orestes, Sofonisba, Mariamne: Tragedias de Voltaire: traduzidas na língua portuguesa em verso".3 3 Gazeta de Lisboa , sábado, 27 de novembro de 1790. As obras referidas, bem como outras tragédias de Voltaire também foram anunciadas para venda no Cathalogo De Comedias, e Tragedias que se vende na Loja de João Henrique, na Rua Augusta = N.1 . [Lisboa] s/l; s/d. Em 1817, o livreiro Mechas ainda disponibilizava para venda exemplares de Mariamne.4 4 Gazeta de Lisboa , n. 123, segunda-feira, 26 de maio de 1817.

Figura 1
Frontispício de Sofonisba, 1790

A terceira controvérsia está em Teófilo Braga afirmar a existência de uma edição de Bruto em 1792, mas essa indicação é certamente equivocada (BRAGA, 1871BRAGA, Teófilo. História do Teatro Portuguez: a baixa comédia e a ópera: século XVIII. Porto: Imprensa Portugueza - editora, 1871., p. 399). Não há exemplares em qualquer biblioteca pública ou coleção privada que assinalem a impressão de Bruto naquele ano. A primeira edição é, portanto, a de 1806, que consta ter sido impressa em Calcutá. É possível, no entanto, que os manuscritos de Bruto circulassem desde 1790. Teófilo Braga teria visto um manuscrito com a data de 1792? A cópia manuscrita de Bruto que pertence à minha coleção é, possivelmente, de fins do século XVIII.

Em quarto, localizamos na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro uma edição de Alzira desconhecida de todos os registros bibliográficos, que estampa no seu título ser uma tradução realizada pelo desembargador Sousa da Câmara (VOLTAIRE, 1842VOLTAIRE. Alzira ou Os Americanos; tragédia em cinco actos, composta / por Voltaire e traduzida pelo desembargador Camara. [Rio de Janeiro]: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e C., 1842.).5 5 Localização: 110, 4, 2, n.5. O exemplar indicado está sem a folha de rosto, encadernado com outras obras teatrais. Agradeço a Hélida Santos Conceição pela reprodução do referido impresso. Moraes Sarmento, Inocêncio da Silva ou Theodor Basterman sequer tiveram notícia da edição fluminense de Alzira ou Os Americanos; tragédia em cinco actos, composta porVoltaire e traduzida pelo Desembargador Camara, impressa em 1842VOLTAIRE. Alzira ou Os Americanos; tragédia em cinco actos, composta / por Voltaire e traduzida pelo desembargador Camara. [Rio de Janeiro]: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e C., 1842. na Typ. Imp. e Const de Villeneuve. Alzira chegou a ser encenada no Rio de Janeiro, sendo anunciada como obra do desembargador Câmara.6 6 Diario do Rio de Janeiro . n. 153, 15 jul. 1842, p. 3. Foi possível comparar a edição fluminense com as três edições anteriores de Alzira (1773, 1785 e 1788) para afirmar que se trata, rigorosamente, do mesmo texto, somente com mudanças de pontuação na última. Inocêncio atribuiu essa tradução da Alzira a José Caetano de Figueiredo, o que parece mais correto (SILVA, 1860, IV, p. 282).7 7 Há ainda outra versão de Alzira , feita por José Anastácio da Cunha, que é completamente diferente da tradução impressa em Portugal e no Rio de Janeiro em 1773, 1785, 1788 e 1842, conforme pudemos comparar (CUNHA, 1839, p. 81-82). Assim, a edição de Alzira impressa no Rio de Janeiro, apesar de estampar o nome do desembargador Câmara, não deve ser colocada no conjunto de suas traduções. Esse equívoco foi certamente induzido pela confusão gerada pelo anonimato das traduções de Voltaire e também pelo prestígio das traduções do desembargador, mesmo transcorridos trinta anos do seu falecimento.

1.
Quadro-resumo das traduções realizadas por Sousa da Câmara

Todas as traduções publicadas durante a vida de Sousa da Câmara preservaram seu anonimato. Sobre a qualidade das traduções e a existência de outros manuscritos, o bibliógrafo Inocêncio Francisco da Silva ainda fez a seguinte observação:

Tanto [Bruto], como todas as anteriores foram publicadas anonymas. As versões do desembargador Camara foram sempre estimadas dos entendidos, e elle tido na conta de um dos nossos melhores traductores-poetas. Deixou algumas manuscriptas, entre estas a do Cinna de Corneille, que eu vi ha muitos annos, e se não me engano autographa, em poder do livreiro Manuel Lourenço da Costa Sanches, já falecido. Dous fragmentos d'essa versão sahiram comtudo á luz em um periódico - O Desenjoativo theatral (Lisboa, 1838) de que foi redactor o já alludido filho Rodrigo da Camara. Fragmentos a pag. 20 e 23 (SILVA, 1860, V, p. 89-90).

Em quinto, como o conhecimento de Inocêncio sobre as obras de Sousa da Câmara é comprovadamente limitado, devemos retornar ao soneto de Moraes Sarmento, que já havia assinalado corretamente a existência da tradução de Semiramis. Na segunda estrofe ele indica que o desembargador também traduziu Pirro e Cinna. A segunda teve trechos publicados em uma revista editada pelo seu herdeiro, em prol do Teatro do Salitre, mas não há qualquer indício do paradeiro de Pirro, também de Pierre Corneille.

Assim, em sexto, e último, possuímos uma tradução em língua portuguesa inédita de Zulima, Tragédia de Mr. Voltaire (LIVRARIA, 2013LIVRARIA Manuel Ferreira, Alfarrabista. 94º catálogo de livros apresentados para venda pela Livraria Manuel Ferreira. Porto, 2013. Disponível em: <http://livrariaferreira.pt/upload/catalogos/CAT94.pdf>.
http://livrariaferreira.pt/upload/catalo...
, p. 56). Não existe nenhuma referência bibliográfica a essa tradução, mas é possível que se trate de mais um trabalho de Sousa da Câmara. O exame da caligrafia permite afirmar que não se trata da letra do desembargador. A prova de estilo, contudo, demonstra muita similiaridade com as demais traduções identificadas como dele. O manuscrito foi certamente produzido entre o fim do século XVIII e o início do século XIX, época em que Câmara preparou suas traduções. As 59 folhas foram cobertas com um caderno verde rústico que deve ser bem parecido com aqueles a que João de Deus teve acesso em 1798. Não será possível aprofundar aqui a análise de Zulima, que será objeto de estudos posteriores.

Figura 2
Frontispício do manuscrito de Zulima (c. 1800) Censura aos abomináveis princípios de Voltaire em Portugal e no Império

Sousa da Câmara teve boas razões para publicar suas traduções sob anonimato. Resgatar a genealogia das traduções de Voltaire em Portugal e no Brasil entre 1738 e 1835 é recuperar histórias de perseguições movidas pelas autoridades portuguesas contra os "abomináveis" princípios filosóficos de Voltaire, seus livros e, é claro, seus tradutores. As autoridades inquisitoriais demonstravam profundo rancor contra suas obras, particularmente após o sucesso que fez em toda a Europa a publicação de Candide, or l'optimisme, no qual as instituições portuguesas, particularmente o Santo Ofício, foram fortemente ridicularizadas, tornando Voltaire "o gênio mais admirado e mais odiado dos séculos XVIII e XIX, em França como em Portugal" (BRITO, 1990BRITO, António Ferreira de. Voltairofobia e voltairofilia na cultura portuguesa dos séculos XVIII e XIX: os tempos e os modos. Intercâmbio. Porto: Universidade do Porto, Faculdade de Letras, p. 9-40, 1990., p. 9).

Ainda que Voltaire não fosse partidário das revoluções e defendesse a monarquia, sempre o fez no sentido reformador de maior representatividade política. Era crítico contumaz da sociedade estamental e seu racionalismo possuía uma postura adversa ao obscurantismo religioso, ao clericalismo e aos dogmas da Igreja Católica. Deísta, professava uma religião sem liturgias. Contrapunha-se, deste modo, aos princípios basilares da sociedade, do Estado e da religião em Portugal setecentista. O temor da influência que as obras de Voltaire poderiam exercer naquele país foi bem resumido nas palavras que uma senhora da Corte, d. Francisca Benedicta Talaya, em 1789, ofereceu à infanta Ana Maria, por ocasião do aniversário da princesa:

O espírito de novidade, espírito perigoso, como o detesta? Não se alucinando V. A. com brilhantes cores, com que esses chamados Filosofos enfeitando os seus escriptos tem maculado a maior parte dos nossos dogmas, querendo com a sua razão as mais das vezes escurecidas com as suas preocupações dilacerar a túnica de que se orna a Mãi, e cujos peitos foram alimentados. Volteres, Rossóz, mil outros por mais que com o verniz de huma locução amena doireis o mortífero veneno, vós estais proscripto da livraria de S. A. (SOTTOMAIOR, 1799SOTTOMAIOR, João Dias Talaya; CASTELO-BRANCO, Francisca Benedicta Talaya Colaço de. Elogios que no faustissimo dia em que cumpre annos a serenissima sra. infanta D. Maria Anna, lhe consagrao o capitam João Dias Talaya e sua filha. Lisboa: Na officina de Antonio Gomes, 1799., p. 11-15).

Na segunda metade do século XVIII, Portugal sistematizou três diferentes modelos de organização da censura - a Real Mesa Censória (1768-1787), Real Mesa da Comissão Geral para o Exame e a Censura dos Livros (1787-1794) e o retorno do sistema tríplice a cargo do Santo Ofício, Ordinário e Desembargo do Paço (1794-1820). Tão logo a Real Mesa Censória foi instituída, o censor Antonio Pereira de Figueiredo proibiu a circulação de "Todas as obras de Mr. Voltaire [...] sem exceptuar as suas Poeticas. Porque a Henriade está cheia de impiedades, e de herezias, contra os dogmas mais capitaes do Christianismo. As Tragedias porem podem se permittir, a quem tiver Lincença da Meza".8 8 ANTT. Real Mesa Censória, caixa 6, n. 55A, Antonio Pereira de Figueiredo, Livros de autores libertinos, que devem ser incluidos no edital proibitivo, 1770. No mesmo ano, em Lisboa, o Dictionnarie Philosophique fora queimado na Praça do Comércio, durante o auto de fé de 16 de outubro de 1770.

Em 1775 foi publicada a Colleção dos Editais da Real Mesa Censória, que proibiu grande parte das obras de Voltaire de ser impressa, lida e divulgada, na íntegra e até mesmo nos seus capítulos e parágrafos (COLLEÇÃO, 1775, Edital de 24 de setembro de 1770).9 9 ANTT. Real Mesa Censória, Livro 8111, Catálogo dos livros defesos neste reino, desde o dia da criação da Real Mesa Censória até ao presente para servir no expediente da casa da revisão (1766-1814). A partir do Edital de 24 de setembro de 1770, elaborou-se o Catálogo dos livros defesos neste Reino, desde o dia da criação da Real Mesa Censória até ao presente, para servir de expediente da Casa da Revisão (1768-1814). Segundo Graça Rodrigues, "Também as obras de Voltaire deram azo a demorada discussão, debatendo-se se deveriam ser todas proibidas ou apenas algumas". Por fim, no Catálogo dos livros defesos neste Reino, foram incluídas as Lettres Philosophiques, Poème sur le désastre de Lisbonne e Candide, ou l'Optimisme, que já figuravam no Index Librorum Prohibitorum (RODRIGUES, 1980RODRIGUES, Graça Almeida. Breve história da censura literária em Portugal. Lisboa: Livraria Bertrand, 1980., p. 35). Isso ofereceu alguma possibilidade de circulação aos folhetos teatrais de Voltaire, mas não era tão fácil ter acesso a eles. As tragédias de Voltaire só poderiam, legalmente, ser lidas por quem obtivesse licença régia para possuir tais obras. Outra possibilidade era obter os textos por meios clandestinos. Carl Israel Ruders, visitando Portugal entre 1798 e 1802, registrou que "nas livrarias também se vendem livros proibidos, estes, porém, não se encontram expostos nas estantes com outros, são vendidos sem testemunhas e saem naturalmente mais caros" (RUDERS, 2002RUDERS, Carl Israel. Viagem em Portugal, 1798-1802. Lisboa: Biblioteca Nacional, 2002., p. 225).

A Real Mesa da Comissão Geral não demonstrou competência suficiente para impedir a infiltração, na sociedade portuguesa, bem como nas suas colônias, dos textos de Voltaire e, em consequência, dos abomináveis princípios franceses. Assim, aquela fora extinta pelo governo e o sistema tripartite de censura voltou a vigorar até 1820. O Decreto de 17 de dezembro, que extinguiu a Real Mesa da Comissão, revela que então se experimentava

A extraordinaria e temivel revolução literaria e doutrinal que nestes ultimos anos, e atualmente, tem tão funestamente atentado contra as opiniões estabelecidas, propagando novos, inauditos e horrorosos principios, e sentimentos politicos, filosoficos, ideologicos e juridicos derramados e disseminados para ruína da religião, dos impérios e da sociedade: toda a prudência religiosa e politica exige que, para reparação do preterito e precaução do futuro, se recorra a outros meios e providências que possam com maior vigor e eficácia ocorrer a tantos males e ruínas (apudBASTOS, 1983BASTOS, José Timóteo da Silva. História da Censura intelectual em Portugal. Lisboa: Moraes Editores, 1983., p. 151).

Nesse ínterim, o Santo Ofício não ficou inerte. Mesmo com a censura dos livros sob a responsabilidade da Real Mesa, o Santo Ofício prendeu um dos primeiros tradutores de Voltaire em Portugal. José Anastácio da Cunha, matemático e poeta lisboeta, denunciado ao Santo Ofício de Coimbra, recebeu ordem de prisão em 26 de junho de 1778, mandado aos cárceres a 1º de julho. Ficou preso por três anos, quando requereu à Mesa do Santo Ofício que não cumprisse o degredo de quatro anos que lhe faltava cumprir na cidade de Évora e que se lhe convertesse a sentença em ficar recluso na casa das Necessidades, ao que o Conselho deferiu por despacho de 23 de janeiro de 1781. Suas culpas advinham de ser proprietário de livros proibidos, como Systema de la Nature e com ele foram apreendidos fragmentos de traduções, incluindo a tragédia Mahomet, de Voltaire.

Além das suas leituras proibidas, Cunha foi acusado de trato familiar com homens de diversas denominações religiosas e crenças que o levaram a aceitar a ideia de liberdade de consciência, tornando-se "indiferentista, tolerantista, libertino e materialista". Ele acreditava que Deus não havia de castigar os que por ignorância abraçavam outra religião; negava a predestinação e a Santíssima Trindade; entendia como lícita a simples fornicação; reprovava o celibato religioso como prejudicial ao crescimento demográfico e econômico de Portugal; por fim, defendia que era violência querer obrigar os homens a cativarem o seu entendimento em obsequio da fé. Inocêncio Francisco da Silva lhe atribui a edição póstuma de Traducção de Mafoma de Mr. de Voltaire, impressa em Lisboa na Officina da Academia Real de Sciencias em 1785, com 107 páginas: "posto que não traz o seu nome, tenho por indubitável ser a própria que elle fez, como se diz no prologo, em 1774 ou 1775, e que então se representara em um theatro particular" (SILVA, 1860, IV, p. 221-223).

Desde a primeira tradução de Voltaire em Portugal, o anonimato ou uso de pseudônimos foram meios para se resguardar contra problemas graves e perseguições políticas. A primeira obra de Voltaire impressa em Portugal foi o poema Historia de Carlos XII, Rei da Suecia escrita na lingoa franceza por Voltaire; traduzida na portugueza por Francisco Xavier Freire de Andrade; e emendada segundo os reparos historicos e criticos de Monsieur de la Montraire, que teve prelo em 1739. Freire de Andrade era o pseudônimo do padre Manoel Monteiro (1667-1758), da Congregação do Oratório e membro da Academia Real de História. Foi Barbosa Machado quem revelou o nome do verdadeiro tradutor da História de Carlos XII, quando aquele já estava octogenário (MACHADO, 1752MACHADO, Diogo Barbosa. Biblioteca Lusitana. Lisboa: Ignacio Rodrigues, 1752., III, p. 315-316).

Foi sob o anonimato que José Caetano de Figueiredo executou uma tradução de Alzira, tragedia de Mr. de Voltaire, traduzida em versos portuguezes, atribuída também à Câmara e impressa no Rio de Janeiro, em 1842. Nascido na capital portuguesa em data incerta, mas entre 1740 e 1750, gozava de certo prestígio social por ser Oficial maior da Junta do Comércio e da Secretaria do Tribunal da Mesa de Consciências e Ordens, sendo condecorado com o hábito de Cristo, mas, mesmo com suas credenciais, preferiu manter o anonimato. O tradutor de Semiramis também preferiu omitir seu crédito na obra, mas Inocêncio afirma que foi por diligência de José Lourenço Pinto, filho de Manoel Rodrigues Coelho e Mariana Coelho (Freguesia de São Bartolomeu de Barqueiros, conselho de Mezão-frio, 13 de julho de 1753 - Porto, 19 de dezembro de 1815), bacharel formado em medicina pela Universidade de Coimbra, além de também formado em medicina e filosofia pela Universidade de Salamanca. Publicou Semiramis: tragédia de Mr. De Voltaire, traduzida em verso portuguez, Porto, na Offic. de Antonio Alves Ribeiro, 1793, com 112 páginas. Essa tradução teve segunda edição feita na Impressão de Alcobia em Lisboa, que segundo Inocêncio foi "menos correcta que a edição do Porto, faltando-lhe até alguns versos inteiros". Publicada sem o nome do tradutor, passou para os leitores como obra de Sousa da Câmara, mas a impressa é diferente da tradução manuscrita conservada na Biblioteca da Fundação Calouste, em Lisboa (SILVA, 1860, IV, p. 425).

Quando não eram os tradutores a ter problemas com as autoridades, eram as obras impressas. O mais emblemático exemplo disso é a tradução da Henriada de Voltaire poema épico composto na lingua franceza por Mr. de Voltaire, traduzida (em verso) na portugueza, e illustrado com algumas notas, publicada no Porto, pela Officina de Antonio Alvares Ribeiro em 1789, com 264 páginas, em versos hendecasílabos soltos (SILVA, 1862, VII, p. 336). A tradução foi feita pelo médico Thomas de Aquino Bello e Freitas, que foi arrolado como testemunha no processo que levou Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, à forca. Nascido em Minas Gerais e formado pela Universidade de Coimbra, aparece mencionado nas Cartas Chilenas com o apelido de "Frondélio, bom doutor". O livro e o seu tradutor merecem um estudo à parte, mas ilustram bem a má recepção das obras de Voltaire pela Real Mesa da Comissão. Para afirmar que a primeira edição da Henriada tornou-se raríssima, basta dizer que a coleção do bibliófilo José Mindlin ou a Bibioteca Nacional do Rio de Janeiro não possuem exemplar daquele livro. A razão da suma raridade é a de que a Real Mesa Censória mandou recolher os exemplares depois de emitir a licença para imprimir e por isso muitos exemplares foram destruídos. Sobre Bello e Freitas, Blake afirma ainda que "deixou muitas Poesias Inéditas, que não sei onde pairam" (BLAKE, 1900, VII, p. 281-282).

A Henriada é tida em conta do mais precioso poema épico da Idade Moderna e um hino à tolerância religiosa. Há uma segunda edição, impressa no Rio de Janeiro, 1812, em 2 tomos. Hypolito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, influente pedreiro-livre em Portugal e na Inglaterra, onde fundou o Correio Braziliense, a propósito dessa segunda edição da Henriada, observou as transformações que ocorriam então no Império português:

Ha dez annos, estando a Corte em Lisboa, que ninguém se atreveria a dar a um jornal o nome de Patriota; e a Henriada de Voltaire entrava no numero dos livros que se não podiam ler sem correr o risco de passar por atheo, pelo menos por Jacobino. E temos agora que em tão curto espaço já se assenta, que o povo do Brazil pode ler a Henriada de Voltaire; e pode ter um jornal com o titulo de Patriota, termo que estava proscripto, como um dos que tinham o cunho revolucionário. Por mais insignificante que pareça a circumstancia de se deixar correr um jornal com o nome de Patriota, ou permittir-se uma traducção da Henriada; nós julgamos isto matéria de importancia; porque é seguro indicio, de que o terror inspirado pela revolução Franceza, que fazia desattender a toda a proposição de reformas, principia a abater-se, e já se não olha para as idéas de melhoramento das instituições publicas, como tendentes á anarchia, em vez de servirem á firmeza do Governo (CORREIO BRAZILIENSE, 1813, IX, p. 924).

Existe outra versão do mesmo poema assinada por D. José Luís de Vasconcelos e Sousa, o Marquês de Belas, mas que foi à época atribuída ao seu protegido, o mestiço brasílico Domingos Caldas Barbosa, que teria preparado o manuscrito antes de falecer. O texto foi publicado, em 1807, com o título de Henrique IV, poema épico, traduzido do original francês. O título de nobreza certamente revestia seu suposto tradutor de imunidade diante do aparato da censura que havia recaído sobre a versão do médico Bello e Freitas.

Havia outra forma de escapar à censura: adaptando os escritos de Voltaire, mudando o título e alguns elementos dos textos. Isso foi feito por Joaquim José Sabino de Resende Faria e Silva, Bacharel em Leis pela Universidade de Coimbra. Nasceu em Lisboa, mas passou a maior parte da sua vida no Brasil, onde ocupou o cargo de secretário do governo do Maranhão em fins do século XVIII, falecendo em novembro de 1843 no cargo de Desembargador da Relação do Maranhão e condecorado com a comenda da Ordem de Cristo. Faria e Silva publicou Policena: tragedia portugueza em 1791, que "deve antes ser considerada como uma imitação livre da Merope de Voltaire, do que tida propriamente em conta de produção original" (SILVA, 1860, IV, p. 111-112).

Outro tradutor dos escritos de Voltaire foi José Antonio Teixeira Cabral, sendo tenente-coronel de Engenheiros que deixou também o manuscrito A estatistica da Imperial Provincia de São Paulo, editado em 2009. Fez uma versão de Zadig ou o destino: historia oriental escripta em francez por Voltaire, na Impressão Régia de Lisboa, 1807, 144 páginas, que teve segunda edição em 1815. Não foi possível encontrar exemplar da edição de 1807 (SILVA, 1860, IV, p. 429).10 10 O autor do dicionário bibliográfico encontrou um exemplar da edição de 1807 para consulta em meados do século XIX. Não encontrei nenhum exemplar. Na Brasiliana de Mindlin há um exemplar da edição de 1815. Há registro também de uma edição de Zadig de 1817, de que também não vi exemplar. De Zadig há outra versão, totalmente diferente, que fizera Francisco Manuel do Nascimento (Filinto Elísio), publicada somente na edição geral de suas obras impressa em Paris a partir de 1817, onde já estava exilado para fugir do Santo Ofício.

No raiar do século XIX, as autoridades políticas e setores da Igreja continuaram a não ver com bons olhos a circulação das tragédias de Voltaire. Em 1817, por ocasião de uma nova edição das Obras Completas a ser publicadas em Paris, o redator da Gazeta de Lisboa, periódico submisso aos interesses da monarquia, atacou os escritos do Patriarca de Ferney (ou Charlatão de Ferney, segundo o padre José Agostinho de Macedo), denunciando "o seu estylo seductor, o mais efficaz veneno contra a Religião, contra a Moral, e contra os principios solidos dos Governos [...]". Os alertas aos seus leitores foram concluídos protestando contra "o mal que a leitura indistincta destas Obras pode causar na mocidade, e ainda entre os homens já feitos, que não tem firmados e radicados no coração os principios da Religião e da Moral, e aquelles necessários conhecimentos para desenredar sofismas envolvidos em hum estylo elegante, energico, ou faceto, motejador, e ligeiro".11 11 Gazeta de Lisboa , n. 60, terça-feira, 11 de março de 1817.

Entre 1738 e 1834, a circulação das obras de Voltaire em Portugal e no Brasil conheceu, pelo menos, quatro períodos alternados de repressão. Desde as primeiras traduções em 1738 até meados dos anos de 1760, as obras de Voltaire circularam com alguma facilidade, inclusive porque o Patriarca de Ferney era pouco conhecido tanto no Reino quanto ao largo do Império. O período que compreende de 1770 até 1807, ano da primeira invasão francesa, foi certamente aquele em que a censura foi mais contundente. O Santo Ofício e a Real Mesa Censória estavam vigilantes, a ponto de o jornalista liberal Inácio José de Macedo afirmar que o governo de D. Maria I "perseguio os sabios e fez murchar a literatura florescente no Reinado do seu augusto Pai [D. José I]" (MACEDO, 1833-1834MACEDO, Ignacio José de. O Velho Liberal do Douro. Lisboa: Imprensa da Rua dos Fanqueiros, 1827-1828, 1833-1834., XIX, p. 168). Os efeitos da Revolução Francesa (1789) na Europa, bem como as conspirações e motins políticos em Goa (1787), Minas Gerais (1789), Bahia (1798) e Pernambuco (1817) deixaram em alerta as autoridades portuguesas, temerosas de que os escritos de Voltaire acendessem ainda mais os anseios de mudanças políticas nos espíritos dos súditos e colonos. Os anos entre 1808 e 1820 foram tempos de transição e alguns tradutores passaram a estampar seus nomes nos impressos em Portugal e mesmo no Brasil, conforme já observamos acima em relação à Henriada. Sergio Paulo Rouanet afirma acertadamente que "não havia mais clima [...] para excessos de obscurantismo. Sob influência de ministros esclarescidos [...] o período de D. João VI no Brasil testemunhou um apreciável florescimento intelectual" (ROUANET, 2008ROUANET, Sergio Paulo. Prefácio. A Henriada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008., p. 40).

Após a Revolução Liberal e Constitucional do Porto (1820), em 1821 as obras de Voltaire passaram a circular em Portugal sem nenhum impedimento legal. No Brasil, após 28 de agosto de 1821, a declaração da Lei de Liberdade de Imprensa facultou em definitivo acesso aos livros da Ilustração e suas ideias passaram a circular pelos jornais, ampliando o público leitor. Essas guinadas políticas permitiram, por exemplo, que na Bahia fossem impressas traduções inéditas de textos de Voltaire.12 12 Na Biblioteca Brasiliana da USP existem duas traduções que não estão indicadas em qualquer catálogo bibliográfico e que presumo serem os únicos exemplares remanescentes ( VOLTAIRE, 1830 ; O INGENUO, 1835 ). Em Portugal, também foi possível a José Thomas da Silva Teixeira, natural de Villa-real na província de Traz-os-montes, estudante de Leis na Universidade de Coimbra, ter seu nome estampado em Eryphile: tragedia de Mr. de Voltaire, traduzida em portuguez, publicada no Porto em 1822 (SILVA, 1860, V, p. 144), ao tempo em que duas edições de Bruto, executadas por Sousa da Câmara, foram impressas, trazendo uma delas o nome do tradutor.

Durante o período miguelista em Portugal (1828-1833), contudo, com o reforço do aparato absolutista, a publicação das obras de Voltaire naquele país diminuiu, para não dizer que deixou de existir. Aliás, alguns anos antes do golpe que colocou D. Miguel I à testa do governo foi perceptível que a reação à Revolução de 1820 atingiu com força a publicação das obras de Voltaire em Portugal. Representativo disso foi a publicação pela Real Imprensa da Universidade de Coimbra, em 1823, da Pastoral do bispo de Troyes, sobre a impressão de maos livros, e nomeadamente sobre a nova edição das obras completas de Voltaire e de Rousseau. O tradutor da pastoral escondeu seu nome sob anonimato, mas é notório que se trata do dr. Manuel José Fernandes Cicouro. As razões que o levaram a traduzir e publicar a pastoral, segundo seu biógrafo, deve-se a que "naquella occasião se tratava alli de traduzir e publicar uma nova edição de taes obras; [...] que se resumem em que sendo a edição da traducção d'aquellas obras o veneno que se pretendia inocular na sociedade portugueza, era urgente e de toda a necessidade oppôr-lhe o antídoto" (CAMPOS E SILVA, 1871CAMPOS E SILVA, Antonio Osorio de. Apontamentos para a biographia do excellentissimo e reverendissimo senhor Manuel José Fernandes Cicouro. Lisboa: Na Typ. de G. M. Martins, 1871., p. 21).

Àquela época, em 1826, Tiburcio Antonio Craveiro preferiu imprimir sua versão de Mérope em Londres, na L. Thompson. No mesmo ano, Questões de Zapata foi impressa clandestinamente em Lisboa. No frontispício está impresso que foi publicado em Paris, por A. Boobé, mas todas essas informações são falsas. Somente com o fim da Guerra Civil em Portugal e o triunfo do liberalismo, em 1834, que os livros de Voltaire puderam circular sem impedimentos. Foi no contexto de superação do absolutismo em Portugal, quando a censura política e religiosa fora abolida em definitivo daquele país, que se pôde realizar a tradução de Cândido, ou o Otimismo, por diligência de Alexandre Herculano em 1835.

Apesar das dificuldades que as obras de Voltaire encontravam para circular em Portugal desde o governo de D. Maria I, temos notícia de que as traduções de Sousa da Câmara lograram ser representadas no Teatro do Salitre (1782-1880), sob a direção de Francisco de Paula Cardoso:

No empenho de regenerar o theatro portuguez do modo por que elle o compreendia, Francisco de Paula achou por seus cooperadores, concordes nas mesmas ideas, e attingindo o mesmo fim, José Caetano de Figueiredo, Joaquim Antonio Jeunot, Jose Frederico Ludovico, e Jose Pedro d'Azevedo Sousa da Câmara, nomes todos lembrados nas letras, afora outros menos conhecidos, que se lhes agregaram. Por deliberação commum tomaram de arrendamento o theatro do Salitre, que pouco antes fora construido; tornaram-se emprezarios, e cuidaram de organisar uma companhia de actores escolhidos, da qual elles proprios se arvoraram directores. [...] Para este theatro foram traduzidos, e alli se representaram pela primeira vez em Portugal, a Semiramis, a Alzira, Sophonisba, Orestes e Mariamne de Voltaire; a lgnez de Castro de Lamothe; o Cid e o Cinna de Corneille; e muitas comedias de Molière, Regnard, e Destouches; finalmente as peças mais acreditadas do repertorio parisiense (D'ASSENTIS, 1858D'ASSENTIS, Morgado. Francisco de Paula Cardoso. In: Archivo pitoresco. Lisboa, Typographia de Castro & Irmão, 1858. v. 1-2., p. 302-303, grifo nosso).

Foi no momento de reconhecimento da sua carreira jurídica e no auge da sua produção intelectual que Sousa da Câmara seguiria para o Brasil, tempo também em que a repressão aos escritos de Voltaire estava no seu ápice em Portugal e que, em sincronia oposta, insuflavam turbulências políticas na Capitania da Bahia.

O desembargador Sousa da Câmara na Bahia (1794-1802)

Aos 40 anos, o doutor José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara foi nomeado desembargador do Tribunal de Relação da Bahia, para onde seguiu junto com seus colegas Francisco Xavier da Silva Cabral e o bacharel José Francisco de Oliveira, servindo pelo tempo de seis anos, conforme decreto de 13 de maio de 1794. O referido documento justifica a nomeação dos três por seus "merecimentos e letras".13 13 AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 197, D. 14271. DECRETO do príncipe regente [D. João] nomeando os doutores José Pedro de Azevedo Sousa e Câmara, Francisco Xavier da Silva Cabral e José Francisco de Oliveira para um lugar ordinário de desembargadores da Relação da Bahia. [Lisboa], 13 de maio de 1794. ANTT. Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv.20, f. 355, 09-05-1794. (PT/TT/RGM/E/132612). AHU. Eduardo Castro. 16.477-16.478 (anexa ao 16.475). Provisões do Conselho Ultramarino pelas quaes mandou pagar vencimentos ao Desembargador José Pedro de Azevedo Sousa e Camara. Lisboa, 6 de outubro de 1794. A palavra "letras" significa, naquele contexto, mais a boa formação acadêmica do que o reconhecimento público das traduções de Voltaire feitas por Sousa da Câmara, todas ainda sob anonimato.

Na Bahia, o desembargador tomou posse no Tribunal da Relação em 21 de maio de 1795.14 14 AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. 85, doc. 16.630. Officio do Governador D. Fernando José de Portugal para Luis Pinto de Sousa, no qual participa terem tomado posse os Desembargadores da Relação. Bahia, 7 de maio de 1796. Ainda em 1795, Sousa da Câmara atuou, junto com o governador D. Fernando, o negociante Inocêncio José da Costa e Francisco Gomes de Souza, na Junta da Real Fazenda, propondo um projeto para a criação de um hospital militar, em razão de o Hospital da Santa Casa de Misericódia não conseguir atender dignamente os soldados doentes, não havendo ali "os meios de se estabeleceram das molestias que levam, vão de ordinario adquirir outras de que mais breve vem a morrer". A princípio foi sugerido que o hospital fosse estabelecido na antiga Casa de Pólvora, então sem uso. Em 1799, contudo, D. Fernando José propôs que o antigo Colégio dos Jesuítas fosse usado para sediar o novo hospital, quinze anos depois transformado na primeira faculdade de medicina do Brasil.15 15 AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx 100, Docs 19.517-19.518. Representação da Junta da Real Fazenda sobre a necessidade de estabelecer um hospital militar. Bahia, 19 de setembro de 1795.

Não demorou para o desembargador colher inimigos entre os membros da elite colonial. Em 1798, José Pires de Carvalho e Abuquerque, influente Secretário de Estado do Brasil, pertencente à poderosa Casa da Torre, enviou duas cartas para o Ministro d. Rodrigo de Sousa Coutinho, descrevendo a corrupção entre os membros do Tribunal da Relação, alcançando todos os desembargadores, inclusive Sousa da Câmara. Na primeira denúncia consta que

Quanto ao Dez.or José Pedro de Souza da Camara, he de ruim carater, sulapado, destrissimo em manejar a bem de seos interesses huma intriga surda, possuido de huma cobiça extraordinaria, e igualm.e aplicado a adquerir amizades, de que possa tirar convenicencias, ainda quando sejão de pessoas que lhe fação desdouro, como hé uma Mulata requissima chamada a Sabola, que se dis estar cazada ocultamente com o Negociante Innocencio Jozé da Costa, por cuja mediação se obrem daquele Ministro ainda as couzas menos praticaveis, em reconhecimento dos importantes donativos com que a dita Mulata costuma brindar sua mulher: hé constante que pela mulher deste Ministro se costumão oferecer peitas, e que encontrando-se com outros oferecimentos que se tenhão feitos discretamente pelo proprio Dez.or, aquele obtem no negocio que mais tem dado: a sua conduta ainda debaixo das Relações de cazado, hé a mais reprehensivel: hé infamado de que de Lisboa lhe são remetidas Fazendas de contrabando, e passa por certo, que quando viera para esta cidade da Bahia trouxera huma importante partida das ditas Fazendas: disse que pozera hu vezicatorio em huma perna para com o pretexto da chaga que elle fizera, não ser encarregado da Comissão de S. Thomé.16 16 AHU, Bahia, Eduardo Castro. Cx. 99, Doc. 19.420.

A segunda denúncia implica que

Os Dez.res Francisco Sabino e José Pedro da Camara, estes dous estão coaligados, e fasem tambem o que podem, faltando a exemplo dos mais a inteireza do seu ministerio, sendo voz publica, que João Manoel Vieira da Fonseca Guarda mor da Relação, he compadre de ambos os Ministros, he o canal por onde se obtem desses o favor, e se transpassão os interesses, o que melhor se saberá pela devaça que desses se tirar.17 17 AHU, Bahia, Eduardo Castro. Cx. 99, Doc. 19.421. Representação dos povos da Capitania da Bahia contra os desembargadores da Relação, feita por José Pires de Carvalho e Albuquerque. Bahia, c. 1798.

De Lisboa, Sousa Coutinho levou as acusações do Secretário de Estado à presença de D. Maria I e depois ordenou ao governador D. Fernando José de Portugal, por cartas de vinte e oito de setembro, e dezesseis de outubro, que procedesse "secretamente a exame do que ellas contem, informe do que há de verdadeiro a este respeito". O governador cumpriu o que lhe fora ordenado, mas saiu em defesa de Sousa da Câmara, nos dando uma descrição da personalidade do desembargador:

Joze Pedro de Azevedo Souza da Camara he dotado de bom talento, muito vivo, e sabe bem da sua profissão: he despachador, e expedido; tem bastante amizade com Innocencio Joze da Costa bem conhecido nesta Cidade, e nessa Corte, comerciante abonado, e acreditado e Thezoureiro Geral da Junta da Real Fazenda, cazado ocultamente como se diz, com huma mulher parda por alcunha a Sebola, porem não me tem sido constante, que por esta amizade falte a boa administração da Justiça, nem sei com certeza se por este meio negocia; pode ser que particularmente assim aconteça, o que he dificultozo saber-se: he cazado, e ignoro igualmente se por via de sua mulher recebe prezentes de contrabando, e quando se tratou da expedição de São Thomé, me constou estar doente em sua caza com molestia de sarnas por todo o Corpo, propria deste Paiz.18 18 AHU, Bahia, Eduardo Castro. Cx. 99, Doc. 19.419. Officio do governador D. Fernando José de Portugal para D. Rodrigo de Sousa Coutinho, no qual informa circunstanciadamente acerca das acusações feitas numa representação contra os desembargadores da Relação, e especialmente acerca do mérito, ilustração, probidade e comportamento de cada um dos magistrados. Bahia, 20 de junho de 1799.

D. Fernando José era também um homem ilustrado, que verteu as obras de Pope para a língua portuguesa. O governador, não obstante, confirma que Sousa da Câmara era "intimo amigo" do desembargador Francisco Sabino Alvares da Costa Pinto, este "protegido da Caza do Excellentissimo Secretario de Estado Joze de Seabra da Silva" e um dos magistrados que cuidou da repressão aos conjurados de 1798. Também é certo que havia boas relações entre Sousa da Câmara e o guarda-mor do Tribunal da Relação, o mineiro João Manoel Vieira da Fonseca, sendo que foi ele um dos desembargadores que atestaram sua confirmação no cargo.19 19 AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. 91, doc. 17.722. Atestado de José Pedro de Sousa Azevedo da Câmara sobre a capacidade e honradês e ilustração de João Manuel Vieira da Fonseca. Bahia, 16 de junho de 1797. Assim, a única acusação de maior gravidade contra Sousa da Câmara foram os presentes contrabandeados pela sua mulher.

A Relação da Bahia era composta por um chanceler e nove desembargadores, sendo cinco agravistas, um ouvidor geral do crime, um civel, um juiz dos feitos da Coroa e um procurador da mesma, que também era o promotor das justiças, ou seja, uma função para cada um. Quando a função não vinha designada pelo Rei, era do arbítrio do governador fazer essas nomeações, sem nenhuma disposição contrária.

Em Salvador, Sousa da Câmara decerto gozava de grande prestígio e circulava bem nas esferas do poder político. O desembargador, todavia, teve sérias razões para continuar mantendo suas traduções sob o anonimato. O historiador Luiz Carlos Villalta afirmou que "Na Bahia de então, quando estudantes manifestavam o desejo de fazer traduções do francês, viam-se prontamente desaconselhados por seus parentes, pois tal língua era considerada de libertinos, ímpios e ateus" (VILLALTA, 1997VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras , 1997. p. 331-385., p. 346). Aquele foi o momento em que na América portuguesa as autoridades metropolitanas ampliaram o embate contra os "abomináveis princípios franceses". Desde 1792, o ministro Martinho de Melo e Castro alertava às autoridades coloniais para o perigo que representava a entrada de ideias de Francezia no Brasil. Patrícia Valim observa que "A ideia de Francezia à época, via de regra, relacionava-se às doutrinas que questionavam o Estado Absolutista, especialmente os princípios revolucionários franceses difundidos pelos Clubes, após 1789" (VALIM, 2012VALIM, Patricia. Corporação dos enteados: tensão, contestação e negociação política na Conjuração Baiana de 1798. 2012. 272 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, FFLCH, São Paulo, 2012., p. 189). Para combater a influência de ideias francesas, Sousa Coutinho solicitou o envio para a Bahia de exemplares do Mercúrio Britânico, jornal de orientação política antijacobina, editado em Londres.20 20 Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Colonial/Provincial. Coleção de Ordens Régias. Vol. 86, doc. 109 Carta de D. Rodrigo de Sousa Coutinho para D. Fernando José de Portugal comunicando a ordem de S. M. que se coloque a venda oitenta exemplares da tradução do Mercurio Britânico, feito na Corte de Londres, e fará saber a Francisco Xavier Noronha Torrezão, oficial dessa secretaria de Estado, quando convem fazer mais expedições dos mesmos folhetos para que chegue a todos a doutrina purissima que prega o autor contra os princípios revolucionários franceses. Palácio de Queluz, 15 de dezembro de 1798. A obra oferecida pelo ministro é o MERCURIO Brittanico, ou Noticias Historicas, e Criticas sobre os negocios actuaes / por J. Mallet du Pan / traduzido em Portuguez .- Vol. I, Nº 1 (agosto e setembro 1798) a Vol. IV Nº 3 (janeiro, 1800). - Londres: S.n., 1798-1800. - 32 números em 4 volumes. Paginação seguida I - (6), 580, (2) p. II - 524p. III - 524p. IV - 496p. Mallet du Pan é considerado um pioneiro do jornalismo político, combatendo os ideais da Revolução Francesa, tornando um Mercurio Britânico uma importante fonte de informações sobre as controvérsias políticas da época. Ver também o Vol. 89, doc. 59. Carta de D. Rodrigo de Sousa Coutinho para D. Fernando José de Portugal, comunicando resoluções reais sobre várias matérias. Queluz, 6 de dezembro de 1799: "Foi muito agradavel a aceitaçam que ahi teve o Mercurio Britanico, que certamente pelas verdades que contem he o melhor antidoto contra os criminozos vistos, e principios da Revolução Franceza". Era, não obstante, muito difícil manter um controle absoluto sobre a circulação de manuscritos filosóficos franceses em Salvador e nas vilas do Recôncavo baiano.

Em junho de 1798, Sousa da Câmara havia sido nomeado pelo próprio governador para ser juiz privativo da casa de Dona Joana Josefa Francisca da Câmara.21 21 ANTT. (Col. IHGB, DL 123,02.09) 1074; 03 - Portaria do governador da Bahia, D. Fernando José de Portugal e Castro nomeando o desembargador José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara como juiz privativo da casa de D. Francisca Joana Josefa da Câmara. Bahia, 26 de junho de 1798. Em agosto, a Conjuração Baiana veio à tona, lembrando, como já foi dito, que as obras de Voltaire, em cadernos manuscritos, inspiraram as turbulências políticas na referida capitania. Nos autos do processo da Conjuração Baiana, o nome de Sousa da Câmara é mencionado somente uma vez, numa nomeação feita por D. Fernando José de Portugal, a 6 de março de 1799. Os desembargadores que se envolveram diretamente na repressão ao movimento foram Manoel Pinto de Magalhães Avellar de Barbedo e Francisco Sabino Álvares da Costa Pinto (AUTOS, 1998AUTOS da Devassa da Conspiração dos Alfaiates. Salvador: APEB, 1998. 2v., 2, p. 1071). Quando a notícia da Conspiração chegou às autoridades em Lisboa, Sousa Coutinho ordenou a repressão contra pessoas "infectas dos abominaveis principios Francezes, e com grande afeição à absurda pretendida Constituição Franceza" e culpou a "frouxidão do Governo e a corrupção da Relação, que permite a todos que são poderozos de fazerem todas as violencias, e assuadas que convem a seus interesses".22 22 APEB. Colonial/Provincial. Coleção de Ordens Régias, Vol. 86, doc. 59. Carta de D. Rodrigo de Souza Coutinho para D. Fernando José de Portugal, a respeito do que ficou ciente Sua Magestade, que as pessoas dessa cidade de acham infectados pelos principios e Constituiçoens Franceza, gerando frouxidão do governo e corrupção da Relação. Queluz, 4 de outubro de 1798. João de Deus, no cadafalso, afirmou que deu "ouvido a uns cadernos, a um Voltaire" e isso o levou ao encontro da morte. O homem que, àquela mesma época, dava voz e amplitude aos escritos de Voltaire na língua portuguesa estava, sob a máscara do anonimato, do lado oposto ao do condenado, no restrito quadro dos desembargadores do Tribunal da Relação da Bahia.

Em julho de 1799, tempo em que as investigações sobre a conspiração estavam em andamento, D. Rodrigo de Sousa Coutinho enviou para o governador uma carta ordenando para que, em segredo, "vigie escrupulosamente, sobre a conducta de todos os empregados nessa capitania, e que vendo em qualquer delles, por grande que seja seu merecimento, indicios de se achar contaminados de principios Jacobinicos, e revoltosos, dê logo conta, indicando os motivos que tiver de suspeita".23 23 APEB. Colonial/Provincial. Coleção de Ordens Régias, Vol. 89, doc. 95. Carta de D. Rodrigo de Souza Coutinho para D. Fernando José, comunicando que S. Magestade ordenou a vigilância de todos os empregados naquela Capitania, e se fosse verificada a contaminação por principios jacobinos e revoltosos, fosse logo levado o fato à sua Real Presença. Tudo o que foi determinado devia ser mantido no mais absoluto sigilo. Palácio de Queluz, 2 de julho de 1799. O ministro desconfiava, o que agora pode ser confirmado, de que altos funcionários do governo pudessem estar envolvidos na divulgação de ideias republicanas ou revolucionárias, mas não há registro de que algum tenha sido denunciado por isso. Decerto, foi o anonimato das suas traduções que lhe protegeu de implicações políticas graves. Parafraseando o preceito que arremata as aventuras do personagem Cândido (1759), também criado por Voltaire, o desembargador Sousa da Câmara "cultivou o seu jardim". Teve que fazê-lo, entretanto, ocultamente.

No cargo de Desembargador dos Agravos, era função de Sousa da Câmara fazer autos de diligência a bordo de navios estrangeiros que entrassem no Porto de Salvador. As diligências eram investigações protocolares para certificar o governo sobre os verdadeiros objetivos dessas embarcações ao entrar na Baía de Todos os Santos. A presença de navios estrangeiros, contudo, implicava a possibilidade de que seus tripulantes travassem contato com os moradores da capitania, apresentando-lhes as novidades daqueles tempos. Essas embarcações traziam também livros proibidos e projetos políticos clandestinos. Em 1796, o comandante francês Antoine René Larcher estivera na Bahia e foi apontado, pelo historiador Francisco Borges de Barros, como um dos fomentadores da Conjuração de 1798. Assim, ironicamente, uma das funções de Sousa da Câmara era justamente impedir que livros inçados de abomináveis princípios entrassem pelo porto de Salvador.

As diligências em navios era uma atividade estratégica para a manutenção da política dos governos sob o Antigo Regime. Em caso de falhas nessas diligências, os contrabandistas, de ideias ou mercadorias, alcançavam seus objetivos, sempre à margem das leis. Em 1800, os caminhos de Sousa da Câmara e da famosa contrabandista francesa Joana d'Entremeuse se cruzaram, ainda que indiretamente. Em 30 de novembro de 1796 a senhora d'Entremeuse desembarcou em Salvador, no mesmo navio que trouxe Larcher, o Boa Viagem, e ali operou sua rede de contrabando, conseguindo ludibriar a diligência executada pelo desembargador José Joaquim Borges da Silva e pelo coronel Francisco José de Matos Ferreira e Lucena (PIJNING, 2012PIJNING, Ernst. "Can she be a woman?" Gender and Contraband in the Revolucionary Atlantic. In: CATTERRAL, Douglas; CAMPBELL, Jodi (orgs.). Women in Port: Gendering Communities, Economies, and Social Networks in Atlantic Port Cities, 1500-1800. Leiden: Brill, 2012. p. 215-250. , p. 215-250; BICALHO, 2006BICALHO, M. F. B. Joana d'Entremeuse: uma contrabandista entre a insinuação e a circunspecção. In: VAINFAS, Ronaldo; SANTOS, Georgina; NEVES, Guilherme P. das (orgs.). Retratos do Império: trajetórias individuais no mundo português (sécs. XVI-XIX). Niterói: Ed. da UFF, 2006. p. 99-115., p. 99-115). Em 1799, ao tentar ampliar seus negócios para o Reino, a contrabandista foi presa em Lisboa sob a suspeita de ser uma espiã. Com ela foram encontrados doze manuscritos: quatro em francês, sete em português e um em francês e português. Um desses escritos continha uma lista de livros onde se destacam a Nouvelle Heloïse, de Rousseau, e o Ensaio sobre o Homem, de Alexander Pope. Havia papéis contendo a assinatura de certo "Fonseca". Sousa Coutinho suspeitou que o Fonseca pudesse ser o desembargador da Relação Firmino Magalhães Cerqueira da Fonseca e despachou os papéis para D. Fernando José averiguar essa questão.24 24 AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. 115, Doc. 22.556-22.558. Representação.

O governador nomeou Sousa da Câmara para cuidar da investigação sobre a passagem da contrabandista por Salvador. O desembargador deu início à devassa em sua casa, e os homens importantes da sociedade baiana foram convocados na condição de testemunhas, dentre elas Pedro Gomes Ferrão Castelo Branco e o comerciante Antonio da Silva Lisboa, que havia hospedado a francesa em sua casa, no Pelourinho. Ao fim da devassa, Câmara convocou os tabeliães de Salvador para confirmar se eles reconheciam as letras e sinais presentes nos papéis apreendidos à contrabandista francesa. Todos afirmaram que não reconheciam. O processo com os autos das testemunhas foi devolvido para o Secretário de Estado em Lisboa. No fim, por falta de provas e extravio de documentos, a senhora Joana d'Entremeuse foi absolvida das acusações em Lisboa.

Ainda nos primeiros meses de 1800, Sousa da Câmara foi nomeado Ouvidor do Crime, substituindo o desembargador que reprimiu a Conjuração de 1798, despertando o rancor do seu colega José Francisco de Oliveira, que afirmou ter sido preterido do cargo pelo governador, levando a questão a D. Rodrigo de Sousa Coutinho.25 25 AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. 108, Doc. 21.023. Representação do Desembargador José Francisco de Oliveira na qual se queixa de ter sido preterido com a nomeação do Desembargador José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara para o logar de Ouvidor Geral do Crime. Bahia, 21 de junho de 1800. Em sua defesa, D. Fernando José justificou a sua escolha apontando que

O Desembargador Joze Pedro de Azevedo Souza da Camara, alem de ser muito expedito, e despachador o excede [a José Francisco de Oliveira] com vantagem, no talento, na leteratura, e no modo de descorrer, e arranjar as suas idéas, como a experiencia me tem feito conhecer, sendo este o conceito publico que merecem ambos e por estes motivos, alem da regalia que me compete, o nomiei para servir de Ouvidor geral do crime, pela ausencia do Dezembargador Manoel de Magalhaens Pinto Avelar de Barbedo.26 26 AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. 108, Doc. 21.022. Officio do Governador D. Fernando José de Portugal para D. Rodrigo de Sousa Coutinho, no qual informa acerca da seguinte representação do Desembargador da Relação José Francisco de Oliveira. Bahia, 6 de dezembro de 1800.

Pela segunda vez, o governador saiu em defesa do desembargador Sousa da Câmara, indicando alguma afinidade entre ambos. A expressão "literatura", de acordo com o Diccionario da Lingua Portugueza (1789), de Antonio Moraes Silva, é sinônimo de erudição. Não há indícios de que D. Fernando José conhecia os trabalhos literários do magistrado, apesar de que isso não pode ser desconsiderado. A carreira política de Sousa da Câmara atingiu o ápice ainda em 1800, ocasião em que serviu, no impedimento do titular, como Secretário do Estado do Brasil, ocupando interinamente o cargo de maior influência política do Brasil colonial. No cargo, deu posse aos vereadores da Câmara de Salvador, Joaquim Inácio de Sequeira Bulcão, Antonio José de Sousa Portugal, Pedro Gomes Ferrão Castelo Branco e Bernardino José de Almeida, para exercício de 1801 (BULCÃO SOBRINHO, 1952BULCÃO SOBRINHO, Antonio de Araujo de Aragão. O Patriarca da Liberdade Bahiana: Joaquim Inácio de Sequeira Bulcão, Barão de São Francisco. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 217, p. 167-185, out.-dez. 1952., p. 171).27 27 Ver o Alvará do Desembargo do Paço de 27 de dezembro de 1800, nomeando Vereadores e Procurador do Senado da Camara da Cidade do Salvador. Naquele ano, num dos seus últimos casos no Tribunal da Bahia, foi nomeado juiz privativo para resolver questões do espólio da Casa da Ponte.28 28 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. II - 34, 5, 37. Exposição do Desembargador Juiz privativo José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara, sobre as rendas da sesmaria pertencente a Antonio Guedes de Brito e seus descendentes que foram pagas pela Comarca de Jacobina. Bahia, 29 de agosto de 1801. Cópia. 4 fls.

Após vencer seu tempo de serviço na colônia, o Secretário de Marinha e Ultramar ordenou que o Conselho Ultramarino expedisse uma devassa protocolar na residência de Sousa da Câmara em Salvador.29 Respondeu o governo interino ao visconde de Anadia, "finado o seu tempo de exercício", que "Este ministro que tão bem serviu de Ouvidor geral do crime e em outros cargos da mesma Relação para que fora nomeado, satisfez promptamente com as suas obrigações, com muita intelligencia e prestimo, sendo expedito no despacho das partes e havendo-se com inteireza e limpeza de mãos".30 30 AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. doc. 23.581. Officio do Governo interino para o Visconde de Anadia, no qual se refere á devassa de residência de Jose Pedro de A. Sousa da Camara. Bahia, 8 de fevereiro de 1802.

Sousa da Câmara retornou para Portugal em 1802, contando cerca de 48 anos. Fora viver em "huma quinta, com casas nobres, Ermida, e todas as accomodações de cocheira, cavalhariça, e palheiro, e huma terra de semeadura junta, [...] com algumas oliveiras, e grande pomar de espinhos e árvores de fructo, sita em Campolide, suburbios desta Cidade".31 31 Gazeta de Lisboa , n. 288, quarta-feira, 4 de dezembro de 1816. Essa propriedade foi arrendada em 1816 pela sua viúva, D. Maria da Luz Sousa da Câmara, então vivendo na calçada da Estrela, n. 83, primeiro andar. Viveria ainda mais dez anos, falecendo em Caldas da Rainha, em maio de 1812 (SILVA, 1885, XIII, p. 154).

Em 1806, cerca de três anos após Sousa da Câmara retornar da Bahia, foi impressa a sua tradução mais controversa: Bruto. O desembargador fora testemunha, um espectador noturno, de um dos mais cruéis atos de tirania do absolutismo português, que tivera a Bahia como seu palco em 1798-1799. A resposta da sua inteligência contra o despotismo viria na tradução e impressão de Bruto, percebido como uma celebração da liberdade, da luta contra a tirania e pelo republicanismo. A divulgação daquele opúsculo teria imenso impacto político em Portugal e no Brasil, tornando-se um símbolo da luta contra o absolutismo nas três primeiras décadas do século XIX.

Bruto: um símbolo da luta contra a tirania

A busca da liberdade e a luta contra a tirania surgem como linhas-mestras das tragédias voltairianas traduzidas e publicadas por Sousa da Câmara. Analisadas em conjunto, percebe-se que, desde 1790, o desembargador traduzira as tragédias políticas de Voltaire: Oreste, Sofonisba e Mariamne. A primeira, Oreste, ilustra bem a luta contra a tirania dos monarcas. Na mitologia grega, o protagonista era filho do rei Agamenon de Micenas e da rainha Clitemnestra. A rainha, com o seu amante, Egisto, matou Agamenon quando o rei retornou da Guerra de Troia. Orestes precisava vingar o assassinato do seu pai. Retirou-se, antes, para a Fócida, suspeitando que o amante de sua mãe pretendesse matá-lo também. Ali cresceu na corte de Estrófio e ficou amigo do filho deste, seu primo, Pílades. Ao tornar-se adulto, em obediência às ordens de Apolo, o deus da luz, Orestes matou a mãe e Egisto. A versão de Voltaire, contudo, é esvaziada dos elementos divinos, prevalecendo os aspectos humanos e políticos da tragédia.

A obra literária de Voltaire que melhor representa a luta contra a tirania é, sem dúvida, a tragédia Brutus traduzida pelo desembargador Sousa da Câmara com o título de Bruto, Tragedia de Mr. Voltaire. O personagem principal é o herói dos ideais republicanos, forma de governo que orientava os planos dos inconfidentes de Minas Gerais em 1789, dos conjurados baianos de 1798 e dos rebeldes pernambucanos, que deflagrariam a Revolução de 6 de março de 1817. O anseio por essa nova forma de governo, desde 1776 experimentada pelos Estados Unidos da América e desde 1791 pela França, talvez explique, como assinalou o poeta Francisco Dias Gomes (1745-1795) em publicação póstuma de 1799, que "Nenhuma tragédia ganhou maior reputação a Mr. de Voltaire entre as nações estrangeiras, do que a de Bruto, porque, não obstante ser ela a que menos aplauso teve em França, foi traduzida em todas as línguas cultas" (GOMES, 1799GOMES, Francisco Dias. Obras poéticas. Lisboa: Academia R. das Sciencias, 1799. [Ed. póstuma]., p. 151). O discurso republicano presente em Bruto é tão explícito que uma tradução alemã impressa em 1800 traz como subtítulo Brutus, ein Republikanisches Trauerspiel (Bruto, uma tragédia republicana).

A tradução portuguesa mais antiga, possível de consultar, está em um caderno manuscrito na minha coleção, que data, possivelmente, da última década do século XVIII. Essa tradução possui variantes no texto que a diferenciam das demais cópias manuscritas e das edições impressas. Não há dúvida de que se trata da mesma tradução feita por Sousa da Câmara, mas em uma versão mais primitiva, que ao invés listar os "personagens" (como na edição de 1827), apresenta os "actores" (como na edição de 1806), o que indica haver sido utilizada no teatro. O discurso republicano na versão do caderno manuscrito também aparenta ser mais incisivo e por isso o texto deve ter sofrido alterações até 1806, quando foi impresso clandestinamente, mantendo o texto que perdurou ao longo das reedições do século XIX.


Em 1806, ao tempo em que os influxos da Revolução Francesa já atingiam gravemente Portugal, às vésperas da invasão napoleônica comandada por Junot, foi impressa, pela primeira vez, a tradução de Bruto feita por Sousa da Câmara. Não é possível afirmar se essa impressão clandestina foi realizada por diligência do próprio desembargador ou se por pessoa que possuía uma cópia manuscrita, à revelia do tradutor. Certo, porém, foi o cuidado com que se resguardou, por meio do anonimato, o nome do tradutor. O nome do impressor também foi ocultado, usando uma estratégia bem-sucedida para confundir as autoridades policiais portuguesas: com exceção do ano de impressão, são falsas todas as informações gravadas no frontispício daquele livro. A começar pelo local de impressão, assinalado em Calcutá, na Índia, seguido pela casa de impressão, A. Thomson, n. 17, Radha-Bazar.

Figuras 3 e 4
Exemplar da primeira edição (1806) e de um manuscrito setecentista de Bruto

Apesar de nenhum bibliógrafo ter desconfiado da origem da edição princeps de Bruto, é possível demonstrar, por dois simples detalhes, que esse livro não foi impresso em Calcutá. Bruto foi, sem dúvida, impresso em Lisboa. Existia em Calcutá, de fato, o impressor Archibald Thomson, responsável por editar o Calcutta Morning Post desde 1792, tendo falecido em 1809. Foi possível examinar impressos daquela tipografia inglesa instalada na Índia para concluir que os tipos nela utilizados não são em nada parecidos com os que estamparam Bruto (SHAW, 1981SHAW, Graham. Printing in Calcutta to 1800: a description and checklist of printing in late 18th-century Calcutta. Londres: Bibliographical Society, 1981., p. 64, 226). Dois detalhes confirmam que a primeira edição de Bruto não foi impressa na Índia. Primeiro, o tipógrafo inglês sempre grafava o nome da cidade como "Calcutta", usando "tt", e assim consta em todos os impressos daquela tipografia. Somente um tipógrafo português imprimiria "Calcuta" com um "t". O segundo detalhe é que a vinheta presente no frontispício de Bruto é exatamente igual a de outras obras impresas em Lisboa e no Rio de Janeiro, a exemplo do Parnaso Brazileiro (1829), de Januário da Cunha Barbosa.32 32 O Parnazo Brazileiro , do cônego Januário da Cunha Barbosa, impresso no Rio de Janeiro em 1829, ao que parece, além da vinheta utilizou tipos idênticos ao que foi usado na impressão de Bruto em 1806. Não resta dúvida de que Bruto foi impressa clandestinamente em Lisboa, burlando todo o aparato de censura imposto pelas autoridades portuguesas. O livro não poderia, contudo, ser vendido às claras e por isso não foi possível encontrar anúncios de venda anteriores a 1821. Pelos quinze anos seguintes à publicação da edição de "Calcuta", a tradução impressa de Bruto circulou secretamente. A despeito do impresso de 1806, manuscritos da referida obra de Voltaire continuaram circulando em Portugal e hoje é mais fácil encontrá-la em cadernos ultracopiados do que em sua primeira edição.

O que significou, então, a publicação de Bruto em língua portuguesa no contexto de lutas contra o despotismo em Portugal e no Brasil? A Revolução Liberal e Constitucional do Porto (1820) confirmaria Voltaire como um dos próceres das lutas contra o absolutismo, como demonstra o manifesto do Conde de Amarante, descrevendo o que ocorreu após o retorno de D. João VI do Rio de Janeiro para Lisboa:

A chegada de Sua Magestade a Lisboa deo nova força á facção; [...] Da hora que a Nao D. João VI fundeou no Tejo data o captiveiro de Sua Magestade. [...] foi obrigado pela facção a não desembarcar, e a Nao que o conduzia foi logo cercada de escaleres armados; na mesma occasião foi privado de hum grande numero de seus creados, que forão, huns prezos, e outros degredados; ao meio dia do seguinte dia rodeado de doze facciosos das Cortes, de filas de Soldados, e de Pedreiros Livres armados com seus punhaes, foi Sua Magestade conduzido aos Salões das Cortes, obrigado a jurar as Bases da destruição total da monarquia. [...] Com o mesmo desprezo com que a facção tem olhado o Rei, tem tratado a Religião Santa de nossos Pais; prometterão a impressão das doutrinas de Diderot, Voltaire, Rousseau, e companhia, que reconhecerão por seus Mestres e Apostolos.33 33 Gazeta de Lisboa , n. 145, sexta-feira, 20 de junho de 1823. Manifesto do Conde de Amarante Manoel da Silveira Pinto da Fonseca aos Portugezes.

A promessa foi cumprida e ainda em 1821 foram publicadas em Lisboa duas edições do Contrato social, de Rousseau, e duas edições de Bruto, de Voltaire, sendo uma delas a que, finalmente, revelou o nome de Sousa da Câmara. Em Coimbra, no mesmo ano de 1821, imprimiu-se A morte de César, traduzida por Manoel Joaquim Borges de Paiva, que teve o nome também estampado no frontispício. Na nota preliminar à edição de Bruto da Oficina de Antonio Rodrigues Galhardo, o editor, que se escondeu sob a sigla A. M. C. (Antonio Maria Couceiro), garante que Voltaire e Sousa da Câmara, se vivos estivessem àquela época, eles próprios teriam dedicado o seu trabalho para

os heróis da Revolução de 1820 [...] desfazendo impávido todas as traças, violências e grosseiros ardis do Despotismo, no memorado dia 24 de Agosto de 1820, usando de vossos direitos, reclamastes e assegurastes os de um Povo escravizado, bem como outrora os livres romanos tentaram e conseguiram (COUCEIRO, 1821COUCEIRO, Antonio Maria (Ed.). Bruto, Tragedia de M. de Voltaire. Traduzida em versos portuguezes por José Pedro da Camara. Lisboa: Na Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1821., Nota preliminar).

Couceiro era integrante do grupo de republicanos radicais que gravitava em torno de Almeida Garrett, formado também por Joaquim Larcher, os irmãos Paulo e Luiz Midose, João Baptista de Sá Leitão e Carlos Morato Roma.34 34 Na coleção do autor, há um manuscrito com retrato e informações biográficas de Joaquim Larcher, preparada pelo seu filho na segunda metade do século XIX, com 15 folhas, confimando que seu pai ingressara na maçonaria antes de 1820. Por volta de 1818, na Universidade de Coimbra, o grupo de Garrett tentou encenar "a tragedia Bruto, de Voltaire", quando então "o terrivel Reitor-Reformador D. Francisco de Lemos ordenou que não entrasse em scena, e assim se dissolveu essa tentativa" (BRAGA, 1904BRAGA, Teófilo. Garrett e o Romantismo. Porto: Livraria Chardron, Lello & irmão, 1904., p. 167). Graça Almeida Rodrigues associou a apropriação e uso da tradução de Bruto pelos estudantes da Universidade de Coimbra, muitos dos quais iniciados em lojas maçônicas, a um projeto de difusão das ideias liberais em Portugal:

Em Coimbra, de 1810 a 1818, o movimento teatral foi bastante animado, impulsionado por estudantes ligados a actividades maçónicas e indivíduos conhecidos pelas suas filiações liberais. No ano lectivo de 1813-14, quarenta estudantes quotizaramse e formaram uma sociedade dramática. Esta foi dissolvida por ordem do Reitor da Universidade, quando se preparava para levar à cena a peça Bruto, de Voltaire, acusada de apresentar doutrina de ideologia liberal (RODRIGUES, 1980RODRIGUES, Graça Almeida. Breve história da censura literária em Portugal. Lisboa: Livraria Bertrand, 1980., p. 45).

É bem conhecido, entretanto, que o grupo de Garrett organizou em Coimbra a Sociedade dos Jardineiros, de cariz paramaçônica e da qual tomaram parte os baianos Francisco Gê Acayaba de Montezuma e Miguel Calmon du Pin e Almeida, atuantes na Guerra de Independência da Bahia (1822-23). A batalha travada por esse grupo contra o absolutismo se estendeu pelos anos seguintes em Portugal e no Brasil, levando-os a criar em Lisboa o jornal O Portuguez, redigido por Garrett, Couceiro, os Midose, Sá Leitão e Roma. Isso lhes valeu a cadeia, sendo "presos sem corpo de delicto e as formalidades constitucionaes, suas casas foram cercadas pela força armada e conduzidos no meio de soldados pelas ruas publicas, como malfeitores, e encerrados no [cárcere do] Limoeiro".

Em 1821, o livreiro francês Rolland, radicado em Lisboa, também imprimiu Bruto, confirmando o espírito filosófico e liberal daquela obra. Nas notas preliminares, o editor afirmou que:

Todo o escrito que induz a nutrir ideais liberais e um amor de preferência pela Pátria é digno de um povo livre, da leitura dos portugueses. A tragédia Bruto nos mostra a que ponto de entusiasmo chegou a famosa Roma, ciosa da sua Liberdade: ali se vê calar-se a natureza, sufocando o amor paternal, para se ouvir unicamente a voz do interesse público. Mas por isso é que o tempo, que não perdoa a marmores e bronzes, respeitou o nome daquela que chegou a dar leis ao mundo. Se substituirmos às declamações contra a Realeza outras tantas exprobações contra o despotismo, a superstição e a ignorância, a tragédia Bruto se tornará um modelo digníssimo de ser imitado por quem, reconhecendo os direitos do homem, protesta antes morrer livre do que viver escravo.

Passada a comoção gerada pela Revolução Liberal de 1820, o partido absolutista ou miguelista fortaleceu suas bases e preparou uma ofensiva antiliberal. Em 1823, a Vilafrancada, o golpe militar de D. Miguel, acabou com a primeira experiência liberal em Portugal. Em meio às disputas pelo domínio de Portugal e a publicação da quinta edição de Bruto, o decano dos publicistas conservadores, José Agostinho de Macedo, observou que "a tradução da tragédia de Voltaire, chamada Bruto, é própria para acender no peito de todos o ardente desejo de apunhalar os opressores da humanidade, que são os reis" (MACEDO, 1827MACEDO, José Agostinho de. Cartas a J. J. P. L. Lisboa: Impressão Régia, 1827., VII, p. 2). Essa quinta edição de Bruto foi anunciada pelo figadal inimigo de Agostinho de Macedo, o padre Ignacio José de Macedo no Velho Liberal (MACEDO, 1827-1828MACEDO, José Agostinho de. Cartas a J. J. P. L. Lisboa: Impressão Régia, 1827., p. 129), que viveu quarenta anos na Bahia, onde ensinou filosofia e redigiu o jornal Idade d'Ouro do Brazil. É notável que, na referida edição de 1827, o nome do tradutor de Bruto voltasse a ser ocultado, possivelmente para proteger a memória do desembargador, mesmo quinze anos após sua morte.

FIGURA 5
Frontispício da 5a edição de Bruto, 1827

Refletindo sobre as palavras de Agostinho de Macedo, um anônimo leitor da Gazeta de Lisboa enviou para aquele jornal uma carta em que expressa o significado de Bruto e, inclusive, revela uma tentativa frustrada de apropriação desse símbolo pelos miguelistas:

Senhor Redactor da Gazeta, - Vendo no seu N. 158 [...] vejo annunciadas algumas obras novamente publicada, e entre ellas a Tragedia Bruto, de Voltaire, traduzida em verso Portuguez. Embora, disse eu comigo; essa Tragedia está traduzida ha muitos annos, e se imprimio em Calcutá (por signal que com muitos erros typograficos) por não obter licença em Portugal; pode ser que se reimprimisse ou traduzisse de novo hoje que ha menos escrúpulos (mas só para certas cousas); quem sabe Francez tem, pela maior parte, lido as Tragedias de Voltaire; esta he das peores, e até foi condemnada em França in illo tempore; mas lêa-se muito embora; que todos sabem qual seja o fim e o veneno desta peça .... Hia assim discorrendo, e lendo os breves juízos que se faz das taes obras alli annunciadas, eis que chego ao da Tragedia Bruto, e fico estupefacto ao ler o seguinte:

"A terceira (o tal Bruto) faz atear em todos os peitos hum ódio tão vehemente aos oppressores do género humano, que basta (julgamos nós) a sua simples leitura para fazer crear immensas falanges contra os infames Apostolicos e Congreganistas; assim como contra os seus sequazes, e advogados, que em cardumes e aos pares nos perseguem, e sob falsos pretextos atraiçoão á escancra a Causa do Rei, e da Pátria".

Ora aqui tem, Sr. Redactor, o que na penna do P. [Agostinho de] Macedo seria motivo para muitas Cartas, que avidissimamente o público compraria, como essas poucas que tem apparecido delle são devoradas pelos amantes do bom sizo. Com tudo, eu no retiro em que vivo, fora, mas perto de Lisboa, poderei aqui dizer algumas cousas que me occorrêrão ao ler tão maligno, e melhor direi tão perverso elogio de huma Tragedia, que toda he huma bataria disparada contra os Reis. Vmc. muito bem sabe que o assumpto desta peça he, depois de expulsos os Reis de Roma, e querendo-os restituir ao perdido throno outro Rei, excitar o ódio dos Romanos contra Tarquinio, seu Rei expulso, e contra Porsena, seu auxiliador. Basta ler os primeiros versos para ver o cunho da peça: " Destructeurs des Tyrans, vous qui n'avez pour Rois

" Que les Dieux de Numa, vos vertus, et vos Lois ...

Os Tyrannos de que se falla erão os Reis, que os rebeldes tinhão destruído, tendo depois disso por seus Reis só os Deoses, as suas chamadas virtudes, e as leis. Que tal está o exemplo proposto para amar o Rei, para não atraiçoar a causa do Rei e da Pátria em huma Monarquia? Se he indubitável que Bruto invectiva ferozmente contra os Reis, que elle chama Tyrannos, he também indubitável que huma Tragedia, que, como diz o tal annuncio revolucionário, "faz atear em todos os peitos hum odio tão vehemente aos oppressores do genero humano" he huma producção directamente publicada contra o Rei, e contra, a Causa do Rei, e bem á escancara o seu publicador atraiçoa essa causa, e a da Pátria com tão desaforado anuncio. Com a capa de atacar os chamados Apostólicos e Congreganistas, assim se ataca aquillo mesmo que se diz que estes fazem! E o mais he que segundo o tal annuncio tudo em Portugal são sequazes e advogados dos Apostólicos e Congreganistas, porque alli assegura o annunciante, que elles em cardumes e aos pares nos perseguem. He certo que, dizendo aos pares, diminue muitissimo o em cardumes; e, a não ser isto escrito por algum doido, o que só poderia merecer desculpa, ou quando muito escrito por quem estivesse com a cabeça toldada por vapores de Bromio, então he producção de zombaria e gracejo, que ironicamente nos quiz dizer o contrario do que soão taes palavras. Seja o que for, tal o tendeiro tal a tenda. O que contudo nos deve consolar he a doce esperança de vermos apparecer em breve, pela simples leitura do Bruto, immensas falanges contra os infames Apostólicos e Congreganistas; agora sim, agora vejo choverem falanges e falanges sobre os infames toleirões que aos cardumes e aos pares nos perseguem! Já me parece estar vendo passar revista a esse immenso Exercito de Heroes, com o Bruto de Voltaire traduzido em Portuguez nas mãos por únicas armas, ateado em odio o peito de toda essa enorme bicharia, fazendo tremer a terra debaixo de seu pezo e de seu furor, avançarem á canalha dos cardumes com tal denodo e rapidez, que em hum abrir e fechar d'olhos ficamos sem aquella praga, e só nos resta cantar o Epinicio de tão famigerada victoria. Sim, victoria, e assombrosa; porque quando da Tragedia Bruto se disse em toda a parte, e em todos os tempos desde que sahio á luz, que era hum arsenal de invectivas contra os Reis, e contra o Governo Monárquico, e a favor do Systema Republicano, ver agora por magica sahir o contrario da sua leitura, será cousa que espante o juizo humano, e que marque huma época estrondosa na historia das Nações. Esta maravilha está guardada para os nossos dias, Senhor Redactor; apare bem a penna para descrever com aquella pompa e louçania que hum tal prodígio deve sem duvida excitar nos Portuguezes. Nação destinada entre tantas a ver o que nem hum momento passou até agora pela imaginação dos Profetas, ou dos mais finos Políticos que tem vaticinado os maiores acontecimentos. Lançando essa minha Carta na Gazeta dará, bem como a muitos, grande satisfação a este seu = Constante Leitor = Olivaes, 6 de Julho de 1827.35 35 Gazeta de Lisboa , n. 160, segunda-feira, 9 de julho de 1827. Bruto finalmente pôde ser anunciado para venda: Chronica Constitucional de Lisboa, n. 64, terça-feira, 8 de outubro de 1833. p. 354. (grifo nosso)

Em 1833, após cinco anos de guerra civil em Portugal, as forças liberais chefiadas por D. Pedro I (ou IV, entre os lusos) triunfou sobre os partidários miguelistas. O absolutismo fora, pela segunda vez, abatido naquele país. Rodrigo de Azevedo Sousa da Câmara, filho do desembargador, foi um dos soldados na guerra civil portuguesa e coube a ele celebrar o triunfo dos seus partidários no poema D. Pedro no Porto ou o Heroismo de Poucos, drama historico em cinco actos original portugez (Lisboa: Na Typographia de J.A.S. Rodrigues, 1841). A obra que, contudo, continuou a representar os ideais republicanos e liberais foi a tradução de Bruto, ao lado de Cândido, tendo sido a segunda traduzida por Alexandre Herculano (Lisboa, 1834).

Voltando ao ano de 1798, no atual estágio das pesquisas sobre Sousa da Câmara e sua obra, resta uma questão. É notório que a Inconfidência Mineira tivera a participação de magistrados como Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antonio Gonzaga e Alvarenga Peixoto, que eram também poetas. Inclusive, o desembargador encarregado de investigá-la era Antonio Diniz da Cruz e Silva (Elpinio Nanocriense), maçom e autor de O Hyssope, livro proibido e que daria dez anos de degredo em África para quem fosse apanhado em posse dele. A Revolução Pernambucana de 1817 também contou com seus magistrados, sendo um dos seus articuladores o ouvidor Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado, irmão de José Bonifácio de Andrada, que fundou o Grande Oriente Brasileiro (1813), com sede na Bahia.

A Conjuração Baiana estava no interstício daqueles dois movimentos, mas, apesar da desconfiança de que os desembargadores favoreceram os suspeitos ligados às poderosas famílias baianas, nenhum magistrado foi nela diretamente implicado. Não há estudos sobre os magistrados do Tribunal da Relação da Bahia entre o fim do século XVIII e a Guerra de Independência. Deve-se considerar, conforme dito acima, a suspeita por D. Rodrigo de Sousa Coutinho de que os empregados do governo estariam difundindo ideias jacobinas na Bahia ao tempo da conspiração, seguidos por protestos de corrupção dentro do Tribunal da Relação e do Governo. Sousa da Câmara estaria, ocultamente, ligado aos homens que articularam a conspiração? No Teatro do Mundo, é sempre difícil enxergar quem está sob as máscaras.

É possível concluir, não obstante, que as traduções de Voltaire produzidas por Sousa da Câmara ilustram bem o surgimento do mundo contemporâneo, cada vez mais complexo. Um mundo que não pode ser limitado pela dicotomia luz e sombra, preto e branco, mas visto em todas as suas possibilidades de cores. Era um mundo que ansiava por liberdade. Liberdade que não poderia ser limitada por interesses partidários ou apenas de segmentos da socidade, devendo realizar-se, ao modo como propunha os pensandores da Ilustração, como uma conquista universal.

Referências

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  • VOLTAIRE. A morte de Cesar: tragedia / de M. Voltaire. Trad. por Manoel Joaquim Borges de Paiva. Coimbra: Impr. da Universidade, 1821.
  • VOLTAIRE. Cartas d'Ambed escriptas em francez, por M. de Voltaire e traduzidas em portuguez, por J. de S. Vianna. Salvador: Tipografia do Baiano, 1830. 56p.
  • 1
    Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa (AHU), Catálogo Eduardo Castro de Almeida. Doc. 18.360. Officio do Governador D. Fernando José de Portugal para D. Rodrigo de Sousa Coutinho, no qual se refere a uma denuncia em que se accusavam certas pessoas de serem jacobinas. Bahia, 17 de junho de 1798.
  • 2
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Registo Geral de Mercês, Registo de Certidões Negativas, liv. 1 (número de ordem 419), fl.308, 27-06-1816. (PT/TT/RGM/T/0001/336440)
  • 3
    Gazeta de Lisboa , sábado, 27 de novembro de 1790. As obras referidas, bem como outras tragédias de Voltaire também foram anunciadas para venda no Cathalogo De Comedias, e Tragedias que se vende na Loja de João Henrique, na Rua Augusta = N.1 . [Lisboa] s/l; s/d.
  • 4
    Gazeta de Lisboa , n. 123, segunda-feira, 26 de maio de 1817.
  • 5
    Localização: 110, 4, 2, n.5. O exemplar indicado está sem a folha de rosto, encadernado com outras obras teatrais. Agradeço a Hélida Santos Conceição pela reprodução do referido impresso.
  • 6
    Diario do Rio de Janeiro . n. 153, 15 jul. 1842, p. 3.
  • 7
    Há ainda outra versão de Alzira , feita por José Anastácio da Cunha, que é completamente diferente da tradução impressa em Portugal e no Rio de Janeiro em 1773, 1785, 1788 e 1842, conforme pudemos comparar (CUNHA, 1839, p. 81-82).
  • 8
    ANTT. Real Mesa Censória, caixa 6, n. 55A, Antonio Pereira de Figueiredo, Livros de autores libertinos, que devem ser incluidos no edital proibitivo, 1770.
  • 9
    ANTT. Real Mesa Censória, Livro 8111, Catálogo dos livros defesos neste reino, desde o dia da criação da Real Mesa Censória até ao presente para servir no expediente da casa da revisão (1766-1814).
  • 10
    O autor do dicionário bibliográfico encontrou um exemplar da edição de 1807 para consulta em meados do século XIX. Não encontrei nenhum exemplar. Na Brasiliana de Mindlin há um exemplar da edição de 1815. Há registro também de uma edição de Zadig de 1817, de que também não vi exemplar.
  • 11
    Gazeta de Lisboa , n. 60, terça-feira, 11 de março de 1817.
  • 12
    Na Biblioteca Brasiliana da USP existem duas traduções que não estão indicadas em qualquer catálogo bibliográfico e que presumo serem os únicos exemplares remanescentes ( VOLTAIRE, 1830 VOLTAIRE. Cartas d'Ambed escriptas em francez, por M. de Voltaire e traduzidas em portuguez, por J. de S. Vianna. Salvador: Tipografia do Baiano, 1830. 56p. ; O INGENUO, 1835 O INGENUO ou o selvagem civilisado. Traduzido de Mr. de Voltaire. Primeira secção. Salvador: Typographia do Correio Mercantil, 1835. 108p. ).
  • 13
    AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 197, D. 14271. DECRETO do príncipe regente [D. João] nomeando os doutores José Pedro de Azevedo Sousa e Câmara, Francisco Xavier da Silva Cabral e José Francisco de Oliveira para um lugar ordinário de desembargadores da Relação da Bahia. [Lisboa], 13 de maio de 1794. ANTT. Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv.20, f. 355, 09-05-1794. (PT/TT/RGM/E/132612). AHU. Eduardo Castro. 16.477-16.478 (anexa ao 16.475). Provisões do Conselho Ultramarino pelas quaes mandou pagar vencimentos ao Desembargador José Pedro de Azevedo Sousa e Camara. Lisboa, 6 de outubro de 1794.
  • 14
    AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. 85, doc. 16.630. Officio do Governador D. Fernando José de Portugal para Luis Pinto de Sousa, no qual participa terem tomado posse os Desembargadores da Relação. Bahia, 7 de maio de 1796.
  • 15
    AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx 100, Docs 19.517-19.518. Representação da Junta da Real Fazenda sobre a necessidade de estabelecer um hospital militar. Bahia, 19 de setembro de 1795.
  • 16
    AHU, Bahia, Eduardo Castro. Cx. 99, Doc. 19.420.
  • 17
    AHU, Bahia, Eduardo Castro. Cx. 99, Doc. 19.421. Representação dos povos da Capitania da Bahia contra os desembargadores da Relação, feita por José Pires de Carvalho e Albuquerque. Bahia, c. 1798.
  • 18
    AHU, Bahia, Eduardo Castro. Cx. 99, Doc. 19.419. Officio do governador D. Fernando José de Portugal para D. Rodrigo de Sousa Coutinho, no qual informa circunstanciadamente acerca das acusações feitas numa representação contra os desembargadores da Relação, e especialmente acerca do mérito, ilustração, probidade e comportamento de cada um dos magistrados. Bahia, 20 de junho de 1799.
  • 19
    AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. 91, doc. 17.722. Atestado de José Pedro de Sousa Azevedo da Câmara sobre a capacidade e honradês e ilustração de João Manuel Vieira da Fonseca. Bahia, 16 de junho de 1797.
  • 20
    Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Colonial/Provincial. Coleção de Ordens Régias. Vol. 86, doc. 109 Carta de D. Rodrigo de Sousa Coutinho para D. Fernando José de Portugal comunicando a ordem de S. M. que se coloque a venda oitenta exemplares da tradução do Mercurio Britânico, feito na Corte de Londres, e fará saber a Francisco Xavier Noronha Torrezão, oficial dessa secretaria de Estado, quando convem fazer mais expedições dos mesmos folhetos para que chegue a todos a doutrina purissima que prega o autor contra os princípios revolucionários franceses. Palácio de Queluz, 15 de dezembro de 1798. A obra oferecida pelo ministro é o MERCURIO Brittanico, ou Noticias Historicas, e Criticas sobre os negocios actuaes / por J. Mallet du Pan / traduzido em Portuguez .- Vol. I, Nº 1 (agosto e setembro 1798) a Vol. IV Nº 3 (janeiro, 1800). - Londres: S.n., 1798-1800. - 32 números em 4 volumes. Paginação seguida I - (6), 580, (2) p. II - 524p. III - 524p. IV - 496p. Mallet du Pan é considerado um pioneiro do jornalismo político, combatendo os ideais da Revolução Francesa, tornando um Mercurio Britânico uma importante fonte de informações sobre as controvérsias políticas da época. Ver também o Vol. 89, doc. 59. Carta de D. Rodrigo de Sousa Coutinho para D. Fernando José de Portugal, comunicando resoluções reais sobre várias matérias. Queluz, 6 de dezembro de 1799: "Foi muito agradavel a aceitaçam que ahi teve o Mercurio Britanico, que certamente pelas verdades que contem he o melhor antidoto contra os criminozos vistos, e principios da Revolução Franceza".
  • 21
    ANTT. (Col. IHGB, DL 123,02.09) 1074; 03 - Portaria do governador da Bahia, D. Fernando José de Portugal e Castro nomeando o desembargador José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara como juiz privativo da casa de D. Francisca Joana Josefa da Câmara. Bahia, 26 de junho de 1798.
  • 22
    APEB. Colonial/Provincial. Coleção de Ordens Régias, Vol. 86, doc. 59. Carta de D. Rodrigo de Souza Coutinho para D. Fernando José de Portugal, a respeito do que ficou ciente Sua Magestade, que as pessoas dessa cidade de acham infectados pelos principios e Constituiçoens Franceza, gerando frouxidão do governo e corrupção da Relação. Queluz, 4 de outubro de 1798.
  • 23
    APEB. Colonial/Provincial. Coleção de Ordens Régias, Vol. 89, doc. 95. Carta de D. Rodrigo de Souza Coutinho para D. Fernando José, comunicando que S. Magestade ordenou a vigilância de todos os empregados naquela Capitania, e se fosse verificada a contaminação por principios jacobinos e revoltosos, fosse logo levado o fato à sua Real Presença. Tudo o que foi determinado devia ser mantido no mais absoluto sigilo. Palácio de Queluz, 2 de julho de 1799.
  • 24
    AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. 115, Doc. 22.556-22.558. Representação.
  • 25
    AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. 108, Doc. 21.023. Representação do Desembargador José Francisco de Oliveira na qual se queixa de ter sido preterido com a nomeação do Desembargador José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara para o logar de Ouvidor Geral do Crime. Bahia, 21 de junho de 1800.
  • 26
    AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. 108, Doc. 21.022. Officio do Governador D. Fernando José de Portugal para D. Rodrigo de Sousa Coutinho, no qual informa acerca da seguinte representação do Desembargador da Relação José Francisco de Oliveira. Bahia, 6 de dezembro de 1800.
  • 27
    Ver o Alvará do Desembargo do Paço de 27 de dezembro de 1800, nomeando Vereadores e Procurador do Senado da Camara da Cidade do Salvador.
  • 28
    Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. II - 34, 5, 37. Exposição do Desembargador Juiz privativo José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara, sobre as rendas da sesmaria pertencente a Antonio Guedes de Brito e seus descendentes que foram pagas pela Comarca de Jacobina. Bahia, 29 de agosto de 1801. Cópia. 4 fls.
  • 29
    AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 224, D. 15585. 1802, Abril, 21, Queluz. AVISO do [secretário de estado da Marinha], visconde de Anadia, [João Rodrigues de Sá e Melo] ao [conselheiro Ultramarino], barão de Moçâmedes, [José de Almeida Vasconcelos] para que se dê expedição à residência do desembargador da Relação da Bahia, José Pedro de Azevedo Sousa da Câmara. Anexo: autos de interrogatório.
  • 30
    AHU, Bahia, Eduardo Castro, Cx. doc. 23.581. Officio do Governo interino para o Visconde de Anadia, no qual se refere á devassa de residência de Jose Pedro de A. Sousa da Camara. Bahia, 8 de fevereiro de 1802.
  • 31
    Gazeta de Lisboa , n. 288, quarta-feira, 4 de dezembro de 1816. Essa propriedade foi arrendada em 1816 pela sua viúva, D. Maria da Luz Sousa da Câmara, então vivendo na calçada da Estrela, n. 83, primeiro andar.
  • 32
    O Parnazo Brazileiro , do cônego Januário da Cunha Barbosa, impresso no Rio de Janeiro em 1829, ao que parece, além da vinheta utilizou tipos idênticos ao que foi usado na impressão de Bruto em 1806.
  • 33
    Gazeta de Lisboa , n. 145, sexta-feira, 20 de junho de 1823. Manifesto do Conde de Amarante Manoel da Silveira Pinto da Fonseca aos Portugezes.
  • 34
    Na coleção do autor, há um manuscrito com retrato e informações biográficas de Joaquim Larcher, preparada pelo seu filho na segunda metade do século XIX, com 15 folhas, confimando que seu pai ingressara na maçonaria antes de 1820.
  • 35
    Gazeta de Lisboa , n. 160, segunda-feira, 9 de julho de 1827. Bruto finalmente pôde ser anunciado para venda: Chronica Constitucional de Lisboa, n. 64, terça-feira, 8 de outubro de 1833. p. 354.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2015
  • Aceito
    26 Jun 2016
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