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BOATOS, CRISES E OPORTUNIDADES POLÍTICAS NA ANTIGUIDADE TARDIA* * Resultados preliminares desta pesquisa e versões anteriores deste texto foram apresentados nos colóquios de Lisboa, em janeiro de 2014; Sevilha, em fevereiro de 2015, e Campinas, em novembro de 2015. Agradeço aos organizadores desses eventos pela oportunidade de partilhar essas ideias, em especial a Cristina Rosillo López e Pedro Paulo A. Funari. Agradeço também por todas as sugestões e comentários dessas audiências, e a Filipe Silva, por sua ajuda. Parte da pesquisa contou com o apoio financeiro da FAPESP (Processo 2013/25425-4). A responsabilidade pelas ideias aqui expressas restringe-se, contudo, ao autor.

Rumour, Crises and Political Opportunities in Late Antiquity

RESUMO

Comparado à organização política do Principado, o regime imperial da Antiguidade Tardia obteve um controle muito maior sobre a circulação da informação política em decorrência da centralização do poder e do número ainda maior de funcionários qualificados dedicados a coligir, cotejar e recuperar informações em todo o Império. Ainda assim, a vastidão do Império Romano e a lentidão das comunicações continuavam a representar as principais ameaças ao poder absolutista, especialmente nos momentos de crises políticas, quando a própria ausência de informações oficiais alimentava os canais subterrâneos e incontrolados de notícias. Do ponto de vista da plebe urbana e dos atores políticos locais, o recurso a essas notícias clandestinas que nós chamamos de "boatos" podia representar uma tentativa de avaliar a abertura de oportunidades para a ação em um ambiente político marcado por uma profunda incerteza. O objetivo deste artigo é explorar como a plebe urbana, as facções religiosas ou seus líderes percebiam (e encorajavam) a difusão de notícias sobre as mudanças no poder imperial como uma "janela de oportunidades" e como uma forma de organizar uma ação coletiva.

Palavras-chave:
Boatos; Informação Política; Violência; Antiguidade Tardia.

ABSTRACT

Compared to the situation prevalent in the Early Empire, the imperial regime of Late Antiquity undoubtedly enhanced its ability to control the flow of political information, by the use of skilled personnel primarily dedicated to collect, collate and retrieve information. Yet even so, the vastness of the empire and the slowness of communications remained the most important challenges to imperial absolutism. From the point of view of the urban plebs or of local political actors, the use of these clandestine news that we call "rumours" could represent an attempt to assess the opening of opportunities for action in a political environment marked by a deep uncertainty. The objective of this paper is to understand how the urban plebs, the religious factions or their leaders perceived (and encouraged) the flow of official or unofficial news about the fate of the ruler as a "window of opportunity" and as a method of mobilizing an action.

Keywords:
Rumours; Political Information; Violence; Late Antiquity.

Não é preciso recuar muito no tempo para identificar uma estreita relação entre a circulação incontrolada de boatos e a percepção de uma crise política. Os exemplos, afinal, estão à nossa volta. No dia 13 de fevereiro de 2015, pouco após o governo federal anunciar um pacote de medidas para ajustar as contas públicas, incluindo aumento de impostos e restrições a benefícios trabalhistas e previdenciários, o Ministério da Fazenda foi obrigado a lançar uma nota pública para desmentir os boatos propagados nas redes sociais de que a caderneta de poupança seria confiscada, como no governo Collor (FOLHA, 13/02/2015FOLHA de S. Paulo, 13 fev. 2015.). Às vésperas de um protesto nacional contra o governo em 15 de março daquele ano, novos boatos de confisco da poupança, guerra civil e golpe de Estado foram difundidos por WhatsApp, Facebook e Twitter entre os convocados a participar das manifestações. Alguns se referiam à descoberta de um grupo de guerrilheiros com mais de 20 mil armas na Floresta Amazônica prontos para uma guerra civil. Outros diziam que o ex-presidente Lula prometia atacar com o exército a quem fosse às ruas no dia 15 de março pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Uma mensagem de áudio pelo WhatsApp recomendava até mesmo que a população estocasse alimentos em casa porque uma intervenção federal "de direita e de esquerda" (o que quer que isso signifique) estava sendo preparada (FOLHA, 14/03/2015FOLHA de S. Paulo , 14 mar. 2015.)! Nos meses seguintes, a incapacidade do governo de manter coesão interna e articulação no Congresso Nacional fez com que os boatos também ditassem a cada semana o comportamento da Bolsa de Valores. Apenas no mês de outubro de 2015, as maiores altas do dólar foram provocadas somente por rumores da saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

O que esses exemplos nos mostram não é uma relação de causa e efeito entre crise e boato. Boatos e rumores circulam o tempo todo entre todos os grupos sociais. Por mais absurdos e infundados que sejam (como muitos dos casos citados acima obviamente o são), boatos são apenas uma forma de interpretar um ambiente de incertezas, de reforçar os laços e convicções entre um grupo engajado ou de perceber os sinais da abertura de oportunidades para grupos de interesse.

Isso, no entanto, nem sempre foi reconhecido pelos estudiosos do fenômeno. Durante muito tempo, a presença recorrente de boatos em momentos de catástrofes, guerras ou crises políticas e, mais ainda, sua relação constante com episódios de violência coletiva em toda a parte no mundo e em qualquer época da história fizeram com que os estudiosos interpretassem os boatos como uma espécie de patologia social. De acordo com essa visão, boatos que circulam em tempos de crise deveriam ser vistos como um "colapso" da ordem social ou uma ruptura da normalidade, o que demonstraria o subdesenvolvimento mental dos indivíduos ou as motivações inconscientes de um grupo (LE BON, 2013LE BON, G. La psychologie des foules. Paris: PUF , 2013.; LÉVY-BRUHL, 1963LÉVY-BRUHL, L. La mentalité primitive. Paris: PUF , 1963.; MOSCOVICI, 1981MOSCOVICI, S. L'âge des foules: Un traité historique de psychologie des masses. Paris: Fayard, 1981.). Contra esse paradigma psicopatológico, porém, um número crescente de historiadores e cientistas sociais adotando uma abordagem mais interativa do fenômeno tem enfatizado que boatos não são uma aberração patológica ou uma expressão temporária de uma crise. Enquanto prática de comunicação e interação social, boatos e rumores são parte integrante da sociabilidade quotidiana (LEFEBVRE, 1988LEFEBVRE, G. La Grande Peur de 1789. Paris: Armand Colin, 1988.; SHIBUTANI, 1966SHIBUTANI, T. Improvised News: A Sociological Study of Rumor. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Co, 1966.; CORBIN, 1990CORBIN, A. Le village des "cannibales". Paris: Aubier, 1990.; BRASS, 2003BRASS, P. R. The Production of Hindu-Muslim Violence in Contemporary India. Seattle and London: University of Washington Press, 2003.).1 1 Sobre esses estudos, ver Aldrin (2005, p. 73-81). O que ocorre em um momento crítico é que os mesmos mecanismos utilizados no dia a dia são adaptados "para exprimir um sentimento latente, partilhar opiniões e dar sentido às situações inesperadas ou inquietantes" (ALDRIN, 2005ALDRIN, P. Sociologie politique des rumeurs. Paris: PUF, 2005., p. 80). Boatos, portanto, não são nunca a causa dos movimentos coletivos, sejam eles de pânico, protesto ou violência. Mas enquanto prática de comunicação, eles são certamente uma chave para entendermos os sentidos que os participantes dão à sua ação e para as "oportunidades políticas" que eles percebem como disponíveis para si.

Uso aqui o conceito de "oportunidades políticas" no sentido em que ele é empregado no trabalho de estudiosos dos movimentos sociais e teóricos do processo político para descrever, nas palavras de Sidney Tarrow, as "dimensões consistentes - mas não necessariamente formais ou permanentes - do ambiente político que fornecem incentivos para a ação coletiva ao afetarem as expectativas das pessoas quanto ao sucesso ou fracasso" (TARROW, 2009TARROW, S. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Trad. Ana Maria Sallum. Petrópolis: Vozes, 2009., p. 105). Charles Tilly foi o primeiro a formular esse conceito quatro décadas atrás para enfatizar o quanto o poder, a repressão (ou facilitação) e a oportunidade (ou ameaça) ofereciam opções para uma ação coletiva (TILLY, 1978TILLY, C. From Mobilization to Revolution. Reading, MA: Addison-Wesley Publishing Co, 1978., p. 98-142). Desde então, os estudiosos têm empregado o conceito em duas direções bem diferentes. De um lado, trata-se de descrever as condições mais estáveis que afetam a ação coletiva em um país ou sociedade. De outro, buscam-se identificar as "janelas de oportunidade", isto é, as condições mais voláteis que podem encorajar os atores sociais a protestar ou a juntar-se a um movimento social em um contexto específico (GAMSON; MEYER, 1996GAMSON, W. A.; MEYER, D. Framing Political Opportunity. In: MCADAM, D.; MCCARTHY, J. D.; ZALD, M. N. (orgs.). Comparative Perspectives on Social Movement: Political Opportunities, Mobilizing Structures, and Cultural Framings. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 275-290.; MCADAM, 1996MCADAM, D. Conceptual Origins, Current Problems, Future Directions. In: MCADAM, D.; MCCARTHY, J. D.; ZALD, M. N. (orgs.). Comparative Perspectives on Social Movement: Political Opportunities, Mobilizing Structures, and Cultural Framings . Cambridge: Cambridge University Press , 1996. p. 23-40.; GIUGNI, 2009GIUGNI, M. Political Opportunities: From Tilly to Tilly. Swiss Political Science Review, v. 15, n. 2, p. 361-368, 2009.). Apesar do "viés estruturalista" que afetou muitas dessas formulações, o conceito de "oportunidades políticas" não precisa ser visto como uma condição objetiva, independente da percepção dos indivíduos (GOODWIN; JASPER, 1999GOODWIN, J.; JASPER, J. M. Caught in a Winding, Snarling Vine: The Structural Bias of Political Process Theory. Sociological Forum, v. 14, n. 1, p. 27-54, 1999.; GIUGNI, 2009GIUGNI, M. Political Opportunities: From Tilly to Tilly. Swiss Political Science Review, v. 15, n. 2, p. 361-368, 2009., p. 364-365). Ao contrário, como bem notaram Gamson e Meyer (1996GAMSON, W. A.; MEYER, D. Framing Political Opportunity. In: MCADAM, D.; MCCARTHY, J. D.; ZALD, M. N. (orgs.). Comparative Perspectives on Social Movement: Political Opportunities, Mobilizing Structures, and Cultural Framings. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 275-290., p. 283), "uma oportunidade não reconhecida não é oportunidade nenhuma". Nesse sentido mais cultural, no entanto, o conceito de "oportunidades políticas" não pode ser dissociado dos processos mais amplos de comunicação e interpretação que estão subjacentes a qualquer mobilização. E desses processos, os boatos são uma parte integrante e fundamental.

O objetivo deste artigo é discutir, nessa perspectiva teórica, a relação entre a percepção de uma crise, a propagação de boatos e a abertura de oportunidades políticas na Antiguidade Tardia. De modo particular, eu gostaria de explorar a frequente associação nesse período entre a difusão de notícias (falsas ou verdadeiras) sobre a morte de um imperador e a eclosão de revoltas nas cidades do Império Romano. Meu propósito é compreender como a plebe urbana, as facções religiosas ou os seus líderes percebiam (e encorajavam) a propagação de notícias políticas relativas aos imperadores e à política imperial como uma "janela de oportunidades" e como um método de mobilizar uma ação.

Vamos começar recordando os perigos potenciais envolvidos na difusão incontrolada de informações políticas na Antiguidade Tardia (SOTINEL, 2009SOTINEL, C. Information and Political Power. In: ROUSSEAU, P. (ed.). A Companion to Late Antiquity. Oxford: Blackwell, 2009. p. 125-138.). O Império Romano Tardio foi caracterizado por uma concentração sem precedentes de poder na pessoa do imperador e pela expansão de uma vasta e bem-organizada burocracia (KELLY, 1998KELLY, C. Emperors, Government and Bureaucracy. In: CAMERON, Av.; GARNSEY, P. (ed.). The Cambridge Ancient History, XIII: The Late Empire AD 337-425. Cambridge: Cambridge University Press , 1998. p. 138-183. , 2004KELLY, C. Ruling the Later Roman Empire. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2004.). Comparado aos primeiros séculos do Império, o regime imperial da Antiguidade Tardia reforçou em muito sua habilidade de "coligir, cotejar e recuperar informações graças ao uso de um pessoal especializado e dedicado antes de tudo a essas tarefas administrativas" (KELLY, 2004KELLY, C. Ruling the Later Roman Empire. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2004., p. 1). Mesmo assim, a vastidão do Império Romano e a lentidão das comunicações continuaram sendo os mais importantes desafios ao absolutismo imperial (BROWN, 1992BROWN, P. Power and Persuasion in Late Antiquity: Towards a Christian Empire. Madison: Wisconsin University Press, 1992., p. 9-17; KELLY, 1998KELLY, C. Emperors, Government and Bureaucracy. In: CAMERON, Av.; GARNSEY, P. (ed.). The Cambridge Ancient History, XIII: The Late Empire AD 337-425. Cambridge: Cambridge University Press , 1998. p. 138-183. , p. 157-162; KELLY, 2004KELLY, C. Ruling the Later Roman Empire. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2004., p. 114-117).

Isso é tanto mais verdadeiro durante as crises políticas ou no momento da ascensão ao poder de um novo imperador, quando a lealdade política das províncias não podia ser considerada certa. Para citar um exemplo: após a morte do imperador Juliano e o acordo de paz de Nísibis, em 363, o novo imperador Joviano despachou seus emissários de Ur, na Caldeia, com mensagens para todos os governadores e comandantes militares para assegurar sua lealdade. De acordo com o historiador Amiano Marcelino, os mensageiros foram encarregados de "sondar em segredo os sentimentos de todos eles e retornar o mais rápido possível com suas respostas para que, assim que fosse conhecido o que se passava nas províncias mais distantes, pudessem ser estudados com tempo e cuidado todos os planos para salvaguardar o poder imperial" (AMM. MARC. XXV, 8, 12).2 2 "Iussum est autem [...] prouinciarum militiaeque rectoribus insinuare noui principis scripta, omniumque sententiis occultis sciscitatis remeare uelociter cum responsis, ut conperto quid in longinquis agatur, principatus corroborandi matura consilia quaerantur et cauta." A missão foi cumprida em quatro meses, isto é, na velocidade máxima permitida à época pelo cursus publicus, o sistema de transporte e correio oficial. E, no entanto, essa velocidade não foi ainda suficiente para impedir que, nas palavras de Amiano, "o boato [fama], o mais rápido portador das más notícias, ultrapassando os mensageiros, corresse de boca em boca entre as províncias e os povos" (AMM. MARC. XXV, 8, 13).3 3 "Hos tabellarios fama praegrediens, index tristiorum casuumu elocissima, per prouincias uolitabat et gentes [...]." Sobre esta passagem, ver Sotinel (2009, p. 127).

Para neutralizar essa ameaça, os imperadores tentavam de toda forma manipular e controlar o fluxo de informações políticas. Por exemplo, durante o bloqueio de Roma pelo exército godo de Alarico em 410, o imperador do Oriente, Teodósio II, publicou uma lei tentando bloquear toda e qualquer circulação de notícias entre as partes oriental e ocidental do Império Romano (COD. THEOD. 7, 16, 2). Anos mais tarde, após a morte do imperador do Ocidente, Honório, em 423, o mesmo Teodósio II, agora como único governante, escondeu a verdade pelo maior tempo possível para prevenir qualquer tentativa de insurreição política no Ocidente (SÓCRATES, Hist. eccl. VII, 22SOCRATES (Sócrates). Historia Ecclesiastica. MARAVAL, P. (ed.). Socrate de Constantinople, Histoire ecclésiastique. tome 3, livres IV-VI. Paris: Cerf, 2006 (Sources Chrétiennes, 505).). Nenhuma dessas medidas, porém, podia de fato interromper a propagação de notícias clandestinas. Como o historiador grego Eunápio lamentava a respeito de outro momento de crise política entre as duas partes do Império, a própria escassez de notícias oficiais era o que encorajava a proliferação de comentários e interpretações sobre toda e qualquer notícia disponível:

No tempo de Eutrópio, o eunuco [395-399], era impossível incluir em uma história um relato acurado dos eventos do ocidente, pois a distância e a duração das viagens marítimas tornava os relatos velhos e inúteis, porque já ultrapassados, como se eles tivessem caído em uma espécie de crônica e prolongada doença. Os viajantes e os soldados que tinham algum acesso à informação política contavam a história como queriam, enviesados pela amizade ou pela hostilidade ou pelo desejo de agradar alguém. E se você reunia três ou quatro deles com suas versões conflitantes como testemunhos, havia sempre uma grande discussão entre eles, que começava com interjeições apaixonadas e acaloradas e terminava em uma batalha campal. Eles diziam: "De onde você tirou isso?" "Onde é que Estilicão te viu?" "Por acaso você viu o eunuco?" De modo que não era tarefa nada fácil sair desse emaranhado. Dos mercadores não havia nenhuma informação razoável, pois eles ou contam muitas mentiras, ou dizem o que querem para lucrar com isso (EUNAP. Hist. fr. 74M = 66, 2B).4 4 Texto grego estabelecido por Müller (1861, p. 46), tradução para o português cotejada com as traduções para o inglês propostas por Blockley (1981, p. 74) e por Cameron; Long (1993, p. 309): "Ὅτι κατὰ τοὺς χρόνους Εὐτροπίου τοῦ εὐνούχου τῶν μὲν περὶ τὴν ἑσπέραν οὐδὲν ἀκριβῶςγ ράφειν [ἐξῆν] εἰς ἐξήγησιν. Τό τε γὰρ διάστημα τοῦ πλοῦ καὶ μῆκος μακρὰς ἐποίει τὰς ἀγγελὶας καὶ διεφθαρμένας ὑπὸ κρόνου, καθάπερ ἐς χρόνιον καὶ παρέλκουσάν τινα νόσον μεταβεβλημένας· οἵ τε πλανώμενοι [Blockley: πραττόμενοι = "oficiais" (?); MS: πλαττόμενοι] καὶ στρατευόμενοι εἰ μέν τινες ἦσαν τῶν περὶ τὰ κοινὰ καὶ δυναμένων εἰδέναι, πρός χάριν καὶ ἀπέχθειαν καὶ τὰκαθ᾽ἡδονὴν ἕκαστος κατὰ βούλησιν ἀπέστειλεν. Εἰ γοῦν τις αὐτῶν συνήγαγε τρεῖς ἢ τέσσαρας τἀναντία λέγοντας ὥσπερ μάρτυρας, πολὺ τὸ παρκράτιον ἦν τῶν λόγων καὶ ὁ πόλεμος ἐν χερσίν, ἀρχὰς λαβὼν ἀπὸ ῥηματίων καὶ συγκεκαυμένων. Ταῦτα δὲ ἦν· "Σὺ πόθεν ταῦτα οἶδας; ποῦ δέ σε Στελίχων εἶδε; σὺ δὲ τὸν εὐνοῦχον εἶδες ἄν;" ὥστε ἔργον ἦν διαλύειν τὰς συμπλοκάς. Τῶν δὲ ἐμπόρων οὐδὲ εἷς λόγον πλείονα ψευδομέων, ἢ ὅσα κερδαίνειν βούλονται [...]."

O objetivo de Eunápio, como se vê, era ressaltar sua dificuldade em obter notícias confiáveis em tempos de crise. Mas a passagem também nos mostra o quanto a informação política poderia se tornar uma matéria de interesse para vários atores sociais, de alto a baixo na escala social. Ela nos lembra ainda que cada um dos participantes envolvidos na troca de notícias clandestinas o fazia por razões pessoais e até mesmo partidárias.

Entre as pessoas comuns, a difusão desse tipo de notícias interessava, em primeiro lugar, porque elas podiam ser vistas como o anúncio de tempos difíceis. Em 9 de setembro de 559, por exemplo, um boato de que o imperador Justiniano havia morrido ao retornar de uma campanha na Trácia levou a plebe de Constantinopla a "saquear" todas as padarias e casas de pães, de tal modo que, antes da terceira hora do dia, já não havia mais pão em nenhuma parte da cidade (THEOPH. Chronographia, A.M. 6053). De acordo com o relato de Teófanes, o boato havia sido provocado pelos comentários no palácio de que o imperador não havia concedido audiência a nenhum senador por causa de uma dor de cabeça. O fato de que a notícia aparentemente tivesse partido do palácio para as ruas da cidade levou o ex-prefeito Eugênio a acusar seus rivais políticos de tramarem um golpe para derrubar Justiniano. A investigação decretada pelo imperador, no entanto, não conseguiu provar a existência de nenhuma conspiração e concluiu, ao contrário, pela condenação de Eugênio por calúnia e difamação.

A semelhança entre essa história e os recentes boatos sobre o fim do Programa Bolsa Família, que provocaram grandes filas e tumultos em agências da Caixa Econômica Federal em 12 estados brasileiros entre os dias 18 e 19 de maio de 2013, é significativa quanto à dinâmica subjacente à difusão dessas notícias. Aqui também, a reação primeira das autoridades foi acusar a oposição de forjar o boato para abalar o governo, até que uma investigação da Polícia Federal comprovasse que o rumor havia se originado de maneira espontânea entre os beneficiários do programa (ESTADO, 12/07/2013ESTADO de S. Paulo, 12/07/2013). O erro comum às autoridades, nos dois contextos, é a crença de que boatos sempre trazem a marca da manipulação, ignorando seu caráter próprio de deliberação coletiva. E, na verdade, ainda que houvesse propósito deliberado na difusão dessas falsas notícias, o que importa, em ambos os casos, é compreender as causas de sua credibilidade entre aqueles que as compartilharam. No caso de Constantinopla em 559, qualquer que fosse a origem do boato sobre a morte de Justiniano, o apelo que a notícia teve entre o povo comum devia-se, antes de tudo, ao fato de que os imperadores eram os responsáveis pelo aprovisionamento da capital. A maior parte do trigo distribuído às padarias provinha da Annona, não apenas para a fabricação do pão gratuito distribuído aos cerca de 80.000 beneficiados, mas também o pão vendido nas padarias a preço reduzido a qualquer habitante.5 5 Sobre o abastecimento das capitais imperiais, ver Carrié (1975). É nesse contexto que a morte repentina do imperador poderia ser percebida como o anúncio de tempos de escassez e fizesse com que muitos populares, que viam o aprovisionamento de pães como um direito, acorressem às padarias para garanti-lo.

Uma outra razão do amplo interesse por notícias sobre os imperadores e a corte imperial entre os súditos do Império, porém, eram as expectativas e temores de várias partes interessadas de que as mudanças no poder central viessem a transformar os alinhamentos políticos na capital imperial ou nas cidades provinciais. Essa é mais uma das consequências da extrema centralização do poder imperial nesse período e que devemos analisar mais detidamente. A centralização enfraqueceu as fontes locais de autoridade e empoderou os grupos e indivíduos que contavam com o favor imperial (KELLY, 1998KELLY, C. Emperors, Government and Bureaucracy. In: CAMERON, Av.; GARNSEY, P. (ed.). The Cambridge Ancient History, XIII: The Late Empire AD 337-425. Cambridge: Cambridge University Press , 1998. p. 138-183. , p. 156). No entanto, as constantes mudanças na agenda política dos imperadores e a perpétua incerteza sobre a força dos grupos de pressão na corte faziam com que uma dependência estrita do apoio imperial fosse uma vantagem instável e ambígua. O mesmo vale para as facções e os grupos religiosos apoiados pelos imperadores. Desde a conversão de Constantino ao cristianismo, em 312, a intervenção imperial nas controvérsias cristãs levou as facções cristãs dos dois lados de uma disputa "a esperarem uma decisão executória a seu favor e a apelarem ao imperador para arbitragem" (LIM, 1999LIM, R. Christian Triumph and Controversy. In: BOWERSOCK, G.; BROWN, P.; GRABAR, O. (eds.). Late Antiquity: A Guide to the Post-Classical World. Cambridge, MA: Harvard University Press , 1999. p. 196-218., p. 201). Uma vez obtida a intervenção imperial, a coerção estatal marcava "a escalada da violência sectária a níveis de extrema violência que não existia antes e que não existiria depois do alcance profundo" do Império nas questões locais (SHAW, 2011SHAW, B. D. Sacred Violence: African Christians and Sectarian Hatred in the Age of Augustine. Cambridge: Cambridge University Press , 2011., p. 542). No entanto, mesmo após o estabelecimento de um novo equilíbrio, os membros de lados opostos em uma disputa estavam sempre atentos ao menor movimento rumo a uma possível mudança no status quo para poderem mobilizar uma ação ou se anteciparem a uma ação movida pelo outro lado.6 6 Para uma situação comparável na Índia contemporânea, ver Brass (2003, p. 362).

Não nos é surpreendente, portanto, que a chegada de notícias sobre a morte de um imperador criasse uma atmosfera de tensão nas capitais imperiais e em muitas outras localidades. O que é necessário explicar, porém, é em quais condições a propagação desse tipo de notícias favorecia de fato o recurso de um grupo à violência. Para entender a dinâmica envolvida nessas circunstâncias será útil considerar em detalhe dois exemplos bem-conhecidos de levantes associados à difusão de notícias sobre a morte de um imperador, ambos ocorridos na segunda metade do século IV.

O primeiro episódio é o linchamento do bispo Jorge de Capadócia e seus associados por uma multidão em revolta na cidade de Alexandria em 361 (HAAS, 1999HAAS, C. Alexandria in Late Antiquity: Topography and Social Conflict. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1999., p. 291-295; HAHN, 2004HAHN, J. Gewalt und religiöser Konflikt. Studien zu den Auseinandersetzungen zwischen Christen, Heiden und Juden im Osten des Römischen Reiches (von Konstantin bis Theodosius II). Klio Beihefte N.F. 8. Berlin: Akademie Verlag, 2004., p. 66-77). Jorge era o bispo da minoria "ariana" de Alexandria e o representante religioso do imperador Constâncio II, em nome do qual implementava uma vigorosa política antipagã e antinicena. Ele também era acusado de enriquecimento ilícito e de ter denunciado vários alexandrinos ao imperador. Com tantos inimigos na cidade, o bispo tornou-se cada vez mais dependente da força militar comandada pelo dux Artêmio para manter sua posição.

De acordo com o historiador da Igreja Sozômeno, foi "quando os magistrados anunciaram ao público o falecimento de Constâncio e que Juliano era o único governante" que os pagãos de Alexandria iniciaram o levante. Segundo sua narrativa, "eles atacaram Jorge com gritos e recriminações como se fossem matá-lo de uma vez". As autoridades conseguiram, no entanto, resgatar o bispo da multidão e encarcerá-lo à espera de um julgamento. Mas, menos de um mês após sua prisão, a multidão de novo "correu de manhã cedo até a prisão, matou-o e atirou o corpo em cima de um camelo; e, após expô-lo a todo tipo de insulto durante todo o dia, queimou-o ao anoitecer" (SOZOM. Hist. eccl. V, 7, 2-4). Amiano Marcelino, que também descreve o incidente, reduz o tempo entre a captura de Jorge e seu assassinato e confunde as notícias sobre a morte de Constâncio com a queda de Artêmio (que só ocorreria depois), mas confirma o quadro geral:

Então, eis que, de repente, chegou o feliz anúncio da morte de Artêmio e toda a plebe, arrebatada por essa alegria inesperada com clamores horrendos e rangendo os dentes, pediu por Jorge e o capturou, maltratando-o de diversas maneiras e pisando em cima dele. E com ele Dracôncio, o superintendente da casa da moeda, e certo Diodoro, que tinha o título de comes, arrastados com as pernas atadas por cordas foram ao mesmo tempo assassinados. O primeiro porque havia destruído um altar recentemente colocado na casa da moeda; o outro porque, quando supervisionava a construção de uma igreja, mandou de forma arbitrária cortar as madeixas de alguns garotos, acreditando que se tratava de costume associado ao culto dos deuses. E não contente com isso, a multidão desumana, tendo lançado os cadáveres destroçados dos homens assassinados sobre camelos, transportou-os até o litoral, queimou-os em uma fogueira e lançou as cinzas ao mar, temendo, como diziam em seus clamores, que suas relíquias pudessem ser coletadas e um templo fosse para eles construído, como acontecera no passado com outros que, forçados a abandonar sua religião, enfrentavam as mais horríveis penas, chegando até a encontrar a morte gloriosa com a fé imaculada e que são agora chamados de mártires. E esses homens miseráveis conduzidos a tão cruel suplício certamente poderiam ter sido defendidos pelos cristãos, não fosse o ódio por Jorge que a todos, sem distinção, incendiava. (AMM. MARC. XXII, 11, 8-10).7 7 "Ecce autem repente perlatola etabili nuntio indicante extinctum Artemium, plebs omnis elata gaudio insperato, uocibus horrendis infrendens Georgium petit raptumque diuersis mulcandi generibus proterens et conculcans diuaricatis pedibus. Cumque eo Dracontius monetae praepositus et Diodorus quidam, ueluti comes, iniectis per crura funibus simul exanimati sunt; ille quod aram in moneta quam regebat, recens locatam euertit; alter quod dum aedificandae praeesset ecclesiae, cirros puerorum licentious detondebat, id quoque ad deorum cultum existimans pertinere. Quo non contenta multitudo inmanis dilaniata cadauera peremptorum camelis inposita uexit ad litus isdemque subdito igne crematis cineres proiecit in mare id metuens, ut clamabat, ne collectis supremis aedes illis exstruerentur ut reliquis, qui deuiare a religione conpulsi pertulere cruciabiles poenas, ad usque gloriosam mortem intemerata fide progressi, et nunc martyres appellantur. Poterantque miserandi homines ad crudele supplicium ducti christianorum adiumento defendi, ni Georgii odio omnes indiscrete flagrabant."

Os passos que levaram à violência em Alexandria começaram, portanto, com um anúncio público de notícias recentes diante de uma multidão de ouvintes, talvez no teatro ou na ágora da cidade. Tanto no relato de Amiano como no de Sozômeno, a oportunidade para o linchamento de Jorge e seus associados é apresentada como tendo sido ditada pela percepção dos indivíduos na multidão de que os alinhamentos políticos entre os detentores do poder em Alexandria e a corte imperial haviam definitivamente mudado. Na verdade, não é impossível que a proclamação oficial tivesse sido acompanhada da chegada das primeiras notícias (formais ou informais) sobre os expurgos que marcaram a ascensão de Juliano ao poder único. De fato, de acordo com a narrativa de Amiano que precede à descrição desse episódio, vários dos principais conselheiros de Constâncio e outros cortesãos foram expulsos do palácio em Constantinopla: alguns foram exilados, outros queimados vivos (AMM. MARC. XXII, 3-4).8 8 Sobre a ascensão de Juliano e os expurgos em Constantinopla, ver Matthews (1989, p. 92-93).

No excerto citado acima, Amiano descreve a alegria desabrida com que essas notícias foram em seguida comentadas entre a plebe de Alexandria como uma forma de mobilizar uma ação. Mas é Sozômeno quem melhor sublinhou a disposição da multidão de agir como um executor extralegal e substituto para as autoridades. De fato, o ataque à prisão ocorreu apenas quando a multidão percebeu que as autoridades em Alexandria começavam a parecer incapazes de garantir a execução dos prisioneiros. O que se segue pode ser descrito como um ritual de humilhação coletiva de um inimigo público. É, de fato, uma performance que se repetiria em outros linchamentos famosos em Alexandria, como o assassinato de Hipátia em 415 e o do bispo Protério em 457. Embora houvesse boatos de que os cristãos rivais de Jorge, os partidários do bispo niceno Atanásio, tivessem participado do levante, todas as nossas fontes, tanto cristãs como não cristãs, estão de acordo em dizer que a multidão em revolta em Alexandria era composta principalmente por pagãos. Isso explica por que os dois funcionários imperiais também se tornaram alvos de sua ira, visto que ambos haviam participado na implementação de medidas antipagãs. Mas como Amiano dizia ao final do trecho citado, é também claro que os revoltosos contavam ao menos com o apoio passivo de cristãos, que também haviam sofrido com os malfeitos do bispo.

Como vemos, o assassinato de Jorge e seus associados não representa, de nenhum ponto de vista, um "colapso" da ordem social, mas a manifestação de um descontentamento razoável, expresso segundo um repertório bem-conhecido de ação e enraizado em relações políticas de longo prazo. A difusão de notícias sobre a morte do imperador e, possivelmente, sobre os expurgos políticos em Constantinopla foi apenas o sinal que encorajou os adversários do bispo a empreenderem sua ação ao alterar seu sentido de urgência e suas expectativas de sucesso. Neste exemplo particular, a avaliação do ambiente político não deixava, de fato, nenhuma ambiguidade. Afinal, ela se baseava não apenas em relatos informais, mas em notícias oficiais, proclamadas pelos magistrados, o que dava ao público a certeza de que o status quo havia sido definitivamente alterado. Mas em outras ocasiões, a situação política podia ser bem menos clara, o que forçaria os atores políticos a empreender uma avaliação mais tateante.

Esse é o caso do segundo episódio que gostaria de discutir: o incêndio da residência de Nectário, o bispo niceno de Constantinopla, por seus rivais arianos em 388. Durante todo o principado de Valente (364-378), os arianos homeanos detiveram uma posição de força na capital imperial. Apadrinhados pelo imperador, eles controlavam praticamente todas as igrejas urbanas. Os nicenos, ao contrário, eram apenas uma minoria sitiada. Esse equilíbrio de poderes começou a mudar em 379, quando Teodósio assumiu o poder imperial na parte oriental. Em novembro de 380, Teodósio expulsou de Constantinopla o bispo ariano Demófilo e escoltou pessoalmente seu oponente, Gregório de Nazianzo, como único bispo ortodoxo da capital. As igrejas urbanas foram entregues aos cristãos nicenos e os homeanos foram forçados a realizar suas assembleias de culto fora dos muros da cidade. No ano seguinte, Teodósio nomeou Nectário, um rico senador residente em Constantinopla, como novo bispo da capital, enquanto que o triunfo da fé nicena no Concílio de Constantinopla de 381 parecia consolidar a situação (HANSON, 1988HANSON, R. P. C. The Search for the Christian Doctrine of God: The Arian Controversy, 318-381. London; New York: T&T Clark, 1988. , p. 791-823; ERRINGTON, 2006ERRINGTON, R. M. Roman Imperial Policy from Julian to Theodosius. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2006., p. 220-228).

No entanto, alguns anos depois, Teodósio embarcou em uma guerra no Ocidente contra seu antigo colega e agora rival Máximo, que ele declarava um usurpador. O resultado da guerra civil tornou-se tão incerto que, em 388, os arianos de Constantinopla começaram a acreditar que a balança do poder estava prestes a pender, mais uma vez, para o seu lado. Conhecemos os boatos que então começaram a circular na capital graças a uma passagem da História Eclesiástica de Sócrates de Constantinopla que convém citar na íntegra:

No tempo em que o imperador estava ocupado em sua expedição militar, os arianos suscitaram um grande tumulto em Constantinopla por meio dos seguintes ardis. Os homens gostam de contar histórias inventadas [lógous pláttein] sobre aquilo que não sabem e, se podem aproveitar a ocasião, espalham como um fogo os boatos mais exagerados [fémas ecáptousin] sobre o que deliberaram, porque estão sempre à procura de novidades. Foi isso mesmo que aconteceu então na cidade: um inventava uma coisa, outro inventava outra sobre a guerra que acontecia bem longe dali e a partir daí espalhavam o rumor, escolhendo sempre a pior eventualidade. Enquanto que nada de novo se passava nessa guerra, eles, como se tivessem constatado por eles mesmos, falavam do que não sabiam: que o usurpador estava em vantagem contra o exército do imperador, que tantos e tantos homens haviam perecido em combate, que o imperador logo cairia nas mãos do usurpador. Foi então que os arianisantes, movidos pelo ressentimento (eles estavam, com efeito, extremamente descontentes porque os que antes eram perseguidos por eles agora eram senhores das igrejas no interior da cidade), começaram a espalhar múltiplos boatos [fémas pollaplasíous]. Como outras notícias levavam seus próprios inventores a acreditar que o que eles haviam inventado não era uma invenção, mas havia realmente acontecido (porque aqueles que recebiam essas notícias por ouvir-dizer confirmavam aos inventores de histórias que tudo ocorria exatamente como eles haviam dito), então, retomando a confiança, os arianisantes fazem um ataque insensato: tendo ateado fogo à casa do bispo Nectário, eles a destruíram. Isso aconteceu no segundo consulado de Teodósio augusto, acompanhado de Cinégio. (SOCRATES, Hist. eccl. V, 13, 2-6).9 9 "Ὑπὸ δὲ τὸν αὐτὸν χρόνον, καθ' ὃν ὁ βασιλεὺς τῷ πολέμῳ ἐσχόλαζεν, καὶ οἱ ἐν Κωνσταντινουπόλει Ἀρειανοὶ ταραχὴν κεκινήκασιν δι' ἐπινοίας τοιάσδε. Φιλοῦσιν οἱ ἄνθρωποι λόγους πλάττειν περὶ ὧν οὐκ ἐπίστανται• εἰ δὲ καί ποτε προφάσεως ἐπιλάβωνται, μείζονας τὰςπερὶ ὧν βουλεύονται φήμας ἐξάπτουσιν, νεωτέρων ἀεὶ ὀρεγόμενοι πραγμάτων. Τοῦτο δὴ καὶ τότε κατὰ τὴν πόλιν ἐγίνετο• ἄλλος γὰρ ἄλλο περὶ τοῦ μακρὰν γενομένου πολέμου πλάττοντες διεφήμιζον, ἀεὶ ἐπὶ τὸ χεῖρον τὴν ἐλπίδα λαμβάνοντες. Καὶ μηδενὸς ἐπιγινομένου κατὰ τὸν πόλεμον αὐτοὶ ὡς τὰ κατ' αὐτὸν ἱστορήσαντες περὶ ὧν οὐκ ᾔδεισαν ἔλεγον, ὡς "ὁ τύραννος ἐπικρατέστερος εἴη τῆς βασιλέως δυνάμεως• καὶ ὅτι τόσοι καὶ τόσοι κατὰ τὴνμάχηνπεπτώκασι• καὶ ὅτι ὁ βασιλεὺς ὅσον οὐδέπω τῷ τυράννῳ ὑποχείριος γίνεται." Τότε δὲ καὶ οἱ Ἀρειανίζοντες ἐκ πάθους κινούμενοι (σφόδρα γὰρ ἠνιῶντο, ὅτι τῶν ἔνδον ἐκκλησιῶν ἐκράτουν οἱ παρ' αὐτῶν πρότερον διωκόμενοι) τὰς φήμας πολλαπλασίους εἰργάζοντο. Ἐπεὶ δὲ ἕτερά τινα τῶν λεγομένων αὐτοὺς τοὺς πεπλακότας αὐτὰ εἰς πίστιν ἦγεν οὐχ ὡς πεπλασμένων, ἀλλ' ὡς ἀληθῶς γενομένων ὧν ἔπλασαν (οἱ γὰρ ἀκοῇ παραλαβόντες διεβεβαιοῦντο πρὸς τοὺς λογοποιοῦντας μὴ ἄλλως ἔχειν ἢ ὡς παρ' αὐτῶν ἀκηκόασιn), τότε δὴ ἀναθαρρήσαντες οἱ Ἀρειανίζοντες εἰς ἄλογον χωροῦσιν ὁρμὴν, καὶ τὴν οἰκίαν τοῦ ἐπισκόπου Νεκταρίου πῦρ ἐμβαλόντες ἀνήλωσαν. Τοῦτο μὲν δὴ τοιοῦτον ἐγένετο κατὰ τὴν ὑπατείαν Θεοδοσίου τὸ δεύτερον καὶ Κυνηγίου."

Por trás do tom moralizante e condenatório dessa passagem, é possível perceber alguns dos mecanismos básicos da produção e disseminação de boatos. Como propôs Tamotsu Shibutani, em termos de sua dinâmica, boatos podem ser entendidos como "notícias improvisadas", o resultado de um processo de deliberação coletiva (SHIBUTANI, 1966SHIBUTANI, T. Improvised News: A Sociological Study of Rumor. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Co, 1966.). Boatos, muitas vezes, surgem como uma tentativa de dar sentido a um fato inexplicável ou a uma situação ambígua. Esse é especialmente o caso em circunstâncias em que a demanda por notícias não é satisfeita pelos canais usuais de informação (ALDRIN, 2005ALDRIN, P. Sociologie politique des rumeurs. Paris: PUF, 2005., p. 125). Boatos podem ser espontâneos ou forjados, mas a extensão de sua difusão depende sempre do interesse do público e da convicção que eles geram (ALDRIN, 2005ALDRIN, P. Sociologie politique des rumeurs. Paris: PUF, 2005., p. 84-85). Como Marc Bloch observou a partir de sua experiência pessoal na I Guerra Mundial, se até mesmo as mais falsas notícias são aceitas nessas circunstâncias é porque elas cumprem uma necessidade ou correspondem a uma crença do público (BLOCH, 1999BLOCH, M. Réflexions d'un historien sur les fausses nouvelles de la guerre. Paris: Allia, 1999.).

Durante a guerra civil entre Teodósio e Máximo, a carência persistente de notícias oficiais e a distância do campo de batalha foram os fatores que permitiram a propagação de notícias alternativas, clandestinas em Constantinopla. Numa época em que, como sabemos, até mesmo uma embaixada de Alexandria a Roma chegou a portar cartas para os dois competidores, na dúvida sobre qual imperador seria o vitorioso, não é surpreendente que boatos sobre a guerra ganhassem ampla aceitação em Constantinopla (SÓCRATES, Hist. eccl. VI, 2). Os líderes do partido ariano podem ter forjado ou apenas reelaborado o boato de que Teodósio havia sido derrotado no campo de batalha como parte de uma campanha deliberada para ganhar apoio. Mas se o boato ganhou aceitação é porque ele ia na direção em que os pensamentos de todos já estavam indo. Como Sócrates relata, quando se encontravam e discutiam nas ruas e praças de Constantinopla, as pessoas espontaneamente comparavam diferentes relatos da guerra, "escolhendo sempre a pior eventualidade". No entanto, na ausência de notícias oficiais ou mais confiáveis que pudessem contradizer essas histórias, o boato da morte de Teodósio numa batalha ganhou o estatuto de verdade. E, para os próprios arianos, a notícia era tão boa que eles não podiam deixar de nela acreditar. Seu desejo mais ardente de ver seus rivais perderem o apoio imperial levou-os a acreditar que o tempo da revanche havia chegado. O resultado foi o ataque coordenado à mansão do bispo apoiado por Teodósio, o rico e antigo senador Nectário.

Comparando esses dois episódios de violência coletiva em Alexandria e Constantinopla, pode-se concluir que o principal fator que encorajou a plebe urbana, as facções religiosas ou seus líderes a empreender uma ação coletiva não foram circunstâncias objetivas per se, mas o processo de comentário e interpretação de notícias por meio do qual esses atores sociais tentavam avaliar o ambiente político. No caso de Alexandria, a plebe dispunha de notícias oficiais que informavam sem nenhuma dúvida sobre a morte de Constâncio. Mas sua disposição de tomar a lei em suas próprias mãos devia-se também à percepção compartilhada por meio da deliberação coletiva de que as autoridades locais eram incapazes de assegurar a punição dos alvos de sua fúria. Em Constantinopla, ao contrário, durante a guerra civil entre Teodósio e Máximo, a plebe urbana, a facção ariana e seus líderes dependiam exclusivamente de notícias extraoficiais para avaliar a situação política. Os boatos, nesse caso, funcionaram ao mesmo tempo como um sinal de mudanças no status quo, como um método de mobilização para ação e como uma ferramenta para os líderes ganharem apoio para seu grupo. Em ambos os casos, porém, as forças subjacentes aos levantes devem ser situadas nas relações políticas de mais longo prazo. A chegada inesperada de notícias da morte de um imperador, quer seja ela fundada ou infundada, era apenas um meio para os atores políticos avaliarem uma situação política cambiante e muitas vezes ambígua.

Voltemos, então, ao ponto de partida deste artigo e às nossas perplexidades com o tempo em que vivemos. Temos muitas vezes a impressão de que o ambiente da web criou algo completamente novo: uma liberdade sem precedentes de difusão de calúnias e fatos falsos, carregados de expressões chulas, menosprezo e ódio. Pode-se dizer que as amarras sociais foram suspensas pela tela inerte do computador de uma maneira muito maior do que seria possível na comunicação face a face. De fato, como André Joanilho comentou recentemente, "posicionar-se diante de uma máquina atenua o desgaste de assumir opiniões que, em face de pessoas, poderiam se tornar complicadas" (JOANILHO, 2014JOANILHO, A. Reflexões de um historiador sobre as notícias falsas da web. Drops, São Paulo, Vitruvius, ano 14, n. 080.08, maio 2014. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.080/5180>. Acesso em: 31 out. 2015.
http://www.vitruvius.com.br/revistas/rea...
). Pode-se ainda acrescentar que a liberdade de opiniões na internet, e em particular nas redes sociais, criou comunidades de apoio a partir de opiniões comuns que, por definição, excluíram o debate franco de ideias e opiniões contrárias. Pode-se concordar com tudo isso. Mas é também preciso lembrar que boatos, rumores e até mesmo a difamação deliberada continuam hoje, como no mundo antigo, sendo apenas um meio a serviço das intenções que atravessam os grupos que compartilham essas informações. Boatos, é claro, não são inócuos e é por isso que as autoridades de hoje, como as do passado, estão sempre preocupadas em restringir sua difusão. Mas se queremos saber as causas do ódio que os boatos veiculam, é preciso ir além dos meios que tornaram possível a sua comunicação.

Referências

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  • *
    Resultados preliminares desta pesquisa e versões anteriores deste texto foram apresentados nos colóquios de Lisboa, em janeiro de 2014; Sevilha, em fevereiro de 2015, e Campinas, em novembro de 2015. Agradeço aos organizadores desses eventos pela oportunidade de partilhar essas ideias, em especial a Cristina Rosillo López e Pedro Paulo A. Funari. Agradeço também por todas as sugestões e comentários dessas audiências, e a Filipe Silva, por sua ajuda. Parte da pesquisa contou com o apoio financeiro da FAPESP (Processo 2013/25425-4). A responsabilidade pelas ideias aqui expressas restringe-se, contudo, ao autor.
  • 1
    Sobre esses estudos, ver Aldrin (2005, p. 73-81).
  • 2
    "Iussum est autem [...] prouinciarum militiaeque rectoribus insinuare noui principis scripta, omniumque sententiis occultis sciscitatis remeare uelociter cum responsis, ut conperto quid in longinquis agatur, principatus corroborandi matura consilia quaerantur et cauta."
  • 3
    "Hos tabellarios fama praegrediens, index tristiorum casuumu elocissima, per prouincias uolitabat et gentes [...]." Sobre esta passagem, ver Sotinel (2009, p. 127).
  • 4
    Texto grego estabelecido por Müller (1861, p. 46), tradução para o português cotejada com as traduções para o inglês propostas por Blockley (1981, p. 74) e por Cameron; Long (1993, p. 309): "Ὅτι κατὰ τοὺς χρόνους Εὐτροπίου τοῦ εὐνούχου τῶν μὲν περὶ τὴν ἑσπέραν οὐδὲν ἀκριβῶςγ ράφειν [ἐξῆν] εἰς ἐξήγησιν. Τό τε γὰρ διάστημα τοῦ πλοῦ καὶ μῆκος μακρὰς ἐποίει τὰς ἀγγελὶας καὶ διεφθαρμένας ὑπὸ κρόνου, καθάπερ ἐς χρόνιον καὶ παρέλκουσάν τινα νόσον μεταβεβλημένας· οἵ τε πλανώμενοι [Blockley: πραττόμενοι = "oficiais" (?); MS: πλαττόμενοι] καὶ στρατευόμενοι εἰ μέν τινες ἦσαν τῶν περὶ τὰ κοινὰ καὶ δυναμένων εἰδέναι, πρός χάριν καὶ ἀπέχθειαν καὶ τὰκαθ᾽ἡδονὴν ἕκαστος κατὰ βούλησιν ἀπέστειλεν. Εἰ γοῦν τις αὐτῶν συνήγαγε τρεῖς ἢ τέσσαρας τἀναντία λέγοντας ὥσπερ μάρτυρας, πολὺ τὸ παρκράτιον ἦν τῶν λόγων καὶ ὁ πόλεμος ἐν χερσίν, ἀρχὰς λαβὼν ἀπὸ ῥηματίων καὶ συγκεκαυμένων. Ταῦτα δὲ ἦν· "Σὺ πόθεν ταῦτα οἶδας; ποῦ δέ σε Στελίχων εἶδε; σὺ δὲ τὸν εὐνοῦχον εἶδες ἄν;" ὥστε ἔργον ἦν διαλύειν τὰς συμπλοκάς. Τῶν δὲ ἐμπόρων οὐδὲ εἷς λόγον πλείονα ψευδομέων, ἢ ὅσα κερδαίνειν βούλονται [...]."
  • 5
    Sobre o abastecimento das capitais imperiais, ver Carrié (1975).
  • 6
    Para uma situação comparável na Índia contemporânea, ver Brass (2003, p. 362).
  • 7
    "Ecce autem repente perlatola etabili nuntio indicante extinctum Artemium, plebs omnis elata gaudio insperato, uocibus horrendis infrendens Georgium petit raptumque diuersis mulcandi generibus proterens et conculcans diuaricatis pedibus. Cumque eo Dracontius monetae praepositus et Diodorus quidam, ueluti comes, iniectis per crura funibus simul exanimati sunt; ille quod aram in moneta quam regebat, recens locatam euertit; alter quod dum aedificandae praeesset ecclesiae, cirros puerorum licentious detondebat, id quoque ad deorum cultum existimans pertinere. Quo non contenta multitudo inmanis dilaniata cadauera peremptorum camelis inposita uexit ad litus isdemque subdito igne crematis cineres proiecit in mare id metuens, ut clamabat, ne collectis supremis aedes illis exstruerentur ut reliquis, qui deuiare a religione conpulsi pertulere cruciabiles poenas, ad usque gloriosam mortem intemerata fide progressi, et nunc martyres appellantur. Poterantque miserandi homines ad crudele supplicium ducti christianorum adiumento defendi, ni Georgii odio omnes indiscrete flagrabant."
  • 8
    Sobre a ascensão de Juliano e os expurgos em Constantinopla, ver Matthews (1989, p. 92-93).
  • 9
    "Ὑπὸ δὲ τὸν αὐτὸν χρόνον, καθ' ὃν ὁ βασιλεὺς τῷ πολέμῳ ἐσχόλαζεν, καὶ οἱ ἐν Κωνσταντινουπόλει Ἀρειανοὶ ταραχὴν κεκινήκασιν δι' ἐπινοίας τοιάσδε. Φιλοῦσιν οἱ ἄνθρωποι λόγους πλάττειν περὶ ὧν οὐκ ἐπίστανται• εἰ δὲ καί ποτε προφάσεως ἐπιλάβωνται, μείζονας τὰςπερὶ ὧν βουλεύονται φήμας ἐξάπτουσιν, νεωτέρων ἀεὶ ὀρεγόμενοι πραγμάτων. Τοῦτο δὴ καὶ τότε κατὰ τὴν πόλιν ἐγίνετο• ἄλλος γὰρ ἄλλο περὶ τοῦ μακρὰν γενομένου πολέμου πλάττοντες διεφήμιζον, ἀεὶ ἐπὶ τὸ χεῖρον τὴν ἐλπίδα λαμβάνοντες. Καὶ μηδενὸς ἐπιγινομένου κατὰ τὸν πόλεμον αὐτοὶ ὡς τὰ κατ' αὐτὸν ἱστορήσαντες περὶ ὧν οὐκ ᾔδεισαν ἔλεγον, ὡς "ὁ τύραννος ἐπικρατέστερος εἴη τῆς βασιλέως δυνάμεως• καὶ ὅτι τόσοι καὶ τόσοι κατὰ τὴνμάχηνπεπτώκασι• καὶ ὅτι ὁ βασιλεὺς ὅσον οὐδέπω τῷ τυράννῳ ὑποχείριος γίνεται." Τότε δὲ καὶ οἱ Ἀρειανίζοντες ἐκ πάθους κινούμενοι (σφόδρα γὰρ ἠνιῶντο, ὅτι τῶν ἔνδον ἐκκλησιῶν ἐκράτουν οἱ παρ' αὐτῶν πρότερον διωκόμενοι) τὰς φήμας πολλαπλασίους εἰργάζοντο. Ἐπεὶ δὲ ἕτερά τινα τῶν λεγομένων αὐτοὺς τοὺς πεπλακότας αὐτὰ εἰς πίστιν ἦγεν οὐχ ὡς πεπλασμένων, ἀλλ' ὡς ἀληθῶς γενομένων ὧν ἔπλασαν (οἱ γὰρ ἀκοῇ παραλαβόντες διεβεβαιοῦντο πρὸς τοὺς λογοποιοῦντας μὴ ἄλλως ἔχειν ἢ ὡς παρ' αὐτῶν ἀκηκόασιn), τότε δὴ ἀναθαρρήσαντες οἱ Ἀρειανίζοντες εἰς ἄλογον χωροῦσιν ὁρμὴν, καὶ τὴν οἰκίαν τοῦ ἐπισκόπου Νεκταρίου πῦρ ἐμβαλόντες ἀνήλωσαν. Τοῦτο μὲν δὴ τοιοῦτον ἐγένετο κατὰ τὴν ὑπατείαν Θεοδοσίου τὸ δεύτερον καὶ Κυνηγίου."

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2016
  • Aceito
    05 Abr 2016
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