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Os reflexos políticos do golpe de 1964 no Paraná e as eleições de 1965

The political reflections on the 1964's political coup in Paraná and in the elections of 1965

Resumos

No presente artigo pretende-se, primeiramente, analisar o contexto político paranaense na década de 1960, a relação do governador Ney Braga com João Goulart e a sua participação no golpe civil-militar de 1964. Em um segundo momento, o propósito é verificar as repercussões do golpe de Estado no Paraná, sobretudo o processo de cassações políticas dos adversários/opositores do governador Ney Braga, consolidando-se, assim, o neysmo como a principal força política do Paraná no período do regime militar.

Golpe de 1964; Ney Braga; Paraná; AI-1; eleições de 1965


In this article is firstly aimed to analyse the political context in the state of Paraná during the 1960's, the connection between the Gorvenor Ney Braga to João Goulart and their participation in the civil-military coup in 1964. As following we intend to verify the impact on this political coup in the state of Paraná, especially the process of political impeachment of the adversaries / opponents of the Governor Ney Braga, thus consolidating the neysmo as the main political force in Paraná during the military regime.

Coup of 1964; Ney Braga; Paraná; AI-1; elections of 1965


Introdução: o contexto político paranaense durante a década de 1960

No final da década de 1950, o cenário político do Paraná caracterizava-se pelo domínio político de dois partidos: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social Democrático (PSD). Contudo, convém ressaltar que havia também dois partidos com um papel de destaque na política paranaense: a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Republicano (PR), além da ascensão meteórica do Partido Democrático Cristão (PDC), liderado pelo major Ney Aminthas de Barros Braga.

Ex-cunhado do ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto (1951-1955), Ney Braga ocupava o posto de Chefe de Polícia do Paraná (equivalente a secretário de Segurança Pública) desde 1952, quando, nas eleições para a prefeitura de Curitiba, em 1954, teve sua candidatura lançada pelo governador Bento Munhoz da Rocha Neto. Embora não fosse filiado a nenhum partido, Ney Braga, contando com o apoio do Partido Republicano (PR) e do Partido Social Progressista (PSP), venceu o pleito e tornou-se prefeito de Curitiba (1955-1958). Posteriormente, em 1957, rompeu com o PR e com Bento Munhoz da Rocha Neto, ingressando no PDC.1 1 Esse rompimento foi visto por Bento Munhoz da Rocha Neto como uma traição política e, a partir de então, ambos tornaram-se inimigos políticos. Um dos principais motivos que levaram ao rompimento entre Ney Braga e Rocha Neto se deve ao fato de este último articular sua candidatura à Câmara Federal em 1958 e a candidatura de Ney Braga à Assembleia Legislativa. Porém, Ney Braga ambicionava concorrer à Câmara Federal e, sem espaço no PR, optou por migrar para o PDC.

Em 1958, Ney Braga elegeu-se o segundo deputado federal mais votado do Paraná - ficou atrás apenas de Jânio Quadros, que concorreu pelo PTB - e, em 1960, elegeu-se governador do Paraná, ao derrotar o candidato petebista, Nelson Maculan.

Ao assumir o governo estadual, em 31 de janeiro de 1961, Ney Braga tinha ciência de que enfrentaria a oposição do PSD, que possuía 17 deputados na Assembleia Legislativa. Como sua base aliada - formada por PDC, UDN e PR - era insuficiente para fazer frente aos pessedistas, ele se viu obrigado a se aproximar do PTB, que possuía 13 cadeiras.

Inicialmente, o PTB havia decidido na sua Convenção Estadual, realizada poucos dias antes da posse de Ney Braga, que adotaria uma posição de "independência e vigilância" diante do governo estadual. Porém, no final de 1961 Ney Braga procurou intensificar as conversas com os petebistas a fim de conquistar o apoio oficial do partido. No entanto, alguns trabalhistas, sobretudo da ala "pragmático reformista",2 2 De acordo com Lucília de Almeida Neves Delgado (2001, p. 177-178), havia três principais tendências políticas dentro do PTB: 1) Os "getulistas pragmáticos", conformados por burocratas vinculados à estrutura do Estado mediante o Ministério do Trabalho e por sindicalistas ligados ao corporativismo sindical oficial. Sua hegemonia no partido data dos primeiros anos de atuação do PTB, se estendendo de 1945 até, mais ou menos, 1954. Sua principal referência foi o próprio Getúlio Vargas. 2) Os "doutrinários trabalhistas", que eram os intelectuais orgânicos do petebismo e se inscreviam em uma orientação trabalhista socializante, que propugnava maior desvinculação do partido em relação ao Estado. Sua influência no partido começou em torno de 1948, com Alberto Pasqualini, e se estendeu até a década de 1960, com Sérgio Magalhães e San Tiago Dantas. 3) Os "pragmáticos reformistas", que atuaram principalmente a partir da segunda metade dos anos 1950 e amalgamaram em sua prática político-partidária características da tendência getulista e da tendência doutrinária. Seu principal expoente foi João Goulart, porém outros petebistas também se destacaram como líderes desta tendência, como Leonel Brizola. não achavam vantajoso para o partido a coalizão e a participação no governo estadual.3 3 Entre os petebistas que discordavam do acordo com Ney Braga estavam o jornalista Jorge Mathias Jr., o General Iberê de Mattos, os deputados estaduais Waldemar Daros e João Cernicchiaro, Walter Alberto Pecoits (prefeito de Francisco Beltrão), além de outros prefeitos petebistas do interior (DIÁRIO DA TARDE, 4/11/1961, p. 3).

Não obstante a oposição de alguns trabalhistas, Ney Braga se entendeu com Nelson Maculan, Amaury Silva (respectivamente presidente e vice-presidente da Comissão Executiva Estadual) e a maior parte dos petebistas. Assim, após as negociações terem se arrastado por alguns meses, o acordo político entre o PTB e Ney Braga foi selado no início de 1962, sendo também oficializada a grande coalizão PDC-PTB-UDN-PTN (denominada de "quadrilátero situacionista"), no qual foi lançada a chapa Amaury Silva e Adolpho de Oliveira Franco (UDN) ao Senado. Em contrapartida, o PTB deveria apoiar a candidatura do engenheiro Ivo Arzua (PDC) à prefeitura de Curitiba. No entanto, o Diretório do PTB de Curitiba mostrou-se irredutível, não compactuou com o acordo articulado pela Executiva Estadual e lançou a candidatura do vereador Carlos Alberto Moro à sucessão da capital.

Nas eleições de 7 de outubro de 1962, Amaury de Oliveira e Silva4 4 Assim, Amaury juntou-se a Nelson Maculan, e o PTB passou a deter duas das três cadeiras senatoriais do Paraná. e o udenista Adolpho de Oliveira Franco elegeram-se senadores. Dessa maneira, a aliança PTB-PDC-UDN-PTN para o Senado foi praticamente invencível, derrotando dois caciques da política paranaense: os ex-governadores Bento Munhoz da Rocha Neto (do Partido Republicano) e Moysés Lupion (do PSD).

Nas eleições para a prefeitura de Curitiba, o PTB mostrou-se dividido, uma vez que muitos petebistas abandonaram a candidatura de Carlos Alberto Moro e apoiaram o candidato neysta, Ivo Arzua, aderindo-se, assim, à aliança tecida pela Executiva Estadual. Dessa maneira, Ivo Arzua venceu o pleito com 45,62% dos sufrágios, enquanto Carlos Alberto Moro obteve 35,59% (REHBEIN, 2008, p. 101REHBEIN, Mauro Pioli. Curitiba - 50 anos de eleições municipais - as forças políticas que na democracia e no governo militar disputam o poder. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - UFPR, Curitiba, 2008.).

No que tange à Câmara Federal, o PTB sagrou-se o grande vencedor, conquistando nove cadeiras; a Aliança Movimento Democrático Renovador (formada por UDN-PDC-PTN) elegeu também nove deputados, enquanto o PSD elegeu seis e o PRP elegeu um (IPARDES, 1989, p. 114IPARDES. Resultados eleitorais: Paraná (1945-1982). Curitiba: IPARDES, 1989.). No que concerne à Assembleia Legislativa, o grande vencedor foi o PDC de Ney Braga, que fez 12 deputados estaduais; o PTB elegeu também este mesmo número, enquanto a UDN completou oito, o PSD apenas sete, e a Frente Rural Cristã Trabalhista (conhecida como "Frentinha", coalizão formada por PR-PRP-PSP-PTN-PST-MTR) conquistou seis cadeiras (IPARDES, 1989, p. 135-139IPARDES. Resultados eleitorais: Paraná (1945-1982). Curitiba: IPARDES, 1989.).

As eleições de 1962 comprovavam a consolidação do neysmo e do PTB como as principais forças políticas do Paraná naquele momento. De fato, Ney Braga, que gozava de enorme prestígio político, estava se constituindo no principal nome da política paranaense na década de 1960. Por consequência, o PDC obteve um crescimento meteórico, quadriplicou sua bancada e passou a rivalizar com o PTB pelo posto de maior partido político do estado.

De qualquer modo, o pleito de 1962 foi amplamente favorável a Ney Braga, uma vez que o PDC havia conquistado 12 cadeiras e a UDN, oito, num total de vinte, contra apenas sete do PSD. Embora o PTB também tivesse conquistado 12 cadeiras, o reequilíbrio das forças possibilitaria a Ney Braga não mais ser tão dependente do apoio dos petebistas, desde que garantisse o apoio da "Frentinha", que completou seis cadeiras.

Dessa forma, os círculos políticos paranaenses já previam que o divórcio entre o PTB e Ney Braga ocorreria tão logo os novos deputados tomassem posse, no início de 1963, uma vez que a aliança não mais seria tão vantajosa nem para o PTB nem para o situacionismo.

Durante o mês de fevereiro de 1963, os petebistas, que discutiam internamente sobre a continuidade ou não da coalizão com o governo, endereçaram um ofício ao governador solicitando maior participação política no governo estadual (DIÁRIO DO PARANÁ, 20/02/1963, p. 3DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.). No entanto, Ney Braga negou-se a atender às reivindicações do PTB, utilizando-se dos seguintes argumentos:

  1. I

    O PTB, em diversos municípios, não prestou apoio integral às duas candidaturas senatoriais, tendo, assim, rompido o protocolo

  2. II

    O PTB não cumpriu o protocolo no caso da Prefeitura de Curitiba. Indicou um candidato e, posteriormente, embora o PDC tenha apoiado a referida candidatura, lançou outro candidato

  3. III

    No campo federal, o governo do Estado não tem recebido qualquer apoiamento (GAZETA, 23/02/1963, p. 3)

A negativa de Ney Braga em atender às reivindicações do PTB tornou o rompimento iminente. Assim, o divórcio foi oficializado no dia 9 de março de 1963, após uma reunião do Diretório Estadual do PTB, na qual se decidiu que o partido passaria a fazer oposição ao governador paranaense (GAZETA, 10/03/1963, p. 3GAZETA do Povo. Curitiba, 23 fev. 1963; 10 mar. 1963; 20 mar. 1964; 21 mar. 1964; 31 mar. 1964; 1 abr. 1964; 2 abr. 1964; 11 abr. 1964; 15 abr. 1964; 9 jun. 1964; 19 jun. 1964; 18 ago. 1964; 31 mar. 2009.). Entretanto, na prática o PTB não chegou a fazer oposição sistemática a Ney Braga. Com exceção dos deputados estaduais da corrente "pragmático-reformista" Waldemar Daros, Walter Pecoits e Leon Naves Barcelos, que faziam ampla oposição ao governo, os demais deputados petebistas adotaram uma posição mais branda, porém independente.

A relação de Ney Braga com o governo João Goulart

Durante a crise política desencadeada pela renúncia de Jânio Quadros, o governador Ney Braga adotou uma posição dúbia - não deixou claro se apoiava os ministros militares, que vetavam a posse de Jango, ou se estava do lado da legalidade. Embora não se manifestasse oficialmente, Ney Braga era contrário à posse de Jango e também defendia o retorno de Jânio Quadros, conforme mensagem divulgada no dia 28 de agosto:

Julgo que a melhor situação é a volta de Jânio, com a união nacional dos homens de bem, livrar o Brasil das peias que o levaram à renúncia. [...] Se Jânio não pôde, ninguém governará o Brasil com as mesmas amarras que ele denunciou à Nação (TRIBUNA, 29/08/1961, p. 7).

A posição dúbia de Ney Braga foi criticada não somente pela bancada petebista na Assembleia, mas também por estudantes, sindicalistas, nacionalistas e pela imprensa (DIÁRIO DA TARDE, 30/08/1961, p. 3DIÁRIO DA TARDE. Curitiba, 29 ago. 1961; 30 ago. 1961; 4 nov. 1961.), que estavam do lado de Brizola na Campanha da Legalidade, que ganhou forte apoio popular no Paraná. Inclusive, foram organizados diversos comícios e manifestações por estudantes, sindicalistas, jornalistas e lideranças políticas - sobretudo do PTB - em favor da posse de João Goulart (DIÁRIO DA TARDE, 29/08/1961, p. 1DIÁRIO DA TARDE. Curitiba, 29 ago. 1961; 30 ago. 1961; 4 nov. 1961.).

A solução para a crise foi a adoção da emenda parlamentarista,5 5 No entanto, a emenda parlamentarista previa a realização de um plebiscito, com data a ser definida, no qual a população aprovaria ou não a continuidade do sistema. aceita por João Goulart, que assumiu a presidência no dia 7 de setembro de 1961, herdando um país abalado pela grave crise econômica e politicamente dividido em duas forças políticas que se repeliam mutuamente: de um lado, os setores nacionalistas e de esquerda, que reivindicavam as reformas de base;6 6 As reformas de base eram um conjunto de medidas que visavam à alteração das estruturas econômicas, sociais e políticas do País. Entre as principais reformas constavam a bancária, a fiscal, a urbana, tributária, administrativa, agrária, universitária, além da extensão do voto aos analfabetos e oficiais não-graduados das Forças Armadas e a legalização do PCB. O controle do capital estrangeiro e o monopólio estatal de setores estratégicos da economia também faziam parte do programa reformista dos nacionalistas (FERREIRA, 2003b, p. 351-352). de outro, os setores conservadores, que dificultavam as reformas, sobretudo a agrária, e temiam o avanço dos movimentos sociais (rurais e urbanos), que ganhavam um enorme relevo, considerando-os agitações subversivas que visavam à expansão comunista no País.

No início do seu governo, João Goulart também se deparou com o acirramento das lutas no campo. Por meio das Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião, e dos sindicatos rurais dirigidos pelo PCB, os trabalhadores rurais - que viviam um processo de mobilização crescente desde o governo JK - intensificaram suas reivindicações, tendo como bandeiras principais a reforma agrária7 7 Contudo, a reforma agrária impunha problemas de difícil solução. Como lembra Jorge Ferreira (2003b, p. 349-350), as iniciativas não avançavam principalmente devido ao artigo 141 da Constituição, que previa o "pagamento prévio em dinheiro por desapropriações feitas por interesse público", o que, na prática, inviabilizava, pelos altos recursos a serem despendidos pelo governo, uma ampla redistribuição de terras. E o impasse tendia a acentuar-se com a rejeição dos conservadores em alterar esse artigo constitucional e permitir que o pagamento fosse realizado com títulos da dívida pública, conforme defendiam os reformistas. e a extensão dos direitos trabalhistas e sociais aos assalariados rurais.8 8 No que tange aos direitos trabalhistas e sociais, os trabalhadores rurais somente foram contemplados com tais direitos com a promulgação, em março de 1963, do Estatuto do Trabalhador Rural, projeto de autoria de Fernando Ferrari.

Particularmente, o Paraná também estava convulsionado pelos conflitos agrários na região sudoeste e pela criação da Liga Camponesa do Paraná, no norte do estado.9 9 A fundação da Liga Camponesa do Paraná ocorreu em agosto de 1961, durante o II Congresso de Trabalhadores Agrícolas do Paraná, realizado em Maringá, que contou com a participação de Francisco Julião. Em contrapartida, os bispos da região norte passaram a articular a formação da Frente Agrária do Paraná, com o objetivo de combater a influência comunista na região (DIÁRIO DO PARANÁ, 12/08/1961, p. 1). Procurando solucionar o conflito agrário no sudoeste paranaense, o governo João Goulart criou o Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná (GETSOP), em março de 1962. Tratava-se de um órgão misto, cuja finalidade era conciliar os interesses da União e do Estado do Paraná, com programação e execução dos trabalhos necessários à efetivação da desapropriação, bem como executando a colonização das glebas desapropriadas (COLNAGHI, 1991, p. 18-19COLNAGHI, Maria Cristina. O processo político de ocupação do sudoeste. In: PAZ, Francisco Moraes (org.). Cenários de economia e política: Paraná. Curitiba: Prephacio, 1991, p. 7-23.). Segundo Milton Ivan Heller e Maria Duarte (2000, p. 49)HELLER, Milton Ivan; DUARTE, Maria de Los Angeles G. Memórias de 1964 no Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000., "o GETSOP abriu estradas vicinais, mediu, demarcou e distribuiu títulos de propriedade de lotes rurais, pacificando definitivamente a região".

No meio urbano, por sua vez, desde o início da década de 1960 os movimentos reivindicatórios ganhavam grande impulso, inclusive ocasionando inúmeras greves em todo o País. Embora muitas dessas paredes fossem motivadas pela inflação galopante e pela carestia de vida, que solapavam o poder aquisitivo dos trabalhadores, muitas delas não se limitaram apenas às demandas materiais e envolveram também a exigência das reformas de base.

No entanto, não eram apenas os setores progressistas e populares que se mobilizavam nesse período, pois grupos políticos, empresários, militares e setores da Igreja católica se articularam para combater o avanço dos movimentos sociais de esquerda e promover uma ampla campanha para desestabilizar o governo de Jango por meio do complexo IPES/IBAD,10 10 Sobre o complexo IPES/IBAD, ver especialmente o trabalho de René Dreifuss (1981). ambos financiados pela CIA. Da campanha promovida pelo complexo IPES/IBAD participaram políticos, empresários, militares, religiosos e intelectuais conservadores com uma ampla batalha anticomunista em jornais, rádios, televisão, além de atuarem em sindicatos rurais e urbanos11 11 René Dreifuss (1981, p. 314) também menciona a participação do IBAD no movimento sindical paranaense: "O IBAD mostrava-se particularmente ativo no movimento sindical do Paraná, Estado-chave em termos políticos, onde levantava apoio para o governador Ney Braga e onde patrocinava diversos sindicatos e seus líderes". e no movimento estudantil.

O complexo IPES/IBAD, que esteve organizado nos principais centros do País, também foi estruturado no Paraná. Segundo René Dreifuss (1981, p. 183)DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1981.,

No Paraná, a estrutura IPES/IBAD/ADEP12 era baseada no quadro dos membros da Associação Comercial do Paraná - ACOPA. Alguns de seus membros ativistas eram Asdrúbal Bellegard, Carlos Alberto de Oliveira, Oscar Schrappe Sobrinho e o consultor jurídico da ACOPA, Aguinaldo Bezerra. Outros militantes de destaque eram Ostoja Roguski,13 do Conselho Nacional para a Reforma Agrária do Paraná e da Confederação Rural Brasileira, e Manuel Linhares de Lacerda.14

No Paraná, o complexo IPES/IBAD também financiou a campanha de diversos políticos da UDN, PR, PDC e PRP nas eleições de 1962, como, por exemplo, o candidato a senador Bento Munhoz da Rocha Neto (PR), o candidato a deputado federal Ivan Luz (PRP), Othon Mader (UDN)15 15 Othon Mader era uma das principais lideranças udenistas do Paraná. Foi senador entre 1950-1958 e deputado federal entre 1959-1962. Nas eleições de 1962, por motivos de saúde, optou por não concorrer à reeleição. e o governador Ney Braga (PDC) (DREIFUSS, 1981, p. 334DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1981.).

De maneira geral, o governo João Goulart durante o período parlamentarista foi marcado por sucessivas crises ministeriais. Em virtude disso, após as eleições de outubro de 1962 as atenções políticas voltaram-se para a realização do plebiscito de 6 de janeiro de 1963, que definiria se o País continuaria sob o sistema parlamentarista ou regressaria ao presidencialismo. Porém, não eram somente os trabalhistas e as esquerdas que desejavam a volta do presidencialismo, pois apenas os segmentos antijanguistas, sobretudo os udenistas e alguns setores militares, insistiam em defender a continuidade da emenda parlamentarista, que se encontrava em descrédito.

No Paraná, os únicos partidos que defendiam a continuidade do parlamentarismo eram a UDN e o Partido Libertador (PL). Por outro lado, o PSD e o PDC mostravam-se propensos a apoiar os trabalhistas na campanha pelo "não" ao parlamentarismo. Assim, teve início, no final de 1962, uma intensa campanha em prol da volta do presidencialismo, propagandeado como uma panaceia para todos os problemas nacionais.

O governador paranaense Ney Braga também trabalhou para o retorno ao presidencialismo (DIÁRIO DO PARANÁ, 9/12/1962, p. 1DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.). Segundo José Pedro Kunhavalik (2004, p. 300-301)KUNHAVALIK, José Pedro. Ney Braga: trajetória política e bases do poder. In: OLIVEIRA, Ricardo Costa (org.). A construção do Paraná moderno: políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004, p. 231-411., embora Ney Braga declarasse que as constantes mudanças ministeriais prejudicassem a administração do Estado, não "há como não contemplar a hipótese de que [...] a sua defesa em favor do retorno do presidencialismo [...] é motivada também pelo seu desejo em chegar à presidência da República".

No dia 6 de janeiro de 1963, após uma intensa campanha contra o regime parlamentarista, cerca de 13 milhões de eleitores compareceram às urnas. Numa proporção de cinco votos para um, rejeitou-se o parlamentarismo (TOLEDO, 1983, p. 38-39TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.). No Paraná, o presidencialismo venceu com ampla margem de votos em praticamente todas as cidades, exceto em Medianeira e Matelândia, pequenas cidades localizadas na região oeste do estado, onde o PL exercia grande influência política (DIÁRIO DO PARANÁ, 08/01/1963, p. 1DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.).

No dia 23 de janeiro, foi homologado o presidencialismo, e no dia seguinte Jango empossou seu novo ministério,16 16 De acordo com Moniz Bandeira (2001, p. 99), Jango organizou um ministério de centro-esquerda, nomeando San Tiago Dantas (Fazenda), Celso Furtado (Planejamento), Darcy Ribeiro (Educação), Almino Affonso (Trabalho), João Mangabeira (Justiça), Hermes Lima (Relações Exteriores), Amaury Kruel (Guerra), entre outros. procurando conquistar o apoio do centro político. A estratégia procurava conciliar medidas de estabilização econômica com propostas reformistas, mas por meios democráticos (FERREIRA, 2003b, p. 362FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano: o tempo da experiência democrática (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b, p. 343-404. v. 3.).

O projeto de governo de Goulart ancorava-se no Plano Trienal, formulado por Celso Furtado, ministro extraordinário do Planejamento. Entretanto, o Plano Trienal implicava, em contrapartida, restrição salarial, limitação de crédito e dos preços, bem como cortes nas despesas governamentais, afetando-se assim interesses tanto dos setores patronais quanto dos trabalhadores (FERREIRA, 2003b, p. 364FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano: o tempo da experiência democrática (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b, p. 343-404. v. 3.).

Porém, no início de fevereiro o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT)17 17 Segundo Ricardo Antunes (2003, p. 55), o CGT foi, durante o governo de João Goulart, a expressão mais significativa do movimento sindical brasileiro. As linhas mestras da plataforma do CGT eram o nacionalismo, a modernização distributiva e as reformas sociais, traduzidas nas seguintes bandeiras: controle das remessas de lucros para o exterior; restrição aos investimentos estrangeiros; direito de voto aos analfabetos, cabos e soldados; ampliação da organização dos trabalhadores rurais; reforma agrária, urbana, bancária, universitária e da Previdência Social; fortalecimento da presença do Estado na economia e nas empresas nacionais. já se mostrava contrário à política financeira do Plano Trienal, declarando que "enquanto este deixava intactos os lucros fabulosos do capital estrangeiro, dos latifundiários e dos grandes grupos econômicos nacionais, por outro lado impunha maiores sacrifícios às classes populares e trabalhadoras" (TOLEDO, 1983, p. 47TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.).

Além do CGT, praticamente todos os grupos nacionalistas e reformistas, aglutinados na Frente de Mobilização Popular (FMP)18 18 Criada no final de 1962/início de 1963, a Frente de Mobilização Popular (FMP) era uma frente suprapartidária que aglutinou os heterogêneos grupos nacionalistas e reformistas: os trabalhistas da ala radical e do Grupo Compacto, o PCB, as Ligas Camponesas, a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e organizações de subalternos das Forças Armadas (como sargentos da Aeronáutica e do Exército e marinheiros e fuzileiros da Marinha). Em suma, a FMP era uma grande coalizão das esquerdas que lutavam pelas reformas de base. Sua principal liderança era Leonel Brizola, que ganhava cada vez mais notoriedade nacional como a grande liderança nacionalista e das esquerdas, defendendo um nacional-reformismo radical e com discursos cada vez mais agressivos (FERREIRA, 2004). sob a liderança de Leonel Brizola, criticavam duramente o plano de Celso Furtado. De acordo com Lucília de Almeida Neves Delgado (1989, p. 245-246)DELGADO, Lucília de Almeida Neves. PTB: do getulismo ao reformismo (1945-1964). São Paulo: Marco Zero, 1989., a Frente de Mobilização Popular pressionava constantemente o Congresso e Jango, exigindo medidas concretas e de curto prazo para implantar as reformas de base.

No que concerne à campanha pelas reformas de base, houve no Paraná uma aproximação entre os "pragmáticos-reformistas" do PTB e os reformistas do PDC. Ney Braga, por exemplo, frequentemente se utilizava da retórica das reformas, desde que referendadas pela doutrina social cristã. Desse modo, não se aproximou de políticos como Leonel Brizola e Miguel Arraes, que defendiam as reformas de base de maneira mais contundente (KUNHAVALIK, 2004, p. 303 e 307KUNHAVALIK, José Pedro. Ney Braga: trajetória política e bases do poder. In: OLIVEIRA, Ricardo Costa (org.). A construção do Paraná moderno: políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004, p. 231-411.).19 19 José Pedro Kunhavalik (2004, p. 308) lembra que Ney Braga chamava o grupo liderado por Brizola de "esquerda negativa".

Em meados de 1963, diante da obstrução do Congresso, apontando como um "antro de reacionarismo" por Brizola, as demandas pelas reformas de base tenderam a se radicalizar. Assim, a palavra de ordem da FMP tornou-se "reforma agrária na lei ou na marra" - conforme o slogan cunhado por Francisco Julião.

João Goulart, por sua vez, encontrava-se em dificuldades políticas: sofrendo forte oposição da Frente de Mobilização Popular e pressionado pelo empresariado, viu o Plano Trienal sucumbir ainda no primeiro semestre de 1963, o que o levou a realizar uma reforma ministerial em junho.20 20 Com a reforma ministerial de junho de 1963 foram nomeados os seguintes ministros: Darcy Ribeiro (Casa Civil), Antônio Ferreira de Oliveira (Minas e Energia), Paulo de Tarso (Educação e Cultura), Abelardo Jurema (Justiça), Evandro Lins e Silva (Relações Exteriores), Amaury de Oliveira e Silva (Trabalho e Previdência Social) e Jair Dantas Ribeiro (Guerra) (DIÁRIO DO PARANÁ, 18/06/1963, p. 1). Assim, em substituição ao petebista Almino Affonso, Jango nomeou em junho para a pasta do Trabalho o senador (e vice-presidente do PTB do Paraná) Amaury de Oliveira e Silva,21 21 À frente do Ministério do Trabalho, Amaury Silva vivenciou um período de eclosão de inúmeras greves, muitas delas catalisadas por motivos políticos. Embora não incentivasse as greves - ao contrário do seu antecessor, Almino Affonso - nem as desaprovasse, Amaury Silva caracterizou-se pela moderação e pela tentativa de dialogar com o movimento sindical. Mais detalhes, ver Erickson (1979). integrante da FPN e um "pragmático-reformista" de tendências mais moderadas do que seu antecessor.22 22 Inclusive, os jornais paranaenses deram amplo destaque, em tom ufanista, à participação de um paranaense na administração federal depois de quase oito anos - o último ministro paranaense havia sido Bento Munhoz da Rocha Neto, que assumiu a pasta da Agricultura no governo Café Filho, em 1955.

Segundo José Pedro Kunhavalik (2004, p. 303)KUNHAVALIK, José Pedro. Ney Braga: trajetória política e bases do poder. In: OLIVEIRA, Ricardo Costa (org.). A construção do Paraná moderno: políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004, p. 231-411., o relativo apoio de Ney Braga ao governo federal levou Goulart a ceder um ministério para o Paraná - e o escolhido foi um membro do PTB paranaense. Presidente nacional do PDC, Ney Braga também foi consultado sobre a nomeação de um ministro pedecista, cujo escolhido foi o deputado federal pelo PDC paulista Paulo de Tarso, que assumiu o Ministério da Educação e Cultura.

Ainda segundo Kunhavalik (2004, p. 309)KUNHAVALIK, José Pedro. Ney Braga: trajetória política e bases do poder. In: OLIVEIRA, Ricardo Costa (org.). A construção do Paraná moderno: políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004, p. 231-411., em julho de 1963 Ney Braga também indicou a Goulart a nomeação do seu secretário da Agricultura, Paulo Pimentel, para a presidência do Instituto Brasileiro do Café (IBC). Porém, como Jango não queria fortalecer Ney Braga em detrimento do PTB, nomeou o senador (e presidente do PTB paranaense) Nelson Maculan para o cargo. Conforme o autor, a nomeação de Maculan somada à rejeição de Goulart em nomear Queiroz Filho, do PDC, à embaixada brasileira na Iugoslávia, além das nomeações nos IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões), que favoreciam o PTB em detrimento do PDC, determinaram o afastamento de Ney Braga/PDC de Jango.23 23 Conforme José Pedro Kunhavalik (2004, p. 309), as declarações de Ney Braga no início de agosto mostram claramente este afastamento.

Sem dúvida, o governo de João Goulart favoreceu amplamente o PTB paranaense, com nomeações em autarquias e com um ministério,24 24 Nesse sentido, convém lembrar que os três principais líderes do PTB paranaense estavam participando do governo João Goulart: Léo de Almeida Neves, desde novembro de 1961, era diretor do Crédito Agrícola e Industrial (CREAI) do Banco do Brasil; Amaury de Oliveira e Silva foi nomeado ministro do Trabalho, em junho de 1963; e Nelson Maculan foi nomeado presidente do IBC em julho de 1963. fortalecendo-se muito o partido no âmbito da política estadual - em termos políticos e econômicos, o que poderia significar um trunfo para a sucessão estadual de 1965 -, desagradando Ney Braga e o PDC, os principais concorrentes dos petebistas pela hegemonia política do Paraná.

Nesse sentido, em entrevista, Ney Braga disse que "a nomeação de Nelson Maculan para a presidência do IBC obedecia a um esquema político visando à sucessão estadual de 1965", "ressaltando que o presidente da República tem demonstrado interesse no fortalecimento do seu partido com as nomeações dos senadores Maculan para o IBC e Amaury Silva para o ministério do Trabalho". E acrescentou: "havia fortalecido um candidato provável ao governo do Estado; agora está fortalecendo o outro" (DIÁRIO DO PARANÁ, 18/07/1963, p. 3DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.).

De fato, a sucessão estadual de 1965, cujos principais concorrentes eram o PTB e o PDC, era um dos assuntos que mais despendiam atenção nos círculos políticos paranaenses. E nesse momento os nomes mais fortes que despontavam para concorrer ao pleito de 1965 como candidatos petebistas eram os dos senadores Amaury Silva e Nelson Maculan que, bastante fortalecidos politicamente com as recentes nomeações por Jango, a partir do segundo semestre de 1963 deram início a suas campanhas eleitorais pelo interior do estado.25 25 Essa disputa interna entre Amaury Silva e Nelson Maculan foi amplamente divulgada na imprensa paranaense durante o ano de 1963.

Já em nível nacional, a crise política acentuava-se: com as reformas de base, sobretudo a agrária, sendo rejeitada pelos conservadores, que representavam a maioria no Congresso, Brizola e a FMP pressionavam intensamente o parlamento, enquanto o CGT ameaçava deflagrar greves gerais em todo o País. Ao mesmo tempo, cresciam as conspirações golpistas, articuladas por setores civis e militares.

Ademais, a política conciliatória de Goulart não estava dando resultados, pois, além de afastá-lo de Brizola e das esquerdas, ele também não tinha angariado o apoio dos grupos de centro e conservadores. Dessa forma, Goulart encontrava-se, no final de 1963, isolado à esquerda e à direita.

No Paraná, Ney Braga já se mostrava cada vez mais distante de Jango. Na Convenção Estadual do PDC, realizada no final de novembro e início de dezembro de 1963, Ney Braga o atacou: "considerando que as dificuldades pelas quais passam o Brasil e o Paraná se devem ao mau governo da União", afirmou: "Eu não sabia que o Jango era tão ruim assim" (O ESTADO, 01/12/1963, p. 4 apud KUNHAVALIK, 2004, p. 310KUNHAVALIK, José Pedro. Ney Braga: trajetória política e bases do poder. In: OLIVEIRA, Ricardo Costa (org.). A construção do Paraná moderno: políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004, p. 231-411.). Era o indício do rompimento entre Ney Braga e Jango, oficializado em dezembro de 1963 após a saída do pedecista Carlos Alberto de Carvalho Pinto26 26 Conforme Caio Navarro de Toledo (1983, p. 67), a demissão de Carvalho Pinto, tido como um eficiente administrador, representou o rompimento de um dos últimos elos que a burguesia brasileira ainda mantinha com Goulart. do ministério da Fazenda, em virtude dos ataques virulentos que sofria de Brizola, da FMP, da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), do CGT e da UNE pela política econômica que vinha executando.27 27 José Pedro Kunhavalik (2004, p. 311) lembra que Ney Braga considerou a saída de Carvalho Pinto uma "decorrência das pressões de grupos de agitação interessados em manter o clima de intranquilidade no país" e critica João Goulart, que em "apenas dois anos e meio constituiu cinco Ministérios, sempre claudicantes, fruto tão somente de injunções políticas e muito distantes dos supremos interesses nacionais". Após romper com Jango, Ney Braga estreitou relações com os governadores conspiradores Carlos Lacerda (UDN), da Guanabara, José de Magalhães Pinto (UDN), de Minas Gerais, Adhemar de Barros (PSP), de São Paulo e Ildo Meneghetti (PSD), do Rio Grande do Sul, entre outros.

Embora Jango procurasse o caminho da conciliação entre as forças políticas, no final de 1963 estava claro que o presidente não poderia contar com o apoio dos setores conservadores.28 28 Conforme Lucilia de Almeida Neves Delgado (1989, p. 280), os proprietários rurais estavam assolados pelo fantasma da reforma agrária, os empresários estavam indignados com a crescente mobilização e reivindicação dos trabalhos urbanos, enquanto os setores militares conservadores viam na efusão dos movimentos populares, além do perigo da expansão comunista, uma séria ameaça à hierarquia militar, uma vez que sargentos e marinheiros também participavam de inúmeras manifestações reivindicativas. Igualmente isolado à esquerda, Jango percebeu que sua estratégia de conciliação havia fracassado. A partir de então, no final de 1963, optou por reaproximar-se, gradativamente, das organizações à esquerda, ao restabelecer contatos com Brizola e adotar, com maior ênfase, medidas nacionalistas e de cunho reformista.29 29 Em 24 de dezembro de 1963, assinou uma medida que fazia parte das reivindicações das esquerdas, decretando o monopólio da Petrobrás na importação de petróleo e derivados. O decreto impedia sangria considerável de divisas, o que contrariou poderosos investidores norte-americanos (FERREIRA, 2003b, p. 377). Em 17 de janeiro de 1964, assinou outra medida igualmente reclamada pelas esquerdas: a regulamentação da Lei de Remessa de Lucros para o Exterior, que estava engavetada desde meados de 1962 (FERREIRA, 2003b, p. 377).

Contudo, o indício de que Jango havia adentrado no caminho reivindicado pelas esquerdas ocorreu em fevereiro de 1964, quando passou a prestigiar a Superintendência da Política Agrária (SUPRA),30 30 A Superintendência da Política Agrária (SUPRA) foi criada em novembro de 1962. Tinha por finalidade, dentre outras, planejar e executar a reforma agrária no País. com a elaboração de um decreto que permitia a desapropriação de 20 km de cada lado das rodovias e ferrovias federais, açudes e rios navegáveis.

O vazamento do decreto da SUPRA assustou os setores conservadores, que reagiram com pesadas críticas ao presidente, ao mesmo tempo que a conspiração dos grupos golpistas civis e militares avançava de maneira acelerada.

O golpe civil-militar de 1964 e as suas repercussões no Paraná

A aproximação de João Goulart com Leonel Brizola e as esquerdas foi selada em março de 1964, quando se comprometeu por um programa máximo de reformas de base. Nesse sentido, foi emblemático o "comício das reformas", realizado no dia 13 na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que contou com a participação de Goulart, Brizola, Miguel Arraes e outras lideranças reformistas, sindicais e comunistas. Na ocasião, o presidente

[...] anunciou a encampação das refinarias particulares de petróleo e assinou o decreto da SUPRA, que estabelecia a desapropriação de propriedades rurais superiores a 500 hectares situadas numa faixa de 10 km à margem das rodovias federais, ou propriedades superiores a 30 hectares localizadas às margens de açudes e obras de irrigação efetuadas pelo governo (D'ARAÚJO, 1996, p. 155).

No comício, que reuniu cerca de 100/200 mil pessoas, Brizola adotou um discurso radical, no qual, além de criticar o Congresso e sugerir seu fechamento e a convocação de uma Assembleia Constituinte, conclamou Goulart a encerrar a política conciliatória e instalar um governo nacionalista e popular (D'ARAÚJO, 1996, p. 155).

No dia 15 de março, Goulart enviou ao Congresso sua última Mensagem Presidencial, na qual solicitava a realização das reformas mediante uma ampla revisão constitucional.31 31 Acerca da reforma agrária, Jango solicitou uma reforma constitucional que suprimia a exigência do pagamento em dinheiro nas desapropriações, sugerindo que os pagamentos fossem feitos metade em dinheiro e metade em títulos da dívida pública. O presidente solicitou também a extensão do direito de votos aos analfabetos, aos sargentos e praças e a aprovação de um plebiscito para que o povo se pronunciasse em relação às reformas de base - na verdade, Jango pretendia mobilizar o apoio das massas urbanas e rurais para a consecução de seus propósitos (HIPPOLITO, 1985, p. 242-244). Ademais, solicitou também duas reformas constitucionais que aumentaram as suspeitas dos conservadores quanto aos possíveis planos golpistas do governo: a) a revogação do princípio da indelegabilidade de poderes, o que significava conferir ao Executivo poderes excepcionais na área decisória; b) anular os impedimentos constitucionais em vigor quanto à reeleição e abrir caminho para a eleição de parentes consanguíneos - o que, na prática, favoreceria tanto o continuísmo de Goulart pela via eleitoral quanto a eleição de Brizola, seu cunhado (D'ARAÚJO, 1996, p. 156).

Portanto, o comício do dia 13 e a Mensagem Presidencial de João Goulart ao Congresso alarmaram políticos e militares que, suspeitando haver a configuração de um golpe de esquerda, reagiram com fortes críticas ao presidente.

Na Assembleia Legislativa do Paraná, no dia 19 de março o deputado udenista João Vargas de Oliveira declarou que estava "proclamada a República sindicalista no Brasil" (DIÁRIO DO PARANÁ, 20/03/1964, p. 3DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.). No mesmo dia, Ney Braga também teceu críticas a Goulart:

Aí está a inflação desenfreada, as agitações sociais, os poderes se desentendendo, principalmente tendo em vista o comício que recentemente se realizou no Rio, quando na presença do Presidente da República o Congresso foi atacado. O que estamos vendo é a desorganização administrativa, a falta de autoridade, o acirramento da luta com os ataques os mais violentos. Homens que querem falar e não podem, homens que falam o que não devem. [...] Vimos o deputado Leonel Brizola pregar o fechamento do Congresso. Isto, que só pode agravar a situação brasileira, que bem trará ao Brasil, interna e externamente? O Presidente da República presente no comício poderia pregar a paz, a tranquilidade e reformas dentro da democracia, solicitando ao Congresso que desse as reformas. Mas não como foi feito, pregando-se, através de vários oradores, a quebra do regime constitucional. Seria muito melhor que aqueles homens estivessem trabalhando mais e alertando o povo de outra forma, mas não em comícios de ódios. [...] O Congresso não está fechado às reivindicações populares e, na hora presente, saberá atender aos reclamos do povo. Mas sem que se o pressione; encostando-o à parede, pois este não é modo eficiente de se viver o regime. [...] Eu não vejo ação do presidente atual. O presidente pregou o presidencialismo e eu estava com ele, acreditando que teria, então, maior autoridade para combater os males que o Brasil está sentindo. O povo deu-lhe o presidencialismo. E o que foi feito após isso? Nada (GAZETA, 20/03/1964, p. 3).

No dia seguinte (20 de março), na Assembleia Legislativa, Haroldo Leon Peres, o líder da bancada udenista, vez moção de apoio às declarações de Ney Braga, endossado pelas bancadas do PSD, PDC, UDN, PR, PRP, PTN e PRT. A bancada do PTB, isolada, retirou-se do plenário para não participar da votação (GAZETA, 21/03/1964, p. 3GAZETA do Povo. Curitiba, 23 fev. 1963; 10 mar. 1963; 20 mar. 1964; 21 mar. 1964; 31 mar. 1964; 1 abr. 1964; 2 abr. 1964; 11 abr. 1964; 15 abr. 1964; 9 jun. 1964; 19 jun. 1964; 18 ago. 1964; 31 mar. 2009.).

Também no dia 20 de março, o governador mineiro Magalhães Pinto lançou um manifesto à nação, declarando-se a favor das reformas de base, mas "repelindo o golpe e o continuísmo, como repelia também a exploração interessada dos radicalismos políticos" (HIPPOLITO, 1985, p. 245). Segundo Lúcia Hippolito (HIPPOLITO, 1985, p. 245HIPPOLITO, Lucia. De raposas e reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira (1945-1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.), o manifesto de Magalhães Pinto significou um aviso aos vários grupos conspiradores de que as forças políticas conservadoras mineiras estavam unidas em torno da conveniência de uma rápida deposição de Goulart.

Por outro lado, os setores conservadores civis, eclesiásticos e militares, utilizando-se do contexto da Guerra Fria e do exemplo da Revolução Cubana, passaram a fazer ampla propaganda contra Goulart, Brizola, a CGT, a UNE, as Ligas Camponesas, etc. e difundiam que o comício do dia 13 era um indício de que o governo havia começado sua escalada contra a propriedade privada, representando o avanço do comunismo no País.

Assim, sob a bandeira do anticomunismo, da defesa da fé religiosa, da moral e propriedade privada, cerca de 400 a 500 mil pessoas saíram pelas ruas de São Paulo, no dia 19 de março, na famosa manifestação conhecida como "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", na qual membros das classes médias e altas protestavam contra o governo de Jango, "pedindo que Deus e os militares salvassem o Brasil do comunismo" (TOLEDO, 1983, p. 99TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.; D'ARAÚJO, 1996, p. 155). 32 32 Organizada por movimentos femininos e com a colaboração do governo do estado de São Paulo, de setores da Igreja católica, da FIESP e da Sociedade Rural Brasileira, a Marcha foi encerrada com discursos de deputados do PSD e da UDN contra o governo de Jango (TOLEDO, 1983, p. 99).

Durante o mês de março, manifestações dessa natureza se repetiram em diversas capitais do Brasil. Em Curitiba, o evento foi rebatizado de "Marcha a favor do ensino livre".33 33 Mais detalhes acerca desta manifestação, ver o artigo de Adriano Codato e Marcus Roberto de Oliveira (2004). Realizada no dia 24 de março, quando cerca de 30 mil pessoas protestaram contra a "comunização do ensino e a encampação dos colégios particulares" e se dirigiram ao Palácio Iguaçu, onde o governador Ney Braga discursou em apoio aos manifestantes (O ESTADO, 25/03/1964, p. 4O ESTADO do Paraná. Curitiba, 25 mar. 1964; 2 abr. 1964; 11 abr. 1964.).

Segundo Décio Saes (apud TOLEDO, 1983, p. 99-100TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.), as Marchas da Família com Deus pela Liberdade tinham o propósito de criar um clima favorável à intervenção militar, bem como incitar as Forças Armadas ao golpe de Estado.

Dessa forma, conforme Rodrigo Patto Sá Motta (apud FERREIRA, 2011, p. 454FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.), no final de março as condições para a deposição do presidente estavam dadas, "faltando apenas a fagulha, o elemento para detonar o mecanismo golpista e empurrar à ação os que ainda hesitavam ante a hipótese de rompimento institucional". E o elemento detonador foi a rebelião dos marinheiros e fuzileiros navais, ocorrida no dia 25 de março, que contou com o apoio e o incentivo das esquerdas.34 34 No dia 25 de março, mais de 1000 marinheiros e fuzileiros navais reuniam-se no Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, a fim de comemorar o segundo aniversário da proibida Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. O encontro tinha sido proibido pelo ministro da Marinha, Sílvio Mota. Dentre outros, o ato contou com a presença de representantes da UNE, do CGT e de Leonel Brizola. Além de defender as reformas de base, reivindicaram o reconhecimento da Associação, melhor alimentação e reformulação do regulamento disciplinar da Marinha. O encontro foi considerado uma subversão da hierarquia militar, e o ministro da Marinha enviou ao local um destacamento de fuzileiros navais para prender os organizadores da reunião. No entanto, os fuzileiros aderiram ao movimento. Goulart proibiu que as tropas atacassem o sindicato, o que deixou os oficiais da Marinha indignados e levou o ministro da Marinha, Sílvio Mota, a renunciar ao cargo. Goulart enviou Amaury Silva, ministro do Trabalho, para negociar com os marinheiros, que foram convencidos a se entregar. Levados presos a um quartel, poucas horas depois foram anistiados pelo novo ministro da Marinha, o almirante Paulo Márcio Rodrigues, de 69 anos, presidente do Tribunal Marítimo, homem de esquerda e de confiança do CGT. A sublevação dos marinheiros, a anistia e a nomeação de um novo ministro atingiram a alta oficialidade das Forças Armadas como uma "verdadeira bomba". O Clube Militar e o Clube Naval denunciaram com veemência o "ato de indisciplina acobertado pela autoridade constituída, destruindo o princípio da hierarquia". Assim, estava selada a sorte de Goulart (TOLEDO, 1983, p. 101-102; FERREIRA, 2003b, p. 387-391). Esse episódio aumentou o número de "descontentes", que ingressariam ao lado dos conspiradores, sob a liderança do Marechal Humberto Castelo Branco. Segundo Jorge Ferreira (2003b, p. 326)FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano: o tempo da experiência democrática (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b, p. 343-404. v. 3., a partir de então muitos militares das três forças, até então legalistas, concluindo que a corporação militar estava em risco, cederam aos argumentos da, até então, minoria golpista.

Conforme Thomas Skidmore (1982, p. 361-362)SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930-1964). 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982., naqueles dias o Marechal Castelo Branco dissera aos conspiradores civis que a demissão do ministro da Marinha seria o sinal para a deposição de Jango. A partir de agora, o golpe tinha data marcada: 2 de abril. Nesse dia, estava prevista uma grande "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" no centro da Guanabara. Calculava-se que essa manifestação daria a suficiente "cobertura política" para a intervenção militar.

Porém, o golpe, que vinha sendo arquitetado por conspiradores civis e militares, foi "antecipado" pelo governador mineiro Magalhães Pinto, com a adesão de outros governadores golpistas, como Carlos Lacerda, Adhemar de Barros, Ildo Meneghetti e Ney Braga, entre outros.

Embora a participação de Ney Braga seja pouco mencionada, o governador paranaense esteve envolvido direta e "silenciosamente" no golpe. No dia 30 de março, ele esteve em Belo Horizonte, onde se reuniu por cinco horas com o governador Magalhães Pinto para discutir a situação nacional (em Minas Gerais, Ney Braga foi tratar da conspiração golpista, como implicitamente revelaria em um discurso feito após o golpe, conforme veremos a seguir). Retornando a Curitiba no mesmo dia, imediatamente se reuniu, durante horas, com seu secretariado. Em seguida, divulgou um manifesto de solidariedade à Marinha, "em defesa das instituições democráticas e contra a indisciplina e a subversão da ordem" (GAZETA, 31/03/1964, p. 1GAZETA do Povo. Curitiba, 23 fev. 1963; 10 mar. 1963; 20 mar. 1964; 21 mar. 1964; 31 mar. 1964; 1 abr. 1964; 2 abr. 1964; 11 abr. 1964; 15 abr. 1964; 9 jun. 1964; 19 jun. 1964; 18 ago. 1964; 31 mar. 2009.; DIÁRIO DO PARANÁ, 31/03/1964, p. 3DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.).

Segundo José Pedro Kunhavalik (2004, p. 319)KUNHAVALIK, José Pedro. Ney Braga: trajetória política e bases do poder. In: OLIVEIRA, Ricardo Costa (org.). A construção do Paraná moderno: políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004, p. 231-411., no mesmo dia 30 Ney Braga enviou Jucundino Furtado, secretário da Educação, a Porto Alegre para transmitir a Ildo Meneghetti informações acerca da conversa que tivera com Magalhães Pinto. Ainda nesse dia, esteve também reunido com o General Dario Coelho,35 35 O General Dario Coelho ocupava o comando interinamente, pois o General Silvino Castor da Nóbrega, oficial legalista, estava de férias no Rio de Janeiro. Segundo José Carlos Dutra (2004, p. 198-199), o General Nóbrega dividia opiniões: "alguns consideravam-no muito próximo das esquerdas e defensor das reformas propostas pelo governo; outros consideravam-no um militar extremamente profissional, disciplinado e legalista". Era ex-combatente da 2ª Guerra Mundial e, segundo algumas opiniões, não muito dado às questões políticas. comandante em exercício da 5ª Região Militar. Conforme José Carlos Dutra (2004, p. 198)DUTRA, José Carlos. A revolução de 1964 e o movimento militar no Paraná: a visão da caserna. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n. 22, 2004, p. 195-208., na conversa que teve com o General Coelho, Ney Braga manifestou-se simpático ao movimento que se desencadearia em Minas Gerais, entregando-lhe uma carta escrita pelo General Guedes, na qual pedia sua adesão ao movimento. Posteriormente, permaneceu em vigília no Palácio Iguaçu até a madrugada.

Segundo o depoimento do Coronel Ítalo Conti,36 36 Em 2009, na época da entrevista, Ítalo Conti ocupava o posto de General reservista. secretário de Segurança de Ney Braga, em matéria publicada no jornal Gazeta do Povo, em 31 de março de 2009,

O Ney não só era favorável (ao golpe) como integrava o grupo de conspiradores. Ele disse para mim: "Ítalo, eu preciso governar o estado e não posso me expor. Mas você tem o meu aval para fazer o que tem de ser feito". Segundo Conti, o governador paranaense não quis se envolver publicamente para não prejudicar a administração do estado. O ex-secretário de Segurança afirma que, desde 1962, Ney Braga o havia incumbido de preparar um batalhão da Polícia Militar que pudesse ser usado no momento necessário, já que o alto comando do Exército no Paraná era ligado a Jango. "Havia tenentes e capitães do Exército que estavam do nosso lado. Mas não sabíamos como eles iriam se comportar quando houvesse a deposição de João Goulart". Quando o golpe "estourou", porém, Ney Braga, que era coronel do Exército, foi um dos primeiros a apoiar a deposição do então presidente. Já no 1º de abril, ele fez um pronunciamento favorável à deposição de João Goulart e à tomada do poder pelos militares.

Também no dia 30 de março, Jango - acompanhado de alguns de seus ministros, dentre eles Amaury Silva - compareceu à festa de posse da nova diretoria da Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, no Automóvel Clube, no Rio de Janeiro.37 37 Apesar de algumas pessoas próximas a Jango desaconselharam sua participação no evento - que contaria com a presença não apenas de sargentos, mas também de marinheiros e fuzileiros navais, mistura naquele momento explosiva e que poderia ser interpretada como uma provocação às Forças Armadas -, Jango optou por comparecer. Mais detalhes, ver Ferreira (2011, p. 454-462). Ter comparecido a uma festa de subalternos das Forças Armadas, logo após um motim de marinheiros, representou a gota d'água para muitos militares até então legalistas que, convencidos de que ele incentivava a indisciplina, instigando os subalternos contra os superiores, passaram para o lado dos conspiradores. No dia seguinte, a grande imprensa publicou pesadas críticas a Jango e pregava sua deposição, ao mesmo tempo que o presidente do Senado, o pessedista Auro de Moura Andrade, declarava o rompimento com o presidente e apelava para que as Forças Armadas restabelecessem a ordem (FERREIRA, 2003b, p. 391FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano: o tempo da experiência democrática (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b, p. 343-404. v. 3.).

No mesmo dia 31 de março, as tropas do General Olímpio Mourão Filho - com respaldo do governador paulista Adhemar de Barros, do governador mineiro Magalhães Pinto e do General Luís Carlos Guedes, comandante do IV Regimento Divisionário - deram início ao golpe,38 38 Tratava-se da "Operação Popeye", cujo objetivo era entrar na Guanabara e tomar o prédio do Ministério da Guerra (FERREIRA, 2011, p. 470). marchando de Juiz de Fora ao Rio de Janeiro. Jango, informado por San Tiago Dantas de que o governo dos Estados Unidos havia deslocado para o litoral brasileiro um grande aparato militar39 39 Na costa brasileira estavam o porta-aviões Forrestal, destróieres de apoio com mísseis teleguiados, navios abarrotados de armas, munições e mantimentos, além de quatro petroleiros. A força-tarefa contava com sete aviões de transporte, cada um carregando 110 toneladas de armas, oito aviões de caça e oito aviões tanques, além de um outro de comunicações (BANDEIRA, 2001, p. 173). para intervir no País, caso fosse necessário - A Operação Brother Sam -,40 40 Sobre a Operação Brother Sam, ver o trabalho de Carlos Fico (2008). ficou receoso em reagir, temendo a eclosão de uma guerra civil com a intervenção norte-americana (FERREIRA, 2011, p. 470-471FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.).

Embora contasse com o apoio de alguns generais legalistas - como o ministro da Guerra Jair Dantas e Argemiro de Assis Brasil, chefe da Casa Militar -, a rebelião militar deflagrada pelo General Mourão Filho e respaldada por vários governadores e outras lideranças civis desencadeou o processo golpista, uma vez que ao movimento aderiram, em poucas horas, os setores conspiradores das três armas e outros oficiais até então legalistas que foram convencidos, de última hora, de que o País e as Forças Armadas estavam em perigo em virtude das sucessivas "agitações subversivas" (FERREIRA, 2003b, p. 373FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano: o tempo da experiência democrática (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b, p. 343-404. v. 3.). Nesse sentido, Élio Gaspari (2002, p. 81-83)GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. lembra as palavras do General Cordeiro de Farias, um dos conspiradores: "[...] O Exército dormiu janguista no dia 31 e acordou revolucionário no dia 1º".

No comando do IV Exército (o Comando Militar do Nordeste, com sede em Recife), o General Justino Alves Bastos aderiu ao golpe e prendeu o governador pernambucano Miguel Arraes. No II Exército, sediado em São Paulo, Amaury Kruel, que era amigo de Jango, optou por aderir ao movimento golpista em face da negativa do presidente em se afastar e reprimir as esquerdas.41 41 Mais detalhes, ver Jorge Ferreira (2003b e 2011).

Além dos militares, o golpe contou com decisivo apoio de vários governadores, como Magalhães Pinto, Carlos Lacerda, Adhemar de Barros, Ildo Meneghetti, Ney Braga, Celso Ramos, entre outros, que autorizaram as polícias militar e civil em seus respectivos estados a prender os "subversivos" e reprimir qualquer possível reação ao golpe.

Particularmente no Paraná, no dia 31 de março o governador Ney Braga, sabendo do golpe em marcha, manteve-se em vigília no Palácio Iguaçu, realizando vários contatos telefônicos com os governadores Magalhães Pinto, Adhemar de Barros, Ildo Meneghetti e Celso Ramos. No mesmo dia, os Bispos do Paraná lançam um manifesto que criticava o comunismo e apoiava as Forças Armadas e o Congresso Nacional (KUNHAVALIK, 2004, p. 320-321KUNHAVALIK, José Pedro. Ney Braga: trajetória política e bases do poder. In: OLIVEIRA, Ricardo Costa (org.). A construção do Paraná moderno: políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004, p. 231-411.).

Segundo o Coronel Ítalo Conti, secretário de Segurança de Ney Braga, o General Silvino Castor da Nóbrega, comandante da 5ª Região Militar, apoiava Jango e poderia oferecer alguma resistência. No dia 31 de março, o mesmo general voltava a Curitiba em um avião da FAB após uma reunião com o General Assis Brasil, chefe da Casa Militar, que tentava conter os militares golpistas. A chegada de Nóbrega a Curitiba causou grande preocupação entre os conspiradores paranaenses, pois era certa sua adesão a Jango, o que poderia desencadear a luta armada no estado. Inclusive, segundo José Carlos Dutra (2004, p. 199)DUTRA, José Carlos. A revolução de 1964 e o movimento militar no Paraná: a visão da caserna. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n. 22, 2004, p. 195-208., o General Amaury Kruel, comandante do II Exército, havia deslocado tropas de São Paulo a Curitiba prevendo o enfrentamento com Nóbrega.

A solução encontrada pelos conspiradores foi desviar a aeronave do General Silvino Castor da Nóbrega para Porto Alegre. Segundo o Coronel Ítalo Conti: "O piloto do avião recebeu ordens de um tenente que era ligado a nós, que havia recebido ordens para levar o comandante [Silvino] a Porto Alegre". Conti afirma que foi dito ao general que a neblina impedia a aterrissagem. "Quando ele chegou no Rio Grande, já estava tudo dominado" (GAZETA, 31/03/2009GAZETA do Povo. Curitiba, 23 fev. 1963; 10 mar. 1963; 20 mar. 1964; 21 mar. 1964; 31 mar. 1964; 1 abr. 1964; 2 abr. 1964; 11 abr. 1964; 15 abr. 1964; 9 jun. 1964; 19 jun. 1964; 18 ago. 1964; 31 mar. 2009.).

Na ausência de Nóbrega, a 5ª Região Militar continuou sob o comando do General Dario Coelho, que havia aderido ao golpe. Segundo José Carlos Dutra (2004, p. 198)DUTRA, José Carlos. A revolução de 1964 e o movimento militar no Paraná: a visão da caserna. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n. 22, 2004, p. 195-208., havia dúvidas entre os oficiais quanto à posição que deveriam adotar, pois

As primeiras notícias que chegaram ao Paraná davam conta de uma rebelião das tropas federais aquarteladas em Minas Gerais, a serviço de um golpe liderado por Magalhães Pinto, Carlos Lacerda e Adhemar de Barros. Tal notícia não teve uma boa acolhida pela oficialidade paranaense, uma vez que esses políticos não eram bem vistos pelos militares.

No entanto, o General Dario Coelho convocou todos os oficiais que serviam em Curitiba e, em reunião, confirmou a informação de que se tratava de um movimento militar contra o comunismo, a corrupção e a quebra da disciplina e indagou-os sobre de qual lado estavam. A adesão foi quase total, e os que não aderiram foram presos (DUTRA, 2004, p. 198DUTRA, José Carlos. A revolução de 1964 e o movimento militar no Paraná: a visão da caserna. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n. 22, 2004, p. 195-208.).42 42 Um documento denominado Relatório da 5ª Região Militar e 5ª Divisão de Infantaria concernente ao movimento militar de 31 de março de 1964, relata a prisão, por discordarem da posição assumida pelo Comandante, dos tenentes-coronéis Paulo de Moraes e Flávio Dias de Castro - ambos ocupavam funções administrativas no Comando da 5ª Região Militar. O mesmo documento relata, também, a prisão do Coronel Alcides do Amaral Barcelos e do Tenente-Coronel Edson Giordano de Medeiros, ambos do CPOR, sob a acusação de exercerem militância política em partidos de esquerda, em que defendiam abertamente as reformas governistas e por terem discordado da posição adotada pelo General Dario (DUTRA, 2004, p. 198).

Segundo Léo de Almeida Neves (2002, p. 251)NEVES, Léo de Almeida. Vivência de fatos históricos. São Paulo: Paz e Terra, 2002., o Coronel Alcides Amaral Barcellos, que pertencia ao PTB paranaense e comandava o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) em Curitiba, tentou organizar uma resistência, mas foi preso, cassado e enviado para o navio da Marinha de Guerra Raul Soares, na costa de Santos, que serviu de prisão militar nos primeiros dias do golpe.

Portanto, o apoio do General Dario Coelho,43 43 Posteriormente, o governador Ney Braga elogiou publicamente a atuação do General Dario Coelho. Ver: Ney salienta atuação de Dario Coelho: honra à tradição do Exército Nacional (DIÁRIO DO PARANÁ, 02/04/1964, p. 3). comandante interino da 5ª Região Militar, às tropas mineiras e paulistas significou uma importante defecção no III Exército, com sede no Rio Grande do Sul. A partir de então, todas as unidades militares do Paraná e Santa Catarina foram retiradas da subordinação a Porto Alegre e passaram a integrar o II Exército, sob o comando do General Amaury Kruel.

Em Porto Alegre, o General Silvino Castor da Nóbrega ainda tentou organizar uma resistência, dando ordens aos batalhões de Blumenau e Joinville para que se deslocassem na direção de São Paulo. Porém, tal ordem não foi cumprida e Nóbrega foi destituído do comando, acusado de apoiar os comunistas. Posteriormente, respondeu a inquérito policial-militar e foi transferido para a reserva (DUTRA, 2004, p. 199DUTRA, José Carlos. A revolução de 1964 e o movimento militar no Paraná: a visão da caserna. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n. 22, 2004, p. 195-208.).

Por sua vez, a Assembleia Legislativa do Paraná também estava em vigília, aguardando o desenrolar dos fatos. Nesse momento, a bancada petebista foi a única que se manteve solidária a João Goulart, enquanto a bancada udenista, por meio do seu líder, Haroldo Leon Peres, tecia duras críticas ao presidente e elogiava a atitude do governador mineiro Magalhães Pinto (GAZETA, 01/04/1964, p. 3GAZETA do Povo. Curitiba, 23 fev. 1963; 10 mar. 1963; 20 mar. 1964; 21 mar. 1964; 31 mar. 1964; 1 abr. 1964; 2 abr. 1964; 11 abr. 1964; 15 abr. 1964; 9 jun. 1964; 19 jun. 1964; 18 ago. 1964; 31 mar. 2009.).

Dois petebistas paranaenses estavam ao lado de João Goulart, no Palácio Laranjeiras, durante os desdobramentos do dia 31 de março: o ministro do Trabalho, Amaury Silva, e Léo de Almeida Neves, "que procurou defender Jango na Rádio Nacional, conclamando o povo e os militares legalistas a resistir ao golpe" (NEVES, 2002, p. 262NEVES, Léo de Almeida. Vivência de fatos históricos. São Paulo: Paz e Terra, 2002.).

Contudo, na manhã do dia 1º de abril de 1964, Goulart percebeu que estava condenado. Com as tropas mineiras e paulistas marchando ao Rio de Janeiro e com as defecções no I Exército, alguns generais legalistas sugeriram que o presidente deixasse o Palácio Laranjeiras por falta de segurança. A notícia de que Goulart deixara o Rio de Janeiro rumo a Brasília foi interpretada pelos setores civis e militares golpistas como a capitulação do presidente. Assim, o sucesso da "revolução" foi comemorado em diversas capitais, como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte (FERREIRA, 2003b, p. 398FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano: o tempo da experiência democrática (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b, p. 343-404. v. 3.).

Portanto, o golpe de 1964 não foi somente um golpe deflagrado por militares insatisfeitos, mas sim uma ampla coalizão civil-militar, uma vez que contou com o apoio de uma parcela da imprensa e dos meios de comunicação, de setores da Igreja católica, de diversos políticos e de uma ampla parcela dos latifundiários, dos empresários e das classes médias.

No Paraná, em meio ao clima de comemorações, na noite do dia 1º de abril Ney Braga fez um discurso - transmitido pelas emissoras de rádio e televisão - no Palácio Iguaçu, onde se encontravam milhares de pessoas, no qual disse "que se considerava um democrata", criticou o perigo comunista e afirmou que Goulart estava ameaçando o regime, mas que "agora o Brasil estava livre e que nele vingará a democracia cristã".

[...] Somos democratas convictos, que víamos então que a crise da falta de autoridade ia tomando tal vulto que se não tomássemos de imediato, uma medida estancatória, o Brasil seria tragado e iríamos para o caos. Do caos para onde, não sabíamos! Vimos a rebelião dos marinheiros e, antes e depois, discursos do presidente em sindicatos e outras instituições, ameaçando o regime. Tudo isso mostrou-nos que era chegada a hora de dizermos: basta de encaminhar o Brasil para os braços da Rússia. Agora quero dizer ao povo do Paraná: não fizemos isso para defender privilégios de grupos; não o fizemos para defender interesses de partidos políticos. Há três dias, quando o governador Magalhães Pinto, à meia-noite, telefonou pedindo-me que fosse ao seu encontro. Fui a Minas [dia 30] e lá o encontrei em companhia do deputado Alkmin, de Milton Campos e de vários outros políticos e um general do Exército, o general Guedes, comandante da 4ª Região Militar. Teve ele palavras mais ou menos assim: Eu não tenho nada. Sou pobre. Tenho meu nome. Vivo pensando no Brasil, desde que me entendo por gente. Ontem cheguei em casa, vi minha filha com meu neto no colo. Ao ver a criança, pensei: não é possível que eu não arrisque, agora, a minha vida para que esta criança tenha liberdade no futuro. Por isso, quero dizer aos senhores: já tomei minha decisão. Ela é irreversível. Amanhã nós em Minas Gerais nos rebelaremos contra a indisciplina, contra os que estão ferindo a Constituição, porque estão ferindo, realmente, as bases onde se assenta a própria razão da existência das Forças Armadas. Dali viemos para o Paraná e acompanhamos a atitude de outros governadores. Agora, é preciso que se note. Sofremos algum tempo a influência de uma propaganda demagógica. E a nossa pregação anticomunista é esta: o comunismo esmaga a liberdade; o comunismo desrespeita e esmaga as nossas tradições que respeitamos como homens educados dentro dos sentimentos cristãos. [...] Os demagogos estão sendo alijados hoje do poder nesta República, mas o que hão de assumir tem o dever sagrado para com o Brasil, para com a nossa geração, para com a humanidade, de levar, dentro do coração, o sofrimento dessa pobre gente. [...]. As reformas que os demagogos diziam querer, mas que, realmente não queriam, nós, dentro da democracia, teremos de fazê-las, porque não há, meus senhores, nenhum cristão vivo que não possua o sentimento de amor ao próximo. E é esse sentimento que nos move a move a lutar pelo Brasil, a arriscar tudo por ele. [...] Vamos juntos, Paraná, povo e Governo! Vamos juntos continuar trabalhando, principalmente agora que o Brasil está livre e que se encaminha para novos destinos. Ontem, quase a esta hora, quando escrevi isto para o Brasil, estava me arriscando a ser deposto. Felizmente vencemos, e, agora, juntos haveremos de fazer com que o Brasil democrata cristão seja exemplo para a humanidade inteira. [...]. Estamos iniciando, se assim o quisermos, uma nova página de nossa história. Vamos escrevê-la com dignidade (GAZETA, 02/04/1964, p. 1; DIÁRIO DO PARANÁ, 02/04/1964, p. 2; O ESTADO, 02/04/1964, p. 2, grifos meus).

O discurso de Ney Braga é uma "confissão" da sua participação na conspiração, que vinha sendo articulada por vários governadores, juntamente com setores militares, havia algum tempo. Além disso, comprova que a decisão de deflagrar - ou antecipar - o golpe partiu do governador mineiro Magalhães Pinto conjuntamente com alguns generais, que contaram com o apoio dos governadores dos principais estados do País, como Carlos Lacerda, Adhemar de Barros, Ildo Meneghetti e o próprio Ney Braga, entre outros, que provavelmente estavam se preparando para enfrentar resistências ou mesmo a guerra civil - convém lembrar que em uma situação de beligerância os golpistas estavam contando com a intervenção norte-americana.

Em Brasília, Jango ficou poucas horas, partindo em seguida para Porto Alegre. No mesmo dia, o Congresso aprovou a declaração de vacância da Presidência da República. Na madrugada do dia 2 de abril, Ranieri Mazzili, presidente da Câmara dos Deputados, era empossado como presidente da República, decisão, inclusive, legitimada pelo poder Judiciário. Mesmo com Jango em território nacional, poucas horas depois o presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, reconheceu o novo governo brasileiro (TOLEDO, 1983, p. 106TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.). No Rio de Janeiro, a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", programada para o dia 2 de abril, foi rebatizada como "Marcha da Vitória", levando às ruas cerca de um milhão de pessoas que comemoraram a "salvação do Brasil do comunismo".

Enquanto isso em Porto Alegre, o General Ladário Teles, comandante do III Exército, e Brizola tentavam convencer Jango da necessidade da resistência armada. Porém, Goulart optou por não resistir, para evitar a eclosão da guerra civil. Informado pelo General Floriano Machado de que tropas de Curitiba marchavam sobre Porto Alegre, às 11h30min do dia 2 de abril, acompanhado do General Assis Brasil, Jango partiu para São Borja e, no dia 4 de abril, rumou para o exílio no Uruguai, enquanto Brizola ficou em Porto Alegre na clandestinidade por cerca de um mês, tentando organizar a resistência (FERREIRA, 2003b, p. 399FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano: o tempo da experiência democrática (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b, p. 343-404. v. 3.; TOLEDO, 1983, p. 106TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.).

Portanto, o golpe civil-militar de 1964 encontrou poucas resistências, sagrando-se vitorioso com facilidade. As explicações para seu êxito são as mais variadas e já foram amplamente discutidas pela historiografia brasileira.44 44 Ver, por exemplo, os trabalhos de Carlos Fico (2004) e Jorge Ferreira (2011), entre outros.

No Paraná praticamente não houve resistências ao golpe. O jornalista e membro do PTB paranaense Sylvio Sebastiani relata que alguns trabalhistas lançaram um manifesto (dentre os signatários estavam os deputados estaduais Waldemar Daros, Walter Pecoits, Leon Naves Barcelos e Luiz Alberto Dalcanale - todos cassados, conforme veremos adiante) conclamando o povo a ficar do lado de João Goulart. No momento em que estava distribuindo o manifesto na Praça Carlos Gomes, Sebastiani acabou preso e foi levado ao quartel.45 45 Entrevista realizada em 15 de outubro de 2013 em Curitiba.

Após a consumação do golpe tiveram início as perseguições às principais lideranças nacionalistas e reformistas, oficiais e subalternos das Forças Armadas, líderes sindicais, comunistas, estudantes e demais lideranças progressistas, que eram enquadrados como "subversivos". Assim, muitos foram presos, torturados e até mesmo assassinados. Porém, convém lembrar que as perseguições não se restringiram somente às questões políticas, uma vez que muitas foram motivadas por revanchismo e desavenças pessoais.

No Paraná, houve literalmente uma caçada aos comunistas (DIÁRIO DO PARANÁ, 05/04/1964, p. 1DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.) - a intervenção em diversos sindicatos, a tomada da sede do Diretório Central dos Estudantes da Universidade do Paraná (DIÁRIO DO PARANÁ, 09/04/1964, p. 1 e 3DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.) e a instalação de um inquérito para apurar se servidores públicos teriam cometidos atos "contra o regime democrático e a probidade administrativa" (O ESTADO, 11/04/1964, p. 4DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.).

No dia 9 de abril de 1964, o governo militar decretou o Ato Institucional nº 1 (AI-1) que, entre outras coisas, reforçou o Poder Executivo e reduziu o campo de ação do Congresso, estabeleceu a eleição de um novo presidente da República por votação indireta do Congresso Nacional e suspendeu as imunidades parlamentares, dando início à série de cassações de mandatos parlamentares e suspensões dos direitos políticos por dez anos - com o objetivo de "limpar" o Congresso, com a cassação dos mandatos de parlamentares acusados de subversão ou de corrupção.

O AI-1 inicialmente cassou os mandatos de 40 parlamentares e suspendeu por dez anos os direitos políticos de outros 66 cidadãos. Dentre os cassados estavam João Goulart, Leonel Brizola, Francisco Julião (PSB-PE), Miguel Arraes, Jânio Quadros, Almino Affonso (PTB-AM), Bocaiúva Cunha (PTB-RJ), Paulo de Tarso (PDC-SP), Luís Carlos Prestes, Darcy Ribeiro além de outros nacionalistas e reformistas da "ala moça" do PSD, da "bossa nova" da UDN, do PDC, PSB, entre outros partidos. Na lista também constavam o ex-governador Moysés Lupion (PSD, acusado de corrupção), que era suplente de deputado federal, e o senador Amaury de Oliveira e Silva, vice-presidente do PTB paranaense e ex-ministro do Trabalho de Jango (GAZETA, 11/04/1964, p. 1DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.).

Após a cassação, o senador, temendo ser preso, abrigou-se na embaixada da Iugoslávia, em Brasília. Conforme seu depoimento:

Com o meu mandato cassado, só me restou a alternativa de ir para uma embaixada, e a única que estava recebendo refugiados políticos era a da Iugoslávia, que, aliás, teve um gesto belíssimo porque ainda não estava aberta e o embaixador determinou a abertura exclusivamente para atender os refugiados. Quando cheguei já encontrei uns quarenta e, como não expediram o meu salvo-conduto, fiz um esquema próprio para sair do país. Tingi os cabelos, raspei o bigode, coloquei um chapéu velho e fui para o Uruguai (apud HELLER, 1988, p. 89).

Exilado no Uruguai, Oliveira e Silva montou uma churrascaria com a ajuda de Jango. Com Almino Affonso - seu antecessor na pasta do Trabalho - estudou espanhol, o que lhe permitiu trabalhar algum tempo em uma revista como tradutor (HELLER, 1988, p. 89HELLER, Milton Ivan. Resistência democrática: a repressão no Paraná. Rio de Janeiro; Curitiba: Paz e Terra; Secretaria de Cultura do Estado do Paraná, 1988.).46 46 Em 1972, Amaury retornou ao Brasil. Segundo seu depoimento a Milton Ivan Heller (1988, p. 90): "Fiquei no Uruguai até setembro de 1972 e, em março de 1973, quando tentava reiniciar minhas atividades profissionais como advogado de uma firma paulista em Londrina, fui preso por um capitão que servia em Apucarana. Ele invadiu a casa do meu irmão, Adhemar, e eu fui parar em Porto Alegre, onde fiquei incomunicável durante 23 dias, no 12º Rec-Mec. Um cubículo de dois por três metros, um catre e mais nada, e eu sem saber se havia ou não alguma acusação contra mim. A porta gradeada fechada a cadeado. Quando iam levar comida era um aparato de homens armados de metralhadora [...]. Uma loucura. Pedi livros e revistas e não me atenderam. Para passar o tempo eu arrumava e desarrumava a cama, andava dentro da cela, fazia flexões até cansar e dormia o máximo que podia. Depois de uns seis dias começaram os interrogatórios, completamente vazios. Queriam saber os meus contatos no exílio e uma porção de baboseiras. Depois de 23 dias me mandaram embora, de volta para Curitiba, e eu fiquei sem saber o porquê daquela prisão". Amaury morreu em novembro de 2002.

No dia 11 de abril de 1964, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (o nome definido tanto pelo comando militar quanto pelos governadores)47 47 Após o golpe, ocorreu um encontro dos governadores golpistas na Guanabara, cujo objetivo era indicar um nome para candidato à presidência da República. O governador Ney Braga apoiou a candidatura do Marechal Castelo Branco. Em retribuição ao apoio recebido de Ney Braga, Castelo Branco concedeu ao governador paranaense a indicação de um ministério para o Paraná. Ney Braga indicou Flávio Suplicy de Lacerda, então reitor da Universidade do Paraná e grande defensor da "revolução", para assumir o ministério da Educação e Cultura. Também por influência de Ney Braga, Leônidas Lopes Borio, então presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico do Paraná (CODEPAR), é indicado para assumir a presidência do IBC (KUNHAVALIK, 2004, p. 323-324). foi eleito indiretamente48 48 No entanto, convém salientar que os nove membros da bancada do PTB paranaense na Câmara se abstiveram de votar em Castelo Branco, aderindo à orientação do deputado Doutel de Andrade, líder do partido na Câmara. Inclusive a posição da bancada do PTB do Paraná gerou bastante repercussão e foi uma surpresa, uma vez que - mesmo sendo considerada uma das bancadas trabalhistas mais conservadoras da casa - foi a única a seguir integralmente a orientação de Doutel de Andrade. Já entre os senadores do PTB paranaense, Rubens de Mello Braga (suplente do cassado Amaury de Oliveira e Silva) não compareceu à sessão, enquanto Nelson Maculan sufragou em favor de Castelo Branco (DIÁRIO DO PARANÁ, 14/04/1964, p. 3). o novo presidente da República, sendo empossado no dia 15 de abril e, inicialmente, com mandato até 31 de janeiro de 1966 - portanto, as eleições presidenciais de 1965 estavam canceladas.

No dia 14 de abril ocorreu mais uma série de cassações de mandatos e direitos políticos. Dentre os paranaenses cassados estavam o deputado federal João Simões (PSD)49 49 João Simões foi cassado sob a acusação de corrupção e peculato. e alguns petebistas paranaenses, como o tenente-coronel Humberto Molinaro, os deputados estaduais Waldemar Daros e Walter Pecoits (ambos integravam a ala reformista do partido e eram opositores ferrenhos de Ney Braga), além do prefeito de Paranaguá, Brasílio Abud, e do prefeito de Santo Antônio da Platina, Benedito Lúcio Machado (GAZETA, 15/04/1964, p. 1GAZETA do Povo. Curitiba, 23 fev. 1963; 10 mar. 1963; 20 mar. 1964; 21 mar. 1964; 31 mar. 1964; 1 abr. 1964; 2 abr. 1964; 11 abr. 1964; 15 abr. 1964; 9 jun. 1964; 19 jun. 1964; 18 ago. 1964; 31 mar. 2009.; DIÁRIO DO PARANÁ, 15/04/1964, p. 1 e 3DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba, 12 ago. 1961; 9 dez. 1962; 08 jan. 1963; 20 fev. 1963; 18 jun. 1963; 18 jul. 1963; 27 fev. 1964; 20 mar. 1964; 31 mar. 1964; 2 abr. 1964; 5 abr. 1964; 9 abr. 1964; 14 abr. 1964; 15 abr. 1964.).

Waldemar Daros creditou a perda de seu mandato, em parte, ao governador Ney Braga, que o considerava um inimigo político. Após sua cassação, Daros, que nunca foi interrogado nem processado, ficou deprimido. Inconformado, recorreu a um primo, Mário Gloger, um almirante médico da Marinha, para saber se havia um dossiê e quais eram as acusações contra ele. No referido dossiê havia uma coleção dos seus discursos na Assembleia Legislativa, suas críticas ao governador Ney Braga e, em meio a papeis sigilosos, uma "recomendação" de Ney Braga indicando sua cassação. Daros faleceu em setembro de 1968, vítima de um derrame cerebral (HELLER; DUARTE, 2000, p. 133-136HELLER, Milton Ivan; DUARTE, Maria de Los Angeles G. Memórias de 1964 no Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000.).

Por sua vez, Walter Pecoits foi um dos que mais sofreram com o arbítrio do regime militar. Após sua cassação, o ex-deputado petebista havia viajado ao Uruguai, onde passou férias. Voltando ao Brasil, no dia 9 de agosto de 1964, em Cascavel, enquanto esperava um avião que o levaria de volta a Francisco Beltrão, resolveu almoçar na casa de um amigo, onde foi preso ilegalmente sob a acusação de "insuflar uma rebelião de posseiros em Três Barras, no sudoeste paranaense". Conduzido a uma cela, Pecoits foi brutalmente espancado, inclusive ficando cego do olho esquerdo em virtude de uma coronhada.

Contudo, a notícia da prisão, sem mandato judicial, e das agressões sofridas por Pecoits repercutiram amplamente em todo o Paraná. Requerida pelo deputado Joaquim Néia de Oliveira, a Assembleia aprovou uma CPI para apurar as responsabilidades. Porém, ninguém foi punido e Pecoits foi posto em liberdade somente no dia 24 de dezembro de 1964, beneficiado por um habeas corpus. Após sua libertação, ele reassumiu a direção do seu hospital em Francisco Beltrão, porém era obrigado a apresentar-se periodicamente em Curitiba, onde respondia ao processo (HELLER; DUARTE, 2000, p. 96-100HELLER, Milton Ivan; DUARTE, Maria de Los Angeles G. Memórias de 1964 no Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000.).

Em 7 de junho de 1964 houve mais uma série de cassações, dentre elas as do ex-presidente Juscelino Kubitschek (acusado de ter enriquecido durante sua vida pública) e dos deputados estaduais petebistas Leon Naves Bacelos e Luiz Alberto Dalcanale, além do deputado estadual nacionalista Almir Moreira Passos (UDN) (GAZETA, 09/06/1964, p. 1GAZETA do Povo. Curitiba, 23 fev. 1963; 10 mar. 1963; 20 mar. 1964; 21 mar. 1964; 31 mar. 1964; 1 abr. 1964; 2 abr. 1964; 11 abr. 1964; 15 abr. 1964; 9 jun. 1964; 19 jun. 1964; 18 ago. 1964; 31 mar. 2009.).

Leon Naves Barcelos, que era sobrinho de Abilon de Souza Naves,50 50 Abilon de Souza Naves foi a principal liderança trabalhista do Paraná na década de 1950, eleito senador em 1958. Presidiu o PTB paranaense por mais de 10 anos (1948-1959). Faleceu em dezembro de 1959. a exemplo de Waldemar Daros e Walter Pecoits, foi cassado por fazer forte oposição a Ney Braga e defender as reformas de base.

Por sua vez, Luiz Alberto Dalcanale entende que foi cassado pelas desavenças pessoais que tinha com Ney Braga e com o líder udenista Haroldo Leon Peres. Posteriormente, enfrentou uma série de IPMs (Inquéritos Policiais Militares), pois foi acusado de contrabandear pneus e armas da Argentina e de ser ligado a "elementos terroristas" (HELLER; DUARTE, 2000, p. 110-111HELLER, Milton Ivan; DUARTE, Maria de Los Angeles G. Memórias de 1964 no Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000.).

De acordo com Milton Ivan Heller e Maria Duarte (HELLER; DUARTE, 2000, p. 111-112HELLER, Milton Ivan; DUARTE, Maria de Los Angeles G. Memórias de 1964 no Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000.), Dalcanale reconhece que foi várias vezes ao Uruguai conversar com João Goulart, Brizola, Darcy Ribeiro, Amaury Silva e outros exilados. Em uma dessas viagens, em 1964, quando retornava de Montevidéu em companhia de Elcy Silva, irmão de Amaury Silva, foi detido por uma patrulha do Exército e conduzido ao quartel em Curitiba, sendo logo transferido para Porto Alegre sob a acusação de articular um "esquema de contra-revolução". Posteriormente, foi libertado sem que nenhuma das acusações contra ele chegasse a julgamento.

Portanto, a primeira fase de cassações no Paraná alvejou, sobretudo, os deputados que imprimiam forte oposição ao governador Ney Braga - caracterizando-se, assim, como revanchismo político e pessoal. Posteriormente, durante os anos da ditadura militar, inúmeros outros parlamentares e cidadãos paranaenses tiveram seus mandatos e direitos políticos cassados.

O contexto político pós-golpe: a consolidação do neysmo e as eleições de 1965 no Paraná

No âmbito da política paranaense, o golpe civil-militar fortaleceu amplamente Ney Braga51 51 A popularidade e a força política de Ney Braga no Paraná explicam-se por três fatores: primeiro, o seu projeto de modernização e industrialização do estado, até então meramente agrícola; segundo, a sua participação na "revolução" de 1964; terceiro, pela construção da sua imagem pública como líder competente, bom pai de família, honesto, trabalhador e, sobretudo, católico fervoroso. e enfraqueceu muito seu principal oponente, o PTB, que teve um senador, quatro deputados estaduais e vários prefeitos e vereadores do interior cassados. No início de junho de 1964, o PTB do Paraná já havia perdido 25% dos membros da Executiva Estadual,52 52 De um total de 16 membros, a Executiva Estadual do PTB perdeu quatro: Amaury Silva (primeiro vice-presidente), Walter Pecoits (segundo vice-presidente), Leon Naves Barcelos (primeiro secretário) e Luiz Alberto Dalcanale (terceiro secretário). fato semelhante ao ocorrido na Executiva Nacional, em que o partido perdera cerca de um quarto dos membros que acabaram de ser eleitos poucos dias antes do golpe. Conforme Maria Celina D'Araújo (1996, p. 165), "essas perdas atingiram o partido não só pela quantidade como pelo fato das lideranças mais expressivas terem sido obrigadas a deixar o país, iniciando o que seria um longo exílio".

Das três principais lideranças do PTB paranaense, apenas Amaury Silva, o último ministro do Trabalho de Jango, foi cassado e rumou ao exílio. O senador Nelson Maculan, presidente do PTB do Paraná, não perdeu seu mandato, mas foi removido da presidência do IBC; por sua vez, Léo de Almeida Neves também deixou a direção da CREAI, mas continuou ocupando o posto de secretário geral nas Executivas Estadual e Nacional do partido.

Enfraquecido politicamente com o golpe civil-militar, o PTB paranaense, após um período em estado de torpor, no segundo semestre de 1964 procurou se reestruturar. Assim, uma das primeiras decisões do partido foi manter-se em oposição a Ney Braga, "dando, porém, apoio às iniciativas que interessassem ao Paraná" (GAZETA, 19/06/1964, p. 3GAZETA do Povo. Curitiba, 23 fev. 1963; 10 mar. 1963; 20 mar. 1964; 21 mar. 1964; 31 mar. 1964; 1 abr. 1964; 2 abr. 1964; 11 abr. 1964; 15 abr. 1964; 9 jun. 1964; 19 jun. 1964; 18 ago. 1964; 31 mar. 2009.). Entretanto, com a cassação dos deputados petebistas que faziam forte oposição a seu governo, Ney Braga reduziu em muito suas preocupações com o PTB.

Ademais, o PTB do Paraná voltou a se articular visando à sucessão estadual de 1965, com Léo de Almeida Neves lançado como pré-candidato petebista para o Palácio Iguaçu. Membro da Executiva Nacional do PTB, Neves nesse momento destacava-se como a principal liderança trabalhista no Paraná, inclusive sobrepondo-se ao senador Nelson Maculan, presidente da Executiva Estadual.

Em nível nacional, o PTB após o golpe passou a viver um dilema: definir que tipo de relação teria com o governo de Castelo Branco. Nesse sentido, havia dois grupos em embate: os "ortodoxos" (reformistas) - liderados por Doutel de Andrade, líder do PTB na Câmara -, grupo ligado a Jango e que postulava a oposição do partido ao governo militar, denunciando o caráter ditatorial do regime; e os "bigorrilhos" (adesistas, também denominados "dissidência"), que defendiam o apoio a Castelo Branco. Inicialmente, a decisão foi fazer oposição ao governo militar, mas sem o respaldo unânime dos petebistas (D'ARAÚJO, 1996, p. 165-166).

Posteriormente, com a ausência de Jango, Brizola e outras lideranças, ocorreu uma acirrada disputa interna pelo controle do partido: de um lado, os "ortodoxos" (reformistas), que representavam o domínio janguista; de outro, Lutero Vargas, que representava os familiares de Vargas que tentavam recuperar a hegemonia no partido (D'ARAÚJO, 1996, p. 166).53 53 Na Convenção Nacional de 1º de maio de 1965, houve um acordo entre "os Vargas" e os "bigorrilhos", que dividiram os principais cargos de direção. Dessa forma, os janguistas perderam posições (inclusive Léo de Almeida Neves deixou a Executiva Nacional) e Lutero Vargas foi escolhido presidente da Executiva Nacional, em substituição a Baeta Neves (D'ARAÚJO, 1996, p. 166).

Voltando ao âmbito da política paranaense, no segundo semestre de 1964 configurou-se a possibilidade de ser articulada uma grande coalizão oposicionista (UDN-PSD-PTB-PRP-PSP) em torno do nome do ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto (PR) (GAZETA, 18/08/1964, p. 3GAZETA do Povo. Curitiba, 23 fev. 1963; 10 mar. 1963; 20 mar. 1964; 21 mar. 1964; 31 mar. 1964; 1 abr. 1964; 2 abr. 1964; 11 abr. 1964; 15 abr. 1964; 9 jun. 1964; 19 jun. 1964; 18 ago. 1964; 31 mar. 2009.), alternativa que dividia as opiniões entre os petebistas.

Do lado das forças situacionistas, dois nomes despontavam, já há algum tempo, como pré-candidatos: de um lado, Afonso Alves de Camargo Netto54 54 Afonso Alves de Camargo Neto era membro de uma histórica e tradicional família classe dominante do Paraná, pois era neto de Afonso Alves de Camargo, que governou o Paraná entre os anos de 1916 a 1920. Também era sobrinho do ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto. (presidente estadual do PDC e vice-governador do estado);55 55 Em 21 de fevereiro de 1964, a Assembleia Legislativa criou o cargo de vice-governador. No dia 26 de fevereiro foi eleito, pela Assembleia, o primeiro vice-governador do Paraná (DIÁRIO DO PARANÁ, 27/02/1964, p. 1 e 3). de outro, Paulo Pimentel56 56 Paulo Pimentel era integrante da família Lunardelli, grandes proprietários de terras no norte do Paraná, além de proprietários de usinas de açúcar. Nos anos 1960 construiu um império na área da comunicação, com jornais e redes de rádio e televisão (KUNHAVALIK, 2004, p. 325). (secretário de Agricultura), que, inclusive, teve sua candidatura lançada pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN)57 57 De acordo com José Pedro Kunhavalik (2004, p. 325), Paulo Pimentel não era integrante do PDC, mas tinha vinculações com a UDN do norte do estado. Estrategicamente, Pimentel, sabendo a força de Afonso Camargo Neto no interior do PDC, evitou sua filiação por esse partido e articulou sua candidatura por uma sigla menor, o PTN, presidido pelo deputado estadual Aníbal Khuri. ainda em janeiro de 1964 com o objetivo de forçar o apoio do situacionismo ao seu nome (KUNHAVALIK, 2004, p. 325-326KUNHAVALIK, José Pedro. Ney Braga: trajetória política e bases do poder. In: OLIVEIRA, Ricardo Costa (org.). A construção do Paraná moderno: políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004, p. 231-411.).

Entretanto, Ney Braga, juntamente com outros governadores, articulava-se para tentar prorrogar o próprio mandato por mais um ano ou para que as eleições fossem realizadas de forma indireta, por meio da Assembleia Legislativa. Porém, o Marechal Castelo Branco manteve as eleições diretas para governador em 1965. A partir de então, Ney Braga inclinou-se a apoiar a candidatura de Paulo Pimentel.

Na Convenção do PDC, realizada no início de maio de 1965, Ney Braga utilizou todo seu prestígio político em favor da candidatura de Paulo Pimentel, que venceu a disputa de forma apertada, com 838 votos contra 781 de Afonso Camargo Neto. Dessa forma, Pimentel (PTN-PDC) foi lançado como o candidato da situação à sucessão estadual. No entanto, o PDC não ficou coeso em torno da candidatura de Pimentel, uma vez que Afonso Camargo Neto, ressentido com o apoio que Ney Braga dera a Pimentel (que sequer tinha vínculos com o PDC), rompeu com o governador e passou a apoiar a candidatura do seu tio Bento Munhoz da Rocha Neto (KUNHAVALIK, 2004, p. 329-330KUNHAVALIK, José Pedro. Ney Braga: trajetória política e bases do poder. In: OLIVEIRA, Ricardo Costa (org.). A construção do Paraná moderno: políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004, p. 231-411.).

Portanto, no primeiro semestre de 1965 já estavam confirmadas duas candidaturas ao governo do Paraná: do lado oposicionista, o ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto (PR), inimigo político de Ney Braga; do lado situacionista, Paulo Pimentel (PTN-PDC). Porém, ainda faltava definir a posição dos petebistas.

Embora o PTB inicialmente se inclinasse a lançar uma candidatura própria - cujo nome mais forte era o de Léo de Almeida Neves -, o partido optou, na Convenção realizada em junho de 1965, por aderir à coligação em torno de Bento Munhoz da Rocha Neto. Acerca disso, Léo de Almeida Neves lembra que:

O golpe de 1º de abril de 1964 mudou os rumos dos acontecimentos. Com as cassações que tinham atingido o senador Amaury de Oliveira e Silva e os deputados estaduais Waldemar Daros, Walter Pecoits, Leon Naves Barcelos e Luiz Alberto Dalcanale, muitos companheiros do PTB ficaram amedrontados e outros na dúvida sobre se a candidatura própria era o melhor caminho. Como eu não tinha nada a temer, mantive minha candidatura na Convenção do PTB para escolha do candidato a governador em 1965 (NEVES, 2002, p. 260). Para a eleição de governador, em 1965, o senador Nelson Maculan e a maioria da bancada federal e estadual adotaram a tese da coligação em torno do nome do ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto. Os adeptos da coligação com Bento faziam terrorismo junto aos convencionais do PTB, dizendo que sairiam todos presos e cassados do recinto da Assembleia Legislativa, local da Convenção, que seria cercada pelo Exército (NEVES, 2002, p. 262).

Enquanto o PTB decidiu apoiar oficialmente a candidatura de Bento Munhoz da Rocha Neto, a UDN e o PSD mostravam-se bastante divididos, e ambos os partidos não aderiram oficialmente a nenhuma das duas candidaturas. Contudo, a maior parte dos udenistas hipotecou seu apoio a Paulo Pimentel, ao passo que os pessedistas dividiram-se em torno de Pimentel e Rocha Neto, uma vez que os dois candidatos tinham como vices em suas respectivas chapas membros do PSD: Plínio Franco Ferreira da Costa foi o vice de Pimentel, enquanto Rafael Resende foi o de Rocha Neto.

Portanto, Pimentel (PTN) contou com o apoio oficial do PDC e do PL, além da maioria da UDN e de parte do PSD. Por sua vez, Rocha Neto (PR) contou com o apoio oficial do PTB, do PSP, do PRP e do PST, além de uma parte do PSD, de uma minoria da UDN e de uma fração dissidente do PDC.

Nas eleições de 3 de outubro de 1965,58 58 As eleições de 3 de outubro de 1965, nas qual seriam eleitos os novos governadores de 11 estados, foram as últimas eleições diretas aos governos estaduais, uma vez que o Ato Institucional nº 3 (AI-3), de 5 de fevereiro de 1966, estabeleceu que as seguintes seriam indiretas. As eleições diretas para os governos estaduais só retornaram em 1982. Pimentel (PTN-PDC) sagrou-se o novo governador paranaense, com 51,1% dos votos contra 45,1% de Rocha Neto (PR-PTB-PSP-PRP-PTN). Com a vitória de Pimentel, Ney Braga conseguiu derrotar seus dois principais adversários na arena política paranaense: Bento Munhoz da Rocha Neto e o enfraquecido PTB. Dessa forma, consolidou sua força política no Paraná e, gozando de grande prestígio em nível nacional, foi convidado pelo Marechal Castelo Branco a assumir o Ministério da Agricultura no final de 1965.59 59 Posteriormente, Ney Braga foi convidado pelo Marechal Castelo Branco a assumir o Ministério da Agricultura, no final de 1965. Além disso, foi senador (1966-1974), Ministro da Educação do governo Geisel (1974-1978) e novamente governador do Paraná (1978-1982) - desta vez, eleito de forma indireta.

A popularidade e a força política de Ney Braga no Paraná explicam-se por três fatores: primeiro, seu projeto de modernização e industrialização do estado, até então meramente agrícola; segundo, sua participação na "revolução" de 1964; terceiro, pela construção da sua imagem pública como líder competente, bom pai de família, honesto, trabalhador e, sobretudo, católico fervoroso.

Por outro lado, outros dois importantes governadores conspiradores, Magalhães Pinto, em Minas Gerais, e Carlos Lacerda, na Guanabara, não conseguiram eleger seus sucessores. A vitória de Israel Pinheiro da Silva (PSD), em Minas Gerais, e Francisco Negrão de Lima (PSD), na Guanabara, representaram uma séria derrota ao regime militar. Em resposta, os militares decretaram, em 27 de outubro de 1965, o Ato Institucional nº 2 (AI-2) que, entre outras coisas, estabeleceu a eleição indireta para a presidência da República e extinguiu os partidos políticos existentes no País, dando início ao bipartidarismo. Assim, surgiram, de um lado, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido de apoio ao regime; de outro, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição consentida e controlada.

Considerações Finais

Após o agravamento da crise política e do golpe civil-militar de março/abril de 1964, que teve a participação oculta, porém importante, de Ney Braga, o PTB do Paraná sofreu um duro golpe, inclusive com alguns de seus membros cassados, como o senador e ministro do Trabalho Amaury Silva, os deputados estaduais Waldemar Daros (da ala "reformista radical"),60 60 A ala "reformista radical" (ou ala "esquerdista") ganhou evidência dentro do PTB no final dos anos 1950, com a formação do Grupo Compacto. Durante o governo João Goulart, os seus membros adotavam uma postura mais agressiva, em termos programáticos, em relação às adotadas por Jango. Defendiam que o partido deveria adotar um programa mais à esquerda, voltado para a defesa das reformas de base. Também utilizavam um forte discurso anti-imperialista, defendendo políticas nacionalistas mais agressivas, como as encampações de empresas estrangeiras. Seu principal expoente foi Leonel Brizola. Walter Pecoits e Leon Naves Barcelos (da ala "pragmático reformista") - que faziam oposição ao governo de Ney Braga -, entre outros prefeitos e vereadores petebistas do interior do estado. Portanto, se por um lado o golpe de 1964 enfraqueceu o PTB paranaense, por outro lado consolidou a liderança política de Ney Braga no Paraná, tornando-o um político conhecido nacionalmente durante o período de vigência da ditadura militar no País.

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  • TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.
  • TRIBUNA do Paraná. Curitiba, 29 ago. 1961.
  • 1
    Esse rompimento foi visto por Bento Munhoz da Rocha Neto como uma traição política e, a partir de então, ambos tornaram-se inimigos políticos. Um dos principais motivos que levaram ao rompimento entre Ney Braga e Rocha Neto se deve ao fato de este último articular sua candidatura à Câmara Federal em 1958 e a candidatura de Ney Braga à Assembleia Legislativa. Porém, Ney Braga ambicionava concorrer à Câmara Federal e, sem espaço no PR, optou por migrar para o PDC.
  • 2
    De acordo com Lucília de Almeida Neves Delgado (2001, p. 177-178), havia três principais tendências políticas dentro do PTB: 1) Os "getulistas pragmáticos", conformados por burocratas vinculados à estrutura do Estado mediante o Ministério do Trabalho e por sindicalistas ligados ao corporativismo sindical oficial. Sua hegemonia no partido data dos primeiros anos de atuação do PTB, se estendendo de 1945 até, mais ou menos, 1954. Sua principal referência foi o próprio Getúlio Vargas. 2) Os "doutrinários trabalhistas", que eram os intelectuais orgânicos do petebismo e se inscreviam em uma orientação trabalhista socializante, que propugnava maior desvinculação do partido em relação ao Estado. Sua influência no partido começou em torno de 1948, com Alberto Pasqualini, e se estendeu até a década de 1960, com Sérgio Magalhães e San Tiago Dantas. 3) Os "pragmáticos reformistas", que atuaram principalmente a partir da segunda metade dos anos 1950 e amalgamaram em sua prática político-partidária características da tendência getulista e da tendência doutrinária. Seu principal expoente foi João Goulart, porém outros petebistas também se destacaram como líderes desta tendência, como Leonel Brizola.
  • 3
    Entre os petebistas que discordavam do acordo com Ney Braga estavam o jornalista Jorge Mathias Jr., o General Iberê de Mattos, os deputados estaduais Waldemar Daros e João Cernicchiaro, Walter Alberto Pecoits (prefeito de Francisco Beltrão), além de outros prefeitos petebistas do interior (DIÁRIO DA TARDE, 4/11/1961, p. 3).
  • 4
    Assim, Amaury juntou-se a Nelson Maculan, e o PTB passou a deter duas das três cadeiras senatoriais do Paraná.
  • 5
    No entanto, a emenda parlamentarista previa a realização de um plebiscito, com data a ser definida, no qual a população aprovaria ou não a continuidade do sistema.
  • 6
    As reformas de base eram um conjunto de medidas que visavam à alteração das estruturas econômicas, sociais e políticas do País. Entre as principais reformas constavam a bancária, a fiscal, a urbana, tributária, administrativa, agrária, universitária, além da extensão do voto aos analfabetos e oficiais não-graduados das Forças Armadas e a legalização do PCB. O controle do capital estrangeiro e o monopólio estatal de setores estratégicos da economia também faziam parte do programa reformista dos nacionalistas (FERREIRA, 2003b, p. 351-352).
  • 7
    Contudo, a reforma agrária impunha problemas de difícil solução. Como lembra Jorge Ferreira (2003b, p. 349-350), as iniciativas não avançavam principalmente devido ao artigo 141 da Constituição, que previa o "pagamento prévio em dinheiro por desapropriações feitas por interesse público", o que, na prática, inviabilizava, pelos altos recursos a serem despendidos pelo governo, uma ampla redistribuição de terras. E o impasse tendia a acentuar-se com a rejeição dos conservadores em alterar esse artigo constitucional e permitir que o pagamento fosse realizado com títulos da dívida pública, conforme defendiam os reformistas.
  • 8
    No que tange aos direitos trabalhistas e sociais, os trabalhadores rurais somente foram contemplados com tais direitos com a promulgação, em março de 1963, do Estatuto do Trabalhador Rural, projeto de autoria de Fernando Ferrari.
  • 9
    A fundação da Liga Camponesa do Paraná ocorreu em agosto de 1961, durante o II Congresso de Trabalhadores Agrícolas do Paraná, realizado em Maringá, que contou com a participação de Francisco Julião. Em contrapartida, os bispos da região norte passaram a articular a formação da Frente Agrária do Paraná, com o objetivo de combater a influência comunista na região (DIÁRIO DO PARANÁ, 12/08/1961, p. 1).
  • 10
    Sobre o complexo IPES/IBAD, ver especialmente o trabalho de René Dreifuss (1981).
  • 11
    René Dreifuss (1981, p. 314) também menciona a participação do IBAD no movimento sindical paranaense: "O IBAD mostrava-se particularmente ativo no movimento sindical do Paraná, Estado-chave em termos políticos, onde levantava apoio para o governador Ney Braga e onde patrocinava diversos sindicatos e seus líderes".
  • 12
    ADEP: Ação Democrática Popular, que nas eleições de 1962 preparou a lista de candidatos e se responsabilizou em financiar a propaganda eleitoral deles.
  • 13
    Bronislau Ostoja Roguski era filiado a UDN e foi deputado estadual entre 1947-1950 e deputado federal entre 1951-1958.
  • 14
    Manuel Linhares de Lacerda era Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná. Integralista desde a juventude, era filiado ao PRP. Nas eleições de 1958 elegeu-se segundo suplente de deputado federal (o eleito foi Plínio Salgado e o primeiro suplente, Ivan Luz).
  • 15
    Othon Mader era uma das principais lideranças udenistas do Paraná. Foi senador entre 1950-1958 e deputado federal entre 1959-1962. Nas eleições de 1962, por motivos de saúde, optou por não concorrer à reeleição.
  • 16
    De acordo com Moniz Bandeira (2001, p. 99), Jango organizou um ministério de centro-esquerda, nomeando San Tiago Dantas (Fazenda), Celso Furtado (Planejamento), Darcy Ribeiro (Educação), Almino Affonso (Trabalho), João Mangabeira (Justiça), Hermes Lima (Relações Exteriores), Amaury Kruel (Guerra), entre outros.
  • 17
    Segundo Ricardo Antunes (2003, p. 55), o CGT foi, durante o governo de João Goulart, a expressão mais significativa do movimento sindical brasileiro. As linhas mestras da plataforma do CGT eram o nacionalismo, a modernização distributiva e as reformas sociais, traduzidas nas seguintes bandeiras: controle das remessas de lucros para o exterior; restrição aos investimentos estrangeiros; direito de voto aos analfabetos, cabos e soldados; ampliação da organização dos trabalhadores rurais; reforma agrária, urbana, bancária, universitária e da Previdência Social; fortalecimento da presença do Estado na economia e nas empresas nacionais.
  • 18
    Criada no final de 1962/início de 1963, a Frente de Mobilização Popular (FMP) era uma frente suprapartidária que aglutinou os heterogêneos grupos nacionalistas e reformistas: os trabalhistas da ala radical e do Grupo Compacto, o PCB, as Ligas Camponesas, a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e organizações de subalternos das Forças Armadas (como sargentos da Aeronáutica e do Exército e marinheiros e fuzileiros da Marinha). Em suma, a FMP era uma grande coalizão das esquerdas que lutavam pelas reformas de base. Sua principal liderança era Leonel Brizola, que ganhava cada vez mais notoriedade nacional como a grande liderança nacionalista e das esquerdas, defendendo um nacional-reformismo radical e com discursos cada vez mais agressivos (FERREIRA, 2004).
  • 19
    José Pedro Kunhavalik (2004, p. 308) lembra que Ney Braga chamava o grupo liderado por Brizola de "esquerda negativa".
  • 20
    Com a reforma ministerial de junho de 1963 foram nomeados os seguintes ministros: Darcy Ribeiro (Casa Civil), Antônio Ferreira de Oliveira (Minas e Energia), Paulo de Tarso (Educação e Cultura), Abelardo Jurema (Justiça), Evandro Lins e Silva (Relações Exteriores), Amaury de Oliveira e Silva (Trabalho e Previdência Social) e Jair Dantas Ribeiro (Guerra) (DIÁRIO DO PARANÁ, 18/06/1963, p. 1).
  • 21
    À frente do Ministério do Trabalho, Amaury Silva vivenciou um período de eclosão de inúmeras greves, muitas delas catalisadas por motivos políticos. Embora não incentivasse as greves - ao contrário do seu antecessor, Almino Affonso - nem as desaprovasse, Amaury Silva caracterizou-se pela moderação e pela tentativa de dialogar com o movimento sindical. Mais detalhes, ver Erickson (1979).
  • 22
    Inclusive, os jornais paranaenses deram amplo destaque, em tom ufanista, à participação de um paranaense na administração federal depois de quase oito anos - o último ministro paranaense havia sido Bento Munhoz da Rocha Neto, que assumiu a pasta da Agricultura no governo Café Filho, em 1955.
  • 23
    Conforme José Pedro Kunhavalik (2004, p. 309), as declarações de Ney Braga no início de agosto mostram claramente este afastamento.
  • 24
    Nesse sentido, convém lembrar que os três principais líderes do PTB paranaense estavam participando do governo João Goulart: Léo de Almeida Neves, desde novembro de 1961, era diretor do Crédito Agrícola e Industrial (CREAI) do Banco do Brasil; Amaury de Oliveira e Silva foi nomeado ministro do Trabalho, em junho de 1963; e Nelson Maculan foi nomeado presidente do IBC em julho de 1963.
  • 25
    Essa disputa interna entre Amaury Silva e Nelson Maculan foi amplamente divulgada na imprensa paranaense durante o ano de 1963.
  • 26
    Conforme Caio Navarro de Toledo (1983, p. 67), a demissão de Carvalho Pinto, tido como um eficiente administrador, representou o rompimento de um dos últimos elos que a burguesia brasileira ainda mantinha com Goulart.
  • 27
    José Pedro Kunhavalik (2004, p. 311) lembra que Ney Braga considerou a saída de Carvalho Pinto uma "decorrência das pressões de grupos de agitação interessados em manter o clima de intranquilidade no país" e critica João Goulart, que em "apenas dois anos e meio constituiu cinco Ministérios, sempre claudicantes, fruto tão somente de injunções políticas e muito distantes dos supremos interesses nacionais".
  • 28
    Conforme Lucilia de Almeida Neves Delgado (1989, p. 280), os proprietários rurais estavam assolados pelo fantasma da reforma agrária, os empresários estavam indignados com a crescente mobilização e reivindicação dos trabalhos urbanos, enquanto os setores militares conservadores viam na efusão dos movimentos populares, além do perigo da expansão comunista, uma séria ameaça à hierarquia militar, uma vez que sargentos e marinheiros também participavam de inúmeras manifestações reivindicativas.
  • 29
    Em 24 de dezembro de 1963, assinou uma medida que fazia parte das reivindicações das esquerdas, decretando o monopólio da Petrobrás na importação de petróleo e derivados. O decreto impedia sangria considerável de divisas, o que contrariou poderosos investidores norte-americanos (FERREIRA, 2003b, p. 377). Em 17 de janeiro de 1964, assinou outra medida igualmente reclamada pelas esquerdas: a regulamentação da Lei de Remessa de Lucros para o Exterior, que estava engavetada desde meados de 1962 (FERREIRA, 2003b, p. 377).
  • 30
    A Superintendência da Política Agrária (SUPRA) foi criada em novembro de 1962. Tinha por finalidade, dentre outras, planejar e executar a reforma agrária no País.
  • 31
    Acerca da reforma agrária, Jango solicitou uma reforma constitucional que suprimia a exigência do pagamento em dinheiro nas desapropriações, sugerindo que os pagamentos fossem feitos metade em dinheiro e metade em títulos da dívida pública. O presidente solicitou também a extensão do direito de votos aos analfabetos, aos sargentos e praças e a aprovação de um plebiscito para que o povo se pronunciasse em relação às reformas de base - na verdade, Jango pretendia mobilizar o apoio das massas urbanas e rurais para a consecução de seus propósitos (HIPPOLITO, 1985, p. 242-244).
  • 32
    Organizada por movimentos femininos e com a colaboração do governo do estado de São Paulo, de setores da Igreja católica, da FIESP e da Sociedade Rural Brasileira, a Marcha foi encerrada com discursos de deputados do PSD e da UDN contra o governo de Jango (TOLEDO, 1983, p. 99).
  • 33
    Mais detalhes acerca desta manifestação, ver o artigo de Adriano Codato e Marcus Roberto de Oliveira (2004).
  • 34
    No dia 25 de março, mais de 1000 marinheiros e fuzileiros navais reuniam-se no Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, a fim de comemorar o segundo aniversário da proibida Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. O encontro tinha sido proibido pelo ministro da Marinha, Sílvio Mota. Dentre outros, o ato contou com a presença de representantes da UNE, do CGT e de Leonel Brizola. Além de defender as reformas de base, reivindicaram o reconhecimento da Associação, melhor alimentação e reformulação do regulamento disciplinar da Marinha. O encontro foi considerado uma subversão da hierarquia militar, e o ministro da Marinha enviou ao local um destacamento de fuzileiros navais para prender os organizadores da reunião. No entanto, os fuzileiros aderiram ao movimento. Goulart proibiu que as tropas atacassem o sindicato, o que deixou os oficiais da Marinha indignados e levou o ministro da Marinha, Sílvio Mota, a renunciar ao cargo. Goulart enviou Amaury Silva, ministro do Trabalho, para negociar com os marinheiros, que foram convencidos a se entregar. Levados presos a um quartel, poucas horas depois foram anistiados pelo novo ministro da Marinha, o almirante Paulo Márcio Rodrigues, de 69 anos, presidente do Tribunal Marítimo, homem de esquerda e de confiança do CGT. A sublevação dos marinheiros, a anistia e a nomeação de um novo ministro atingiram a alta oficialidade das Forças Armadas como uma "verdadeira bomba". O Clube Militar e o Clube Naval denunciaram com veemência o "ato de indisciplina acobertado pela autoridade constituída, destruindo o princípio da hierarquia". Assim, estava selada a sorte de Goulart (TOLEDO, 1983, p. 101-102; FERREIRA, 2003b, p. 387-391).
  • 35
    O General Dario Coelho ocupava o comando interinamente, pois o General Silvino Castor da Nóbrega, oficial legalista, estava de férias no Rio de Janeiro. Segundo José Carlos Dutra (2004, p. 198-199), o General Nóbrega dividia opiniões: "alguns consideravam-no muito próximo das esquerdas e defensor das reformas propostas pelo governo; outros consideravam-no um militar extremamente profissional, disciplinado e legalista". Era ex-combatente da 2ª Guerra Mundial e, segundo algumas opiniões, não muito dado às questões políticas.
  • 36
    Em 2009, na época da entrevista, Ítalo Conti ocupava o posto de General reservista.
  • 37
    Apesar de algumas pessoas próximas a Jango desaconselharam sua participação no evento - que contaria com a presença não apenas de sargentos, mas também de marinheiros e fuzileiros navais, mistura naquele momento explosiva e que poderia ser interpretada como uma provocação às Forças Armadas -, Jango optou por comparecer. Mais detalhes, ver Ferreira (2011, p. 454-462).
  • 38
    Tratava-se da "Operação Popeye", cujo objetivo era entrar na Guanabara e tomar o prédio do Ministério da Guerra (FERREIRA, 2011, p. 470).
  • 39
    Na costa brasileira estavam o porta-aviões Forrestal, destróieres de apoio com mísseis teleguiados, navios abarrotados de armas, munições e mantimentos, além de quatro petroleiros. A força-tarefa contava com sete aviões de transporte, cada um carregando 110 toneladas de armas, oito aviões de caça e oito aviões tanques, além de um outro de comunicações (BANDEIRA, 2001, p. 173).
  • 40
    Sobre a Operação Brother Sam, ver o trabalho de Carlos Fico (2008).
  • 41
    Mais detalhes, ver Jorge Ferreira (2003b e 2011).
  • 42
    Um documento denominado Relatório da 5ª Região Militar e 5ª Divisão de Infantaria concernente ao movimento militar de 31 de março de 1964, relata a prisão, por discordarem da posição assumida pelo Comandante, dos tenentes-coronéis Paulo de Moraes e Flávio Dias de Castro - ambos ocupavam funções administrativas no Comando da 5ª Região Militar. O mesmo documento relata, também, a prisão do Coronel Alcides do Amaral Barcelos e do Tenente-Coronel Edson Giordano de Medeiros, ambos do CPOR, sob a acusação de exercerem militância política em partidos de esquerda, em que defendiam abertamente as reformas governistas e por terem discordado da posição adotada pelo General Dario (DUTRA, 2004, p. 198).
  • 43
    Posteriormente, o governador Ney Braga elogiou publicamente a atuação do General Dario Coelho. Ver: Ney salienta atuação de Dario Coelho: honra à tradição do Exército Nacional (DIÁRIO DO PARANÁ, 02/04/1964, p. 3).
  • 44
    Ver, por exemplo, os trabalhos de Carlos Fico (2004) e Jorge Ferreira (2011), entre outros.
  • 45
    Entrevista realizada em 15 de outubro de 2013 em Curitiba.
  • 46
    Em 1972, Amaury retornou ao Brasil. Segundo seu depoimento a Milton Ivan Heller (1988, p. 90): "Fiquei no Uruguai até setembro de 1972 e, em março de 1973, quando tentava reiniciar minhas atividades profissionais como advogado de uma firma paulista em Londrina, fui preso por um capitão que servia em Apucarana. Ele invadiu a casa do meu irmão, Adhemar, e eu fui parar em Porto Alegre, onde fiquei incomunicável durante 23 dias, no 12º Rec-Mec. Um cubículo de dois por três metros, um catre e mais nada, e eu sem saber se havia ou não alguma acusação contra mim. A porta gradeada fechada a cadeado. Quando iam levar comida era um aparato de homens armados de metralhadora [...]. Uma loucura. Pedi livros e revistas e não me atenderam. Para passar o tempo eu arrumava e desarrumava a cama, andava dentro da cela, fazia flexões até cansar e dormia o máximo que podia. Depois de uns seis dias começaram os interrogatórios, completamente vazios. Queriam saber os meus contatos no exílio e uma porção de baboseiras. Depois de 23 dias me mandaram embora, de volta para Curitiba, e eu fiquei sem saber o porquê daquela prisão". Amaury morreu em novembro de 2002.
  • 47
    Após o golpe, ocorreu um encontro dos governadores golpistas na Guanabara, cujo objetivo era indicar um nome para candidato à presidência da República. O governador Ney Braga apoiou a candidatura do Marechal Castelo Branco. Em retribuição ao apoio recebido de Ney Braga, Castelo Branco concedeu ao governador paranaense a indicação de um ministério para o Paraná. Ney Braga indicou Flávio Suplicy de Lacerda, então reitor da Universidade do Paraná e grande defensor da "revolução", para assumir o ministério da Educação e Cultura. Também por influência de Ney Braga, Leônidas Lopes Borio, então presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico do Paraná (CODEPAR), é indicado para assumir a presidência do IBC (KUNHAVALIK, 2004, p. 323-324).
  • 48
    No entanto, convém salientar que os nove membros da bancada do PTB paranaense na Câmara se abstiveram de votar em Castelo Branco, aderindo à orientação do deputado Doutel de Andrade, líder do partido na Câmara. Inclusive a posição da bancada do PTB do Paraná gerou bastante repercussão e foi uma surpresa, uma vez que - mesmo sendo considerada uma das bancadas trabalhistas mais conservadoras da casa - foi a única a seguir integralmente a orientação de Doutel de Andrade. Já entre os senadores do PTB paranaense, Rubens de Mello Braga (suplente do cassado Amaury de Oliveira e Silva) não compareceu à sessão, enquanto Nelson Maculan sufragou em favor de Castelo Branco (DIÁRIO DO PARANÁ, 14/04/1964, p. 3).
  • 49
    João Simões foi cassado sob a acusação de corrupção e peculato.
  • 50
    Abilon de Souza Naves foi a principal liderança trabalhista do Paraná na década de 1950, eleito senador em 1958. Presidiu o PTB paranaense por mais de 10 anos (1948-1959). Faleceu em dezembro de 1959.
  • 51
    A popularidade e a força política de Ney Braga no Paraná explicam-se por três fatores: primeiro, o seu projeto de modernização e industrialização do estado, até então meramente agrícola; segundo, a sua participação na "revolução" de 1964; terceiro, pela construção da sua imagem pública como líder competente, bom pai de família, honesto, trabalhador e, sobretudo, católico fervoroso.
  • 52
    De um total de 16 membros, a Executiva Estadual do PTB perdeu quatro: Amaury Silva (primeiro vice-presidente), Walter Pecoits (segundo vice-presidente), Leon Naves Barcelos (primeiro secretário) e Luiz Alberto Dalcanale (terceiro secretário).
  • 53
    Na Convenção Nacional de 1º de maio de 1965, houve um acordo entre "os Vargas" e os "bigorrilhos", que dividiram os principais cargos de direção. Dessa forma, os janguistas perderam posições (inclusive Léo de Almeida Neves deixou a Executiva Nacional) e Lutero Vargas foi escolhido presidente da Executiva Nacional, em substituição a Baeta Neves (D'ARAÚJO, 1996, p. 166).
  • 54
    Afonso Alves de Camargo Neto era membro de uma histórica e tradicional família classe dominante do Paraná, pois era neto de Afonso Alves de Camargo, que governou o Paraná entre os anos de 1916 a 1920. Também era sobrinho do ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto.
  • 55
    Em 21 de fevereiro de 1964, a Assembleia Legislativa criou o cargo de vice-governador. No dia 26 de fevereiro foi eleito, pela Assembleia, o primeiro vice-governador do Paraná (DIÁRIO DO PARANÁ, 27/02/1964, p. 1 e 3).
  • 56
    Paulo Pimentel era integrante da família Lunardelli, grandes proprietários de terras no norte do Paraná, além de proprietários de usinas de açúcar. Nos anos 1960 construiu um império na área da comunicação, com jornais e redes de rádio e televisão (KUNHAVALIK, 2004, p. 325).
  • 57
    De acordo com José Pedro Kunhavalik (2004, p. 325), Paulo Pimentel não era integrante do PDC, mas tinha vinculações com a UDN do norte do estado. Estrategicamente, Pimentel, sabendo a força de Afonso Camargo Neto no interior do PDC, evitou sua filiação por esse partido e articulou sua candidatura por uma sigla menor, o PTN, presidido pelo deputado estadual Aníbal Khuri.
  • 58
    As eleições de 3 de outubro de 1965, nas qual seriam eleitos os novos governadores de 11 estados, foram as últimas eleições diretas aos governos estaduais, uma vez que o Ato Institucional nº 3 (AI-3), de 5 de fevereiro de 1966, estabeleceu que as seguintes seriam indiretas. As eleições diretas para os governos estaduais só retornaram em 1982.
  • 59
    Posteriormente, Ney Braga foi convidado pelo Marechal Castelo Branco a assumir o Ministério da Agricultura, no final de 1965. Além disso, foi senador (1966-1974), Ministro da Educação do governo Geisel (1974-1978) e novamente governador do Paraná (1978-1982) - desta vez, eleito de forma indireta.
  • 60
    A ala "reformista radical" (ou ala "esquerdista") ganhou evidência dentro do PTB no final dos anos 1950, com a formação do Grupo Compacto. Durante o governo João Goulart, os seus membros adotavam uma postura mais agressiva, em termos programáticos, em relação às adotadas por Jango. Defendiam que o partido deveria adotar um programa mais à esquerda, voltado para a defesa das reformas de base. Também utilizavam um forte discurso anti-imperialista, defendendo políticas nacionalistas mais agressivas, como as encampações de empresas estrangeiras. Seu principal expoente foi Leonel Brizola.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2014
  • Aceito
    16 Mar 2015
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