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Os lugares e os caminhos que celebram um beato: peregrinando pela Causa da canonização de José de Anchieta

The places and ways which celebrate a beatified person: going on a pilgrimage for the Cause of the canonization of José de Anchieta

Resumos

Este artigo tem como objetivos analisar o surgimento de caminhos de peregrinação, que evocam a experiência missionária e mística do jesuíta José de Anchieta, e apontar para a sua estreita vinculação com a criação de lugares de memória a ele associados e com a Causa de sua canonização.

José de Anchieta; Caminhos de peregrinação; Canonização


The aim of this article is to analyze the emergence of ways of pilgrimage which recollect the Jesuit José de Anchieta's mystic and missionary experience and point at his narrow linking with the creation of places of recollection associated to him and with the Cause of his canonization.

José de Anchieta; Ways of pilgrimage; Canonization


DOSSIÊ: HISTÓRIA E RELIGIOSIDADES

Eliane Cristina Deckmann FleckI; Rafael KasperII

IProfessora Titular - Programa de Pós-Graduação em História - UNISINOS - Univ. do Vale do Rio dos Sinos - Av. Unisinos, 950, CEP: 93022-000 - São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Email: efleck@unisinos.br

IIMestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História - UNISINOS - Univ. do Vale do Rio dos Sinos - Av. Unisinos, 950, CEP: 93022-000 - São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Bolsista CAPES. Email: rflkasper@ibest.com.br

RESUMO

Este artigo tem como objetivos analisar o surgimento de caminhos de peregrinação, que evocam a experiência missionária e mística do jesuíta José de Anchieta, e apontar para a sua estreita vinculação com a criação de lugares de memória a ele associados e com a Causa de sua canonização.

Palavras-Chave: José de Anchieta; Caminhos de peregrinação; Canonização.

ABSTRACT

The aim of this article is to analyze the emergence of ways of pilgrimage which recollect the Jesuit José de Anchieta's mystic and missionary experience and point at his narrow linking with the creation of places of recollection associated to him and with the Cause of his canonization.

Keywords: José de Anchieta; Ways of pilgrimage; Canonization.

1. A Causa da canonização de Anchieta: sobre lugares de memória e milagres

O processo de beatificação do missionário jesuíta José de Anchieta1 1 José de Anchieta nasceu em Tenerife, uma das ilhas do arquipélago das Canárias. Foi um menino de saúde frágil, mas isto não o impediu de ser um brilhante aluno. Aos 17 anos, ingressou na Companhia de Jesus e, dois anos após, foi ordenado padre e enviado para o Novo Mundo. Chegou à Bahia em 13 de julho de 1553, juntamente com a comitiva de Duarte da Costa, segundo Governador Geral. No mesmo ano, foi enviado para a Capitania de São Vicente, atual estado de São Paulo. Morreu aos 63 anos de idade, sendo que seus restos mortais foram trasladados para a Bahia, em 1611, e, posteriormente, algumas relíquias foram encaminhadas a Roma para dar início ao processo de canonização, que ainda não está concluído. teve início, oficialmente, em 1624, sofrendo sua primeira paralisação entre 1634 e 1647, devido a mudanças na Legislação Canônica. Três anos depois, a Causa foi retomada, ocasião em que Anchieta recebeu o título de "Servo de Deus". Entre 1668 e 1702, ocorreu nova paralisação por solicitação da própria Ordem, provavelmente, pela falta de recursos financeiros decorrentes de "problemas internos da Companhia de Jesus no Brasil". Em 1736, o processo avançou e Anchieta recebeu o título de "Venerável", que antecede ao de "Beato". Em 1773, a Companhia de Jesus foi extinta e a Causa de Anchieta foi interrompida novamente, sendo retomada apenas em 1883. Anchieta, contudo, foi beatificado somente em 1980, por iniciativa do Papa João Paulo II, pelo conjunto de sua obra.2 2 Sobre as fases do processo, Hugo Soares afirma que: "O santo surge a partir de uma série de etapas bem definidas. [...] Primeiramente, o candidato a santo, ganha o título de 'servo de Deus'. Isso quer dizer que o processo de beatificação ou canonização foi aceito pela 'Congregação Para as Causas dos Santos', um departamento do Vaticano responsável pela criação do santo em si. Se, com a leitura do material enviado ao Vaticano, suas atitudes heroicas de bom cristão forem confirmadas pelos profissionais responsáveis pela produção do santo, o servo de Deus passa a ser chamado de 'Venerável'. Nesta etapa, ainda não pode haver culto público ao candidato. [...] A partir deste momento, para que o processo continue a caminhar, deve ser provada a existência de um milagre realizado por intermédio do venerável em questão. [...] Se o milagre esperado é aprovado, o venerável ascende ao grau de 'beato'. O beato já pode ser cultuado, mas com restrições. Somente sua família religiosa ou seus conterrâneos têm direito para isso. [...] Para que um beato se torne santo, outro milagre de primeira grandeza deve ser comprovado e outro processo diocesano (local) deve ser iniciado. O trabalho é enorme, bastante demorado e demanda grandes investimentos financeiros" (SOARES, 2007, p.5-6).

Desde o século XVI, a Companhia de Jesus almejou a beatificação de José de Anchieta, empenhando-se no levantamento de informações e comprovações para o processo e estimulando a produção das primeiras biografias sobre o missionário jesuíta. Em meados da década de sessenta, a Causa foi assumida por membros da alta hierarquia da Igreja Católica no Brasil, por autoridades governamentais civis e militares e por leigos católicos que, através de uma série de iniciativas, procuraram resgatar a imagem de José de Anchieta e retomar a Causa de sua beatificação.3 3 Sobre esta temática, conferir os artigos FLECK, Eliane Cristina Deckmann. Notas de Pesquisa. Salvaguardando o princípio da moralidade e a integridade da nação: a apropriação de Anchieta pelo regime militar. In: História Unisinos, v. 11, nº 2 - maio/agosto de 2007, p. 278-281; FLECK, Eliane Cristina Deckmann. Dos fins da política e da religião: o pensamento anchietano e sua apropriação pelo Regime Militar. Metis, v. 5. nº 1, 2006, p. 231-252; FLECK, Eliane Cristina Deckmann; KASPER, Rafael. Anchieta: uma imagem a serviço de vários altares. Territórios e Fronteiras (UFMT), v. 2, p. 1-22, 2009; FLECK, Eliane Cristina Deckmann; KASPER, Rafael. O Dia de Anchieta: "para retemperar a fé e reforjar os sentimentos de brasilidade". Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano II, n. 5, Set. 2009. A despeito desses esforços, o processo se arrastou por mais de 360 anos, alcançando êxito somente após a eliminação da condição de comprovação - nos processos de beatificação - de milagres previstos pelo Código de Direito Canônico.

A 22 de junho de 1980, foram beatificados - sem a comprovação da realização de milagres - José de Anchieta, Pedro de San José Bethancourt,4 4 Natural das Ilhas Canárias, no século XVI, foi missionário na Guatemala, sendo o fundador da Congregação Betlemita. François de Montmorency-Laval,5 5 Natural da França, Montmorency-Laval foi vigário apostólico no Canadá. María de Encarnación Guyart6 6 Francesa, foi a fundadora das Missioneiras Ursulinas no Canadá. e Kateri Tekakwitha, todos eles religiosos que atuaram no continente americano durante o período da colonização, tendo exercido papel importante na catequização dos povos nativos. A beatificação desses "Servos de Deus" foi fundamentada no exemplo de conduta cristã desses religiosos, não observando a regra da comprovação dos milagres prevista no Código de Direito Canônico. Este veio a ser alterado em 1983, com a introdução de uma nova categoria de beato - a de não milagreiro - desde que fosse um católico respeitado pelo conjunto de sua obra. A valorização da atuação exemplar de alguns religiosos atesta a preocupação de João Paulo II em reaproximar os fiéis da Igreja e em definir um modelo de conduta moral católica. Ao modificar o Código de Direito Canônico,7 7 Sobre as motivações de tal mudança, o Papa argumenta que: "Após as mais recentes experiências, nos pareceu oportuno revisar a forma e o procedimento de instrução das causas e estruturar a mesma Congregação para as Causas dos Santos, de tal maneira que sejam satisfeitas as exigências dos peritos e os desejos de nossos irmãos no Episcopado, que várias vezes solicitaram a simplificação das normas, protegendo naturalmente a solidez das investigações em um assunto de tamanha importância. Julgamos também, à luz da doutrina colegial proposta pelo Concílio Vaticano II, que é muito conveniente que os mesmos bispos estejam mais associados à Sé Apostólica no estudo das causas dos santos" (JOÃO PAULO II, 2010, p.2). o Papa visou o incremento e a divulgação de exemplos de vida cristã, permitindo que também os leigos fossem elevados à glória dos altares, mediante a observância dos valores cristãos em vida. Nesse sentido, o caráter taumatúrgico que vinha sendo enfatizado e respeitado, até então, nos processos de beatificação e de canonização foi abandonado.8 8 "Os santos de hoje foram crescentemente humanizados, são pessoas que viveram intensamente como bons cristãos, de acordo com o julgamento dos defensores das causas, aos quais associam-se cada vez menos esses acontecimentos de cunho extraordinário" (PEIXOTO, 2006, p.212). Em trabalho recente, a historiadora Maria Cristina Leite Peixoto caracterizou esses santos como "santos da porta ao lado", evidenciando essa mudança na direção dos processos.

À beatificação de José de Anchieta, em Roma, seguiu-se uma visita do Papa ao Brasil, evento que teve grande destaque na imprensa nacional e internacional. A revista Veja, por exemplo, divulgou que a beatificação do missionário jesuíta representava um trunfo político para o Papa, na medida em que, além de atender a uma "aspiração nacional", reafirmava - através do ato simbólico - a condição de país "tradicionalmente católico", numa resposta à ascensão das Igrejas neopentecostais.

Para a perpetuação de uma memória do missionário jesuíta muito contribuiu a edificação e a conservação de lugares de memória9 9 Empregamos o conceito de lugares de memória na acepção de Pierre Nora, para quem são "lugares, com efeito, nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional, simultaneamente, somente em graus diversos. Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é um lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual" (NORA, 1993, p.21). por iniciativa dos governos municipal e estadual, sobretudo de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, e que, em grande medida, remetem aos poderes místicos e taumatúrgicos de José de Anchieta. Dentre eles, podemos destacar o Santuário Nacional de Anchieta (ES), a Biquinha de Anchieta em São Vicente (SP), o Monumento Anchieta em Ubatuba (SP), o monumento Anchieta, Apóstolo do Brasil na Praça da Sé, a Biblioteca Padre José de Anchieta, a pintura em azulejo na Rua da Consolação e o Museu Anchieta no Pátio do Colegio, na cidade de São Paulo.

Em relação à Biquinha de Anchieta, sabe-se que foi criada em 1553, com a chegada dos jesuítas em São Vicente. Um ano após a fundação de São Paulo de Piratininga, em 1555, Anchieta começou a frequentar o lugar, para nele catequizar os indígenas e realizar seus atos teatrais, razão pela qual passou a denominar-se Biquinha de Anchieta. Em 1850, para abrigar a bica, foi construído um rústico e singelo paredão, que se manteve até meados do século XX. A 19 de março de 1933, o missionário jesuíta foi alvo de homenagem pelo transcurso do aniversário de seu nascimento, tendo sido inaugurada uma placa de bronze no local com a seguinte inscrição: "Joseph Anchieta foi reitor do Colégio de São Vicente, evangelizador da Capitania de Martim Afonso, dramaturgo e herói". A 27 de janeiro de 1943, foi inaugurado um painel de mosaico português que retratava a missão de Anchieta entre os índios, e que, infelizmente, foi depredado no mesmo ano, razão pela qual um novo mosaico de azulejos foi inaugurado quatro anos depois. Uma estátua - em tamanho natural - do Padre José de Anchieta - que o retrata no momento em que escrevia o Poema da Virgem - foi erguida na Praça da Biquinha. Afixada nela, encontra-se uma placa onde se lê: "Só a heróis compete tanta glória". O local - com forte apelo turístico e religioso - recebe milhares de frequentadores todos os anos, atraídos à cidade de São Vicente, em virtude de suas águas terapêuticas.

O Santuário Nacional de Anchieta localiza-se na antiga Aldeia de Reritiba, palco da atuação missionária jesuítica e núcleo histórico da atual cidade de Anchieta, no sul do Espírito Santo, a aproximadamente 80 km da capital, Vitória. Com a expulsão da Companhia de Jesus em 1759, a Coroa portuguesa alterou a denominação da Vila para Vila Benevente. Após algumas reformas, a igreja construída pelos jesuítas passou a ser a Matriz Paroquial, enquanto que a Residência assumiu as funções de Casa de Câmara da Vila de Benevente e de Cadeia Pública, além de servir como moradia para o vigário e o juiz. A partir da segunda metade do século XIX, o pátio interno da Residência foi usado como Cemitério da cidade. Em 1928, por iniciativa do bispo, a Residência foi devolvida, mediante compra da Prefeitura, aos padres e irmãos jesuítas, que retomaram a missão apostólica e catequética na região. Em 1943, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) promoveu o tombamento do conjunto arquitetônico, reconhecendo sua importância para a Memória Nacional, mas somente em 1994, teve início o Programa de Restauração do Conjunto Jesuítico de Anchieta, com vistas a conservação do monumento e o resgate das características marcantes da construção original. O Santuário abriga a cela em que Anchieta veio a falecer em 09 de junho de 1597, bem como uma de suas relíquias - um pedaço de osso da tíbia do beato - invocada pelos devotos para proteção e para a realização de milagres.

O local abriga também o Museu Padre Anchieta, criado em 1965, para preservar imagens e objetos litúrgicos da igreja que se encontravam fora de uso. Peças de várias épocas estão reunidas no acervo de Arte Sacra que se encontra na primeira sala do Museu. A sala 2 refere-se à arqueologia tanto do Santuário, quanto do pátio interno da Residência dos Jesuítas, onde foram enterrados alguns habitantes ilustres da Vila de Benevente, na segunda metade do século XIX. Na sala 3, denominada Sala Padre Anchieta, encontra-se o material referente ao Beato: sua história, suas obras, bem como documentos relativos ao seu processo de beatificação e de canonização, tais como o abaixo-assinado da solicitação da instituição do Dia de Anchieta - que veio a ser criado por decreto federal, em 1965, - e um outro - encaminhado ao Santo Padre - cuja motivação era o pedido pela beatificação do Pe. José de Anchieta. Junto ao Santuário se encontra, ainda, o Poço Sagrado do Coimbra, que teria sido aberto por Anchieta durante um período de terrível seca e que, milagrosamente, teria conseguido abastecer a vila e as aldeias próximas.

O monumento Fundadores de São Paulo tem seu projeto e edificação vinculados às comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1954, e às disputas sobre quem, efetivamente, havia fundado a cidade: se havia sido José de Anchieta, um espanhol das Canárias, ou o português Manuel da Nóbrega. Enquanto a colônia portuguesa de São Paulo empenhava-se na arrecadação de verbas para a construção de um monumento que celebraria o padre Manuel da Nóbrega, o padre José de Anchieta era alvo de homenagens, com a instalação de uma estátua na Praça da Sé, no ano de 1954.

Foi somente a 18 de outubro de 1962, aniversário da morte de Manuel da Nóbrega, que ocorreu o lançamento da pedra fundamental desse monumento na praça Clóvis Bevilacqua. A inauguração estava prevista, inicialmente, para o dia 25 de janeiro de 1963, mas contratempos provocaram o seu adiamento. O monumento foi, finalmente, inaugurado em 30 de março de 1963, na presença do então Governador de São Paulo, Adhemar de Barros, do Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, do embaixador de Portugal, João de Deus Ramos e do Prefeito Prestes Maia. Os historiadores Pedro Calmon, Reitor da Universidade do Brasil, e Tito Lívio Ferreira proferiram discursos sustentando a hipótese de que a cidade de São Paulo havia sido fundada por Nóbrega.

Com cerca de 5 metros de altura, a obra consiste de uma base revestida de granito rosa Itu, com dois painéis de bronze em relevo, reproduzindo cenas da fundação de São Vicente e a Primeira Missa. Sobre a base, oito estátuas representando índios, portugueses e mestiços - personagens considerados como fundamentais para a fundação de São Paulo - em total harmonia. À frente do grupo, em destaque, está o Padre Manuel da Nóbrega, homenageado como o verdadeiro fundador da cidade. À sua esquerda, estão Anchieta, um curumim e o Padre Manuel de Paiva, que oficiou a primeira missa. À direita de Nóbrega, estão o português João Ramalho e a índia Bartira, sua esposa, que leva no colo o filho do casal - o primeiro mestiço - seguido de seu pai, o cacique Tibiriçá, ao lado de quem se encontra Martim Afonso de Souza. Do centro emerge uma grande cruz, simbolizando a fé do povo paulista.

Em virtude da construção da estação de metrô na Sé e da abertura da nova Praça da Sé, que abarcou a antiga Praça Clóvis, o monumento do Fundadores foi transferido para a rua Padre Manoel da Nóbrega, ao lado da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Assim como outras obras de arte da cidade, o monumento tem sofrido com pichações e depredações. Em 2004, técnicos do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo constataram que um dos painéis laterais do pedestal havia sido furtado; um outro estava com as bordas soltas, indicando que alguém havia tentado arrancá-lo, razão pela qual, numa medida preventiva, o painel foi retirado e levado para um depósito. Em 2008, Fundadores de São Paulo foi um dentre os trinta monumentos da cidade de São Paulo selecionado para ter patrocinada sua restauração pela empresa Votorantim, em função das comemorações de seus noventa anos.

Já o monumento Pe. José de Anchieta, Apóstolo do Brazil - mencionado anteriormente - foi erguido por iniciativa do Grupo Sul-América, que resolveu doar à cidade um monumento em homenagem ao Padre José de Anchieta, em função dos festejos do IV Centenário da fundação da cidade de São Paulo, em 1954. O local escolhido para sua instalação foi a Praça da Sé, junto ao Pátio do Colégio dos jesuítas. Comunidade e autoridades participaram da inauguração que ocorreu no dia 9 de dezembro de 1954, na qual discursaram o presidente da Federação dos Antigos Alunos do Colégio dos Jesuítas, o presidente da empresa doadora do monumento e o vice-prefeito da cidade. A apresentação de corais e a celebração de uma missa campal lembraram a primeira missa ocorrida no planalto de Piratininga.

A obra, de autoria do italiano Heitor Usai, compõe-se de uma grande estátua de bronze de Anchieta sobre pedestal revestido de granito, com altura total de 10 metros. Ao redor do pedestal, figuras de bronze em relevo destacam momentos de sua vida: como acólito na missa de fundação do Colégio de Piratininga, como mestre-escola, alfabetizando curumins, e como o apaziguador que protegeu a Vila de São Paulo dos ataques indígenas. No final da década de 1950, uma placa de bronze informando o nome da obra e de seu autor foi colocada na base do monumento, e que, infelizmente, está desaparecida desde 2003.

Segundo os documentos do processo de implantação do monumento disponíveis na Sessão Técnica de Levantamento e Pesquisa da Divisão de Preservação do Departamento do Patrimônio Cultural de São Paulo10 10 Agradecemos à socióloga Fátima Antunes, responsável por esta Sessão, pelo envio destes documentos. , a Sul América Companhia Nacional de Seguros de Vida procurou, a 12 de março de 1953, o então prefeito da cidade, Sr. Jânio Quadros, para acertar a construção do monumento, oferecendo a verba de um milhão e quinhentos mil cruzeiros "a esta homenagem" e indicando tanto o escultor que se responsabilizaria pela obra, quanto o local de sua instalação, a Praça da Bandeira. Em 6 de maio de 1953, a Sul América ratificou, formalmente, suas intenções de colaborar com as comemorações do aniversário da cidade de São Paulo, ao encaminhar correspondência à Prefeitura, em que reafirmava o propósito da doação de verba também pela Sul América Capitalização, Sul América Terrestres, Marítimos e Acidentes e Banco Hipotecário Lar Brasileiro S.A..

A proposição de instalação do monumento na Praça da Bandeira foi, desde logo, questionada, já que havia a previsão de sua remodelação, o que implicaria na remoção da estátua, caso fosse de fato posta ali, acarretando novas despesas. Foram sugeridos, então, outros dois lugares: o arruamento A-406, limitado pelas ruas Independência e Av. D. Pedro I, no Bairro Ipiranga, e a Praça Nina Rodrigues. Ambos, no entanto, foram considerados locais muito isolados, motivando a indicação da Praça Estrela, por ser "centralíssima e situada ao pé da Colina Histórica, sobre a qual nasceu a nossa São Paulo, justamente por obra do Venerado Padre".11 11 Processo nº 2001-0.194.472-8 (nº de capa 46.509/1953). Arquivo Municipal de Processos (Piqueri). O Diretor do Departamento de Urbanismo Rogério Cezar Filho, no entanto, apresentou uma restrição à Praça da Estrela, ponderando que "com as limitadas proporções estabelecidas para o monumento, altura máxima e base da ordem de 10 e 2 ½ metros respectivamente nenhuma situação seria mais aconselhável que a própria Praça da Sé, quer pela conexão histórica com a colina central, quer pelo sentido da origem da cidade em torno de uma igreja, ali localizado hoje o templo o que deve ser naturalmente o ponto de referência".12 12 Processo nº 3421 (1954). Arquivo Histórico Municipal - Fundo Quartocentenário.

Em correspondência de 9 de fevereiro de 1954, encaminhada ao prefeito Jânio Quadros, o Secretário de Obras João Caetano Alvares Júnior sugeriu cinco possíveis logradouros para a instalação da estátua do Pe. José de Anchieta: Praça das Bandeiras, confluência da Rua Independência com a Av. D. Pedro I, a Praça Nina Rodrigues, a Praça Estrela e a Praça da Sé, tendo sido esta última a localização escolhida pelo prefeito. Considerando que o monumento - de 70 toneladas - já se encontrava pronto, sua inauguração só estava na dependência das fundações e da montagem, despesas que deveriam ser assumidas pela prefeitura.13 13 Estas despesas, segundo os documentos que consultamos, foram orçadas em oitenta e cinco mil cruzeiros. Através da Lei nº 4.544, de 31 de agosto de 1954, - decretada e promulgada pelo vice-prefeito em exercício, Sr. José Porphyrio da Paz -, o Executivo autorizava a instalação do monumento - em homenagem a José de Anchieta - na Praça da Sé. Sua inauguração, no entanto, ocorreu apenas em 9 de dezembro de 1954.

Quanto ao Poço bento de Magé, sabe-se, a partir de relato feito pelo padre Murilo Moutinho, que a fonte havia sido abençoada pelo padre Anchieta, e que este recomendava aos adoentados que consumissem de sua água:

Muito doente de asma, de que [Baltazar Martins Florença, mestre de açúcar do engenho de Cristóvão de Barros em Magé] era enfermo havia muito tempo, lhe dissera lá o dito padre José que bebesse água de uma fonte que lá está, pegada com o engenho, coberta com uma abóboda, e que rezasse cinco padres-nossos e cinco ave-marias à honra das cinco chagas e logo seria são (grifo nosso) (MOUTINHO, 1999, p.105-106).

O poço ficou por muitos anos abandonado, tendo sido resgatado apenas em 1962, por iniciativa de Danton Jobim, diretor e redator-chefe do Diário Carioca, que responsabilizou-se pelo lançamento da Campanha em prol da canonização do beato José de Anchieta. De acordo com o Pe. Moutinho, o jornalista Victor Zappi, responsável pelos eventos e promoções do Diário Carioca, foi incumbido de planejar e executar a Campanha para o jornal. A partir de indicações dadas pelo padre Helio Abranches Viotti, principal biógrafo de Anchieta, Zappi localizou, na cidade de Magé, um poço que supostamente havia sido abençoado por Anchieta em meados do século XV (MOUTINHO, 1999, p.106). O jornalista publicou uma extensa reportagem, denunciando o estado de abandono do poço, o que acabou levando as autoridades municipais a realizarem a limpeza do local e o calçamento do entorno do poço (MOUTINHO, 1999, p.106-107). Reforçando a crença nos poderes taumatúrgicos de Anchieta, Zappi chegou a declarar, em 1996, que, após ter colocado algumas gotas da água em sua nuca, durante uma missa realizada no local em 1980, havia se curado de suas fortes dores de cabeça (MOUTINHO, 1999, p.107).

Essa breve incursão nos lugares erguidos em memória de Anchieta revela a consagração de uma visão elogiosa do missionário, em consonância com a imagem de Apóstolo do Brasil e Taumaturgo da Pátria, difundida, sobretudo, em cidades do Sudeste, e entre paulistas, cariocas e capixabas. Os lugares de memória ou os monumentos, apesar de instituídos ou erigidos em diferentes épocas, resgataram as representações mais recorrentes sobre o missionário: a de fundador de São Paulo, a de colaborador da fundação da cidade, a de catequizador e gramático, de herói da nacionalidade brasileira, de místico e de santo. Muitos deles têm seu resgate ou construção diretamente vinculados ao processo de beatificação ou, mais recentemente, à causa da canonização de Anchieta, tendo sido alvo, também, da atenção de associações de religiosos e leigos empenhadas em atender as exigências necessárias para que o beato Anchieta se torne santo.

Dentre elas, destacamos a Associação Pró-canonização de Anchieta (CANAN), criada em São Paulo, em 2002, e coordenada pelo Vice-postulador da Causa, padre César Augusto dos Santos S.J., que tem procurado promover e divulgar a devoção popular ao beato, visando a realização do tão esperado milagre, condição necessária para a canonização de José de Anchieta. A Associação já conta com um terreno no valor de R$ 6 milhões, cedido pela prefeitura de Praia Grande (SP), para a construção do Santuário Ecológico e Histórico de Anchieta, um projeto que prevê a construção de uma estátua de Anchieta, com 93 metros de altura - que "terá, com sua cabeça uma capela e no colarinho das vestes, um mirante de onde os peregrinos e visitantes poderão avistar o mar" - e que consistiria de uma caixa de água para fornecer água à população.14 14 Praia Grande passa a contar com Santuário de Anchieta. Disponível em: < http://www.fals.com.br/principal.cfm?page=news&a=84&b=3339 >. Acesso em 16/03/2010. Apesar das grandes expectativas dos seus idealizadores (CANAN, Prefeito e Secretaria Municipal de Turismo de Praia Grande), não há registro da efetivação do projeto ou do início da construção do Santuário, nem mesmo nos sites de informações turísticas do município.

Apesar da diminuição da atuação da CANAN, a partir de 2004, José de Anchieta continua motivando distintos segmentos sociais para sua Causa. Nesse sentido, destacamos a criação - com finalidade turística - de dois caminhos15 15 Halbwachs mostra-nos como os lugares desempenham um papel fundamental na construção da memória coletiva. Para ele, os lugares que percorremos nos fazem lembrar de fatos ocorridos no passado e, assim, contribuem para a construção da memória coletiva. A construção de monumentos, a denominação de lugares e preocupação com a valorização de personagens do passado estão diretamente associadas a uma memória coletiva. Quando uma comunidade elege seus lugares de memória e também seus símbolos e heróis - que passam a representá-la - pode-se perceber condicionantes que estiveram envolvidos nesse processo de construção das representações (HALBWACHS, 2004, p.150). de peregrinação que resgatam trilhas percorridas pelo missionário jesuíta em sua tarefa evangelizadora. O primeiro deles se denomina "Passos de Anchieta" - retomado em 1998, após um longo período de esquecimento - e que se constitui de uma romaria de quatro dias, realizada no feriado de Corpus Christi, no Estado do Espírito Santo. Já o "Caminho de Anchieta" compreende o trajeto percorrido por Anchieta de São Paulo de Piratininga até o litoral, na região de São Vicente. Idealizado pela Prefeitura de São Paulo, foi resgatado para integrar os municípios da região e colocar o turista em contato com a história de São Paulo. Aos interessados em refazer os caminhos de Anchieta os sites de divulgação oferecem a oportunidade de, na condição de peregrinos, vivenciarem concretamente a experiência vivida por Anchieta, que, com destemor e superando dificuldades de toda ordem, desbravou a selva e levou a fé católica aos povos indígenas.

2. Entre o sagrado e o profano: o turismo religioso e a mística anchietana

Nas últimas décadas, cresceram, surpreendentemente, as ofertas de romarias e peregrinações a lugares onde viveram e pregaram - ou por onde passaram - santos e beatos. Para o antropólogo Carlos Steil, esse fenômeno se distancia do peregrinar original, na medida em que, oferecidas como pacotes turísticos, essas experiências místicas "parece[m] re-vitalizar o fenômeno da peregrinação não só como experiência religiosa [...], mas também como expressão cultural (turística)" (STEIL; CARNEIRO, 2008, p.108). Atendendo a uma demanda das associações de amigos desses caminhos, agências de viagem, prefeituras e secretarias municipais passaram a oferecer roteiros, apropriando-se do personagem que nomeia o caminho e oferecendo-o como produto a ser consumido pelos fiéis.16 16 É importante destacar que "O mercado atua como um mediador do 'sagrado', ao selecionar, de certo modo, aqueles que potencialmente poderão realizar os eventos, operando uma seleção de bens simbólicos e inventando tradições que podem ser absorvidas por pessoas que detêm um certo estilo de vida. Se a 'invenção' e o 'consumo' dessas peregrinações é tão eficaz na atração desses estratos sociais, é justamente porque estão adequadas aí as significações dos rituais e símbolos acionados ao sistema de representação desses segmentos" (CARNEIRO, 2004, p.98).

Fazer o caminho pode significar passar por uma experiência de viagem perigosa [...] A presença da Igreja Católica, com seus padres abençoando os peregrinos no início ou no fim do caminho, é um ponto de referência sólido. Da mesma forma, o pacote turístico, a infra-estrutura do caminho, o apoio do idealizador e o grupo que atende os peregrinos durante a viagem são pontos de confiança e segurança numa aventura que é tão física quanto espiritual (STEIL; CARNEIRO, 2008, p.116-117).

Mesmo se fazendo presente nessas romarias e peregrinações, a Igreja Católica parece exercer um papel secundário - limitando-se a abençoar os peregrinos - já que os participantes buscam a paz de espírito, num processo de contato íntimo com o sagrado/místico. Para Martin Norberto Dreher, tais características surgiram com o homem pós-moderno:

Atualmente, começam a se manifestar com força as tradições da religião pós-moderna. Defrontamo-nos sempre mais com o ser pós-moderno, que afirma viver e ter religião sem comunidade. Ele busca Deus na interioridade, busca religião em si, dentro de si mesmo. Fala do "Deus em nós". Busca o Deus íntimo no íntimo. Fala de um Deus que é energia, força. Na situação de Pós-Modernidade, todos os caminhos são válidos para a pessoa encontrar-se consigo mesma. Trata-se aqui da religião do self (DREHER, 1999, p.16).

Parece correto afirmar que as transformações ocorridas ao final do século XX moldaram um novo tipo de religião, e por consequência, uma nova forma de interação com o sagrado, com o espiritual, aproximando-se das principais questões da agenda do novo milênio: o meio ambiente e a busca do equilíbrio interno.

Tendo presentes as motivações para o crescimento dessas novas rotas de peregrinação e de experiência místico-espiritual, nos deteremos na análise do turismo religioso surgido em torno do beato José de Anchieta e que levam o nome do missionário jesuíta: os Passos de Anchieta, no Espírito Santo, e o Caminho de Anchieta, em São Paulo. Vale lembrar que o primeiro caminho foi o pioneiro das rotas de peregrinação no Brasil e na América Latina, tendo sido concebido nos moldes do consagrado Caminho de Santiago de Compostela.

2.1 Os Passos de Anchieta

Segundo a antropóloga Sandra Carneiro, essa rota de peregrinação "reconstitui o trecho que era percorrido habitualmente pelo Padre Anchieta no final do século XVI, no litoral do Espírito Santo, em seus deslocamentos da Vila de Rerigtiba", incluindo o local em que passou "seus últimos dias, e o colégio de São Tiago, na Vila de Vitória, já capital do Espírito Santo". A rota estende-se por 105 quilômetros, "margeando todo o litoral desde Vitória até a cidade de Anchieta, onde se encontra a Matriz erguida pelo padre e que foi a sua última residência". 17 17 Atualmente, fazem parte do percurso os seguintes pontos: Catedral Metropolitana de Vitória, Palácio Anchieta (túmulo), Escadaria Bárbara Lindemberg, Avenida Beira Mar, Curva do Saldanha, Terminal Dom Bosco, Travessia da Baia de Vitória (através de lanchas), Prainha de Vila Velha, Subida do Convento da Penha, Convento, Morro do Moreno, Praia do Ribeiro, Praia da Costa, Praia de Itapo, Praia de Itaparica, Ponte da Madalena, Barra do Jucu, Ponta da Fruta, Praia do Sol, Praia do Lé, Setiba, Santa Mônica, Perocão, Três Praias, Aldeia, Praia do Morro, Muquiçaba, Ponte de Guarapari, Praia do Padre, Igreja N. S. Conceição, Praia da Areia Preta (Radium Hotel), Enseada Azul, Meaípe, Maimbá, Ubu, Parati, Praia da Guanabara, Castelhanos, Praia da Boca da Baleia, Santuário de Anchieta (CARNEIRO, 2004, p.90).

Para os idealizadores,18 18 A caminhada anual resulta do engajamento de diversos setores da sociedade capixaba, tais como a ONG ABAPA - Associação Brasileira dos Amigos dos Passos de Anchieta, a Polícia Militar do Espírito Santo e o Corpo de Bombeiros. "o objetivo principal da rota era o de 'reviver a trajetória feita várias vezes pelo jesuíta há mais de 400 anos atrás'", "resgatando-se a prática dos colonizadores, que utilizavam as praias devido à falta de trilhas em meio à vegetação cerrada que cobria o território" (CARNEIRO, 2004, p.89) os organizadores, a caminhada diária poderia variar entre cinco e sete horas de duração19 19 Cabe lembrar que, ao peregrino/turista é oferecida toda uma infra-estrutura (banheiros químicos em pontos estratégicos, lancherias, restaurantes), além de assistência médica durante o percurso e de uma UTI móvel. In: Como fazer Os Passos de Anchieta. Disponível em: < http://www.abapa.org.br/perguntas.php >. Acesso em 23/02/2010. , dependendo das condições físicas do peregrino/turista.20 20 Segundo os organizadores, o exercício físico desencadeará algumas reações químicas no corpo do caminhante, elevando o ânimo e intensificando, desta forma, a busca do "Deus dentro de si", o maravilhamento diante da natureza e a gratificação de mais uma "barreira quebrada". In: "Os Passos de Anchieta" Uma trilha de sucesso. Disponível em: < http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010.

Ao descrever o caminho, o site informa que:

No primeiro dia cumpre-se o percurso entre a Catedral de Vitória e a localidade da Barra do Jucu. O trecho, urbano, é de calçamento (em sua maior parte calçadão à beira do mar) até as proximidades trecho, urbano, é de calçamento (em sua maior parte calçadão à beira do mar) até as proximidades da Barra quando percorre uma extensão de três quilômetros de terra por entre vegetação de restinga até chegar à Vila. No segundo dia o trecho acompanha a orla, pela terra, fora da praia e passa por terreno urbano com calçamento nas proximidades da Ponta da Fruta. Daí segue pela praia, margeando pelo chão até chegar à Reserva Ambiental Paulo Vinha, onde o terreno é arenoso. São cerca de 14 quilômetros percorridos em trilhas arenosa da reserva ou pela praia. [...] O trecho do segundo dia se conclui com percurso calçado a partir da Praia de Setiba, já chegando no destino do dia. No terceiro dia, o percurso segue margeando a praia por ruas próximas até chegar à vila de Perocão onde transpõe um morro, com ruas de terra, atravessa uma pequena mata e segue por trilhas de chão até a Praia do Morro, onde encontra o calçamento e o asfalto. Pode-se andar pela praia, com solo batido, ou pelo calçamento que margeia a praia até chegar em Guarapari. Atravessa a cidade e ruma para Meaípe, fazendo um percurso de 2 km margeando o asfalto, com breves trechos de terra até chegar em Meaípe. No quarto dia, o trecho inclui um pedaço inicial de chão e depois margeia via asfáltica até chegar em Ubu, onde o andarilho passa a caminhar por estradas de chão ladeando a praia. Nessa etapa o terreno alterna trechos de calçamento e chão até a entrada da cidade onde volta a aparecer o calçamento [...] O percurso acompanha o desenho da orla marítima - e isso garante o rigor histórico de sua reconstituição, margeando a praia ou enveredando pelas ruas que lhe são mais próximas.21 21 Como fazer "Os Passos de Anchieta". Disponível em: < http://www.abapa.org.br/perguntas.php >. Acesso em 23/02/2010.

Com o intuito de exaltar a figura de Anchieta e predispor os peregrinos à experiência mística, o site apresenta o missionário como o fundador das cidades de São Paulo e Niterói, como o responsável pela construção das casas de Misericórdia do Rio de Janeiro e de Vila Velha, das igrejas matrizes de Reritiba e Guarapari; pela fundação, no Espírito Santo, das cidades de Reritiba (hoje Anchieta), Guaraparim (Guarapari) e São Mateus (CARNEIRO, 2004, p.88). O site também destaca que "na beira das praias são encontrados poços naturais de água potável que, dizem, terem sido abertos pelo Padre Anchieta, ainda durante suas caminhadas para saciar a sua sede e a dos índios que, constantemente, o acompanhavam".22 22 "Os Passos de Anchieta" Uma trilha de sucesso. Disponível em: < http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010. Uma ênfase muito especial é dada à localidade de Ubu, que integra o trajeto a ser percorrido pelos peregrinos,

uma pequena vila à beira de uma extensa praia de águas mansas, recebeu este nome quando Anchieta ali passou pela última vez. Carregado por uma multidão de cerca de três mil índios, seu esquife tombou, o que fez os índios exclamarem "Aba Ubu" - O padre caiu.23 23 "Os Passos de Anchieta" Uma trilha de sucesso. Disponível em: < http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010.

Por fim, constata-se a ênfase dada pelos organizadores à semelhança com o Caminho de Santiago de Compostela, já que na cidade de Ubu, "onde os andarilhos, ao passarem, viram-se de costas e atiram conchas, cada uma simbolizando um pedido que gostaria que fosse atendido pelo padre, numa evidente alusão às pedras que são atiradas por cima do ombro, no caminho de Santiago".24 24 Os Passos de Anchieta. Uma trilha de sucesso. Disponível em: < http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010.

O site encarregado da divulgação do caminho ressalta, ainda, a importância dos missionários jesuítas para a história brasileira, vinculando-os ao contexto de expansão do catolicismo:

Mais do que se inserir na história nacional até o século XVIII, quando foram expulsos do Brasil pela Coroa Portuguesa que os tinha como desagregadores da colônia que Portugal entendia ter o direito à pilhagem. Eles fizeram a história do Brasil até essa época. Não haveria uma história do Brasil nos seus três primeiros séculos sem a presença desses arautos da Contra-reforma que sacudia a Europa desde o século XVI.25 25 Os Passos de Anchieta. Uma trilha de sucesso. Disponível em: < http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010. (grifo nosso)

O destaque dado ao papel desempenhado pela Companhia de Jesus - sobretudo, para a garantia da integridade do território durante os primeiros séculos da história brasileira -, parece conferir ainda maior legitimidade simbólica ao trajeto, na medida em que aqueles que o percorrerem estarão refazendo o caminho tantas vezes trilhado pelos missionários empenhados na conversão dos indígenas. Essa visão, presente nas inúmeras obras de síntese histórica sobre o período colonial brasileiro e nas biografias produzidas sobre Anchieta26 26 Das quais destacamos as seguintes: ANCHIETA: Quarto centenario do seu nascimento. 1. ed. Porto Alegre: Globo, 1935. 246 p; LIMA, Jorge De. Anchieta. 2. ed. Rio de Janeiro: ABC, 1937. 213 p; THOMAS, Joaquim. Anchieta. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1954. 231 p.; VIDA ilustrada do v. p. José de Anchieta da companhia de Jesus apostolo do Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Vice-postulado V. P. Anchieta, 1975. 122 p; QUEIROZ FILHO, Antônio de. A vida heróica de José de Anchieta. 1. ed. São Paulo: Loyola, 1988. 111 p. - muitas delas empenhadas em divulgar a Causa de sua canonização -, tem sido continuamente reproduzida nos livros didáticos, favorecendo a difusão de uma memória que, ao exaltar sua colaboração para a integridade territorial e salvaguarda da moral cristã, o consagra como o "Apóstolo do Brasil" e "Taumaturgo da Nação".

O ápice da exaltação da memória anchietana e das designações comumente usadas para descrevê-lo, tal como "Apóstolo do Brasil" e "Taumaturgo da Nação" se deu em 1965, durante a ditadura militar, quando o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco instituiu o Dia de Anchieta.27 27 O Dia de Anchieta foi Instituído pela Lei Federal nº 55.588, de 18 de janeiro de 1965 e deveria ser oficialmente comemorado no dia 9 de junho ( data da morte de Anchieta). A instituição dessa data, em 1965, foi planejada por uma Comissão. As tarefas dessa Comissão eram de convocar personalidades do mundo intelectual nacional; solicitar a colaboração de historiadores e ensaístas espanhóis; pedir a presença de um representante do Vaticano nas comemorações (o escolhido foi o jesuíta Paolo Molinari, encarregado pelo processo de beatificação do padre Anchieta); organizar os eventos do "Dia de Anchieta"; firmar convênio com a UNB para realizar um filme sobre Anchieta; firmar convênio com a Escola de Arte Dramática de São Paulo para encenações públicas dos autos de Anchieta nas regiões pelas quais ele passou (Santos, São Vicente, Ubatuba, Itanhaém); fazer um concurso literário para obras biográficas sobre Anchieta (prêmios de 1 milhão para o primeiro colocado e Cr$ 500.000,00 para o segundo colocado); confecção de placas comemorativas em prata e bronze para serem distribuídas aos participantes dos eventos; patrocinar o traslado de uma relíquia de Anchieta, vinda de Roma; e editar as obras completas de Anchieta (ANCHIETANA, 1965, p.5-8).

Durante o ano de 1965, uma série de atividades cívico-culturais foi promovida, com destaque para os Ciclos de palestras que envolveram estudiosos brasileiros e estrangeiros e, principalmente, membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que, em suas conferências, ressaltaram a imagem de Anchieta como o "santo símbolo de nossa nacionalidade", "taumaturgo que vela pela felicidade da nossa Pátria" e "ilustre construtor da nacionalidade", por ter salvaguardado "o princípio da moralidade em face da corrupção", alimentado "a chama do patriotismo", repelido "as missões estrangeiras", conservado a "unidade e integridade da nação" e integrado índios e portugueses "na bela obra que é a nação brasileira cujo batismo foi ato de suas santas mãos". Essas representações do missionário ganharam, também, as páginas dos jornais brasileiros (com destaque para "O Estado de São Paulo"28 28 O ESTADO DE SÃO PAULO, Edições de 1965 a 1968. e a "Folha de São Paulo"29 29 FOLHA DE SÂO PAULO, Edições de 1965 a 1968. ) e estrangeiros (em especial, os espanhóis "El País" e "La Vanguardia"30 30 LA VANGUARDIA, Edições de 1980; EL PAÍS, Edições de 1980. , bem como de revistas, como a Veja31 31 REVISTA VEJA, Edições de 1968 a 1980. , durante o ano da instituição do Dia de Anchieta e nos seguintes, contribuindo para a difusão da imagem de Anchieta como "Apóstolo do Brasil", "Taumaturgo do Novo Mundo" e "Santo do Brasil".

Os membros da ABAPA (Associação Brasileira dos Amigos dos Passos de Anchieta), com certeza, se encontravam entre os leitores desses jornais, tomando contato com essas imagens e designações, encontrando nelas, consequentemente, o estímulo e o reforço necessário para elaborar o projeto dos "Passos de Anchieta".

2.2 O "Caminho de Anchieta"

Esse caminho foi construído em meados do século XVI, com o intuito de ligar a recém fundada vila de São Paulo de Piratininga com o litoral32 32 O caminho do padre José de Anchieta. Disponível em: http://www.sampa.art.br/biografias/padreanchieta/ocaminho. Acesso em 23/02/2010. , tendo perdido importância ao longo dos séculos. A 22 de janeiro de 2004, no entanto, o governo do Estado de São Paulo e os prefeitos das cidades de Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, Santos e São Vicente resgataram o histórico trajeto, instituindo o "Caminho de Anchieta".

A criação desse caminho teve como objetivos, segundo o secretário de turismo do Estado na época, Sr. João Carlos Meirelles, os de resgatar "parte da história do Brasil e, ao mesmo tempo, vai de [sic] encontro aos esforços do Estado de São Paulo, no intuito de gerar trabalho e renda para os municípios".33 33 "Caminho de Anchieta" será oficializado pelo governo do Estado de São Paulo. Disponível em: < http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/turismo/ecoturismo/-caminhos-de-anchieta-sera-oficializado-pelo-governo-do-estado-de-sao-paulo-3823.asp >. Acesso em 23/02/2010. Nessa afirmação, percebe-se o evidente viés turístico que viria a ser dado ao antigo caminho percorrido pelo jesuíta beato, desvinculando-o de uma peregrinação religiosa.

Cabe ressaltar, que esse projeto foi proposto pela Associação Pró-Canonização do Padre Anchieta - CANAN e pela Agência Metropolitana da Baixada Santista - AGEM, com o objetivo de resgatar uma prática de peregrinação, com base na reconstituição dos caminhos percorridos por Anchieta durante sua vida, somando-se a isso, alguns atrativos históricos, arquitetônicos e naturais, "que de alguma forma possam ser integrados a vida e obra de Anchieta na Região, possibilita[ndo] o aproveitamento econômico do evento"34 34 PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.2. Na verdade, o projeto previa três rotas de peregrinação, duas no litoral e uma que ligava São Paulo à região litorânea, e, ainda, a construção de um Santuário35 35 O Santuário é apresentado como um "local de meditação, da contemplação dos mistérios, da administração dos sacramentos, da celebração" In: PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.13. e de um Centro de Estudos de sua vida e obra na Baixada Santista.

Se, por um lado, os proponentes do "Caminho de Anchieta" pretendiam incrementar "a exploração do segmento do turismo religioso, visando também promover a geração de emprego", por outro, queriam "tornar a região mais acessível a uma parcela específica do público turístico - peregrinos de Anchieta"36 36 PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.3. , revelando outra intenção por trás da iniciativa, a de reavivar a mística anchietana, orientando-a para a Causa da canonização. É importante ressaltar que a própria CANAN deixa explícita a sua motivação para a instituição do "Caminho", na medida em que "busca através do processo de canonização do Beato José de Anchieta, [...] explorar a passagem e a peregrinação do Padre na região, bem como arrebanhar novos adeptos à causa religiosa."37 37 PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.3. O projeto apresentado pela CANAN deve ser, consequentemente, entendido como recurso para a ampliação de adeptos à Causa de canonização do missionário jesuíta e da devoção ao "Apóstolo do Brasil".

Com o intuito de atrair também os não devotos de Anchieta38 38 A intenção dos idealizadores também se concentra na tarefa de divulgação. Para isso, eles propõem a utilização da rede de emissoras católicas, como por exemplo, a Rede Vida e a TV Canção Nova, além é claro, de jornais, revistas, rádios e folders impressos, sendo ambos de responsabilidade da CANAN. In: PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.56. , o projeto destaca que a "existência de um Centro de Estudos, possibilita [rá] o ecumenismo, a relação inter-religiosa e mesmo a visão puramente histórica/exploratória da vida e obra do personagem histórico."39 39 PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.2. Além disso, ressalta que o "Caminho" garantiria a "ampliação da abrangência da cultura regional, tão bem identificada e calcadas na gastronomia, estilo e qualidade de vida, na religiosidade, no patrimônio histórico e arquitetônico e, especialmente nas culturas típicas - quilombola e indígena".40 40 PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.3.

Segundo seus idealizadores, o trajeto foi concebido41 41 Como mediadores da experiência espiritual, os organizadores elaboram uma estratégia no sentido de controlar se os roteiros foram realmente seguidos, "através da obtenção de carimbo ou selo em um passaporte "oficial" do peregrino, a ser obtido em locais pré-definidos e com pessoal capacitado para a recepção, informação e orientação em relação aos próximos passos da peregrinação". In: PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.7. para que o "peregrino seja capaz de cumprir os roteiros com diversos graus de dificuldades, abrangendo os diversos municípios, com ou sem comprovação da permanência ou atividade do Beato, mas que, de alguma forma, foi supostamente local de passagem do mesmo ou parada de descanso".42 42 PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.7.

Com o intuito de identificar os peregrinos e oferecer-lhes lembranças de sua experiência mística, o projeto propõe a comercialização de fitas, "similares as conhecidas e tradicionais fitas do 'Senhor do Bonfim', porém mais largas e compridas"43 43 PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.53. , que deveriam ser fixadas em varetas, uma vez que

A iconografia praticamente gravou no imaginário popular a imagem do Beato como um culto que utilizava as areias do litoral como repositório dos seus escritos e versos. É comum a imagem da escrita com uma pequena vara, pega a esmo, que servia como instrumento para a escrita. Assim, sugere-se a adoção da vareta, também pega a esmo nos locais de peregrinação, como identificador do peregrino. Todavia, apenas a vareta pode não servir como o identificador ideal. Por isto, sugere-se que aliado a adoção da vareta, seja utilizada uma ou mais fitas coloridas com a inscrição sugerida44 44 PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: < ww.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.53. (grifo nosso).

A Associação procurou reforçar os laços entre os peregrinos e o beato José de Anchieta, ao promover a peregrinação de uma relíquia do padre - um fragmento de seu fêmur - pelas Igrejas situadas ao longo da rota acima mencionada45 45 Peruíbe recebe "Relíquia de Anchieta". Disponível em: < www.peruibe.tur.br/historia/reliquias.htm >. Acesso em 26 de março de 2010. , buscando, dessa forma, atrair mais fiéis para a Causa e, eventualmente, o tão almejado milagre para que a canonização se concretize.46 46 Esse empenho é acompanhado de publicações que se dedicam a apresentar o missionário jesuíta como místico e servo de Deus - desvinculando-o do papel desempenhado na história política colonial - tais como o " Devocionário ao Padre Anchieta", que se propõe a "Por meio deste devocionário, [...] resgatar o papel principal e mais importante do Beato Pe. Anchieta em nosso meio, o de sacerdote de Cristo e dispensador de suas graças e favores" (CANAN, 2003, p.7). O Devocionário foi editado pela Loyola, sob o patrocínio da CANAN, a Associação Pró-canonização de Anchieta.

Vale lembrar que, desde a sua fundação, em 2004, a CANAN buscou o apoio de diversas entidades para a divulgação da vida e da obra de José de Anchieta e para a expansão da devoção popular ao beato. Parece ter sido essa a motivação para a assessoria prestada pelo presidente da Associação, padre César Augusto dos Santos - e vice-Postulador da Causa de Canonização de Anchieta -, à escola de samba Gaviões da Fiel, na criação do samba enredo para o desfile do grupo de Acesso do Carnaval paulista de 2007 (O GLOBO online, 2007, p.1). No enredo, se fazem presentes as representações mais recorrentes do missionário, e, inclusive, uma alusão explícita ao título de uma cine-biografia de Anchieta produzida em 1977 - que contou com fundos governamentais - intitulada "Anchieta, José do Brasil".47 47 O filme foi dirigido por Paulo César Saraceni. Num dos versos do samba da Gaviões da Fiel, se lê que o jesuíta "fez do novo mundo um paraíso", pois "compreendia bem melhor os corações", o que faz com que "A sua fé hoje ecoa nesse altar".48 48 ENREDO "Anchieta, José do Brasil". Disponível em: < www.gavioes.com.br>. Acesso em 25/03/2010.

Apesar de todo o empenho do padre César Augusto dos Santos pela Causa da canonização, a sede da CANAN foi fechada em agosto de 2007, por decisão do provincial da Companhia de Jesus da Província Centro-Leste, padre Carlos Palácio, que considerou "que a causa pode ser levada adiante com uma estrutura mais simples" (MAYRINK, 2007, p.2). Ao ser indagado sobre as razões do fechamento da sede e sobre os efeitos do processo de canonização, respondeu o Provincial que "nem poderia fazer isso, pois esse trabalho depende de Roma, onde fica o Postulador (padre Paolo Molinari), responsável pelas causas de beatificação e de canonização de jesuítas" (MAYRINK, 2007, p.2). Os altos custos envolvidos na manutenção da sede e das próprias ações da CANAN devem ter, com certeza, contribuído para o fechamento da sede. Sabe-se que, no ano de 2007, a Associação destinava cerca de R$ 7 mil reais mensais para a distribuição de "13 000 santinhos" e de "relíquias do padre, como fragmentos ósseos ou pedaços de roupa" aos enfermos, com o intuito de que, "cur[assem] doentes e isso possa ser considerado um novo milagre" (BORTOLOTI, 2007, p.106), um valor que deve ter sido considerado elevado, explicando a decisão tomada pelo provincial da Ordem. Como pudemos averiguar, apesar do apoio de órgãos públicos e de secretarias de turismo de vários municípios brasileiros à CANAN, a Província Centro-Leste da Companhia de Jesus optou por afastar o Padre César A. dos Santos do cargo de vice-Postulador49 49 Com o fechamento da sede da CANAN, o vice-Postulador da causa anchietana, padre Cesár Augusto dos Santos foi transferido para a direção da Rádio Vaticano e segundo informações do próprio padre, o cargo de vice-Postulador permanece vago, aguardando a visita do "Padre Postulador Geral ao Brasil, em maio deste ano [2010]". Segundo informações do padre César, os contatos com os interessados pela causa do missionário estão a cargo do padre jesuíta Nilson Maróstica, assistente do Provincial jesuíta da Província Centro-Leste, Superior da Residência do Colégio São Luís e Pároco da Paróquia São Luís, em São Paulo. Com isso, no momento, o cargo de vice-Postulador encontra-se vago. e transferir a administração da Causa da canonização de Anchieta para as instalações da Companhia em São Paulo. Os efeitos do fechamento da CANAN e do afastamento do vice-Postulador da Causa parecem ser previsíveis e inevitáveis, pois ao promoverem a desmobilização de postuladores e devotos devem afastar ainda mais o beato da glória dos altares.

Acreditamos que a desmobilização do aparato da Causa possa também ser creditada a uma postura de não confronto adotada pela Igreja Católica em relação aos religiosos tidos como mais progressistas, responsáveis pela denúncia dos efeitos do projeto colonial ibérico e das estratégias de evangelização adotadas pelo jesuíta José de Anchieta - e tantos outros missionários atuantes na América Latina - sobre as populações indígenas. Cabe lembrar que, desde a Conferência Episcopal de Medellín, Colômbia50 50 Essa Conferência buscou implantar na América Latina as resoluções do Concílio Vaticano II. , realizada em 1968, a Igreja Latino-americana optou, claramente, pela luta em prol dos pobres ou marginalizados, como os indígenas e as mulheres. Essa posição ganhou maior destaque em 1992, quando os religiosos identificados com a Teologia da Libertação - reunidos em Santo Domingo, República Dominicana51 51 Incluída dentro do contexto das comemorações dos 500 anos da descoberta da América pelos europeus, esperava-se que a hierarquia católica fizesse um pedido de perdão aos indígenas pelo genocídio ocorrido durante a colonização. Contudo, muitos bispos conservadores se recusaram a pedir perdão e a celebrar as missas que concretizariam o pedido de desculpas, sendo que somente os religiosos simpatizantes à "Teologia da Libertação" realizariam um pedido formal de desculpas. - pediram publicamente desculpas pelo extermínio dos povos nativos e pelos efeitos da imposição da cultura europeia pelos colonizadores e, sobretudo, pelos religiosos.52 52 Diante dessa conjuntura, os bispos traçam o modelo de evangelização que deveria ser seguido a partir daquele momento: a inculturação. A Igreja não mais forçaria os indígenas a adotar os valores ocidentais, mas, pelo contrário, os próprios missionários se tornariam membros das culturas indígenas e a partir delas, mostrariam aos indígenas a presença de Deus nessas culturas. Nessa perspectiva, efetivar a canonização de um religioso comprometido com o projeto civilizador europeu, deve ter sido interpretado por setores da Igreja Católica como um potencial fator de atrito entre a Igreja Latino-americana e o Vaticano.

3. À guisa de conclusão

Após trinta anos da efetivação de sua beatificação53 53 É importante salientar que o processo de beatificação chegou ao fim somente em 1980, pela ação do papa João Paulo II, que lançou-se numa campanha de atração de mais fiéis para a Igreja católica e efetivou a beatificação sem a comprovação dos necessários milagres estabelecidos pelo Código de Direito Canônico. Alterado em 1983, o Código acabou introduzindo esta nova categoria de beato, não milagreiro, mas um católico respeitado pelo conjunto de sua obra. , José de Anchieta - o "Taumaturgo" e "Apóstolo do Brasil" - ainda não foi canonizado54 54 Vale ressaltar que enquanto tramita o processo de Anchieta, Madre Paulina e Frei Galvão (o primeiro santo brasileiro) foram canonizados em 19 de maio de 2002 e 11 de maio de 2007, respectivamente. . Apesar de sua Causa ser descrita como uma "grata aspiração nacional", e de Anchieta ser apresentado como "insigne missionário" e "medianeiro de graças divinas", e tido como "santo padre", que possui "dons sobrenaturais" e "merecida fama de taumaturgo", ainda não há registro de um milagre de primeira grandeza realizado por sua intercessão, exigência feita pelo Vaticano para torná-lo santo.55 55 Anchieta não teve nenhum milagre comprovado, mas encontramos na página eletrônica da CANAN (Comissão Pró-Canonização de Anchieta), alguns dos supostos milagres realizados por Anchieta. Tais milagres não foram aceitos pelo Vaticano e os reproduzimos aqui a título de ilustração: "Ao recitar um versículo do evangelho à orelha de um garoto desenganado chamado Jerônimo, este se cura não só da enfermidade, mas consegue livrar-se de uma ferida que carregava de nascença. Ana Ribeiro, a mãe da criança, prestou depoimento em 1627; Nóbrega e Luís da Grã comentam sobre a devoção fervorosa de Anchieta e sua capacidade de levitar; Em 1627, Suzana Dias, neta do cacique Tibiriçá, relata, que quando menina, ouviu os padres Manoel da Nóbrega e Luís da Grã comentarem que Anchieta era santo e que seus sonhos eram revelações. Ainda de acordo com ela, quando tinha 12 anos e estava enferma, desejou morrer consagrando sua virgindade a Deus. Anchieta, sem que ela tivesse falado sobre o assunto com ninguém, lhe recomendou, a partir de um sonho o contrário: que se casasse. Suzana Dias casou-se, tempos depois, com o Juiz Manoel Fernandes Ramos dando origem aos "Fernandes povoadores", porque seus descendentes tornaram-se sertanistas, bandeirantes e fundadores de muitas vilas. Além de São Paulo, São Miguel, Guarulhos, Barueri e Carapicuíba, Anchieta foi, portanto, o responsável pela fundação de outras cidades, como Santa do Parnaíba, Itu e Sorocaba; Em 1567, ao embarcar em Bertioga rumo ao Rio de Janeiro, o barco onde Anchieta estava foi abalroado por uma baleia ficando parcialmente inundado. Em seguida, o animal ameaça bater novamente na embarcação, mas subitamente desiste e vai embora. Para os religiosos presentes, todos foram salvos em função da capacidade de Anchieta em comunicar-se com os animais; Em 1568, Anchieta parte para uma nova aventura: resgatar das matas para a sociedade paulista dois militares portugueses que haviam desertado. Ao fazer a travessia em um rio tanto Anchieta como o padre Rodrigues afundam rezando. Os índios, que viajavam em companhia deles, conseguem resgatar rapidamente o padre Rodrigues. Já Anchieta permanece, de acordo com os relatos, pelo menos meia hora totalmente submerso sendo, para a surpresa de todos, resgatado com vida e absolutamente calmo; A reputação de operador de prodígios já acompanhava Anchieta, como o bando de pássaros guarás que volta e meia costumavam voara sobre a canoa em que ele se achava viajando, para protegê-lo do sol. Relatos juramentados e assinados por vários companheiros dessas viagens dão conta de que o fato ocorrera diversas vezes, ora atravessando o canal de Bertioga, ora a baía da Guanabara. Os testemunhos acrescentam detalhes impressionantes, como as exatas palavras que ele usava para pedir ao líder do bando de aves em tupi -" erupita de boiaim orebo" - e para mandá-las embora: " pe quaim pe suape"; De todos os episódios envolvendo comunicação com animais, porém, destaca-se a "pescaria milagrosa de Marica", que aconteceu em 1583, conforme declaração sob juramento dos padres João Lobato e Pero Leitão. Antes de o sol nascer, após a missa, o padre perguntava aos pescadores que tipo de peixe desejavam pescar. Em função das respostas, ele indicava diferentes locais na lagoa ou no mar. O abundante resultado acabou atraindo um verdadeiro exército de aves marinhas. Após escutar a queixa dos pescadores, Anchieta dirigiu-se às aves e em tupi ordenou-lhes que parassem de incomodá-los, pois receberiam sua parte. As aves obedeceram-no imediatamente.

Essa antiga aspiração não foi, contudo, abandonada pelos seus postuladores diante das dificuldades encontradas ao longo da tramitação do processo. Sabe-se que durante o governo do marechal Castelo Branco56 56 Isso se deu através da instituição de uma data comemorativa intitulada "Dia de Anchieta", que foi Instituído pela Lei Federal nº 55.588, de 18 de janeiro de 1965 e deveria ser oficialmente comemorado no dia 9 de junho (data da morte de Anchieta). A instituição dessa data, em 1965, foi planejada por uma Comissão integrada por Júlio de Mesquita Filho (presidente), Aureliano Leite, Eurípedes Simões de Paula, João Fernando de Almeida Prado, César Salgado, Mário Neme e Lúcia Falkenberg. As tarefas dessa Comissão eram de convocar personalidades do mundo intelectual nacional; solicitar a colaboração de historiadores e ensaístas espanhóis; pedir a presença de um representante do Vaticano nas comemorações (o escolhido foi o jesuíta Paolo Molinari, encarregado pelo processo de beatificação do padre Anchieta); organizar os eventos do "Dia de Anchieta"; firmar convênio com a UNB para realizar um filme sobre Anchieta; firmar convênio com a Escola de Arte Dramática de São Paulo para encenações públicas dos autos de Anchieta nas regiões pelas quais ele passou (Santos, São Vicente, Ubatuba, Itanhaém); fazer um concurso literário para obras biográficas sobre Anchieta (prêmios de 1 milhão para o primeiro colocado e Cr$ 500.000,00 para o segundo colocado); confecção de placas comemorativas em prata e bronze para serem distribuídas aos participantes dos eventos; patrocinar o traslado de uma relíquia de Anchieta, vinda de Roma; e editar as obras completas de Anchieta (ANCHIETANA, 1965, p.5-8). , a Causa obteve um grande incentivo, atestado na reedição das obras de Anchieta e no amplo espaço que o Dia de Anchieta e atividades cívico-culturais tiveram na mídia impressa57 57 Ao analisarmos a repercussão que a instituição do "Dia de Anchieta" teve na imprensa brasileira (1965-1968), constatamos que o empenho de padres e leigos católicos pela instituição dessa data em 1965, consistiu, na verdade, numa estratégia para que estes obtivessem o apoio dos militares e, principalmente, recursos financeiros para a dispendiosa causa da beatificação. A Causa recebeu um grande impulso no período, principalmente, através da difusão da fama de milagreiro do Taumaturgo do Brasil, favorecendo tanto o acesso a informações sobre curas realizadas pela intercessão do missionário jesuíta, quanto o estímulo para sua invocação. . As publicações visavam tanto o acesso a informações sobre curas já realizadas pelo missionário jesuíta, quanto o estímulo para sua invocação e para novos milagres. Concomitantemente a esse esforço de parte de associações de leigos e religiosos em prol da canonização do jesuíta, foram feitos significativos investimentos na recuperação e na construção de "lugares de memória" associados ao beato José de Anchieta e que propiciaram o resgate de sua fama de santidade através da criação de inúmeras rotas de peregrinação que, além de promoverem a vivência de experiências místicas pelos peregrinos, possuem forte apelo turístico.

O papel desempenhado por essas rotas de peregrinação deve ser ressaltado, por se constituírem - sobretudo, após a desmobilização da CANAN, entidade responsável pelo processo de sua canonização - no principal meio de divulgação da vida de José de Anchieta. Essas peregrinações atraem fiéis e turistas, movidos pela busca do equilíbrio interior e de experiências místicas, a partir do exemplo de Anchieta e do contato com os lugares por onde ele passou. Cumprem, consequentemente, um importante papel para a manutenção da memória de Anchieta e para a Causa de sua canonização, na medida em que aqueles que refazem os caminhos por ele trilhados tomam contato com sua vida e obra, através de materiais de divulgação e da comercialização de souvenirs, que, em sua grande maioria, vinculam o jesuíta a sua santidade e ao seu poder taumatúrgico. Neste sentido, os roteiros oferecidos por secretarias municipais e agências de turismo privilegiam os locais onde o missionário realizou curas ou fundou aldeias com o propósito de civilizar e converter os indígenas, reforçando a imagem de "Taumaturgo e Apóstolo do Brasil" e predispondo os peregrinos ao engajamento e à defesa da Causa de sua canonização.

NOTAS

Artigo recebido em 03/2010.

Aprovado em 06/2010.

  • "Caminho de Anchieta" será oficializado pelo governo do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/turismo/ecoturismo/-caminhos-de-anchieta-sera-oficializado-pelo-governo-do-estado-de-sao-paulo -3823.asp>. Acesso em 23/02/2010.
  • "Os Passos de Anchieta" Uma trilha de sucesso. Disponível em: <http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010.
  • ANCHIETANA. COMISSÃO NACIONAL PARA AS COMEMORAÇÕES DO "DIA DE ANCHIETA". São Paulo: Gráfica Municipal/Divisão do Arquivo Histórico/Prefeitura do Município de São Paulo.
  • BORTOLOTI, M. Todo santo ajuda. VEJA, São Paulo, p. 105-106, 24 out. 2007.
  • CARNEIRO, S. Novas peregrinações brasileiras e suas interfaces com o turismo. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Porto Alegre, ano 6, n. 6, p.71-100, outubro de 2004.
  • DREHER, M. N. A Igreja Latino Americana no contexto mundial. São Leopoldo: Sinodal, 1999. p. 7-16; 33-42; 57-68; 69-77.
  • FLECK, E. C. D. Beato, Sim. Santo, Não! José de Anchieta, de Apóstolo e Taumaturgo do Brasil a Construtor da Nacionalidade. CLIO. Série História do Nordeste (UFPE), v. 27, p. 09-50, 2009.
  • ____. Salvaguardando a moralidade e a integridade da nação: a apropriação de Anchieta pelo regime militar. In: VIII ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-RS, 2006, Caxias do Sul, RS. Anais do VIII Encontro Estadual de História - ANPUH-RS. São Leopoldo: Oikos, 2006, v. 01. p. 26-26.
  • ____. Salvaguardando o princípio da moralidade e a integridade da nação: a apropriação de Anchieta pelo regime militar. História Unisinos, v. 11, p. 278-281, 2007.
  • ____. Dos fins da política e da religião: o pensamento anchietano e sua apropriação pelo Regime Militar. Metis, v. 5, n. 1, 2006, p. 231-252.
  • ____ ; KASPER, R. Anchieta: uma imagem a serviço de vários altares. Territórios e Fronteiras (UFMT), v. 2, p. 1-22, 2009.
  • ____ ; ____. O Dia de Anchieta: "para retemperar a fé e reforjar os sentimentos de brasilidade". Revista Brasileira de História das Religiões, ANPUH, Ano II, n. 5, Set. 2009.
  • GRIZYNSKI, V. Em busca do prodigioso. Disponível em: www.veja.abril.com.br/011097/p_046.html Acesso em 26/03/2010.
  • HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.
  • MAYRINK, J. M. À espera da canonização. Disponível em: <http://www.ccr.org.br/a_noticias_detalhes.asp?cod_noticias=1193 >. Acesso em 25/03/2010.
  • MOUTINHO, Pe. M. Bibliografia para o IV centenário da morte do beato José de Anchieta. 1597-1997. Volume I. Edições Loyola: São Paulo, 1999. 229 p.
  • NORA, P. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto história, SP, n.10, dez. 1993.
  • O Caminho do padre José de Anchieta. Disponível em: <http://www.sampa.art.br/biografias/padreanchieta/ocaminho >. Acesso em 23/02/2010.
  • PAPA, João Paulo II. Apostolado Veritatis Splendor: DIVINUS PERFECTIONIS MAGISTER Disponível em <http://www.veritatis.com.br/article/3134 >. Acesso em 04/03/2010.
  • PEIXOTO, M. C. L. "Santos da porta ao lado": os caminhos da santidade contemporânea católica. 2006. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 9-112 e 208-238.
  • Processo Nº 2001-0.194.472-8 (nº de capa 46.509/1953). Arquivo Municipal de Processos (Piqueri).
  • Processo Nº 3421 (1954). Arquivo Histórico Municipal - Fundo Quartocentenário.
  • PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010.
    » link
  • SOARES, H. R. A Produção Social do Santo: Um estudo do processo de beatificação do Padre Rodolfo Komórek. 2007. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade de Campinas, Campinas, SP: [s.n.], 2007.
  • STEIL, C. A. Romeiros e turistas no santuário de Bom Jesus da Lapa. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 9, n. 20, p. 249-261, outubro de 2003.
  • ____; CARNEIRO, S. Peregrinação, Turismo e Nova Era: Caminhos de Santiago de Compostela no Brasil. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 28(1): 105 -124, 2008
  • Os lugares e os caminhos que celebram um beato: peregrinando pela Causa da canonização de José de Anchieta

    The places and ways which celebrate a beatified person: going on a pilgrimage for the Cause of the canonization of José de Anchieta
  • 1
    José de Anchieta nasceu em Tenerife, uma das ilhas do arquipélago das Canárias. Foi um menino de saúde frágil, mas isto não o impediu de ser um brilhante aluno. Aos 17 anos, ingressou na Companhia de Jesus e, dois anos após, foi ordenado padre e enviado para o Novo Mundo. Chegou à Bahia em 13 de julho de 1553, juntamente com a comitiva de Duarte da Costa, segundo Governador Geral. No mesmo ano, foi enviado para a Capitania de São Vicente, atual estado de São Paulo. Morreu aos 63 anos de idade, sendo que seus restos mortais foram trasladados para a Bahia, em 1611, e, posteriormente, algumas relíquias foram encaminhadas a Roma para dar início ao processo de canonização, que ainda não está concluído.
  • 2
    Sobre as fases do processo, Hugo Soares afirma que: "O santo surge a partir de uma série de etapas bem definidas. [...] Primeiramente, o candidato a santo, ganha o título de 'servo de Deus'. Isso quer dizer que o processo de beatificação ou canonização foi aceito pela 'Congregação Para as Causas dos Santos', um departamento do Vaticano responsável pela criação do santo em si. Se, com a leitura do material enviado ao Vaticano, suas atitudes heroicas de bom cristão forem confirmadas pelos profissionais responsáveis pela produção do santo, o servo de Deus passa a ser chamado de 'Venerável'. Nesta etapa, ainda não pode haver culto público ao candidato. [...] A partir deste momento, para que o processo continue a caminhar, deve ser provada a existência de um milagre realizado por intermédio do venerável em questão. [...] Se o milagre esperado é aprovado, o venerável ascende ao grau de 'beato'. O beato já pode ser cultuado, mas com restrições. Somente sua família religiosa ou seus conterrâneos têm direito para isso. [...] Para que um beato se torne santo, outro milagre de primeira grandeza deve ser comprovado e outro processo diocesano (local) deve ser iniciado. O trabalho é enorme, bastante demorado e demanda grandes investimentos financeiros" (SOARES, 2007, p.5-6).
  • 3
    Sobre esta temática, conferir os artigos FLECK, Eliane Cristina Deckmann. Notas de Pesquisa. Salvaguardando o princípio da moralidade e a integridade da nação: a apropriação de Anchieta pelo regime militar.
    In:
    História Unisinos, v. 11, nº 2 - maio/agosto de 2007, p. 278-281; FLECK, Eliane Cristina Deckmann. Dos fins da política e da religião: o pensamento anchietano e sua apropriação pelo Regime Militar.
    Metis, v. 5. nº 1, 2006, p. 231-252; FLECK, Eliane Cristina Deckmann; KASPER, Rafael. Anchieta: uma imagem a serviço de vários altares.
    Territórios e Fronteiras (UFMT), v. 2, p. 1-22, 2009; FLECK, Eliane Cristina Deckmann; KASPER, Rafael. O Dia de Anchieta: "para retemperar a fé e reforjar os sentimentos de brasilidade".
    Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano II, n. 5, Set. 2009.
  • 4
    Natural das Ilhas Canárias, no século XVI, foi missionário na Guatemala, sendo o fundador da Congregação Betlemita.
  • 5
    Natural da França, Montmorency-Laval foi vigário apostólico no Canadá.
  • 6
    Francesa, foi a fundadora das Missioneiras Ursulinas no Canadá.
  • 7
    Sobre as motivações de tal mudança, o Papa argumenta que: "Após as mais recentes experiências, nos pareceu oportuno revisar a forma e o procedimento de instrução das causas e estruturar a mesma Congregação para as Causas dos Santos, de tal maneira que sejam satisfeitas as exigências dos peritos e os desejos de nossos irmãos no Episcopado, que várias vezes solicitaram a simplificação das normas, protegendo naturalmente a solidez das investigações em um assunto de tamanha importância. Julgamos também, à luz da doutrina colegial proposta pelo Concílio Vaticano II, que é muito conveniente que os mesmos bispos estejam mais associados à Sé Apostólica no estudo das causas dos santos" (JOÃO PAULO II, 2010, p.2).
  • 8
    "Os santos de hoje foram crescentemente humanizados, são pessoas que viveram intensamente como bons cristãos, de acordo com o julgamento dos defensores das causas, aos quais associam-se cada vez menos esses acontecimentos de cunho extraordinário" (PEIXOTO, 2006, p.212).
  • 9
    Empregamos o conceito de lugares de memória na acepção de Pierre Nora, para quem são "lugares, com efeito, nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional, simultaneamente, somente em graus diversos. Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é um lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual" (NORA, 1993, p.21).
  • 10
    Agradecemos à socióloga Fátima Antunes, responsável por esta Sessão, pelo envio destes documentos.
  • 11
    Processo nº 2001-0.194.472-8 (nº de capa 46.509/1953). Arquivo Municipal de Processos (Piqueri).
  • 12
    Processo nº 3421 (1954). Arquivo Histórico Municipal - Fundo Quartocentenário.
  • 13
    Estas despesas, segundo os documentos que consultamos, foram orçadas em oitenta e cinco mil cruzeiros.
  • 14
    Praia Grande passa a contar com Santuário de Anchieta. Disponível em: <
  • 15
    Halbwachs mostra-nos como os lugares desempenham um papel fundamental na construção da memória coletiva. Para ele, os lugares que percorremos nos fazem lembrar de fatos ocorridos no passado e, assim, contribuem para a construção da memória coletiva. A construção de monumentos, a denominação de lugares e preocupação com a valorização de personagens do passado estão diretamente associadas a uma memória coletiva. Quando uma comunidade elege seus lugares de memória e também seus símbolos e heróis - que passam a representá-la - pode-se perceber condicionantes que estiveram envolvidos nesse processo de construção das representações (HALBWACHS, 2004, p.150).
  • 16
    É importante destacar que "O mercado atua como um mediador do 'sagrado', ao selecionar, de certo modo, aqueles que potencialmente poderão realizar os eventos, operando uma seleção de bens simbólicos e inventando tradições que podem ser absorvidas por pessoas que detêm um certo estilo de vida. Se a 'invenção' e o 'consumo' dessas peregrinações é tão eficaz na atração desses estratos sociais, é justamente porque estão adequadas aí as significações dos rituais e símbolos acionados ao sistema de representação desses segmentos" (CARNEIRO, 2004, p.98).
  • 17
    Atualmente, fazem parte do percurso os seguintes pontos: Catedral Metropolitana de Vitória, Palácio Anchieta (túmulo), Escadaria Bárbara Lindemberg, Avenida Beira Mar, Curva do Saldanha, Terminal Dom Bosco, Travessia da Baia de Vitória (através de lanchas), Prainha de Vila Velha, Subida do Convento da Penha, Convento, Morro do Moreno, Praia do Ribeiro, Praia da Costa, Praia de Itapo, Praia de Itaparica, Ponte da Madalena, Barra do Jucu, Ponta da Fruta, Praia do Sol, Praia do Lé, Setiba, Santa Mônica, Perocão, Três Praias, Aldeia, Praia do Morro, Muquiçaba, Ponte de Guarapari, Praia do Padre, Igreja N. S. Conceição, Praia da Areia Preta (Radium Hotel), Enseada Azul, Meaípe, Maimbá, Ubu, Parati, Praia da Guanabara, Castelhanos, Praia da Boca da Baleia, Santuário de Anchieta (CARNEIRO, 2004, p.90).
  • 18
    A caminhada anual resulta do engajamento de diversos setores da sociedade capixaba, tais como a ONG ABAPA - Associação Brasileira dos Amigos dos Passos de Anchieta, a Polícia Militar do Espírito Santo e o Corpo de Bombeiros.
  • 19
    Cabe lembrar que, ao peregrino/turista é oferecida toda uma infra-estrutura (banheiros químicos em pontos estratégicos, lancherias, restaurantes), além de assistência médica durante o percurso e de uma UTI móvel. In: Como fazer Os Passos de Anchieta. Disponível em: <
    http://www.abapa.org.br/perguntas.php >. Acesso em 23/02/2010.
  • 20
    Segundo os organizadores, o exercício físico desencadeará algumas reações químicas no corpo do caminhante, elevando o ânimo e intensificando, desta forma, a busca do "Deus dentro de si", o maravilhamento diante da natureza e a gratificação de mais uma "barreira quebrada". In: "Os Passos de Anchieta" Uma trilha de sucesso. Disponível em: <
    http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010.
  • 21
    Como fazer "Os Passos de Anchieta". Disponível em: <
    http://www.abapa.org.br/perguntas.php >. Acesso em 23/02/2010.
  • 22
    "Os Passos de Anchieta" Uma trilha de sucesso. Disponível em: <
    http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010.
  • 23
    "Os Passos de Anchieta" Uma trilha de sucesso. Disponível em: <
    http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010.
  • 24
    Os Passos de Anchieta. Uma trilha de sucesso. Disponível em: <
    http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010.
  • 25
    Os Passos de Anchieta. Uma trilha de sucesso. Disponível em: <
    http://www.abapa.org.br/passos.php >. Acesso em 23/02/2010.
  • 26
    Das quais destacamos as seguintes: ANCHIETA:
    Quarto centenario do seu nascimento. 1. ed. Porto Alegre: Globo, 1935. 246 p; LIMA, Jorge De.
    Anchieta. 2. ed. Rio de Janeiro: ABC, 1937. 213 p; THOMAS, Joaquim.
    Anchieta. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1954. 231 p.;
    VIDA ilustrada do v. p. José de Anchieta da companhia de Jesus apostolo do Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Vice-postulado V. P. Anchieta, 1975. 122 p; QUEIROZ FILHO, Antônio de.
    A vida heróica de José de Anchieta. 1. ed. São Paulo: Loyola, 1988. 111 p.
  • 27
    O Dia de Anchieta foi Instituído pela
    Lei Federal nº 55.588, de 18 de janeiro de 1965 e deveria ser oficialmente comemorado no dia 9 de junho (
    data da morte de Anchieta). A instituição dessa data, em 1965, foi planejada por uma Comissão. As tarefas dessa Comissão eram de convocar personalidades do mundo intelectual nacional; solicitar a colaboração de historiadores e ensaístas espanhóis; pedir a presença de um representante do Vaticano nas comemorações (o escolhido foi o jesuíta Paolo Molinari, encarregado pelo processo de beatificação do padre Anchieta); organizar os eventos do "Dia de Anchieta"; firmar convênio com a UNB para realizar um filme sobre Anchieta; firmar convênio com a Escola de Arte Dramática de São Paulo para encenações públicas dos autos de Anchieta nas regiões pelas quais ele passou (Santos, São Vicente, Ubatuba, Itanhaém); fazer um concurso literário para obras biográficas sobre Anchieta (prêmios de 1 milhão para o primeiro colocado e Cr$ 500.000,00 para o segundo colocado); confecção de placas comemorativas em prata e bronze para serem distribuídas aos participantes dos eventos; patrocinar o traslado de uma relíquia de Anchieta, vinda de Roma; e editar as obras completas de Anchieta (ANCHIETANA, 1965, p.5-8).
  • 28
    O ESTADO DE SÃO PAULO, Edições de 1965 a 1968.
  • 29
    FOLHA DE SÂO PAULO, Edições de 1965 a 1968.
  • 30
    LA VANGUARDIA, Edições de 1980; EL PAÍS, Edições de 1980.
  • 31
    REVISTA VEJA, Edições de 1968 a 1980.
  • 32
    O caminho do padre José de Anchieta. Disponível em:
  • 33
    "Caminho de Anchieta" será oficializado pelo governo do Estado de São Paulo. Disponível em: <
  • 34
    PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.2.
  • 35
    O Santuário é apresentado como um "local de meditação, da contemplação dos mistérios, da administração dos sacramentos, da celebração" In: PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.13.
  • 36
    PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.3.
  • 37
    PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.3.
  • 38
    A intenção dos idealizadores também se concentra na tarefa de divulgação. Para isso, eles propõem a utilização da rede de emissoras católicas, como por exemplo, a Rede Vida e a TV Canção Nova, além é claro, de jornais, revistas, rádios e folders impressos, sendo ambos de responsabilidade da CANAN. In: PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.56.
  • 39
    PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.2.
  • 40
    PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.3.
  • 41
    Como mediadores da experiência espiritual, os organizadores elaboram uma estratégia no sentido de controlar se os roteiros foram realmente seguidos, "através da obtenção de carimbo ou selo em um passaporte "oficial" do peregrino, a ser obtido em locais pré-definidos e com pessoal capacitado para a recepção, informação e orientação em relação aos próximos passos da peregrinação". In: PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.7.
  • 42
    PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.7.
  • 43
    PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    www.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.53.
  • 44
    PROJETO "Caminhos de Anchieta". Disponível em: <
    ww.agem.sp.gov.br/pdf/projeto_anchieta.pdf >. Acesso em 24/03/2010, p.53.
  • 45
    Peruíbe recebe "Relíquia de Anchieta". Disponível em: <
    www.peruibe.tur.br/historia/reliquias.htm >. Acesso em 26 de março de 2010.
  • 46
    Esse empenho é acompanhado de publicações que se dedicam a apresentar o missionário jesuíta como místico e servo de Deus - desvinculando-o do papel desempenhado na história política colonial - tais como o "
    Devocionário ao Padre Anchieta", que se propõe a "Por meio deste devocionário, [...] resgatar o papel principal e mais importante do Beato Pe. Anchieta em nosso meio, o de sacerdote de Cristo e dispensador de suas graças e favores" (CANAN, 2003, p.7). O
    Devocionário foi editado pela Loyola, sob o patrocínio da CANAN, a Associação Pró-canonização de Anchieta.
  • 47
    O filme foi dirigido por Paulo César Saraceni.
  • 48
    ENREDO "Anchieta, José do Brasil". Disponível em: <
    www.gavioes.com.br>. Acesso em 25/03/2010.
  • 49
    Com o fechamento da sede da CANAN, o vice-Postulador da causa anchietana, padre Cesár Augusto dos Santos foi transferido para a direção da Rádio Vaticano e segundo informações do próprio padre, o cargo de vice-Postulador permanece vago, aguardando a visita do "Padre Postulador Geral ao Brasil, em maio deste ano [2010]". Segundo informações do padre César, os contatos com os interessados pela causa do missionário estão a cargo do padre jesuíta Nilson Maróstica, assistente do Provincial jesuíta da Província Centro-Leste, Superior da Residência do Colégio São Luís e Pároco da Paróquia São Luís, em São Paulo. Com isso, no momento, o cargo de vice-Postulador encontra-se vago.
  • 50
    Essa Conferência buscou implantar na América Latina as resoluções do Concílio Vaticano II.
  • 51
    Incluída dentro do contexto das comemorações dos 500 anos da descoberta da América pelos europeus, esperava-se que a hierarquia católica fizesse um pedido de perdão aos indígenas pelo genocídio ocorrido durante a colonização. Contudo, muitos bispos conservadores se recusaram a pedir perdão e a celebrar as missas que concretizariam o pedido de desculpas, sendo que somente os religiosos simpatizantes à "Teologia da Libertação" realizariam um pedido formal de desculpas.
  • 52
    Diante dessa conjuntura, os bispos traçam o modelo de evangelização que deveria ser seguido a partir daquele momento: a inculturação. A Igreja não mais forçaria os indígenas a adotar os valores ocidentais, mas, pelo contrário, os próprios missionários se tornariam membros das culturas indígenas e a partir delas, mostrariam aos indígenas a presença de Deus nessas culturas.
  • 53
    É importante salientar que o processo de beatificação chegou ao fim somente em 1980, pela ação do papa João Paulo II, que lançou-se numa campanha de atração de mais fiéis para a Igreja católica e efetivou a beatificação sem a comprovação dos necessários milagres estabelecidos pelo Código de Direito Canônico. Alterado em 1983, o Código acabou introduzindo esta nova categoria de beato, não milagreiro, mas um católico respeitado pelo conjunto de sua obra.
  • 54
    Vale ressaltar que enquanto tramita o processo de Anchieta, Madre Paulina e Frei Galvão (o primeiro santo brasileiro) foram canonizados em 19 de maio de 2002 e 11 de maio de 2007, respectivamente.
  • 55
    Anchieta não teve nenhum milagre comprovado, mas encontramos na página eletrônica da CANAN (Comissão Pró-Canonização de Anchieta), alguns dos supostos milagres realizados por Anchieta. Tais milagres não foram aceitos pelo Vaticano e os reproduzimos aqui a título de ilustração: "Ao recitar um versículo do evangelho à orelha de um garoto desenganado chamado Jerônimo, este se cura não só da enfermidade, mas consegue livrar-se de uma ferida que carregava de nascença. Ana Ribeiro, a mãe da criança, prestou depoimento em 1627; Nóbrega e Luís da Grã comentam sobre a devoção fervorosa de Anchieta e sua capacidade de levitar; Em 1627, Suzana Dias, neta do cacique Tibiriçá, relata, que quando menina, ouviu os padres Manoel da Nóbrega e Luís da Grã comentarem que Anchieta era santo e que seus sonhos eram revelações. Ainda de acordo com ela, quando tinha 12 anos e estava enferma, desejou morrer consagrando sua virgindade a Deus. Anchieta, sem que ela tivesse falado sobre o assunto com ninguém, lhe recomendou, a partir de um sonho o contrário: que se casasse. Suzana Dias casou-se, tempos depois, com o Juiz Manoel Fernandes Ramos dando origem aos "Fernandes povoadores", porque seus descendentes tornaram-se sertanistas, bandeirantes e fundadores de muitas vilas. Além de São Paulo, São Miguel, Guarulhos, Barueri e Carapicuíba, Anchieta foi, portanto, o responsável pela fundação de outras cidades, como Santa do Parnaíba, Itu e Sorocaba; Em 1567, ao embarcar em Bertioga rumo ao Rio de Janeiro, o barco onde Anchieta estava foi abalroado por uma baleia ficando parcialmente inundado. Em seguida, o animal ameaça bater novamente na embarcação, mas subitamente desiste e vai embora. Para os religiosos presentes, todos foram salvos em função da capacidade de Anchieta em comunicar-se com os animais; Em 1568, Anchieta parte para uma nova aventura: resgatar das matas para a sociedade paulista dois militares portugueses que haviam desertado. Ao fazer a travessia em um rio tanto Anchieta como o padre Rodrigues afundam rezando. Os índios, que viajavam em companhia deles, conseguem resgatar rapidamente o padre Rodrigues. Já Anchieta permanece, de acordo com os relatos, pelo menos meia hora totalmente submerso sendo, para a surpresa de todos, resgatado com vida e absolutamente calmo; A reputação de operador de prodígios já acompanhava Anchieta, como o bando de pássaros guarás que volta e meia costumavam voara sobre a canoa em que ele se achava viajando, para protegê-lo do sol. Relatos juramentados e assinados por vários companheiros dessas viagens dão conta de que o fato ocorrera diversas vezes, ora atravessando o canal de Bertioga, ora a baía da Guanabara. Os testemunhos acrescentam detalhes impressionantes, como as exatas palavras que ele usava para pedir ao líder do bando de aves em tupi -"
    erupita de boiaim orebo" - e para mandá-las embora: "
    pe quaim pe suape"; De todos os episódios envolvendo comunicação com animais, porém, destaca-se a "pescaria milagrosa de Marica", que aconteceu em 1583, conforme declaração sob juramento dos padres João Lobato e Pero Leitão. Antes de o sol nascer, após a missa, o padre perguntava aos pescadores que tipo de peixe desejavam pescar. Em função das respostas, ele indicava diferentes locais na lagoa ou no mar. O abundante resultado acabou atraindo um verdadeiro exército de aves marinhas. Após escutar a queixa dos pescadores, Anchieta dirigiu-se às aves e em tupi ordenou-lhes que parassem de incomodá-los, pois receberiam sua parte. As aves obedeceram-no imediatamente.
  • 56
    Isso se deu através da instituição de uma data comemorativa intitulada "Dia de Anchieta", que foi Instituído pela
    Lei Federal nº 55.588, de 18 de janeiro de 1965 e deveria ser oficialmente comemorado no dia 9 de junho (data da morte de Anchieta). A instituição dessa data, em 1965, foi planejada por uma Comissão integrada por Júlio de Mesquita Filho (presidente), Aureliano Leite, Eurípedes Simões de Paula, João Fernando de Almeida Prado, César Salgado, Mário Neme e Lúcia Falkenberg. As tarefas dessa Comissão eram de convocar personalidades do mundo intelectual nacional; solicitar a colaboração de historiadores e ensaístas espanhóis; pedir a presença de um representante do Vaticano nas comemorações (o escolhido foi o jesuíta Paolo Molinari, encarregado pelo processo de beatificação do padre Anchieta); organizar os eventos do "Dia de Anchieta"; firmar convênio com a UNB para realizar um filme sobre Anchieta; firmar convênio com a Escola de Arte Dramática de São Paulo para encenações públicas dos autos de Anchieta nas regiões pelas quais ele passou (Santos, São Vicente, Ubatuba, Itanhaém); fazer um concurso literário para obras biográficas sobre Anchieta (prêmios de 1 milhão para o primeiro colocado e Cr$ 500.000,00 para o segundo colocado); confecção de placas comemorativas em prata e bronze para serem distribuídas aos participantes dos eventos; patrocinar o traslado de uma relíquia de Anchieta, vinda de Roma; e editar as obras completas de Anchieta (ANCHIETANA, 1965, p.5-8).
  • 57
    Ao analisarmos a repercussão que a instituição do "Dia de Anchieta" teve na imprensa brasileira (1965-1968), constatamos que o empenho de padres e leigos católicos pela instituição dessa data em 1965, consistiu, na verdade, numa
    estratégia para que estes obtivessem o apoio dos militares e, principalmente, recursos financeiros para a dispendiosa causa da beatificação. A Causa recebeu um grande impulso no período, principalmente, através da difusão da fama de milagreiro do
    Taumaturgo do Brasil, favorecendo tanto o acesso a informações sobre curas realizadas pela intercessão do missionário jesuíta, quanto o estímulo para sua invocação.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Set 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2010
    • Aceito
      Jun 2010
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