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Ética, capitalismo e arqueologia pública no Brasil

Resumos

O artigo trata da Arqueologia Pública como atividade científica e experiência prática. Começa por discutir os aspectos teóricos relativos à Arqueologia Pública no Brasil para, em seguida, apresentar um estudo de caso. Conclui-se por enfatizar as possibilidades abertas para uma disciplina crítica e socialmente engajada.

Arqueologia Pública; Pesquisa engajada; Abordagem política do passado


This paper deals with public archaeology as a scientific activity as well as practical experience. It starts by discussing the theoretical issues relating to public archaeology in Brazil, and then goes on to discuss a case study. It concludes by emphasizing the possibilities open toward a critical and socially employed discipline.

Public archaeology; Employed research; Political approach to the past


PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Ética, capitalismo e arqueologia pública no Brasil

Pedro Paulo A. FunariI; Erika M. Robrahn-GonzálezII

IProfessor Titular de História Antiga – Departamento de História – Coordenador-Associado do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE/UNICAMP) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UNICAMP – 13081-970 – Campinas – SP – Brasil. E-mail: ppfunari@uol.com.br

IILivre-docente pela Universidade de São Paulo – USP – Pesquisadora do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE/UNICAMP) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UNICAMP – 13081-970 – Campinas – SP – Brasil. E-mail: arqueo@terra.com.br

RESUMO

O artigo trata da Arqueologia Pública como atividade científica e experiência prática. Começa por discutir os aspectos teóricos relativos à Arqueologia Pública no Brasil para, em seguida, apresentar um estudo de caso. Conclui-se por enfatizar as possibilidades abertas para uma disciplina crítica e socialmente engajada.

Palavras-chave: Arqueologia Pública; Pesquisa engajada; Abordagem política do passado.

ABSTRACT

This paper deals with public archaeology as a scientific activity as well as practical experience. It starts by discussing the theoretical issues relating to public archaeology in Brazil, and then goes on to discuss a case study. It concludes by emphasizing the possibilities open toward a critical and socially employed discipline.

Keywords: Public archaeology; Employed research; Political approach to the past.

INTRODUÇÃO

A Arqueologia, nas últimas décadas, tem-se afastado da compreensão positivista e processual que faz da sociedade e da própria disciplina. O objetivo de conhecer o passado "como realmente era", ou was es eingentlich gewesen war, para usar as palavras de Leopold von Ranke (em Funari 2003a:12) revelou-se demasiado ambicioso e a disciplina voltou sua atenção para a ética e a política. Não é por acaso que este movimento coincidiu com a globalização, introduzida como um novo slogan para descrever o capitalismo. Desde o início, a globalização surgiu tanto como uma oportunidade como uma ameaça à natureza e à sociedade. Karl Marx (1973:74) já mencionava as poderosas forças do capitalismo:

The discovery of America, the rounding of the Cape, opened up fresh ground for the rising bourgeoisie. The East-Indian and Chinese markets, the colonization of America, trade with the colonies, the increase in the means of exchange and in commodities, generally, gave to commerce, to navigation, to industry, an impulse never before known, and thereby, to the revolutionary element in the tottering feudal society, a rapid development.

O continente americano esteve, assim, a partir do início da era moderna, no centro da expansão capitalista (Orser, 2004). No entanto, foi só com a revolução digital que o capitalismo se espalhou para a vida cotidiana das pessoas e nas áreas mais remotas. Os problemas decorrentes desta situação são variados, o que não preocupou apenas os críticos de tal sistema econômico, mas também aqueles que o consideram inevitável. Joseph Stiglitz (2002), um famoso economista, ganhador do Prêmio Nobel e ex-conselheiro do Presidente Bill Clinton, declarou:

I believe that globalization – the removal of barriers to free trade and the closer integration of national economies – can be a force for good and that it has the potential to enrich everyone in the world, particularly the poor. But I also believe that if this is to be the case, the way globalization has been managed, including the international trade agreements that have played such a large role in removing those barriers and the policies that have been imposed on developing countries in the process of globalization, need to be radically rethought.

O capitalismo tem ameaçado a diversidade tanto da natureza quanto da cultura. A Arqueologia está diretamente relacionada com o poder esmagador do capital para proteger ou destruir o registro arqueológico. Neste artigo, iremos introduzir o leitor para o Brasil e sua Arqueologia e, em seguida, apresentar exemplos de como enfrentar seus desafios. O capitalismo regulado pela legislação do patrimônio tem produzido novas oportunidades de trabalho para o arqueológico, e as questões éticas são particularmente importantes neste contexto.

A Sociedade Brasileira e a Arqueologia em Perspectiva Histórica

A Arqueologia e o capitalismo no Brasil devem ser entendidos em seu contexto histórico específico. O Brasil, como estado-nação, sempre foi associado ao capitalismo, desde a chegada do colonizador português, no século XV. No entanto, tem sido também caracterizado por traços patriarcais, e mesmo feudais, tanto que uma compreensão da gestão dos recursos arqueológicos deve ser analisada dentro do contexto de sua complexidade geográfica e de seu desenvolvimento histórico. O Brasil é um país de grande extensão (8.511.965 km2), sua costa atlântica chega a 7.408 km. Quase na totalidade, apresenta um clima semi-tropical ou tropical. Na região norte, a densa floresta da Bacia Amazônica recobre metade do país; na região nordeste, tem-se o ambiente semi-árido; uma grande área de cerrado estende-se do centro-oeste para a área ao sul e uma vegetação semi-tropical estende-se do Estado de São Paulo até o sul dos Pampas, no Rio Grande do Sul.

O início da pesquisa arqueológica acadêmica no Brasil (1950-1964) coincidiu com o período mais longo da democracia (1945-1964). O humanista Paulo Duarte foi grande responsável por isso. Por conta de sua amizade com Paul Rivet, diretor do Musée de l'Homme, em Paris/França, Duarte criou a Comissão de Pré-história na Universidade de São Paulo, em 1952. Lutou pela proteção jurídica da herança brasileira e, como resultado de seu esforço, o Congresso Brasileiro promulgou uma legislação sobre o tema (Projeto de Lei 3537/57, aprovado como Lei 3924, em 1961) protegendo os sítios arqueológicos. Até hoje ainda é a única lei federal explícita sobre a proteção ao patrimônio arqueológico.

O período militar (1964-1985) alterou essa situação. Os americanos Clifford Evans e Betty Meggers implantaram o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, conhecido pela sigla PRONAPA. O Programa foi patrocinado pelo Smithsonian Institution de Washington e por instituições brasileiras, como o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). No período entre 1965 e 1971, o PRONAPA treinou arqueólogos brasileiros e realizou levantamentos e escavações em todo o país, com alguns resultados publicados. As novas autoridades utilizaram a suposta falta de verbas para minar o projeto acadêmico de arqueologia, tal como proposto por Duarte. Ele foi expulso da Universidade de São Paulo em 1969 e o Instituto de Pré-história, que criou, foi sujeito a restrições. A Arqueologia sofreu então forte pressão, como conseqüência de tendências autoritárias no interior da profissão. Contudo, a democracia (a partir de 1985) favoreceu o florescimento da arqueologia e essa liberdade levou ao desenvolvimento de uma variedade de novas atividades junto ao patrimônio arqueológico. Livros interpretativos foram publicados, bem como um maior número de artigos em revistas acadêmicas, pela primeira vez não só no próprio país, como também no exterior.

Capitalismo e Patrimônio Arqueológico

O patrimônio arqueológico tem sido objeto de vários projetos de lei, o primeiro e mais abrangente deles em 1936, sob iniciativa do líder intelectual Mário de Andrade. Voltava-se tanto aos recursos etnológicos quanto arqueológicos, especificamente artefatos, monumentos (tais como indústrias cerâmicas, líticas, cemitérios, sambaquis, arte rupestre), paisagens (rios, fauna, grutas e até mesmo rotas e trilhas tradicionais) e folclore. Em janeiro de 1937, foi criada uma instituição brasileira de patrimônio cultural, o "Serviço Histórico e Artístico Nacional" (SPHAN), com a finalidade de promover, preservar e tornar público este patrimônio. O projeto de lei 511/36, inicialmente proposto por Mário de Andrade, estava em discussão no Congresso em novembro de 1937, quando um golpe militar fechou o parlamento. No mesmo mês, o Presidente Getúlio Vargas, agora como ditador, publicou o projeto de Lei como um decreto, o "Decreto-Lei n. 25/37", que ainda está em vigor. Um novo código penal também foi emitido em 1940, pela primeira vez punindo a destruição de bens culturais, incluindo os arqueológicos. Também a partir de 1940, o órgão brasileiro de patrimônio criou um registro dos sítios protegidos e de coleções arqueológicas. Em 1948, no Estado do Paraná, foi aprovada uma lei protegendo os assentamentos espanhóis e jesuítas com uma área envolvente de 100 hectares, levando ao posterior estabelecimento dos parques de Vila Rica, Santo Inácio e Ciudad Real. Vários juízes e outros funcionários também tentaram proteger sítios sambaqui em diferentes regiões do país.

A Comissão de Pré-história, criada em 1952 por Paulo Duarte com o objetivo de proteger os sítios arqueológicos, acabou gerando discussões e a aprovação da Lei 3924/61 pelo Congresso, em 1961. A lei trata dos "monumentos arqueológicos e pré-históricos" e estabelece sua proteção pelo Estado, não sendo sujeitos às normas gerais de propriedade privada. Os sítios arqueológicos, em geral, são considerados monumentos. Assim, é proibida sua destruição, bem como seu uso econômico. Os sítios passam a ser considerados bens da União. A lei também menciona escavações arqueológicas e a necessidade de criar um registro dos sítios controlados pela instituição competente (SPHAN). A mesma lei também define a produção de um relatório arqueológico e os cuidados necessários à guarda dos acervos gerados com as pesquisas.

A restauração do regime civil em 1985 conduziu a uma crescente atividade de assembléias e câmaras municipais, livres para legislar sobre um vasto leque de assuntos, incluindo a gestão do patrimônio cultural. Vários estados introduziram legislações de proteção aos sítios arqueológicos e instituíram registros de monumentos e coleções arqueológicas. Este tem sido particularmente o caso dos estados com forte atividade arqueológica, como São Paulo e Rio Grande do Sul. Conselhos municipais também introduziram legislações sobre o assunto, e várias administrações municipais criaram instituições voltadas ao patrimônio cultural. A Arqueologia urbana foi sendo desenvolvida e tem havido grande interesse em seus bens arqueológicos. O novo currículo da escola primária, introduzido na década de 1990, enfatizou a importância da aprendizagem no contexto local, de maneira que a cidade passou a ser o ponto de partida para a compreensão da vida social. Deste modo, a arqueologia pode desempenhar um papel especial, permitindo aos alunos conhecer as sociedades indígenas que habitaram sua cidade em tempos pré-históricos. Ademais, vestígios materiais do período histórico também têm sido utilizados para mostrar que a imagem dada por documentos é tendenciosa e que negros, índios, mestiços, imigrantes, migrantes e comunidades em geral costumam ser sub-representadas nos documentos oficiais, cujas evidências materiais têm sido agora recuperadas pela arqueologia. O material didático de escolas primárias está também introduzindo as evidências arqueológicas a fim de dar às crianças uma visão mais complexa do passado, permitindo-lhes melhor compreender os atuais contextos e contradições da sociedade.

Capitalismo, Arqueologia e Participação Pública

A revolução tecnológica das últimas duas décadas conduziu a uma enorme disseminação de informações arqueológicas e o Brasil foi muito afetado por este processo. Graças à promulgação de legislações patrimoniais nas instâncias federal, estadual e municipal, pesquisas arqueológicas têm sido realizadas por todo o país. A principal questo ética, porém, está relacionada à inclusão do público na prática arqueológica e em seu discurso. Entendemos o público não apenas como os grupos locais, as comunidades étnicas e os alunos, mas também a sociedade em geral que lê revistas e desfruta de programas sobre ciência popular no rádio e na televisão. A inclusão deste procedimento ético ainda se inicia no Brasil, uma vez que a maior parte dos instrumentos jurídicos existentes se refere a procedimentos burocráticos, ao invés da divulgação do conhecimento e interação entre os arqueólogos e a comunidade.

Atualmente é bem aceito que a arqueologia e a educação são indissociáveis, e que o passado é muitas vezes representado como um espelho dos grupos dominantes em uma determinada sociedade. Tanto educação quanto arqueologia podem lidar com a interpretação do presente e do passado para forjar identidades úteis para as pessoas no poder, destarte, arqueólogos e educadores têm sido promotores ativos de abordagens críticas. Assim, a arqueologia é capaz de dar voz às "maiorias silenciosas" que estão representadas nos registros materiais, à luz de seus próprios interesses e perspectivas. A arqueologia e a educação interagem especialmente nos museus, salas de aula e livros didáticos.

Os Desafios do Capitalismo para a Arqueologia Brasileira

O capitalismo provocou uma prática arqueológica ética no Brasil, assim como em outros locais, por diversos motivos. Em primeiro lugar, e acima de tudo, a ganância capitalista está no centro da destruição natural e cultural em grande escala. Na floresta amazônica a destruição dos recursos naturais é um dos principais desafios, e o avanço do capitalismo afeta igualmente as comunidades tradicionais. Existem tendências similares do capitalismo em outros lugares do planeta, mas a especificidade da floresta tropical torna esta ameaça especial, como é reconhecido tanto pelo governo brasileiro como por várias instituições internacionais.

Arqueólogos enfrentam um dilema ético, no entanto. A legislação patrimonial, promulgada como resultado da luta democrática, exige que todos os projetos de desenvolvimento potencialmente impactantes financiem pesquisas arqueológicas, incluindo ações de resgate. Mesmo que a lei não seja executada em todos os casos, devido aos benefícios a curto prazo para as empresas capitalistas, existem vários projetos em que arqueólogos foram contratados. Por outro lado, em um país pobre, os arqueólogos enfrentam uma tarefa difícil para sobreviver, como resultado, as empresas capitalistas podem contar com a contratação de profissionais que sofrem pressão para assinar relatórios indicando a ausência de vestígios arqueológicos na área (Funari 2001). Assim, há abundância de oportunidades para um conluio entre os arqueólogos e os interesses do capitalismo.

As condições de emprego para os arqueólogos dentro do sistema capitalista são, portanto, absolutamente inadequadas. Universidades públicas, museus e instituições de pesquisa empregam um número de arqueólogos, mas os salários não são animadores, mesmo nas mais prestigiadas instituições. O desenvolvimento de empresas arqueológicas privadas, neste contexto, é uma bênção. Por um lado, costumam pagar adequadamente aos arqueólogos, de modo que há profissionais interessados em participar do campo e de laboratório. Como as grandes empresas são solicitadas pelos órgãos de Patrimônio a produzir relatórios sobre suas atividades, estes são via de regra honestos e permitem aos arqueólogos obter importantes experiências. Por outro lado, não há uma política oficial de fazer respeitar/que organize a publicação de relatórios arqueológicos e a inclusão de interesses e preocupações da comunidade. Isto significa que a maior parte dos relatórios permanece inédita e, portanto, inacessível para outros estudiosos e para as comunidades e a sociedade em geral. Iniciativas que visam aos interesses da população ficam ao critério das empresas, e muitas vezes aquelas que trabalham em colaboração com instituições públicas desenvolvem programas de Arqueologia Pública (FUNARI, 2004).

Em uma sociedade muito desigual, como a do Brasil, com características aristocráticas patriarcais, as elites utilizam a Arqueologia para fomentar costumes e valores, e são capazes de controlar as instituições públicas e particulares graças à sua posição e lealdade para com regimes ditatoriais. Valores capitalistas e sutilezas burguesas são saudados e os valores não capitalistas da sociedade são ignorados, apesar das diferentes características das identidades sociais envolvidas (FUNARI, 2002). A escravidão e a exploração dos grupos indígenas, entre outros, são temas negligenciados por elites locais que preferem considerar a si próprias, desde o apogeu da escravidão no século XIX, como capitalistas agentes do progresso. Outra conseqüência para a arqueologia é a importação de modelos interpretativos externos, adequados para países capitalistas desenvolvidos, mas distantes da realidade brasileira.

Arqueólogos que se opõem ao capitalismo enfrentam restrições ao uso da arqueologia para fins emancipatórios. Existem vários exemplos de projetos (incluindo a investigação subaquática), cujo objetivo é estudar assuntos tais como resistência e comércio escravo, identidades locais e herança indígena brasileira. No entanto, abordagens críticas são acusadas de serem ideológicas, como se interpretações pró-capitalistas fossem neutras (Funari, 2003b). Fora da academia, em movimentos sociais anticapitalistas, a arqueologia está apenas começando a desempenhar um papel, principalmente através de seu potencial como contrapeso às perspectivas conservadoras. Movimentos indígenas e de descendentes de escravos trabalham em estreita ligação com os arqueólogos a fim de incentivar os seus contra-interesses da expansão capitalista. Se compararmos a situação do Brasil com aquela do mundo capitalista desenvolvido, devemos salientar as diferenças. Embora contratos em arqueologia sejam monitorados de perto na maioria dos países ocidentais, no Brasil o estado é ainda incapaz de controlar totalmente as tentativas capitalistas e as ações de resgate patrimonial. A diferença mais importante, porém, talvez esteja no fato de que o capitalismo no Brasil está profundamente entrelaçado com o ethos aristocrático e com as tradições, sendo as elites ao mesmo tempo patriarcais e capitalistas. Comunidades tradicionais, grupos indígenas e vários outros grupos locais são geralmente apenas parcialmente afetados pelo capitalismo, e esta é uma diferença enorme com as condições no Ocidente. A Arqueologia mercantilista é apenas parcial no Brasil e isso abre enormes oportunidades para ações alternativas, em contraste com as tendências do capitalismo ocidental. Os arqueólogos podem, assim, desempenhar um papel importante no que se refere a um diálogo com as perspectivas e tradições não-capitalistas.

Arqueologia Pública e Sustentabilidade Social

No Brasil, assim como em vários outros países, a arqueologia permaneceu por muito tempo restrita à investigação acadêmica e/ou ao ensino da disciplina em cursos superiores, deixando para uma equipe de não arqueólogos (incluindo caçadores de tesouros, amadores e colecionadores) a missão de distorcer os vestígios arqueológicos e suas interpretações.

No entanto, nos últimos anos, os arqueólogos brasileiros começaram a introduzir uma agenda em Arqueologia Pública, como atividades educativas, e isso inclui uma interação com a comunidade (incluindo sociedades indígenas) bem como a proteção e preservação dos recursos arqueológicos. Começaram assim a assumir sua responsabilidade social em relacionar a experiência do passado à do presente, e contribuir na promoção do futuro. Por outro lado, uma vez que no Brasil a Arqueologia Pública foi principalmente relacionada ao desenvolvimento de pesquisas de contrato, sua discussão e prática estão associadas a um objetivo maior: a definição de instrumentos e estratégias para a sustentabilidade sócio-ambiental num contexto capitalista.

Desde a conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, em 1992, "desenvolvimento sustentável" tornou-se importante palavra-chave para uma retórica política que envolve qualidade de vida, conservação de recursos naturais e um sentido de obrigação às futuras gerações. Apesar de a discussão ter sido inicialmente voltada às ciências naturais e às análises de crescimento econômico, a questão mais ampla é social, cultural e histórica: diz respeito à viabilidade das relações entre sociedade e natureza ao longo de grandes períodos de tempo (Becker et al 1999:1-6).

Por isso, o discurso sobre sustentabilidade é basicamente social e ligado a questões como justiça social e regulamentação política. Os arqueólogos podem contribuir significativamente para esse processo através do incremento da coesão social, construindo ligações entre o presente e o passado através da preservação da história e das tradições e da valorização do patrimônio cultural (ver Becker e Jahn 1999; de Vries 2003; Little 2002; McManamon 2000). Isto conduz, porém, a questões éticas relativas, por um lado, a diferenças fundamentais entre os grupos sociais na compreensão e valorização do passado, e, por outro lado, no etnocentrismo intelectual que muitas vezes ainda domina as atitudes dos arqueólogos.

De fato, como definem Smith e Ehrenhard (2002:123), não temos apenas um público a considerar, mas vários, cada qual com sua singularidade histórica e sócio-cultural e com seus próprios interesses nos acontecimentos do passado. Embora a pergunta "O que deve ser socialmente sustentado?" nunca encontrará uma resposta unânime, poderemos chegar a um consenso sobre a efetiva participação da comunidade na investigação arqueológica, baseada em uma forma não hierárquica, em que métodos e interpretações convirjam para a interação (ver Faulkner 2000 para uma experiência de 'arqueologia democrática').

Esta é uma questão particularmente sensível no Brasil, um país formado não só por uma enorme diversidade de contextos históricos e culturais locais, mas também por uma estrutura social estratificada, onde uma grande quantidade da população não tem acesso a recursos críticos, incluindo a educação. Por essa razão, a prática recente da arqueologia pública no Brasil é um desafio estimulante. Apresentamos abaixo um exemplo, baseado em experiência partilhada na região do Brasil Central, analisando os desafios que o capitalismo apresenta à Arqueologia Brasileira dentro de uma perspectiva internacional mais ampla.

Educação Pública e Cidadania: uma experiência com uma comunidade na fronteira Amazônica

O Programa de Pesquisa e Resgate de Patrimônio Arqueológico, Histórico e Cultural da UHE Peixe-Angical, empreendimento localizado no médio vale do rio Tocantins, no limite meridional do ambiente amazônico com a região do Planalto Central, foi iniciado em 20011 1 O Programa foi coordenado pelos Profs. Drs. Erika M. Robrahn-González e Paulo De Blasis (MÃE/USP). . O projeto foi executado por uma equipe de arqueólogos profissionais responsável pelo trabalho. Financiado por empresa privada, mas plenamente autônoma na concepção, condução e resultados da pesquisas, tal como estabelecido por lei, o Programa foi desenvolvido dentro da abordagem da Arqueologia Pública. Durante os primeiros três anos, a investigação incidiu no levantamento e resgate de cerca de 120 sítios localizados na área do futuro lago, seguindo o calendário de construção. Durante este período, entretanto, grande atenção foi dada para o conhecimento da história e tradições culturais da comunidade envolvida, buscando avaliar estratégias específicas para a realização de ações em parceria com a comunidade. Assim, foram realizadas entrevistas e discussões com mais de 300 famílias, momento em que os pesquisadores buscaram contextualizar as suas próprias perspectivas históricas e culturais.

No Tocantins, como ocorre em geral no Brasil, a sociedade nacional foi formada através de uma ruptura entre as ocupações indígenas que ali se encontravam e o elemento europeu, mais tarde acrescido pela cultura africana. Este panorama é ainda agravado pelo fato de várias cidades da região serem muito recentes (pós 1960), como resultado da abertura da rodovia Belém-Brasília. Pessoas de diferentes regiões do país para lá se deslocaram, resultando na formação de uma comunidade heterogênea sem uma história comum. Isso, no entanto, ofereceu uma oportunidade para a comunidade criar tradições e traços novos não capitalistas, tais como os seus variados eventos e festejos.

Neste contexto o patrimônio arqueológico foi considerado como elemento contributivo para a reunião dos diferentes componentes da comunidade, buscando construir ligações entre o presente, através de vestígios do passado. Como menciona McManamon (2002:32), os vestígios materiais auxiliam no reconhecimento de um passado real, uma ligação entre o antes e o agora, iluminando o processo da história e da memória.

O valor simbólico dos recursos arqueológicos foi também salientado, incluindo os cuidados que devem ser tomados em seu estudo, e no fato de que a natureza não renovável destes recursos torna claro o insubstituível valor de seus contextos locacionais. Contrariamente à ideologia capitalista, a paisagem é interpretada como bem cultural, e não somente como item monetário. A preservação dos vestígios arqueológicos é considerada, desta forma, como parte da própria estratégia de fomento aos valores locais e não-capitalistas.

Entre as diversas atividades realizadas pelo Programa Arqueológico com as comunidades envolvidas, a 'Semana de Arqueologia' merece destaque. Constituiu evento realizado nos três municípios abrangidos pela UHE Peixe-Angical, envolvendo o total de 3.782 alunos matriculados nas escolas públicas estaduais e municipais (incluindo crianças em idade escolar e jovens e adultos em cursos de alfabetização). A concepção e organização do evento foi possível através de uma parceria entre os arqueólogos, a comunidade local e a empresa construtora. Esta fase envolveu seis meses de trabalho, incluindo a definição das expectativas da comunidade, as alternativas de ação e os eventos da 'Semana de Arqueologia' em si. Graças à perspectiva pública do Programa Arqueológico, a comunidade desempenhou um papel fundamental nestas atividades. A diversidade interna da sociedade envolvida, aliada às suas estratégias sociais não capitalistas, foram fortemente considerados. Ceramistas locais foram integradas em oficinas de trabalho a fim de expor seus conhecimentos, técnicas e simbolismos na fabricação de utensílios e outros objetos.

A tradição é aqui entendida como parte do patrimônio coletivo, como resultado da criação coletiva. Assim, é anti-capitalista em essência, uma vez que tradição se refere a objetivos e aspirações coletivas, e não a práticas individuais capitalistas (Funari e Pelegrini 2006). O trabalho de campo arqueológico, enquanto prática coletiva, constitui um catalisador no entendimento de que os estilos de vida comunitários são importantes para a ciência, em oposição à ideologia capitalista popular, que realça o indivíduo.

Como uma das atividades preparatórias, foi realizado um curso de capacitação em Arqueologia e Educação Pública incluindo todos os professores da rede de ensino dos municípios citados (atingindo 120 profissionais). Em paralelo, foi feita doação de um conjunto de livros para cada uma das escolas, sobre temas de Arqueologia Brasileira e suas abordagens críticas, visando fomentar a continuidade dos estudos e reflexões. Ao final do curso, foi entregue um certificado de participação aos professores, assinado pelo Núcleo de Estudos Estratégicos em Arqueologia Pública da Universidade de Campinas (NEE/UNICAMP), documento válido para sua pontuação profissional. Todos os professores participaram e contribuíram ativamente das reuniões preparatórias e das atividades durante a 'Semana de Arqueologia'. Quinze arqueólogos atuaram conjuntamente como professores, incluindo ainda educadores, artesãos locais e outros para produzir uma semana de atividades educativas e avaliações críticas. Dentre os arqueólogos, contou-se com profissionais seniors na qualidade de responsáveis acadêmicos, sendo os demais formados por graduados ou estudantes licenciados. O objetivo maior foi contribuir com o fortalecimento das identidades locais, habilitando-os na luta para defesa de seus interesses, valores e percepções de mundo tradicionais e não-capitalistas.

Aulas expositivas, desenhos, exposições, poemas, passeios na zona histórica dos centros urbanos, danças e brincadeiras foram desenvolvidos. Sítios arqueológicos utilizando réplicas de peças foram criados em cada uma das escolas, o que permitiu que os alunos experimentassem um pouco da rotina diária de investigação. Após uma semana de intensas atividades, a comunidade realizou uma festa de encerramento, com apresentações de danças tradicionais que há anos deixaram de ser praticadas: pessoas redescobrindo roupas festivas, recordando canções e re-congregando grupos da melhor idade. A festa foi organizada pela própria comunidade, constituindo uma maneira de reforçar seu simbolismo tradicional e popular, tão rapidamente removido pelas práticas capitalistas globais.

Para grande satisfação da equipe a 'Semana de Arqueologia' continua tendo repercussão sobre as atividades cotidianas da cidade, anos após sua execução. As escolas, juntamente com os alunos, aplicam atividades de arqueologia e patrimônio histórico/cultural em diferentes disciplinas como a escrita, matemática, investigação histórica, a arte e outros. Os professores expõem a experiência para escolas de outras cidades, que solicitam e igualmente recebem kits com materiais de trabalho. A fabricação de vasilhas cerâmicas na cidade, que antes era restrita a apenas uma mulher, têm agora novas aprendizes.

A experiência de cidadania, baseada na livre expressão da comunidade, em sua diversidade e voltada a políticas de preservação, constitui o elemento básico deste projeto. Assim, a arqueologia pode desempenhar um importante papel na promoção das preocupações do povo e das suas tradições e ações, também quando se trabalha com empresas privadas. O verdadeiro desafio é difundir esta abordagem crítica e promover ações eticamente comprometidas.

Duas outras observações devem ser finalmente aqui apresentadas. Em primeiro lugar, ainda é uma exceção no Brasil incluir abordagens públicas críticas nos programas de pesquisa, daí a sua discussão neste artigo. Em segundo lugar, este caso e sua singularidade destacam as dificuldades e limitações da abordagem anticapitalista, sendo muito mais fácil desenvolver os assim chamados programas acadêmicos, científicos e positivistas, quando se está de fato separando a pesquisa e o debate de patrimônio da sociedade atual e ignorando os interesses dos cidadãos e das comunidades locais, aos quais de fato pertence este passado (contra Prous 2006:12).

Conclusão

A maior parte dos cientistas sociais concorda que o Brasil é uma sociedade fortemente patriarcal, onde o clientelismo e as relações pessoais estão no centro da imensa desigualdade social. O capitalismo funciona dentro deste quadro tradicional. CRM (gestão dos recursos culturais), um típico esquema capitalista criado para lidar com os vestígios arqueológicos, é aplicado no Brasil dentro deste contexto local e específico. Isto explica tanto o sucesso de várias empresas arqueológicas privadas como o fato de os compromissos éticos serem deixados ao critério de cada empresa individual.

Várias atividades arqueológicas privadas têm sido criticadas por itens como a ausência de publicações e a falta de monitoramento público. Isto pode levar a várias questões éticas. Por um lado, o capitalismo pode levar à destruição de patrimônio arqueológico, na medida em que os arqueólogos não seguem os padrões éticos básicos, e as instituições públicas não estão equipadas para monitorar e vistoriar sua prática. Por outro lado o capitalismo, regulado e controlado por instituições públicas e pelo poder judiciário, pode contribuir para uma melhor compreensão do passado. Iniciativas que incluam a participação da comunidade são agora cada vez mais freqüentes, e é crescente a colaboração de instituições estatais e privadas para fomentar a consciência pública. Mas, ao final de tudo, não podemos desviar da grande questão ética: quem se beneficia da pesquisa arqueológica?

Agradecimentos

Viemos agradecer aos seguintes colaboradores: Barbara Little, Walter Alves Neves, Charles E. Orser Jr. e Anna Curtenius Roosevelt. Recebemos apoio institucional do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), da Fundação à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do World Archaeological Congress e da Universidade de Campinas, São Paulo, especificamente seu Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE / UNICAMP). O conteúdo e as idéias apresentadas neste artigo são de nossa própria autoria e somos os únicos responsáveis por elas.

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NOTAS

Artigo recebido em 10/2008.

Aprovado em 11/2008.

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    O Programa foi coordenado pelos Profs. Drs. Erika M. Robrahn-González e Paulo De Blasis (MÃE/USP).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Set 2010
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      Nov 2008
    • Recebido
      Out 2008
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