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História e Ciências Sociais: zonas de fronteira

History and Social Sciences: frontier zones

Resumos

O artigo analisa as relações entre história e ciências sociais, investigando os embates e as reciprocidades conceituais e institucionais entre ambas, ao longo de mais de um século. Trata-se de esboçar um debate que encontra seu ápice de tensão na antropologia estruturalista que, tendo Lévi-Strauss à frente, retoma os confrontos entre a história metódica e a sociologia durkheimiana, cujos desdobramentos atravessaram os combates pela história dos "primeiros Annales". Nas últimas décadas, a aproximação entre história e antropologia atualizou o debate, culminando nas atuais reflexões sobre a identidade do ofício do historiador diante da abertura da história em relação às demais ciências humanas, tanto na tradição de uma "história total" quanto nas recentes abordagens microanalíticas.

História e Ciências Sociais; Historiografia; Interdisciplinaridade


This article analyses the relationship between History and Social Sciences, investigating over a century of conceptual and institutional conflicts and reciprocities between them. The text draws as a debate that culminates in structuralist anthropology, which, led by Lévi-Strauss, rethinks the confrontations between methodical history and Durkheim’s sociology, through the combats for history of the Annales’ founders. Over the last decades, the increasing proximity between history and anthropology has revived the debate, culminating in the recent reflections about the identity of history and its openness towards other human sciences, both in the tradition of "total history", and in recent micro-analytic approaches.

History and Social Sciences; Historiography; Interdisciplinarity


DEBATES HISTORIOGRÁFICOS

História e Ciências Sociais: zonas de fronteira

History and Social Sciences: frontier zones

Fernando Teixeira da Silva1 1 Professor do Departamento de História da Unicamp e da Unimep, autor de Operários sem patrões: os trabalhadores da cidade de Santos no entreguerras. Campinas: Unicamp, 2003. CEP 13083-872. e-mail: ftsilva@unicamp.br. Este artigo foi, originalmente, concebido como texto didático da disciplina Teorias da História, que ministrei no Curso de Especialização História e Cultura na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), em 2000 e 2003.

RESUMO

O artigo analisa as relações entre história e ciências sociais, investigando os embates e as reciprocidades conceituais e institucionais entre ambas, ao longo de mais de um século. Trata-se de esboçar um debate que encontra seu ápice de tensão na antropologia estruturalista que, tendo Lévi-Strauss à frente, retoma os confrontos entre a história metódica e a sociologia durkheimiana, cujos desdobramentos atravessaram os combates pela história dos "primeiros Annales". Nas últimas décadas, a aproximação entre história e antropologia atualizou o debate, culminando nas atuais reflexões sobre a identidade do ofício do historiador diante da abertura da história em relação às demais ciências humanas, tanto na tradição de uma "história total" quanto nas recentes abordagens microanalíticas.

Palavras-chave: História e Ciências Sociais; Historiografia; Interdisciplinaridade

ABSTRACT

This article analyses the relationship between History and Social Sciences, investigating over a century of conceptual and institutional conflicts and reciprocities between them. The text draws as a debate that culminates in structuralist anthropology, which, led by Lévi-Strauss, rethinks the confrontations between methodical history and Durkheim’s sociology, through the combats for history of the Annales’ founders. Over the last decades, the increasing proximity between history and anthropology has revived the debate, culminating in the recent reflections about the identity of history and its openness towards other human sciences, both in the tradition of "total history", and in recent micro-analytic approaches.

keywords: History and Social Sciences; Historiography; Interdisciplinarity.

Durante um século, a confrontação entre a história e as ciências sociais foi o espaço de um debate difícil, e que ainda hoje permanece inteiramente aberto.2 2 REVEL, Jacques. História e ciências sociais: uma confrontação instável. In: BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (orgs.). Passados recompostos: campos e canteiros da história. Rio de Janeiro: UFRJ, FGV, 1998, p.79.

As relações da história com as ciências sociais remontam ao momento em que ambas passaram a disputar posições no interior do establishment acadêmico por meio de embates conceituais que visavam a definir um estatuto de cientificidade para o conjunto de sua produção. Os termos dos debates iniciados há mais de um século marcaram profundamente os rumos tomados pelas duas disciplinas, fazendo-as oscilar entre movimentos de aproximação e distanciamento, confrontação e reciprocidade. Conceitos como evento e estrutura, sincronia e diacronia, ruptura e continuidade, narrativa e interpretação fundamentaram epistemologicamente as relações entre história e ciências sociais. Ao mesmo tempo, os conflitos teóricos e institucionais entre ambas foram a condição de sua indissociabilidade. Com certo otimismo, Robert Darnton sintetizou o longo percurso que este texto pretende percorrer: onde havia uma "zona de litígio", estabeleceram-se "relações de boa vizinhança".3 3 Termos empregados em DARNTON, Robert. História e antropologia. Entrevista de Robert Darnton a Lilia SCHWARCZ, Lilia e PUNTONI, Pedro. Boletim da Associação Brasileira de Antropologia, n.26, set., 1996.

ZONA DE LITÍGIO

Relações de interdependência e, ao mesmo tempo, de aguda tensão entre a história e as ciências sociais têm suas raízes fincadas nos debates entre a sociologia durkheimiana e a história metódica. Por meio da revista L'Anné Sociologique e de uma equipe de cientistas sociais, Durkheim pretendia fazer da sociologia uma disciplina independente e autônoma, com assento no sistema universitário, no qual a história já estava consolidada. Além de uma disputa por idéias, tratava-se também de uma luta por posições institucionais e políticas, sobretudo se considerarmos que os avanços teóricos e investigativos da sociologia não tiveram inicialmente boa acolhida nas instituições acadêmicas. Desde a fundação de L'Anné Sociologique, Durkheim passa a comandar uma "guerra de movimento", de anexação das demais disciplinas das ciências humanas. O conceito de causalidade social deveria ser o amálgama dessas ciências, cabendo à sociologia o papel centralizador. A história era o alvo privilegiado desta estratégia. Na expressão de François Dosse, "o historiador deve contentar-se em apanhar, coletar os materiais com os quais o sociólogo fará o mel". Durkheim não deixa dúvida sobre o caráter auxiliar do trabalho dos historiadores: "a história só pode ser considerada uma ciência desde que se eleve acima do individual — e é verdade que, então, deixa de ser ela mesma para tornar-se um ramo da sociologia".4 4 DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Ensaio, Campinas: Unicamp, 1992, p.26. Caberia à sociologia a tarefa de elaborar e oferecer conceitos às ciências humanas em formação.5 5 REVEL, Jacques. História e Ciências Sociais: os paradigmas dos Annales. In: A Invenção da Sociedade. Lisboa: Difel, s/d, p.21. Este era o ponto de partida da luta pelo establishment acadêmico, provocando contra-ataques dos historiadores entrincheirados em sua sólida fortaleza institucional.6 6 BOURDÉ, Guy e MARTIN, Herve. A escola dos Annales. In: As escolas históricas. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.

Em 1901, o historiador Charles Seignobos publica Méthode Historique Appliquée aux Sciences Sociales", uma espécie de manifesto às pretensões da jovem sociologia, argumentando que esta não passava de uma subseção da história. A guerra está declarada. François Simiand entra em combate e declara que a história é uma fonte de dados empíricos dos fenômenos passados, um campo experimental das leis sociológicas.7 7 LEITE LOPES, José Sérgio. História e antropologia. Revista do Departamento de História, n.11, FAFICH/UFMG, jul. 1992; REVEL, Op. cit., p.22. Em 1903, ele publica Méthode Historique et Science Sociale, texto provocativo que não leva em conta a produção de outros historiadores, manifesto que radicaliza oposições, mas que também apresenta os dados essenciais da polêmica, tornando-se uma espécie de matriz teórica dos fundadores dos Annales.8 8 BURKE, Peter. A escola do Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.17-22; LE GOFF, Jacques. A nova história. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.21, 37-41.

Simiand combatia a história que ele denominava de "historicizante": método científico como meio e fim, cuja tarefa era estabelecer os fatos de acordo com as regras do método erudito de crítica e classificação das fontes. Ele combatia "os ídolos da tribo dos historiadores": ídolo político (história eminentemente política), ídolo individual (os feitos dos "grandes homens") e ídolo cronológico (mito das origens). Segundo ele, os fatos isolados nada significam, não são dados (como mais tarde diria Lucien Febvre), mas construídos e integrados em séries para se verificar regularidades, causalidades e sistemas de relações. A dimensão temporal não deve se limitar à cronologia linear, mas se abrir para variações e recorrências, oferecendo os elementos experimentais de uma pesquisa comparativa e classificatória. A primazia não é conferida aos fatos singulares e isolados, mas ao problema — única possibilidade para a convergência das ciências humanas. Evidencia-se aí toda uma tendência, em certo sentido, anti-histórica,9 9 REVEL, J. História e Ciências Sociais: os paradigmas dos Annales. In:______. Op. cit., p.19-22. mas fundamental nos destinos que a história tomaria a partir dos anos 1930.

Mas os historiadores atacados por Durkheim e Simiand continuavam firmes em suas bem assentadas posições acadêmicas e fiéis a seus ídolos. Ainda nos anos 1930 predominava a história-relato, afastada de outras ciências e "segura de si — mas um pouco sonolenta", na avaliação de Lucien Febvre.10 10 FEBVRE, Lucien. Combates pela história. Lisboa: Presença, 1985, p.16. A defesa do território era ao mesmo tempo a defesa da ciência ideográfica: estudo dos fenômenos singulares, do evento humano não-repetível ("todo fato é único"), por meio da crítica erudita das fontes. Introdução aos Estudos Históricos (1898), de Langlois e Segnobos, se apresentava como uma espécie de manual do ofício do historiador, um verdadeiro "discurso do método" histórico. Sua máxima predileta: "a história não passa de aplicação de documentos". Para Ranke, o escrutínio das fontes é "o pré-requisito indispensável para tudo o mais".11 11 GAY, Peter. O estilo na história. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.71 e 75. A "teoria do reflexo" entre sujeito e objeto consagrava que ao historiador cabia a fidelidade absoluta e positiva à "verdade dos fatos", decalcada dos documentos.

A erudição do século XIX apoiou-se no Estado, que facilitava e financiava as investigações em diversas instituições de ensino e pesquisa. A idéia de nação e nacionalismo era central na Europa e não foi por acaso que muitos historiadores dedicaram-se a esses temas. A escola metódica, dominada, entre outros, por historiadores como Lavisse, Langlois e Seignobos, oferecia seus patrióticos serviços ao poder republicano, ao mesmo tempo em que pretendia fazer da história uma ciência positiva, afastada de qualquer subjetivismo e teoria filosófica. Durante 50 anos a Revue Historique, lançada por Gabriel Monod, dedicou-se a publicar estudos consagrados ao domínio biográfico, político e militar, a fim de construir um consenso nacional e patriótico,12 12 ARAÚJO, Ricardo Benzaquen. História e narrativa. Revista do Departamento de História: Anais do Seminário ‘Fronteiras na História’, 11, Belo Horizonte, UFMG, 1992; BOURDÉ, G. e MARTIN, H. Op. cit. construindo a idade de ouro dos historiadores durante a Terceira República francesa.

A Primeira Guerra Mundial, porém, exerceu fortes efeitos nesta maneira de conceber a história como relato-crônica da política. O otimismo em relação a uma história linear, triunfalista e nacionalista cedeu espaço para reflexões sobre a decadência e a ruptura em diversos domínios. A crise de 1929, por sua vez, levou ao questionamento da crença no progresso inexorável e da primazia conferida à história política. Economia bloqueada, solidez institucional dos historiadores e escola durkheimiana dispersa e dividida abriam importantes espaços à história.

ANEXAÇÃO PACÍFICA: O FEDERALISMO DA HISTÓRIA

Lucien Febvre e Marc Bloch, fundadores da "escola dos Annales", declararam suas dívidas aos durkheimianos e retomaram os termos apresentados por Simiand, cujos princípios eram uma agenda para as tarefas de ambos os historiadores. Porém, as propostas de Simiand teriam implicações diferentes. Bloch e Febvre reivindicavam a especificidade irredutível da história, defendiam seu caráter empírico e rejeitavam parte da construção teórica proposta pelas ciências sociais. A unidade das ciências humanas está na vida e nos homens — não em esquematismos abstratos. Nas palavras de Febvre, os homens eram

[...] os únicos objetos da história — de uma história que se inscreve no grupo das disciplinas humanas de todas as ordens e de todos os graus, ao lado da antropologia, da psicologia, da lingüística, etc.; uma história que não se interessa por não sei que homem abstrato, eterno, de fundo imutável e perpetuamente idêntico a si mesmo.13 13 FEBVRE, L. Op. cit., p.30-31.

Febvre alia-se aos princípios durkheimianos de rejeição da teologia e filosofia, para cujos saberes "o homem" era transcendência, entidade imutável. Ao mesmo tempo, tratava-se de recuperar o homem na sua historicidade e no conjunto de suas relações sociais.

Febvre e Bloch inspiraram-se, em grande parte, na Revue de Synthèse Historique, de Henri Berr, que também clamava pela síntese das ciências humanas e por uma história global que articulasse as mais diversas dimensões da vida social. A produção inicial dos Annales contribuiu para o declínio da história biográfica e política, deu relevo aos aspectos econômicos, mentais e sociológicos, priorizou a "longa duração" e a história das estruturas mais do que a dos acontecimentos isolados.14 14 LE GOFF, J. Op. cit., p.26. A este respeito, Paul Ricoeur diagnosticou "o eclipse do acontecimento na historiografia francesa", iniciado antes mesmo da empreitada braudeliana. Os Annales refutaram, em primeiro lugar, o caráter absoluto do acontecimento ("aquilo que realmente aconteceu"), independentemente da compreensão e das construções do historiador. Por outro lado, a Apologia da história, de Marc Bloch, põe o acento na análise e não na síntese.15 15 RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa (t.1). Campinas: Papirus, 1994, p.138-146.

Com efeito, os fundadores dos Annales concentraram muito de seus combatesno terreno mais sólido da escola metódica: a crítica dos testemunhos históricos. Ambos preconizaram a intervenção ativa do historiador diante dos documentos, alargando simultaneamente o diálogo com outras ciências. Erigindo a "história positivista" em inimigo comum, uniram diferentes disciplinas e intelectuais em torno de uma "escola".

As críticas à "história historizante" seriam agora retomadas por homens do próprio ofício de historiador e, por isso, estes se consideravam autorizados a refutar a idéia de que apenas pelos textos se poderia atingir os fatos. Primeiro, Febvre chama a atenção para os fatos imperceptíveis, maciços, coletivos, agrupados em séries e apreendidos no tempo longo. Segundo, os fatos não são uma dádiva dos arquivos e decalque dos documentos, mas algo modelado pelo historiador por meio de hipóteses e problemas. O historiador cria seus materiais e os objetos da sua observação, o que implica uma "tarefa singularmente árdua; porque descrever o que se vê, ainda vá; o difícil é ver o que é preciso descrever". A história não se restringe a ser aplicação de um método, mas será sempre resposta a uma pergunta. Terceiro, a história é conhecimento da mudança, mas o desafio está em detectar as transformações para além dos fatos políticos e diplomáticos, compreendendo também as permanências, a quase imobilidade imposta pelo espaço e as barreiras à livre escolha dos homens, limitados por prisões gramaticais e hábitos seculares. Quarto, a história deve utilizar documentos escritos, mas trata-se de reconhecê-los como "textos humanos" e investigar as condições em que foram gestados. Mas a história não é feita apenas de escritos resultantes da intencionalidade de seus autores. É preciso considerar todos os textos e qualquer tipo de vestígio humano. Quinto, para lidar com diferentes fontes e construir perguntas, o historiador deve rejeitar as compartimentações dos saberes e dialogar com a geografia, a lingüística, a demografia, a psicologia, a sociologia, a antropologia, etc. Trata-se de "negociar perpetuamente novas alianças entre disciplinas próximas ou longínquas", todas as que têm o homem como presa.16 16 Idem, p.24.

Mas a garantia desse ecumenismo científico estaria no papel federativo conferido à história. A revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, fundada em 1929, foi exitosa nessa tarefa, tornando-se elo de ligação entre as ciências humanas, sob a direção de dois historiadores.17 17 DOSSE, F. Op. cit., p.54-59. Febvre assim esclareceu o título da revista a fim de definir tal ecumenismo:

Quando Marc Bloch e eu fizemos imprimir essas duas palavras tradicionais [econômico e social] na capa dos Annales, sabíamos bem que, especialmente "social", é um desses adjetivos que se fez ao longo dos tempos dizer tantas coisas que por fim já não quer dizer mais nada. Mas foi mesmo por isso que o recolhemos. [...] Porque estávamos de acordo ao pensar que, precisamente, uma palavra tão vaga como "social" parecia ter sido criada e posta no mundo por um decreto nominativo da Providência histórica, para servir de insígnia a uma Revista que não queria rodear-se de muralhas, mas sim fazer irradiar largamente, livremente, indiscretamente mesmo, sobre todos os jardins da vizinhança, um espírito, o seu espírito: isto é, um espírito de livre crítica e de iniciativa em todos os sentidos. [...] Não há história econômica e social, há simplesmente a história na sua Unidade. A história que é toda ela social, por definição.18 18 FEBVRE, L. Op. cit., p.30.

Tais posições em torno de uma "história total" emergiram no momento em que a história dispunha de grande capital institucional e as ciências sociais eram redefinidas na reação a esse "imperialismo". Diante da proliferação de novas especialidades e de sua institucionalização após a Segunda Guerra, interdisciplinaridade se tornou a palavra-chave. Com o surgimento de novas disciplinas, que numa primeira fase se encontravam segregadas, era preciso outra fase de aproximação. Todavia, sobreveio a reação estruturalista.

REAÇÃO ESTRUTURALISTA: A HISTÓRIA ANEXA À ETNOLOGIA

Em um texto que se tornou clássico, Claude Lévi-Strauss afirmou: "Esta profissão de fé histórica poderá surpreender, pois temos sido por vezes acusados de ser fechados à história, e de lhe conferir um lugar menor em nossos trabalhos. Quase não a praticamos, mas fazemos questão de lhe preservar os direitos".19 19 LÉVI-STRAUSS, Claude. Aula Inaugural. In: LIMA, Luiz Costa (org.). O estruturalismo de Lévi-Strauss. Petrópolis: Vozes, 1970, p.57-58. Apesar deste tributo à história, Lévi-Strauss dedicou a maior parte de suas reflexões à antropologia, definida como ciência das organizações e representações sociais, voltada mais à estrutura do que ao estudo das gêneses e do devir histórico. Embora tenha negado tratar sincronia e diacronia como termos antinômicos, sua ênfase recaiu sobretudo na observação das determinações internas dos objetos pesquisados e de seus nexos lógicos, em detrimento dos eventos, da ação humana, do tempo histórico e das mudanças sociais.20 20 GABORIAU, Marc. Antropologia estrutural e história. In: Idem. Lévi-Strauss estava muito próximo do programa de Durkheim:

provavelmente, o primeiro a introduzir, nas ciências do homem, essa exigência de especialidade. [...] A propósito de uma forma de pensamento e de atividades humanas, não se podem suscitar questões de natureza ou de origem antes de se ter identificado e analisado os fenômenos, e descoberto em que medida as relações que os unem são suficientes para explicá-los. É impossível discutir sobre um objeto, reconstruir a história que lhe deu origem, o que é; em outras palavras, sem ter esgotado o inventário de suas determinações internas.21 21 LÉVI-STRAUSS, C. Op. cit., p.47-48 (grifo do original)

Suas reflexões suscitaram reservas entre os historiadores, mas também manifestas simpatias; recusas e, ao mesmo tempo, tentativas de aplicar o método da antropologia estrutural no estudo do passado. Lévi-Strauss retomou o longo debate que vimos esboçando. Nos últimos anos, a aproximação entre os estudos históricos e antropológicos atualizou o debate, na medida em que alguns historiadores reivindicam uma história menos événementiel, enquanto alguns antropólogos (Marshall Sahlins, como veremos) reivindicam uma etnologia histórica capaz de dissolver as fronteiras rígidas entre diacronia e sincronia, estrutura e ação.

Em razão do peso de Lévi-Strauss na redefinição dos termos de um antigo debate, de sua influência na produção dos Annales a partir dos anos 1950 e do lugar que lhe cabe na atual aproximação entre história cultural e etnologia, este texto se dedicará, de maneira mais detida, a algumas de suas contribuições teóricas relativas ao diálogo com a história. Lévi-Strauss classificou a história em três formulações fundamentais: 1) a história que os homens fazem sem saber (Marx); 2) a história dos homens como a escrevem os historiadores; 3) a interpretação filosófica da história dos homens.22 22 GABORIAU, M. Op. cit., p.140-56. Foi contra esta última que ele manifestou suas maiores reservas. A filosofia da história fez do passado uma unidade da diversidade no tempo, anulando o que a antropologia e a história têm em comum: a noção da alteridade. A antropologia estuda três tipos de sociedades: 1) aquelas contemporâneas ao pesquisador, mas em um espaço sociocultural muito diferente do seu; 2) aquelas próximas ao mesmo espaço vivido pelo antropólogo, mas que o precederam no tempo; 3) aquelas que existiram simultaneamente em tempo anterior e espaço diverso do tempo-espaço do cientista. Em suma, a antropologia e a história ocupam-se de sociedades que se caracterizam pela diferença, sendo que o historiador cuida da diversidade no tempo.

Contudo, desde o século XIX houve tentativas de se criar uma unidade de referência que permitisse interpretar racional e idealmente as diferenças. Esta unidade referencial teve seu ponto alto nas teorias evolucionistas, segundo as quais "a civilização ocidental aparece como a expressão mais avançada da evolução das sociedades humanas, e os grupos primitivos como ‘sobrevivências’ de etapas anteriores, cuja classificação lógica fornecerá, simultaneamente, a ordem de aparição no tempo".23 23 LÉVI-STRAUSS, Claude. Introdução: história e etnologia. In:______. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970, p.17.

Nesta perspectiva, é dispensável "sairmos de nós mesmos" para compreendermos outras sociedades, as quais passam a ser conhecidas a partir de nossa própria "evolução histórica". A história ocidental torna-se cumulativa, conservando em sua memória tudo o que teria sido realizado por outras sociedades. Para Hegel, o movimento histórico é inserido na filosofia, de forma que o espírito humano possa alcançar o saber absoluto, cuja capacidade é proceder à recapitulação das manifestações do espírito, visto que toda fase sucessiva conserva em si, no momento em que a supera, os elementos das fases que a precederam. Trata-se de um movimento dialético que, ao mesmo tempo, suprime e conserva.24 24 MCLELLAN, David. A concepção materialista da história. In: HOBSBAWM, Eric (org.). História do marxismo 1: o marxismo no tempo de Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p.71.

Opera-se, portanto, uma dupla redução: 1) as sociedades em espaços diferentes são assimiladas a etapas anteriores do nosso desenvolvimento (a diversidade no espaço é reduzida à diversidade no tempo); 2) a história de outras sociedades é assimilada a uma parte do nosso passado. A diversidade mantém-se apenas nas etapas que se desenvolvem por meio de aproximações sucessivas. O devir humano aparece subordinado a uma lógica que fornece inteligibilidade à passagem de uma forma a outra de sociedade. Tais pressupostos, para Lévi-Strauss, não passam pelo crivo dos fatos, pois são uma classificação a priori, com validade apenas lógica. A história das outras sociedades não é redutível aos fragmentos da nossa história, pois existem múltiplas maneiras de resistir ao devir humano. Podemos encontrar analogias parciais se tomadas isolada e morfologicamente, mas não se pode inferir qualquer unidade, uma vez que "nem todos os aspectos de uma sociedade evoluem simultaneamente, nem guardam total concordância entre si".25 25 GABORIAU, M. Op. cit., p.114.

Por outro lado, Lévi-Strauss está preocupado em buscar a unidade na diversidade. E ele a encontra no inconsciente. Segundo sua classificação, os modelos podem ser conscientes e inconscientes, os quais engendram, respectivamente, relações com a história e a etnologia. Os primeiros são identificados com as normas de uma sociedade e estão "entre os mais pobres que existem em razão de sua função, que é perpetuar as crenças e os usos, mais do que de expor-lhes as causas". São modelos pobres porque "quanto mais nítida é a estrutura aparente, mais difícil torna-se apreender a estrutura profunda, por causa dos modelos conscientes e deformados que se interpõem como obstáculos entre o observador e seu objeto". O etnólogo, portanto, precisa ultrapassar este nível aparente da organização social e atingir a estrutura inconsciente da sociedade, "que subjaz a cada instituição ou a cada costume, para se obter um princípio de interpretação válido para outras instituições e costumes".26 26 Idem, Introdução. História e etnologia. Op. cit., p.38-9.

A atividade inconsciente "consiste em impor formas a um conteúdo", sendo as primeiras invariantes, sempre comuns em todas as sociedades.27 27 GABORIAU, M. Op. cit., p.145. A cada costume corresponde uma estrutura inconsciente capaz de fornecer princípios de explicação válidos para outras instituições sociais e costumes, uma vez que "o espírito humano é invariante como inconsciente".28 28 REIS, José Carlos. Tempo, história e evasão. Campinas: Papirus, 1994, p.107. Assim, o inconsciente é a condição para a inteligibilidade na etnologia. Graças a ele — elemento mediador entre o pesquisador e outrem — o etnólogo pode ser um espectador universal. Na medida em que possuímos todos o mesmo inconsciente em sua forma, qualquer tipo de vida social é também "nosso", pertence às nossas virtualidades, na medida em que a unidade do inconsciente é a unidade do possível e não do real empírico.29 29 GABORIAU, M. Op. cit., p.245-46.

A unidade das formas na diversidade dos conteúdos é a garantia da abertura da etnologia para o outro e da recusa às formulações que advogam a superioridade de uma cultura em relação a outra. A distância entre o pesquisador e a sociedade estudada define a objetividade do conhecimento, a possibilidade da existência de comunicação entre ambos. Se ambos são absolutamente estranhos entre si e nada têm em comum, "este objeto se encerra em sua opacidade, permanece refratário à indagação e a própria diferença se torna ininteligível."30 30 BONOMI, Andrea. Implicações filosóficas na antropologia de Claude Lévi-Strauss. In: Lima, Op. cit., p.116. A relação com o outro é, portanto, mediada pelo inconsciente, fundamento básico das inter-subjetividades e da comunicação.

Mas que lugar a história ocupa no interior desta problemática? Lévi-Strauss é a esse respeito lapidar: a diferença fundamental entre história e etnologia não é de objeto, objetivo ou método. Enquanto ambas têm o mesmo objeto (a vida social) e "um método onde varia apenas a dosagem dos processos de pesquisa, elas se distinguem, sobretudo, pela escolha de perspectivas complementares: a história organizando seus dados em relação às expressões conscientes, a etnologia em relação às condições inconscientes da vida social".31 31 LÉVI-STRAUSS, C. Introdução. História e etnologia. Op. cit., p.35. A etnologia, porém, não deve ser indiferente aos processos históricos e às expressões mais conscientes dos fenômenos sociais. Todavia,

[...] se ela lhes dá a mesma atenção apaixonada que o historiador, é para chegar, por uma espécie de marcha regressiva, a eliminar tudo o que devem ao acontecimento e à reflexão. Sua finalidade é atingir, além da imagem consciente e sempre diferente que os homens formam de seu dever, um inventário de possibilidades inconscientes, que não existem em número limitado.32 32 Idem, p.41.

Lévi-Strauss se revelará mais sensível à primeira formulação classificatória da história: aquela que os homens fazem sem saber. Neste sentido, "a célebre fórmula de Marx ‘Os homens fazem sua própria história, mas não sabem que a fazem’ justifica, em seu primeiro termo, a história, e em seu segundo termo, a etnologia. Ao mesmo tempo, ela mostra que os dois procedimentos são indissociáveis".33 33 Idem.

Para Lévi-Strauss, se o etnólogo analisa os elementos inconscientes, disso não resulta que os historiadores não os levem em conta. Estes, certamente, explicam os fenômenos sociais a partir dos acontecimentos em que estão encerrados e da maneira pela qual os homens os pensaram e os viveram. Porém,

[...] em sua marcha progressiva para reunir e explicar o que se manifestou aos homens como a conseqüência de suas representações e atos (ou representações e atos de alguns dentre eles), o historiador bem sabe, e de maneira crescente, que deve socorrer-se de todo o aparelho de elaborações inconscientes. Não estamos mais na época de uma história política, que se contentava em enfiar cronologicamente as dinastias e as guerras no fio das racionalizações secundárias e das reinterpretações.34 34 Idem.

Em seguida, ele cita a história econômica como parte da "história das operações inconscientes", além do livro de Febvre, Le problème de l' incroyance au 16e Siècle, no qual são contempladas as atitudes psicológicas e as estruturas lógicas que "escaparam à consciência dos que falavam e escreviam: ausência de nomenclaturas e padrões, representação imprecisa do tempo, caracteres comuns a várias técnicas, etc." Com tais exemplos, Strauss conclui que

[...] seria inexato dizer que, no conhecimento do homem que vai do estudo dos conteúdos conscientes ao das formas inconscientes, o historiador e o etnólogo caminham em direções inversas: ambos se dirigem no mesmo sentido. Que o deslocamento que efetuam de acordo apareça a cada um sob modalidades diferentes — passagem, para o historiador, do explícito ao implícito, para o etnólogo, do particular ao universal — não muda em nada a identidade do procedimento fundamental. Mas, num caminho onde fazem, no mesmo sentido, o mesmo percurso, somente sua orientação é diferente: o etnólogo caminha para frente, procurando atingir, através de um consciente que jamais ignora, cada vez mais o inconsciente para o qual se dirige; ao passo que o historiador avança, por assim dizer, recuando, conservando os olhos fixados nas atividades concretas e particulares, das quais se afasta apenas para considerá-los sob uma perspectiva mais rica e completa. Verdadeiro Jano de dois rostos, é, ainda assim, a solidariedade das duas disciplinas que permite manter ao alcance dos olhos a totalidade do percurso.35 35 Idem, p.41-42.

Entretanto, apesar desta assinalada solidariedade, Lévi-Strauss estabelece uma hierarquia entre a etnologia e a história. Se o inconsciente é o elemento das virtualidades da comunicação, das leis formais que regulam todas as combinações possíveis dos elementos sociais, a alteridade surge também como atualização, mas da qual precisamos sair para remontar às nossas virtualidades a fim de compreendermos outras culturas. A alteridade é garantida então pela distinção entre o atual (nosso contexto e sociedade) para o virtual (o outro com o qual posso me comunicar em razão das leis formais do inconsciente). Uma vez que as condições da comunicação permanecem sempre as mesmas, não podemos afirmar a existência de um "povo infantil" ou de um "europeu adulto", o que impõe limites à questão da gênese e à supervalorização da história. Esta deve apresentar o desenrolar histórico no quadro dos possíveis, indicar elementos variantes, oferecer materiais para a análise, ajudar na construção dos tipos e modelos. O papel da história aqui é o de subordinação, de ciência auxiliar, que, por meio das expressões conscientes fornece uma via de acesso à compreensão das estruturas inconscientes.36 36 GABORIAU, M. Op. cit., p.146-47. Tais observações permitem a Lévi-Strauss reafirmar que "o método histórico não é de modo algum incompatível com uma atitude estrutural".37 37 LÉVI-STRAUSS, C. A noção de estrutura em etnologia, Op. cit., p.314.

Verifiquemos mais de perto, então, as diferenças entre a etnologia e a história no quadro do problema da construção dos modelos de análise. Segundo o antropólogo francês,

[...] a despeito das críticas que me foram dirigidas, mantenho que a noção de tempo não está no centro do debate. Mas se não é uma perspectiva temporal própria à história que distingue as duas disciplinas, em que consiste a diferença? [...] A etnografia e a história diferem antes de tudo da etnologia e da sociologia, visto que as duas primeiras estão fundadas na coleta e na organização de documentos, enquanto as duas outras estudam os modelos construídos a partir e por meio destes documentos.38 38 Idem, p.308.

A história está condenada à missão empírica, enquanto à etnologia cabe a construção de "modelos construídos em conformidade com [a realidade empírica]". Em outras palavras, os modelos "são o objeto próprio das análises estruturais",39 39 Idem, p.301. o meio de comparação, apreensão e verificação das estruturas.40 40 REIS, José Carlos. Nouvelle histoire e tempo histórico: a contribuição de Febvre, Bloch e Braudel. São Paulo: Ática, 1994, p.63. A temporalidade e especialmente o evento não têm lugar de destaque na construção dos modelos formais e lógicos propostos pelo antropólogo. Na análise das sociedades primitivas e de seus mitos, a sincronia tem seu lugar de eleição nos modelos que devem ser construídos segundo a própria realidade empírica, na qual as relações tornam manifestas as estruturas sociais. No entanto, o objetivo da construção dos modelos é torná-los aplicáveis a diferentes fenômenos sociais. Assim, dois procedimentos científicos estão na sua base: a observação da realidade empírica e a experimentação do modelo em distintas realidades. Lévi-Strauss aproxima-se aqui das formulações propostas por Marx na Introdução à Crítica da Economia Política, na medida em que

[...] a indagação antropológica se desenvolve segundo um modelo que vai do concreto (riqueza de determinações imediatas do material etnográfico) ao abstrato (constituição do modelo) e, daí, novamente ao concreto (agora como realidade estruturada e em referência com a existência do sujeito social). A experiência concreta vigora, portanto, como ponto de partida e de chegada.41 41 BONOMI, M. Op. cit., p.118.

Outra diferença básica está no fato de que, para a etnologia, o "ponto de chegada" são os "modelos mecânicos", enquanto a história "termina em modelos estatísticos". O que os difere são medidas de escala. Os elementos constitutivos do modelo mecânico "estão na escala dos fenômenos". Lévi-Strauss exemplifica-o a partir das leis do casamento nas sociedades primitivas, leis que são representadas "sob a forma de modelos onde figuram os indivíduos, efetivamente distribuídos em classes de parentesco ou em clãs". Nos modelos estatísticos triunfam os elementos cumulativos, organizados por médias, séries ou freqüências de acontecimentos ocorridos em determinado período, em uma ou várias sociedades, possibilitando comparação. Assim, o tempo da etnologia é o "tempo mecânico", "reversível e não cumulativo". O tempo da história é "estatístico": "não é reversível e comporta uma orientação determinada".42 42 Lévi-Strauss, C. A noção de estrutura em etnologia. Op. cit., p.307-10.

Lévi-Strauss insiste que não há oposição frontal entre etnologia e história, mas complementaridade (embora, como foi assinalado, esta última assuma uma posição instrumental, auxiliar). O objeto das pesquisas estruturais é "o estudo das relações sociais com a ajuda de modelos". Ora, o espaço e o tempo são as duas referências que permitem pensar nas relações sociais. Nesta medida, Lévi-Strauss rebate freqüentes acusações: "longe de nós, por conseguinte, a idéia de que as considerações históricas e geográficas não tenham valor para os estudos estruturais, como crêem ainda os que se dizem ‘funcionalistas’". Entretanto, sua ênfase está na investigação das determinações internas dos objetos. Os fenômenos sincrônicos

[...] oferecem, no entanto, uma homogeneidade relativa que os torna mais fáceis de estudar que os fenômenos diacrônicos. Não é, pois, surpreendente que as pesquisas acessíveis, relativamente à morfologia, sejam aquelas que dizem respeito às propriedades qualitativas, não mensuráveis, do espaço social, isto é, à maneira pela qual os fenômenos sociais se distribuem no mapa e as constantes que ressaltam desta distribuição.43 43 Idem, p.313-15.

Apesar da primazia conferida aos fenômenos sincrônicos, Lévi-Strauss afirma recusar a divisão entre diacronia e sincronia. A etnologia deve partir do presente, do concreto, do trabalho de campo e fixar as determinações internas dos objetos interrogados. Porém,

[...] a estrutura sincrônica é "vulnerável" quanto ao evento, lhe opõe uma resistência própria, todavia, ao mesmo tempo, se dispõe a assimilá-lo graças a um jogo de compensações e transformações que tem a finalidade de tornar possível a sobrevivência da própria estrutura que, no entanto, ao limite, pode conduzir à sua dissolução noutra estrutura. Em lugar de conflito convém, portanto, falar de encontro, de interação dinâmica entre a ordem da estrutura e a dos eventos.44 44 BONOMI, A. Op. cit., p.128

Assim, a antropologia estrutural alega ser capaz de explicar as mudanças. A antropologia deve se limitar a um dos múltiplos sistemas de uma sociedade (parentesco, ritual, mitologia) e investigar se estes contêm um desequilíbrio interno que os oriente para determinado estágio, embora já tenha sido assinalado que as estruturas se caracterizam mais pela resistência às mudanças. Devem ser introduzidos elementos novos no modelo, buscando as transformações diacrônicas a partir de relações entre diferentes sistemas sincrônicos. Contudo, um sistema não exprime o outro com exatidão (direito exprimindo a sociedade civil e máquina a vapor exprimindo o capitalismo). Há uma inadequação entre eles que pode vir a ser uma fonte de desequilíbrio e de mudanças. "É dessa desarmonia que se deve buscar a fonte das mudanças; é ela que impede toda a sociedade de permanecer estável." É nas inadequações dos sistemas que emergem os elementos novos, agentes de transformações.45 45 GABORIAU, M. Op. cit., p.149-50. Assim, a passagem de um estágio a outro deve ser observada em termos estruturais, uma vez que o modelo precisa satisfazer esta condição: "uma estrutura oferece um caráter de sistema. Ela consiste em elementos tais que uma modificação qualquer de um deles acarreta uma modificação de todos outros".46 46 LÉVI-STRAUSS, C. A noção de estrutura em etnologia. Op. cit., p.302.

Nesta longa mas esclarecedora passagem, Lévi-Strauss torna-se mais claro acerca da complementaridade entre etnologia e história, sincronia e diacronia, estrutura e evento, permanências e mudanças, modelos mecânicos e estatísticos:

[...] essa oscilação constante, entre a teoria e a observação, determina que os dois planos sejam distintos. Voltando à história, me parece que o mesmo se dá com ela, segundo a intenção seja consagrar-se à estática ou à dinâmica, à ordem da estrutura ou à ordem do evento. A história dos historiadores não precisa de que a defendam, mas tão pouco é atacá-la dizer (como admite Braudel) que ao lado de um tempo curto, existe um tempo longo; que certos fatos pertencem a um tempo estático e irreversível, outros, a um tempo mecânico e reversível; e que a idéia de uma história estrutural não tem nada que possa chocar os historiadores. Uma e outra vão juntas, e não é contraditório que uma história de símbolos, e de signos, engendrem desenvolvimentos imprevisíveis, ainda que combinações estruturais, cujo número é ilimitado. Num caleidoscópio, a combinação de elementos idênticos dá sempre novos resultados. Mas se dá que a história aí sempre está presente — ainda que seja na sucessão de piparotes que provocam as reorganizações de estruturas — e que as chances são praticamente nulas de que reapareça duas vezes o mesmo arranjo.47 47 Idem, Aula inaugural. Op. cit., p.59.

Aliando-se a Braudel, tal apelo para que os historiadores não se chocassem com a noção de "história estrutural" não deixou de ter ressonâncias em um antigo debate em torno das disputas teóricas e institucionais entre história e ciências sociais.

HISTÓRIA ESTRUTURAL: “RENDIÇÃO” COMO MEIO DE ANEXAÇÃO

Fernand Braudel escreveu Da longa duração, texto clássico escrito em 1958, mesmo ano de Antropologia estrutural de Lévi-Strauss.48 48 BRAUDEL, Fernand. A longa duração. In: História e ciências sociais. Lisboa: Presença, 1986. Ele chamava atenção para as várias dimensões temporais e para as relações entre as diversas ciências humanas, criticando as especificidades segregadas. Mas que lugar caberia agora à história? Braudel via na pluralidade do tempo social o meio para se chegar a uma metodologia comum às ciências do homem. Durante longo período, os Annales privilegiaram o estudo dos sistemas ao estudo das mudanças, já presente em A sociedade feudal de Bloch e em Le problème de l' incroyance au 16e Siècle de Febvre (que por isso receberam vivos elogios de Lévi-Strauss), além da "longa duração", formulada por Braudel. De acordo com Jacques Revel,

[...] atentos às permanências, às solidariedades, estes historiadores procuram menos restituir as evoluções do que marcar as rupturas que assinalam a passagem de um sistema a outro, ou que, mais precisamente, identificam o desvio entre dois sistemas sucessivos: as "revoluções" tecnológicas, econômicas, mentais que evocaram tantas vezes.49 49 REVEL, J. História e Ciências Sociais: os paradigmas dos Annales. Op. cit., p.34.

Sobretudo depois de Antropologia estrutural, ampliaram-se as discussões sobre o significado do termo estrutura, a relação entre esta e a análise genética, além do problema da validade da história. Em resposta às posições de Lévi-Strauss, Braudel defendeu que a história não se encerra na análise dos acontecimentos e precisou o termo estrutura em passagem célebre:

[...] uma organização, uma coerência, relações bastante fixas entre realidades e massas sociais. Para nós, historiadores, uma estrutura é, sem dúvida, montagem, arquitetura, porém, mais ainda, uma realidade que o tempo gasta mal e veicula muito longamente. Certas estruturas, vivendo muito tempo, tornam-se elementos estáveis de uma infinidade de gerações: elas atravancam a história, atrapalham, portanto comandam seu desenrolar. Outras tendem a se pulverizar. Contudo, todas são, ao mesmo tempo, esteios e obstáculos. Obstáculos, elas se assinalam como limites, dos quais o homem e suas experiências praticamente não podem se libertar. Imaginem a dificuldade de romper certos limites geográficos, certas realidades biológicas, certos limites da produtividade, até mesmo estas ou aquelas injunções espirituais: os marcos mentais também são prisões de longa duração.50 50 BRAUDEL, F. Op. cit., p.74.

O principal objeto de Braudel eram as estruturas. Mas ele não queria instaurar uma distinção muito nítida entre a análise dos processos conscientes e das formas inconscientes da vida social. Seu conceito de estrutura é descritivo e metafórico, ressalvando que ela não é inerte. A contribuição de Braudel está em ter conferido à estrutura uma dimensão temporal: a estrutura não permanece aquém do real, como em Lévi-Strauss, mas exprime as regularidades do vivido.51 51 BOURDÉ, G.; MARTIN, H. Op. cit., p.131.

Podemos elencar algumas das características da história estrutural. Ela se interessa pelo que se repete e é quase imutável, desloca o excepcional em nome dos elementos regulares e enfatiza a descrição do cotidiano na longa duração; é uma história das "populações totais", contempla todos os segmentos de uma sociedade e se caracteriza pela demarcação de descontinuidades, vista como a subversão de uma estrutura e o advento de uma nova configuração social, embora se trate de uma revolução silenciosa, imperceptível. Segundo Pomian, "é uma onda de inovações, que se propaga a partir de um ponto inicial, através de inúmeras repetições".52 52 POMIAN, Krzystof. A história das estruturas. In: LE GOFF, J. Op. cit.

Na história estrutural de Braudel, os acontecimentos, nas palavras de Ricoeur, deixam de ser "o que indivíduos fazem ou sofrem". Os caprichos do tempo curto, primado dos metódicos, são mais uma vez repelidos por serem vistos como os mais mistificadores. O principal objeto da história passa a ser o "fato social total", cuja temporalidade é apreendida pelas categorias de "conjuntura, estrutura, tendência, ciclo, crescimento, crise, etc." Vê-se aí justamente a idéia de tempo social associada à sociologia, economia e demografia.53 53 RICOEUR, P. Op. cit., p.147-60.

Assim, a história estrutural pretende ser total e, para tanto, deve ser interdisciplinar. No pós-guerra, a internacionalização da economia, da comunicação e da informação resultariam na rejeição de uma história meramente nacional, exigindo a reaproximação com as ciências sociais. A revista Annales altera seu subtítulo para économies, societés, civilisations, fazendo desaparecer a palavra história, o que sinaliza uma aproximação com as ciências sociais, as quais viviam um momento de verdadeira "explosão", com diversas revistas, pesquisas financiadas internacionalmente, criação de institutos interdisciplinares, etc. Nos anos 1950, a promoção e a institucionalização universitária das ciências sociais exerceram fortes pressões sobre a história, influindo decisivamente na linguagem do historiador.

Conforme Dosse, "o perigo é vivido pelos historiadores até nas suas relações com o grande público, pois as ciências sociais abarcam as grandes tiragens e monopolizam os grandes eventos intelectuais". É o momento do êxito da lingüística de Saussure, da sociologia de Gurvitch, da antropologia de Lévi-Strauss. As posições universitárias da história eram cada vez mais ameaçadas pela promoção acadêmica das ciências sociais. Neste sentido, a reação das ciências sociais parecia ainda mais forte do que a de Simiand e dos durkheimianos. Ainda segundo Dosse, Braudel reconhece a importância da herança das ciências humanas na escrita da história e, assim, "retoma, de fato, as metodologias das outras ciências sociais para melhor sufocá-las". Estas são continuamente evocadas, mas Braudel não deixa de considerá-las imperialistas. Tratava-se de absorver e reduzir a influência das ciências vizinhas. Ele

[...] está persuadido de ter a seu favor a duração, ao defender uma disciplina tão enraizada quanto a história e a continuidade de uma escola que não cessa de se afirmar como dominante diante dos movimentos e renascimentos efêmeros e diante dessas jovens plantas que são as outras ciências humanas; no entanto, a vigilância é necessária diante das pretensões destas disciplinas.54 54 DOSSE, F. Op. cit., p.111.

Portanto, se Braudel conclui que entre história e ciências sociais deve haver unidade, por outro lado, ao perceber que a sociologia resiste à anexação que lhe é imposta, acusa-a de padecer de fraquezas teóricas por não operar devidamente com a duração, faltando-lhe o sentido histórico em razão da sua predileção pelas "idéias gerais". A história de Braudel pretendia ser uma síntese, mas acentuava a superioridade do binômio espaço-tempo. Fiel à tradição dos Annales, a duração aparece como a base que condiciona as demais ciências humanas, conferindo à história um papel central. Braudel não deixa dúvidas a esse respeito:

[...] a história é uma dialética da duração; por ela, graças a ela, é o estudo do social, de todo o social e, portanto, do passado; e por isso também do presente, ambos inseparáveis. [...] A história surge-me como uma dimensão da ciência social, formando corpo com ela. O tempo, a duração e a história impõem-se de fato — ou deveriam impor-se — a todas as ciências do homem. Não tendem para a oposição, mas sim, para a convergência.55 55 BRAUDEL, F. Op. cit., p.75. Grifo meu.

Diante de saberes fragmentados, a história seria a única capaz de abarcá-los, conforme o princípio de uma história total. Foi com tais pressupostos que Braudel enfrentou os desafios da antropologia estrutural, que também pretendia elaborar análises totalizantes. A noção de longa duração aparece como a referência fundamental para a reorganização das ciências humanas. O conceito, aliás, é evocado para afirmar que os êxitos das pesquisas de Lévi-Strauss só eram possíveis na medida em que se ancorassem na longa duração.

Braudel foi bem-sucedido em sua empresa na medida em que conseguiu que os Annales resistissem à ofensiva estruturalista, solidificassem suas cátedras universitárias e aglutinassem em torno da revista diferentes colaboradores oriundos das outras ciências humanas. As noções de estrutura, a história total, o método comparativo e a longa duração pareciam exercer fortes atrativos sobre as disciplinas vizinhas. Embora a estratégia de anexação encontrasse resistência por parte da sociologia, a utilização de material histórico tornava-se algo cada vez menos alheio ou estranho às análises sociológicas.

Podemos mencionar brevemente as posições assumidas por Wright Mills sobre os "usos da história" no campo das ciências sociais. Para ele, o estudo do homem envolve três dimensões coordenadas: biografia, história e sociedade. "A história é a medula do estudo social", pois as questões sociológicas só fazem sentido se historicamente compreendidas. Retomando antigas reservas dos sociólogos, Mills critica os historiadores que se limitam a compilar fatos, recusam a tarefa da interpretação ou se vinculam a visões trans-históricas "de tragédias ou de glórias iminentes". Mills propõe então uma dialética entre eventos e estruturas: "a história como disciplina convida à busca do detalhe, mas também estimula um alargamento de visão, capaz de abarcar acontecimentos que fizeram época no desenvolvimento das estruturas sociais".56 56 MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p.156-78.

O autor questiona a preocupação dos historiadores com a "comprovação dos fatos" por meio do artifício narrativo. Por outro lado, aponta a simplificação dos cientistas sociais que se ocupam fundamentalmente mais do método comparativo do que histórico. Assim, "todo cientista social (...) exige uma amplitude de concepção histórica e um uso pleno de materiais históricos. Essa noção simples é a idéia principal da minha argumentação". As ciências sociais são "disciplinas históricas" pelas seguintes razões: perguntas e respostas sociologicamente pertinentes exigem uma variedade de "tipos históricos" que proporciona o estudo comparativo entre estruturas contemporâneas e passadas; os estudos não-históricos "tendem a ser estáticos ou curtos, limitados a ambientes" e são incapazes de apreender estruturas mais amplas; "a imagem de qualquer sociedade é uma imagem historicamente específica", ou seja, são irredutíveis à formulação de leis invariáveis da sociedade; o material histórico permite a análise de tendências sociais no tempo e o conhecimento das forças que atuam na mudança das estruturas de uma sociedade, ou seja, as tendências devem ser estudadas na "tentativa de ir além dos acontecimentos e dar-lhes um sentido ordenado", o recurso histórico é útil não só para a análise das transformações, mas também para a compreensão da "persistência do passado" no presente. Apresentam-se aí os mesmos termos empregados pela história braudeliana: estruturas sociais, noção de totalidade, estudo comparativo e longa duração, em detrimento do "tempo curto". E Mills sentencia: "Toda Sociologia digna do nome é ‘Sociologia Histórica.’"57 57 Idem, p.159.

A HORA DA ANTROPOLOGIA: TUDO É HISTÓRIA

O impulso estruturalista na década de 1960 e início da de 1970 foi uma tentativa de concretizar as ambições durkheimianas e tirar as ciências sociais da sombra da história. Vimos que os historiadores, com Braudel à frente, resistiram a essas investidas, sem que deixassem de sair em defesa da abertura da história para as ameaçadoras disciplinas vizinhas. Se essa política tinha bases conceituais sólidas, por outro lado o ecumenismo proposto nos termos braudelianos tinha também um caráter pragmático.

Nos anos 1970 triunfou a antropologia histórica, em outra busca de aproximação da história com as ciências sociais. Pode-se afirmar que o precedente mais destacado neste sentido foi o livro de Marc Bloch, publicado em 1923, Os Reis Taumaturgos.58 58 BLOCH, Marc. Os reis taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. O autor já havia chamado a atenção para a "natureza profunda dos fenômenos sociais", pois lhe interessava desvendar os significados da cura simbólica dos reis. A antropologia histórica, que florescia na denominada "terceira geração" dos Annales, pós-braudeliana, avançou consideravelmente no terreno ocupado pelas ciências sociais. A amplitude temática (história da família, das idades, do biológico, da sexualidade, da sensibilidade, do simbólico e das representações, do religioso, da leitura, do econômico, do popular, etc.) invadia campos tradicionalmente reservados à antropologia. Era um eco do abandono da história linear e da abertura do historiador à pluralidade de formas de transformação histórica, escancarando os limites de abordagem e objetos de investigação. Nesse momento, "tudo parece poder — logo dever — tornar-se objeto de história".59 59 REVEL, J. História e ciências sociais: uma confrontação instável. Op. cit., p.86. Assistia-se à retomada do programa da história das mentalidades (nunca completamente abandonada) e um diálogo mais estreito com a antropologia.

Mais recentemente, sob o impulso da história cultural, os historiadores têm se aproximado muito da antropologia, procurando ultrapassar antigas oposições binárias, como estrutura e evento, diacronia e sincronia. Diluem-se cada vez mais as fronteiras que as separavam, como se coubesse à antropologia

[...] o reino da subjetividade e da imaginação e à história o universo da verdade e da objetividade. Com o enfraquecimento de lógicas culturais diversas, apreendidas na longa duração, a "vizinhança" deixa de ser assumida enquanto área de litígio e passa a ser pensada em termos de relações de companheirismo e de trocas recíprocas.60 60 DARNTON, R. Op. cit.

A história cultural dos últimos anos tem partido, em grande medida, das concepções de diversidade e alteridade culturais, caras à antropologia. A noção de "estranhamento" em relação a culturas diferentes e afastadas no tempo é a base de trabalhos sobre o "universo mental popular" a partir da "concepção polifônica de símbolo". Com este objetivo, proliferam pesquisas circunscritas no tempo e no espaço, pois "exemplos singulares" e "fatos miúdos" podem relacionar-se a temas consagrados. Exemplo destacado dos "empréstimos" que os historiadores fazem da antropologia encontra-se em O grande massacre de gatos, de Robert Darnton,61 61 Idem, O grande massacre de gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986. sob declarada influência da antropologia semiótica de Clifford Geertz, que tem reavaliado o significado dos eventos, cujas implicações foram determinantes nos desdobramentos do diálogo entre a história e a antropologia.62 62 GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, s/d.

A descrição semanticamente densa, tal como formulada por este autor, tem exercido forte atração entre historiadores preocupados menos em fixar "o que aconteceu" do que em construir uma leitura do acontecimento quanto ao que ele diz. Em oposição à ingenuidade de uma epistemologia positivista, para Geertz a ação possui um conteúdo simbólico inscrito no discurso social, o que a torna pública e, portanto, passível de descrição de forma inteligível. Esta descrição é uma polifonia dialógica, "interpretação de interpretações", na medida em que o antropólogo parte das descrições tomadas em segunda ou terceira mãos.63 63 Na história as coisas não se passam de modo muito distinto. Um historiador da feitiçaria do século XVII parte das interpretações dos inquisidores: “o que eles faziam era traduzir, quer dizer, interpretar crenças que lhes eram estranhas para um código diferente e mais claro. O que nós fazemos não é assim tão diferente (...) porque o material de que dispomos está, neste caso, contaminado pela interpretação que eles lhe deram”. GINZBURG, Carlo. O inquisidor como antropólogo. Uma analogia e suas implicações. In:______. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, p.212. Trata-se de "algo modelado" e apropriado a partir de discursos indiretos, diferindo da ficção literária porque seus personagens "são representados como verdadeiros".64 64 GEERTZ, C. Op. cit., p.26.

O campo aberto por Geertz tem sido seminal para historiadores interessados em reconstituir as estruturas de significados de uma cultura a partir de signos aparentemente insignificantes.65 65 Para Robert Darnton, um acontecimento bizarro abre perspectivas para a compreensão de um universo mental estranho porque este se encontra situado em uma “estrutura externa da significação” ou em um “idioma geral”. DARNTON, R. O grande massacre de gatos. Op. cit., p.XIII-XVIII. E em lugar do "telescópio", o "microscópio" parece ser o instrumento privilegiado de análise, ou seja, a redução da escala de observação possibilita a compreensão de fenômenos pouco observáveis em escalas mais totalizantes.66 66 Hobsbawm utilizou a metáfora do microscópio e do telescópio como uma questão de escolha do historiador em relação aos seus instrumentos de análise, relativizando o temor de Lawrence Stone quanto ao ressurgimento da narrativa como uma possível volta à história anedótica e antiquarista. HOBSBAWM, Eric. J. O ressurgimento da narrativa. Alguns comentários. RH: Revista de História, n.2/3, Campinas, UNICAMP, 1991; STONE, L. O ressurgimento da narrativa. Reflexões sobre uma velha história. Idem. A antropologia semiótica não se furta às generalizações, mas as descrições minuciosas devem generalizar dentro dos casos e não através deles ("os antropólogos não estudam as aldeias (...), eles estudam nas aldeias").67 67 GEERTZ, C. Op. cit., p.32.

Por outro lado, os problemas residem justamente na questão da escala e das teias de significados que os homens teceram e às quais estão amarrados. Segundo Geertz, "o objeto da etnografia está na hierarquia estratificada de estruturas significantes a partir das quais as ações são produzidas, percebidas e interpretadas, e sem as quais elas de fato não existiriam".68 68 Idem, p.17. A concepção de "idioma geral" de uma cultura parece inclinar o pesquisador mais à análise das teias de significados do que no ato de tecê-los.69 69 BIERSACK, Aletta. Saber local, história local: Geertz e além. In: HUNT, Lynn A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.108.

Embora o antropólogo reconheça o risco da análise cultural perder "o contato com as superfícies duras da vida",70 70 GEERTZ, C. Op. cit., p.40. o historiador italiano Giovanni Levi aponta para os perigos do "geertzismo": fixação dos significados separada das relações sociais mais gerais que os condicionam e imobilização do seu contexto de referência.71 71 LEVI, Giovanni. I pericoli del geertzismo. Quaderni storici, Bolonha, n.58, 1985a, apud NEGRO, Antonio Luigi. Microstorie: com o pouco fareis muito. Campinas, UNICAMP/IFCH, Relatório de monitoria apresentado à FAEP, s/d, p.21 [datilografado] . O simbólico pode desprender-se de sua "superfície dura", dos contextos históricos e institucionais nos quais se situa. Além disso, é preciso ir além da interpretação dos significados, e inventariar as diferenças do universo simbólico e as lutas de representação. A ação social resulta de freqüente negociação, escolhas e decisões dos indivíduos diante do poder normativo da cultura, oferecendo possibilidades de interpretação pessoal.72 72 LEVI, Giovani. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo: Unesp, 1992, p.149. Assim, a questão dos significados relaciona-se com a questão do poder.73 73 Para Roger Chartier, os reempregos dos produtos culturais funcionam relativamente às situações sociais, às relações de força e poder. Daí a necessidade da relação entre os discursos proferidos e a posição dos que os utilizam. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.

Portanto, trata-se de estabelecer as conexões dos significados culturais com o contexto, a lógica da mudança histórica e as relações de poder. Muito antes da antropologia praticada por Geertz, E. P. Thompson, em um momento de aproximação e, ao mesmo tempo, de cautela em relação à antropologia, chamava a atenção para o fato de que a cultura não é trans-histórica, imutável. Os significados de um ritual devem ser decifrados quando a evidência deixa de ser vista como fragmento folclórico e é recolocada no interior dos conflitos sociais.74 74 THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Thompson manifestou suas reservas aos intentos de Lévi-Strauss de edificar modelos formais. Para ele,

[...] o estímulo antropológico se traduz primordialmente não na construção de modelos, mas na identificação de novos problemas, na visualização de velhos problemas em novas formas, na ênfase em normas (ou sistemas de valores) e em rituais, atentando para as expressivas funções das formas de amotinação e agitação, assim como para as expressões simbólicas de autoridade, controle e hegemonia.75 75 THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. NEGRO, Antonio L. e SILVA, Sergio (orgs.). Campinas: Unicamp, 2001, p.229.

Segundo Thompson, história, ação e eventos correm o risco de se tornar epifenômenos em uma antropologia preocupada essencialmente em incorporar estes termos como signos que dão a ler estruturas de significados, antecipando parte das críticas de Levi a Geertz. Thompson expressou sua démarche, distanciando-se tanto do estruturalismo marxista e antropológico, quanto da história estrutural proposta por Braudel:

A perspectiva que adoto aqui implica um ponto de vista particular sobre a cultura popular. Esta não poderia ser compreendida dentro do quadro da imposição hegemônica da dominação de classe. Meu método implica também uma perspectiva um pouco diferente da desenvolvida pelos historiadores franceses. Estes, seguindo Fernand Braudel, exploram sobretudo as determinações de base, demográficas, espaciais, temporais, geofísicas, agrárias, naturais, que pesam sobre a cultura popular. Isso permitiu compreender melhor a noção de "mentalidade popular", concebida de certo modo como uma formação involuntária à maneira de um dado geofísico. Meu material de estudo levou-me a privilegiar o aspecto ativo, voluntarista, criador de valores da cultura popular: o povo faz e refaz sua própria cultura".76 76 Idem, p.211.

Mas a inflexão braudeliana e da antropologia estruturalista nos estudos que pretendem estabelecer uma dialética entre evento e estrutura ainda mantém muito do seu vigor, tanto para recusar seus radicalismos, quanto para incorporar suas provocações. O antropólogo Marshall Sahlins argumentou que na antropologia estruturalista a história precisava ser mantida a distância para que o "sistema" não corresse riscos. A ação entrava em conta apenas quando representasse a realização de uma ordem estabelecida, a reprodução de categorias culturais existentes.77 77 SAHLINS, Marshall. Historical Metaphors and Mythical Realities. The University of Michigan Press, Ann Arbor, 1985, p.6-7.

Sahlins propõe uma antropologia histórica não apenas para conhecer como os eventos são ordenados pela cultura, mas como a cultura é reordenada no processo histórico. "Como a reprodução de uma estrutura torna-se transformação?" Um evento pode ser atualização ou realização contingente do padrão cultural, de modo que "a cultura é historicamente reproduzida na ação". Mas Sahlins não interrompe aí seu argumento. "Como as circunstâncias contingentes da ação não se conformam necessariamente aos significados que lhes são atribuídos por grupos específicos, sabe-se que os homens criativamente repensam seus esquemas convencionais. É nesses termos que a cultura é alterada historicamente na ação."78 78 SAHLINS, Marshall. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p.7. Se os acontecimentos são signos e a história pode ser organizada por estruturas de significados, Sahlins criou o conceito de "signos em ação" para designar categorias e valores culturais mobilizados segundo a "situação pragmática", de forma que, utilizados historicamente, podem tanto reproduzir quanto transformar seus significados originais. De acordo com ele, "os homens em seus projetos práticos e em seus arranjos sociais, informados por significados de coisas e de pessoas, submetem as categorias culturais a riscos empíricos. Na medida em que o simbólico é, deste modo, pragmático, o sistema é, no tempo, a síntese da reprodução e da variação".79 79 Idem, p.9. Em outros termos, Sahlins empregou o termo "estrutura da conjuntura" para definir um conjunto de relações históricas que reproduzem as categorias culturais tradicionais, atribuindo-lhes novos valores a partir do contexto pragmático. Na tentativa de aproximar história e antropologia, Sahlins reconsidera Braudel, que,

[...] num gesto de solidariedade a Lévi-Strauss, rebatizou a "geo-história" da primeira edição de "The Mediterranean" de "história estrutural", como já aparece na segunda edição. Sahlins também está ciente do esquema temporal triádico de Braudel e do modo como esse esquema repete, ainda que em outros termos, a antinomia estrutura/evento ou estrutura/história do estruturalismo. Entre a afirmação de Braudel de que os eventos (a ausência e o absurdo da "história política" convencional) são uma "fumaça ilusória", por um lado, e a rejeição semelhante de Lévi-Strauss do "tempo real", e de seus eventos, por serem os mesmos vistos como circunstanciais e inexplicáveis, por outro, resta muito pouca escolha. Teoricamente, a relação estabelecida por Braudel entre longa e curta duração, entre "história estrutural" e "história política", é semelhante à relação estabelecida por Lévi-Strauss entre "ordem de estrutura" e "ordem de evento".80 80 Cf. BIRSACK, A. Op. cit., p.113-5.

Sahlins retoma as questões exatamente no ponto em que foram deixadas por Lévi-Strauss e Braudel. Para desenvolver a antropologia que ele defende — estrutural e histórica —, Sahlins recupera dialeticamente estrutura e acontecimento, cultura e história, permanência e mudança, sincronia e diacronia. Afinal, "quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas", e " plus c' est la même chose, plus ça change".

HISTÓRIA EM MIGALHAS E SEM FRONTEIRAS?

A micro-história também tem se ocupado dos problemas da escala de observação e da generalização, dos pequenos indícios e da contextualização simbólica, marcando proximidades e diferenças em relação à antropologia interpretativa. A investigação histórica revela-se viável no interior de uma escala reduzida, permitindo estabelecer outros nexos entre evento e estrutura pela "reconstituição do vivido impensável noutros tipos de historiografia. Por outro lado propõe-se indagar as estruturas invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula".81 81 GINZBURG, Carlo. O nome e o como. Troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG, Op. cit., p.177-78.

Nos últimos anos, a micro-história alcançou considerável audiência, difundindo-se do local de sua produção originária — a historiografia italiana — para outros países e dialogando com outras disciplinas, nomeadamente a antropologia.82 82 Ecos dessa audiência encontram-se na coletânea de artigos organizada por REVEL, Jacques. Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. As razões dessa difusão não estão apenas no sucesso alcançado por algumas obras pioneiras dos micro-historiadores e na amplitude temática aberta por pesquisas cujos objetos de análise foram por algum tempo negligenciados. Não podemos afirmar também que o debate em torno da micro-história seja uma reação radical aos seus princípios ou revele generalizada acolhida a uma suposta nova escola reconhecida como tal por um texto teórico fundador e provocativo. Segundo Jacques Revel, ela não forma "um corpo de proposições unificadas", e seu primado não se encontra em formulações teóricas definidas, mas em uma experiência de pesquisa, em uma prática. Dois são os aspectos que lhe dão singularidade: a aposta na investigação empírica densa e intensiva de um objeto e a desconfiança em relação às generalizações abstratas.83 83 REVEL, J. Microanálise e construção do social”. In: Idem, p.16.

Porém, esses elementos unificadores não são privilégio da micro-história. Sua originalidade reside na maneira como ela problematiza e opera com as escalas de observação. Não se trata apenas de reduzir o objeto de investigação a uma comunidade, um personagem ou grupo social específicos em contraponto às macroescalas das histórias nacionais e dos indivíduos coletivos. É preciso reconhecer que a dimensão espacial não se confunde com o real, ou melhor, "a escala dos fenômenos não está inscrita na realidade".84 84 LEVI, Giovanni. Comportamentos, recursos, processos: antes da ‘revolução’ do consumo. In: Idem, p.203. A escala é uma escolha relativamente arbitrária do historiador a partir de um ponto de vista do conhecimento para a apreensão do real. Qualquer que seja sua dimensão, a análise é uma redução que apenas retém do objeto algumas de suas características. Conforme Bernard Lepetit, "a escolha de uma escala particular tem como efeito modificar a conformação e a organização dos objetos".85 85 LEPETIT, Bernard. Sobre a escala na história. In: Idem, p 93-94 e 100.

A escala microanalítica altera o tamanho do objeto, bem como modifica sua forma, fazendo a realidade diferir de acordo com o nível da análise. A escolha entre micro e macro, no entanto, não se reduz ao foco da lente de observação para produzir efeitos de conhecimento. Não se trata de uma perspectiva ótica de acordo com a natureza da objetiva. Como Maurizio Gribaudi analisou amplamente, a oposição irredutível das escalas pode ser uma pista falsa. Para ele, as querelas em torno da escala perdem todo o sentido diante de um problema que ocupa na análise uma posição de centralidade: a formalização causal dos fenômenos sociais.86 86 GRIBAUDI, M. Escala, pertinência, configuração. In: Idem.

A micro-história é uma reação aos critérios macroanalíticos de operar com a causalidade histórica. A abordagem macroscópica, via de regra, tratou o devir de maneira evolutiva, teleológica e determinista, condicionando-o a fatores estruturais ou supra-individuais. As investigações macrossociológicas partem de um modelo globalizante e categorial, construído a priori e segundo conceitos fixos e normativos. Em seu evolucionismo determinista, os elementos empíricos têm ou um caráter mais ilustrativo que demonstrativo, ou de validação do próprio modelo. É na macro-história que "níveis" de análise fazem mais sentido, segundo um processo histórico global, predefinido por seus resultados, e no interior do qual são inseridos os grupos e as ações sociais. As categorias funcionam como tipologias que decidem acerca da pertinência dos fenômenos sociais, de forma que os dados empíricos aparecem como exemplos retóricos correspondentes aos tipos representativos. Em suma, a ação humana é deduzida de agentes extra-individuais, dotados de realidade e autonomia próprias, tais como os grandes demiurgos conceituais (Estado, estrutura econômica, modernização, mercado, etc.).

Na abordagem micro-histórica, ao contrário, o processo histórico aparece como um campo aberto de possibilidades, não-linear e imprevisível. A noção de imprevisibilidade e incerteza é crucial para o problema da formalização causal, pois "se um processo evolui de maneira não previsível, isso significa que os fatores que favoreceram a concretização de uma solução de preferência a outra são contextuais; estão ligados à especificidade de escolha e de dinâmica que se atualizaram num momento e num lugar particulares".87 87 Idem, p.129.

É aí que ganha força a questão das escolhas. As ações humanas têm peso decisivo na investigação de grupos sociais bem delimitados no tempo e espaço. Trata-se de recompor as complexas redes de interação entre os indivíduos e o meio que os cerca para que se possa compreender suas preferências, escolhas e estratégias de ação. Os itinerários individuais e mecanismos interativos de que lançam mão não têm dinâmicas autônomas, pois se inserem em estruturas sociais normativas. Todavia, as estruturas não surgem aqui como realidades que se desenvolvem à revelia dos indivíduos. Os sistemas de regras e sanções possuem incoerências, ambigüidades, porosidades que permitem aos indivíduos a tomada consciente de decisões para agir de acordo com um quantum determinado de informações. Se a noção de estratégia comporta um flagrante racionalismo, por outro lado "introduz um tipo de situação que a historiografia clássica reservava apenas às elites".88 88 GRENDI, Edoardo. Repensar a micro-história. In: Idem, p.253.

A noção de contexto também sofre drástica reformulação. Ao contrário do contexto unificado, homogêneo e abstrato, no interior do qual se moveriam os agentes sociais, Gribaudi mostra que a micro-história opera com uma pluralidade de contextos correspondente à multiplicidade de experiências, interesses e representações sociais. Os significados de uma instituição ou de um valor social aparecem na interação dos atores concretos. A operação histórica torna-se mais complexa na medida em que os recursos empíricos não são acionados como ilustração de tipicidades. À microanálise não interessa individualizar casos típicos que funcionem como exemplos de modelos apriorísticos. Ao contrário, trata-se de dar conta da diversidade dos comportamentos de acordo com sua variabilidade, com os mecanismos interativos que lhes dão forma e conteúdo. As fontes emergem então com a função de complexificar os modelos tradicionais de estudo de um objeto e de "situar a análise no plano dos mecanismos que geram os comportamentos". Nesse caso, a argumentação se constrói não a partir de modelos macroscópicos, mas do aporte empírico.89 89 GRIBAUDI, M. Op. cit., p.133. Gribaudi articula esses princípios a partir do livro de LEVI, Giovani. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

Neste contexto historiográfico emergiram pesquisas que reconstituíram complexos jogos de estratégias individuais e familiares, tecendo suas redes de relações a fim de capturar tanto as experiências singulares e a racionalidade individual quanto a ação e as identidades coletivas. Por meio de intensivas investigações em arquivos notariais, paroquiais e judiciais, entre outros, tem se tornado possível compor biografias de centenas de "vidas comuns" por meio das quais os historiadores recuperam diversas formas de agrupamentos sociais a partir da multiplicidade das práticas individuais.90 90 Exemplo dessa prática de pesquisa encontra-se no estudo de Simora Cerruti sobre os ofícios e corporações em Turim nos séculos XVII e XVIII. A questão por ela apresentada é a de compreender “como indivíduos, cujas histórias e experiências são diferentes, podem decidir se reunir e, mais ainda, se reconhecer por intermédio de uma identidade social comum”. CERRUTI, S. Processo e experiência: indivíduos, grupos e identidades em Turim no século XVII. In: Revel, J. Op. cit., p.198.

A investigação micronominal em diversas fontes foi justificada nos termos apresentados por Carlo Ginzburg: "as linhas que convergem para o nome e que dele partem, compondo uma espécie de teia de malha fina, dão ao observador a imagem gráfica do tecido social em que o indivíduo está inserido".91 91 GINZBURG, C. O nome e o como, Op. Cit., p.175. Tendo o nome como fio condutor da pesquisa, é possível, ainda que de modo fragmentário, recompor redes de relações que circunscrevem um indivíduo ou um grupo social. Esse método prosopográfico — reconstituição do tecido social por meio de nomes de indivíduos localizados nas mais diversas fontes — tem se constituído em meio eficaz de acesso a problemas clássicos de investigação historiográfica, servindo ao propósito experimental de questionar a validação de hipóteses consagradas.92 92 Digna de menção é a pesquisa de Gribaudi sobre itinerários individuais e familiares em um bairro operário de Turim, desde o final do século XIX, acompanhando trajetórias de três gerações de trabalhadores a fim de analisar um “ciclo de integração” em meio a mobilidades espaciais e profissionais. A questão que perpassa essa investigação microanalítica é a de compreender como um bairro operário, que fora importante reduto da esquerda, passou a ser uma base social do fascismo, o que foi possível em razão da heterogeneidade da distribuição social dos recursos materiais do bairro ao longo das gerações estudadas. Itinéraires ouvriers: espaces et groupes à Turin ao début du Xxe siècle. Paris: EHESS, 1999.

Nesta perspectiva, a micro-história afasta-se de parte do programa dos Annales, que não vê história fora do coletivo, de números maciços, das séries. Ela recusa fechar a história em sistemas estáveis, refratários às mudanças. Além disso, pode-se afirmar que a história cultural e a micro-história teriam completado o que os historiadores das mentalidades haviam iniciado: um "esmigalhar" da história, um abandono da "história total". Nos últimos 20 anos, assistimos à fragmentação do campo das investigações em que o homem não é mais o referente fundador da unidade das disciplinas, tal como os Annales pretendiam em sua luta pela interdisciplinaridade e pela solidificação institucional da história. O colapso dos grandes paradigmas, sobretudo do estruturalismo marxista e antropológico, já teria aberto a tendência ao esfacelamento, tornando o programa interdisciplinar mais evocativo do que propriamente efetivo. Como assinalou Revel, "com eles apagava-se, ao menos provisoriamente, o projeto, e talvez a ambição, de uma síntese dos saberes sobre as sociedades".93 93 REVEL, Jacques. Prefácio. In: LEVI, Giovanni. A herança imaterial. Op. cit., p.13-15.

Por outro lado, o "esmigalhar" da história não deixa de ser uma resposta a outras práticas historiográficas que, ao evocarem a interdisciplinaridade permaneciam acantonadas em seus procedimentos técnicos, altamente especializados, como certas vertentes da demografia histórica, que se tornava uma espécie de subdisciplina, impossibilitando uma síntese capaz de integrar outras disciplinas. A micro-história tem ambições menores, não pretende ser um gênero historiográfico novo, com efeitos paradigmáticos no sentido de conceber uma Grande Teoria. Ao reduzir a escala de observação, os micro-historiadores não circunscrevem seus procedimentos em paramentadas técnicas apenas acessíveis a um núcleo muito restrito de iniciados.

O encontro cada vez mais crescente entre história e antropologia não pretende conceber novos cânones metodológicos que imponham um programa interdisciplinar. Talvez estejamos no ponto em que ambas devam manter sua autonomia, suas diferenças de linguagens e procedimentos, sem com isso abandonar o diálogo, trocas conceituais e intercâmbios institucionais. Por outro lado, de modo mais prático do que programático, talvez também tenha sido iniciado uma verdadeira prática interdisciplinar. O trabalho continua a ser individual, mas sai do programa para a realização efetiva. A proclamação da unidade já não aparece de modo tão evidente como antes. A interdisciplinaridade "deixa de ser invocada como panacéia universal para ser experimentada a nível local, em campos definidos de maneira mais precisa, onde as prerrogativas disciplinares se apagam".94 94 REVEL, Jacques. História e ciências sociais. In: REVEL, Jacques. Op. cit., p.41.

Renúncia a uma história total? Nos últimos anos, segundo pesquisa de José Carlos Reis, os próprios Annales já não parecem tão confiantes de seu projeto de aliança com as ciências sociais, que estariam vivendo um momento de crise, em contraste com a vitalidade da história. Eles reconhecem que a identidade da história corre o risco de se perder na fragmentação dos objetos e no esgarçamento excessivo das fronteiras com as disciplinas vizinhas. A nouvelle histoireredescobre o sujeito, o evento, a política, o direito, a biografia, e seu discurso incorpora noções de incerteza, negociação, consciência e estratégia.

Ecos da micro-história? Talvez. Não por acaso, Revel, organizador de um seminário e coletânea de textos sobre "a experiência da microanálise", evita prognósticos apocalípticos. Em estilo que evoca Lucien Febvre, Revel conclui que, não podendo dizer tudo, o historiador talvez decida

[...] não se coibir de nada. Ele já era, mais ou menos, geógrafo; fez-se também economista, demógrafo, antropólogo, lingüista, naturalista. Trazia para a sua investigação noções, hipóteses, elementos de comparação, inéditos. Esta capacidade inventiva não conheceu nenhum enfraquecimento desde há meio século e convoca, novos domínios, a um ritmo crescente. Será suficiente para definir uma "história global"?95 95 REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a inovação em História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p.127-30.

Mas enquanto um historiador francês como Revel abraça a micro-história como uma invenção capaz de lidar criativamente com questões que, há mais de um século, situam a história e as outras ciências humanas em permanente e difícil diálogo, um conceituado micro-historiador, Giovani Levi, considera que a micro-história está em plena crise: "eu acredito que hoje ninguém faz microhistória". Esta nascera de uma crítica a conceitos monolíticos, da necessidade de "complicar a conceitualização, descrever a realidade como mais complexa do que as ideologias dominantes a consideravam". Porém, prossegue Levi, "hoje me parece que estamos totalmente do outro lado da questão, vemos tudo de forma mais complicada, mas não temos uma interpretação global da história". A micro-história, para ele, ainda é um "instrumento útil", mas não uma panacéia para os atuais problemas da história.96 96 ARNOLFO, Darío et al. Crisis y resignificación de la microhistoria. Uma entrevista a Giovanni Levi. Prohistoria, Rosario, n.3, primavera de 1999, p.187.

A renúncia a qualquer síntese global, em nome dos fragmentos do saber e do descentramento do sujeito,97 97 DOSSE, F. A história à prova do tempo... p.27-30. jamais foi consensual, e permanece ativa. O problema da fragmentação, do risco da perda da identidade e da ausência de "um novo consenso disciplinar" tem sido uma das preocupações de uma área em que viceja longa troca de serviços entre história e ciências sociais: a história do trabalho.98 98 JAMES, Daniel. O que há de novo, o que há de velho? Os parâmetros emergentes da história do trabalho latino-americana. In: ARAÚJO, Angela M. C. Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta, 1997. Com efeito, dois de seus praticantes, Marcel van der Linden e Lex Voss,99 99 VAN DER LINDEN, Marcel e VAN VOSS, Lex Heerma (orgs.) Class and other Identities: Gender, Religion and Ethnicity in the Writing of European Labour History. New York-Oxford: Berghahn Books, 2002, p.23. plantaram recentes desafios à história social do trabalho, os quais podem contribuir no debate das questões aqui enunciadas. Ambos propõem uma abordagem capaz de lidar com diferentes aspectos da realidade (classe, trabalho, gênero, etnicidade, religião, etc) e diferentes formas de relações de poder, em processos causais concretos, mostrando que os sujeitos exercem poder e como o exercem, o que não significa um retorno às antigas sínteses.

A resposta desses autores para o problema da relação entre estrutura e agência — "todo approach tem seu preço" — parece um tanto fatalista, mas talvez tenhamos que nos conformar com a constatação de que, quanto mais os historiadores focalizam sua atenção nas "pessoas concretas", mais se enfraquecem na análise os processos e estruturas mais amplas, e quanto mais eles examinam as estruturas e os macroprocessos, mais os agentes e sua história perdem o viço. A perspectiva escolhida muda inevitavelmente o panorama, altera a trama narrativa e as dimensões do objeto de estudo. Novas "sínteses parciais" como ambos advogam, são desejáveis e possíveis, desde que nos contentemos com o fato de que nenhuma poderá nos contar toda a história. Como um holofote, as grandes narrativas "produzem muita luz, mas também lançam as coisas na sombra e podem cegar o observador".

NOTAS

Artigo recebido em 03/2006. Aprovado em 05/2006.

  • 2 REVEL, Jacques. História e ciências sociais: uma confrontação instável. In: BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (orgs.). Passados recompostos: campos e canteiros da história. Rio de Janeiro: UFRJ, FGV, 1998, p.79.
  • 3 Termos empregados em DARNTON, Robert. História e antropologia. Entrevista de Robert Darnton a Lilia SCHWARCZ, Lilia e PUNTONI, Pedro. Boletim da Associação Brasileira de Antropologia, n.26, set., 1996.
  • 4 DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Ensaio, Campinas: Unicamp, 1992, p.26.
  • 5 REVEL, Jacques. História e Ciências Sociais: os paradigmas dos Annales. In: A Invenção da Sociedade. Lisboa: Difel, s/d, p.21.
  • 6 BOURDÉ, Guy e MARTIN, Herve. A escola dos Annales. In: As escolas históricas. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
  • 7 LEITE LOPES, José Sérgio. História e antropologia. Revista do Departamento de História, n.11, FAFICH/UFMG, jul. 1992;
  • 8 BURKE, Peter. A escola do Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.17-22;
  • LE GOFF, Jacques. A nova história São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.21, 37-41.
  • 9
    9 REVEL, J. História e Ciências Sociais: os paradigmas dos Annales. In:______.
  • 10 FEBVRE, Lucien. Combates pela história. Lisboa: Presença, 1985, p.16.
  • 11 GAY, Peter. O estilo na história. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.71 e 75.
  • 12 ARAÚJO, Ricardo Benzaquen. História e narrativa. Revista do Departamento de História: Anais do Seminário Fronteiras na História, 11, Belo Horizonte, UFMG, 1992;
  • 15 RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa (t.1). Campinas: Papirus, 1994, p.138-146.
  • 19 LÉVI-STRAUSS, Claude. Aula Inaugural. In: LIMA, Luiz Costa (org.). O estruturalismo de Lévi-Strauss. Petrópolis: Vozes, 1970, p.57-58.
  • 23 LÉVI-STRAUSS, Claude. Introdução: história e etnologia. In:______. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970, p.17.
  • 24 MCLELLAN, David. A concepção materialista da história. In: HOBSBAWM, Eric (org.). História do marxismo 1: o marxismo no tempo de Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p.71.
  • 28 REIS, José Carlos. Tempo, história e evasão. Campinas: Papirus, 1994, p.107.
  • 40 REIS, José Carlos. Nouvelle histoire e tempo histórico: a contribuição de Febvre, Bloch e Braudel. São Paulo: Ática, 1994, p.63.
  • 48 BRAUDEL, Fernand. A longa duração. In: História e ciências sociais. Lisboa: Presença, 1986.
  • 56 MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p.156-78.
  • 58 BLOCH, Marc. Os reis taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
  • 62 GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, s/d.
  • 63 Na história as coisas não se passam de modo muito distinto. Um historiador da feitiçaria do século XVII parte das interpretações dos inquisidores: ôo que eles faziam era traduzir, quer dizer, interpretar crenças que lhes eram estranhas para um código diferente e mais claro. O que nós fazemos não é assim tão diferente (...) porque o material de que dispomos está, neste caso, contaminado pela interpretação que eles lhe deramö. GINZBURG, Carlo. O inquisidor como antropólogo. Uma analogia e suas implicações. In:______. A micro-história e outros ensaios Lisboa: Difel, p.212.
  • 66 Hobsbawm utilizou a metáfora do microscópio e do telescópio como uma questão de escolha do historiador em relação aos seus instrumentos de análise, relativizando o temor de Lawrence Stone quanto ao ressurgimento da narrativa como uma possível volta à história anedótica e antiquarista. HOBSBAWM, Eric. J. O ressurgimento da narrativa. Alguns comentários. RH: Revista de História, n.2/3, Campinas, UNICAMP, 1991;
  • 69 BIERSACK, Aletta. Saber local, história local: Geertz e além. In: HUNT, Lynn A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.108.
  • 71 LEVI, Giovanni. I pericoli del geertzismo. Quaderni storici, Bolonha, n.58, 1985a,
  • apud NEGRO, Antonio Luigi. Microstorie: com o pouco fareis muito. Campinas, UNICAMP/IFCH, Relatório de monitoria apresentado à FAEP, s/d, p.21 [datilografado]
  • 72 LEVI, Giovani. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo: Unesp, 1992, p.149.
  • 73 Para Roger Chartier, os reempregos dos produtos culturais funcionam relativamente às situações sociais, às relações de força e poder. Daí a necessidade da relação entre os discursos proferidos e a posição dos que os utilizam. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
  • 74 THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
  • 75 THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. NEGRO, Antonio L. e SILVA, Sergio (orgs.). Campinas: Unicamp, 2001, p.229.
  • 77 SAHLINS, Marshall. Historical Metaphors and Mythical Realities. The University of Michigan Press, Ann Arbor, 1985, p.6-7.
  • 78 SAHLINS, Marshall. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p.7.
  • 82 Ecos dessa audiência encontram-se na coletânea de artigos organizada por REVEL, Jacques. Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
  • 89 GRIBAUDI, M. Op. cit., p.133. Gribaudi articula esses princípios a partir do livro de LEVI, Giovani. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
  • 92 Digna de menção é a pesquisa de Gribaudi sobre itinerários individuais e familiares em um bairro operário de Turim, desde o final do século XIX, acompanhando trajetórias de três gerações de trabalhadores a fim de analisar um ôciclo de integraçãoö em meio a mobilidades espaciais e profissionais. A questão que perpassa essa investigação microanalítica é a de compreender como um bairro operário, que fora importante reduto da esquerda, passou a ser uma base social do fascismo, o que foi possível em razão da heterogeneidade da distribuição social dos recursos materiais do bairro ao longo das gerações estudadas. Itinéraires ouvriers: espaces et groupes à Turin ao début du Xxe siècle. Paris: EHESS, 1999.
  • 93 REVEL, Jacques. Prefácio. In: LEVI, Giovanni. A herança imaterial. Op. cit., p.13-15.
  • 94 REVEL, Jacques. História e ciências sociais. In: REVEL, Jacques. Op. cit., p.41.
  • 95 REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a inovação em História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p.127-30.
  • 96 ARNOLFO, Darío et al. Crisis y resignificación de la microhistoria. Uma entrevista a Giovanni Levi. Prohistoria, Rosario, n.3, primavera de 1999, p.187.
  • 97 DOSSE, F. A história à prova do tempo... p.27-30.
  • 98 JAMES, Daniel. O que há de novo, o que há de velho? Os parâmetros emergentes da história do trabalho latino-americana. In: ARAÚJO, Angela M. C. Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta, 1997.
  • 99 VAN DER LINDEN, Marcel e VAN VOSS, Lex Heerma (orgs.) Class and other Identities: Gender, Religion and Ethnicity in the Writing of European Labour History. New York-Oxford: Berghahn Books, 2002, p.23.
  • 1
    Professor do Departamento de História da Unicamp e da Unimep, autor de
    Operários sem patrões: os trabalhadores da cidade de Santos no entreguerras. Campinas: Unicamp, 2003. CEP 13083-872. e-mail:
    Este artigo foi, originalmente, concebido como texto didático da disciplina Teorias da História, que ministrei no Curso de Especialização
    História e Cultura na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), em 2000 e 2003.
  • 2
    REVEL, Jacques. História e ciências sociais: uma confrontação instável. In: BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (orgs.).
    Passados recompostos: campos e canteiros da história. Rio de Janeiro: UFRJ, FGV, 1998, p.79.
  • 3
    Termos empregados em DARNTON, Robert. História e antropologia. Entrevista de Robert Darnton a Lilia SCHWARCZ, Lilia e PUNTONI, Pedro.
    Boletim da Associação Brasileira de Antropologia, n.26, set., 1996.
  • 4
    DOSSE, François.
    A história em migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Ensaio, Campinas: Unicamp, 1992, p.26.
  • 5
    REVEL, Jacques. História e Ciências Sociais: os paradigmas dos Annales. In:
    A Invenção da Sociedade. Lisboa: Difel, s/d, p.21.
  • 6
    BOURDÉ, Guy e MARTIN, Herve. A escola dos Annales. In:
    As escolas históricas. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
  • 7
    LEITE LOPES, José Sérgio. História e antropologia.
    Revista do Departamento de História, n.11, FAFICH/UFMG, jul. 1992; REVEL,
    Op. cit., p.22.
  • 8
    BURKE, Peter.
    A escola do Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.17-22; LE GOFF, Jacques.
    A nova história. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.21, 37-41.
  • 9
    REVEL, J. História e Ciências Sociais: os paradigmas dos Annales. In:______.
    Op. cit., p.19-22.
  • 10
    FEBVRE, Lucien.
    Combates pela história. Lisboa: Presença, 1985, p.16.
  • 11
    GAY, Peter.
    O estilo na história. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.71 e 75.
  • 12
    ARAÚJO, Ricardo Benzaquen. História e narrativa.
    Revista do Departamento de História: Anais do Seminário ‘Fronteiras na História’, 11, Belo Horizonte, UFMG, 1992; BOURDÉ, G. e MARTIN, H.
    Op. cit.
  • 13
    FEBVRE, L.
    Op. cit., p.30-31.
  • 14
    LE GOFF, J.
    Op. cit., p.26.
  • 15
    RICOEUR, Paul.
    Tempo e narrativa (t.1). Campinas: Papirus, 1994, p.138-146.
  • 16
    Idem, p.24.
  • 17
    DOSSE, F.
    Op. cit., p.54-59.
  • 18
    FEBVRE, L.
    Op. cit., p.30.
  • 19
    LÉVI-STRAUSS, Claude. Aula Inaugural. In: LIMA, Luiz Costa (org.). O
    estruturalismo de Lévi-Strauss. Petrópolis: Vozes, 1970, p.57-58.
  • 20
    GABORIAU, Marc. Antropologia estrutural e história. In: Idem.
  • 21
    LÉVI-STRAUSS, C.
    Op. cit., p.47-48 (grifo do original)
  • 22
    GABORIAU, M.
    Op. cit., p.140-56.
  • 23
    LÉVI-STRAUSS, Claude. Introdução: história e etnologia. In:______.
    Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970, p.17.
  • 24
    MCLELLAN, David. A concepção materialista da história. In: HOBSBAWM, Eric (org.).
    História do marxismo 1: o marxismo no tempo de Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p.71.
  • 25
    GABORIAU, M.
    Op. cit., p.114.
  • 26
    Idem, Introdução. História e etnologia.
    Op. cit., p.38-9.
  • 27
    GABORIAU, M.
    Op. cit., p.145.
  • 28
    REIS, José Carlos.
    Tempo, história e evasão. Campinas: Papirus, 1994, p.107.
  • 29
    GABORIAU, M.
    Op. cit., p.245-46.
  • 30
    BONOMI, Andrea. Implicações filosóficas na antropologia de Claude Lévi-Strauss. In: Lima,
    Op. cit., p.116.
  • 31
    LÉVI-STRAUSS, C. Introdução. História e etnologia.
    Op. cit., p.35.
  • 32
    Idem, p.41.
  • 33
    Idem.
  • 34
    Idem.
  • 35
    Idem, p.41-42.
  • 36
    GABORIAU, M.
    Op. cit., p.146-47.
  • 37
    LÉVI-STRAUSS, C. A noção de estrutura em etnologia,
    Op. cit., p.314.
  • 38
    Idem, p.308.
  • 39
    Idem, p.301.
  • 40
    REIS, José Carlos.
    Nouvelle histoire e tempo histórico: a contribuição de Febvre, Bloch e Braudel. São Paulo: Ática, 1994, p.63.
  • 41
    BONOMI, M.
    Op. cit., p.118.
  • 42
    Lévi-Strauss, C. A noção de estrutura em etnologia.
    Op. cit., p.307-10.
  • 43
    Idem, p.313-15.
  • 44
    BONOMI, A.
    Op. cit., p.128
  • 45
    GABORIAU, M.
    Op. cit., p.149-50.
  • 46
    LÉVI-STRAUSS, C. A noção de estrutura em etnologia.
    Op. cit., p.302.
  • 47
    Idem, Aula inaugural.
    Op. cit., p.59.
  • 48
    BRAUDEL, Fernand. A longa duração. In:
    História e ciências sociais. Lisboa: Presença, 1986.
  • 49
    REVEL, J. História e Ciências Sociais: os paradigmas dos Annales.
    Op. cit., p.34.
  • 50
    BRAUDEL, F.
    Op. cit., p.74.
  • 51
    BOURDÉ, G.; MARTIN, H.
    Op. cit., p.131.
  • 52
    POMIAN, Krzystof. A história das estruturas. In: LE GOFF, J.
    Op. cit.
  • 53
    RICOEUR, P.
    Op. cit., p.147-60.
  • 54
    DOSSE, F.
    Op. cit., p.111.
  • 55
    BRAUDEL, F.
    Op. cit., p.75.
    Grifo meu.
  • 56
    MILLS, C. Wright.
    A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p.156-78.
  • 57
    Idem, p.159.
  • 58
    BLOCH, Marc.
    Os reis taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
  • 59
    REVEL, J. História e ciências sociais: uma confrontação instável.
    Op. cit.,
    p.86.
  • 60
    DARNTON, R.
    Op. cit.
  • 61
    Idem,
    O grande massacre de gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
  • 62
    GEERTZ, Clifford.
    A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, s/d.
  • 63
    Na história as coisas não se passam de modo muito distinto. Um historiador da feitiçaria do século XVII parte das interpretações dos inquisidores: “o que eles faziam era traduzir, quer dizer, interpretar crenças que lhes eram estranhas para um código diferente e mais claro. O que nós fazemos não é assim tão diferente (...) porque o material de que dispomos está, neste caso, contaminado pela interpretação que eles lhe deram”. GINZBURG, Carlo. O inquisidor como antropólogo. Uma analogia e suas implicações. In:______.
    A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, p.212.
  • 64
    GEERTZ, C.
    Op. cit., p.26.
  • 65
    Para Robert Darnton, um acontecimento bizarro abre perspectivas para a compreensão de um universo mental estranho porque este se encontra situado em uma “estrutura externa da significação” ou em um “idioma geral”. DARNTON, R.
    O grande massacre de gatos. Op. cit., p.XIII-XVIII.
  • 66
    Hobsbawm utilizou a metáfora do microscópio e do telescópio como uma questão de escolha do historiador em relação aos seus instrumentos de análise, relativizando o temor de Lawrence Stone quanto ao ressurgimento da narrativa como uma possível volta à história anedótica e antiquarista. HOBSBAWM, Eric. J. O ressurgimento da narrativa. Alguns comentários.
    RH: Revista de História, n.2/3, Campinas, UNICAMP, 1991; STONE, L. O ressurgimento da narrativa. Reflexões sobre uma velha história. Idem.
  • 67
    GEERTZ, C.
    Op. cit., p.32.
  • 68
    Idem, p.17.
  • 69
    BIERSACK, Aletta. Saber local, história local: Geertz e além. In: HUNT, Lynn
    A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.108.
  • 70
    GEERTZ, C.
    Op. cit., p.40.
  • 71
    LEVI, Giovanni. I pericoli del geertzismo.
    Quaderni storici, Bolonha, n.58, 1985a, apud NEGRO, Antonio Luigi. Microstorie: com o pouco fareis muito. Campinas, UNICAMP/IFCH,
    Relatório de monitoria apresentado à FAEP, s/d, p.21 [datilografado] .
  • 72
    LEVI, Giovani. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter.
    A escrita da história. São Paulo: Unesp, 1992, p.149.
  • 73
    Para Roger Chartier, os reempregos dos produtos culturais funcionam relativamente às situações sociais, às relações de força e poder. Daí a necessidade da relação entre os discursos proferidos e a posição dos que os utilizam. CHARTIER, Roger.
    A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
  • 74
    THOMPSON, E. P.
    Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
  • 75
    THOMPSON, E. P.
    As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. NEGRO, Antonio L. e SILVA, Sergio (orgs.). Campinas: Unicamp, 2001, p.229.
  • 76
    Idem, p.211.
  • 77
    SAHLINS, Marshall.
    Historical Metaphors and Mythical Realities. The University of Michigan Press, Ann Arbor, 1985, p.6-7.
  • 78
    SAHLINS, Marshall.
    Ilhas de história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p.7.
  • 79
    Idem, p.9.
  • 80
    Cf. BIRSACK, A.
    Op. cit., p.113-5.
  • 81
    GINZBURG, Carlo. O nome e o como. Troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG,
    Op. cit., p.177-78.
  • 82
    Ecos dessa audiência encontram-se na coletânea de artigos organizada por REVEL, Jacques.
    Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
  • 83
    REVEL, J. Microanálise e construção do social”. In: Idem, p.16.
  • 84
    LEVI, Giovanni. Comportamentos, recursos, processos: antes da ‘revolução’ do consumo. In: Idem, p.203.
  • 85
    LEPETIT, Bernard. Sobre a escala na história. In: Idem, p 93-94 e 100.
  • 86
    GRIBAUDI, M. Escala, pertinência, configuração. In: Idem.
  • 87
    Idem, p.129.
  • 88
    GRENDI, Edoardo. Repensar a micro-história. In: Idem, p.253.
  • 89
    GRIBAUDI, M.
    Op. cit., p.133. Gribaudi articula esses princípios a partir do livro de LEVI, Giovani.
    A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
  • 90
    Exemplo dessa prática de pesquisa encontra-se no estudo de Simora Cerruti sobre os ofícios e corporações em Turim nos séculos XVII e XVIII. A questão por ela apresentada é a de compreender “como indivíduos, cujas histórias e experiências são diferentes, podem decidir se reunir e, mais ainda, se reconhecer por intermédio de uma identidade social comum”. CERRUTI, S. Processo e experiência: indivíduos, grupos e identidades em Turim no século XVII. In: Revel, J.
    Op. cit., p.198.
  • 91
    GINZBURG, C. O nome e o como,
    Op. Cit., p.175.
  • 92
    Digna de menção é a pesquisa de Gribaudi sobre itinerários individuais e familiares em um bairro operário de Turim, desde o final do século XIX, acompanhando trajetórias de três gerações de trabalhadores a fim de analisar um “ciclo de integração” em meio a mobilidades espaciais e profissionais. A questão que perpassa essa investigação microanalítica é a de compreender como um bairro operário, que fora importante reduto da esquerda, passou a ser uma base social do fascismo, o que foi possível em razão da heterogeneidade da distribuição social dos recursos materiais do bairro ao longo das gerações estudadas.
    Itinéraires ouvriers: espaces et groupes à Turin ao début du Xxe siècle. Paris: EHESS, 1999.
  • 93
    REVEL, Jacques. Prefácio. In: LEVI, Giovanni. A herança imaterial.
    Op. cit., p.13-15.
  • 94
    REVEL, Jacques. História e ciências sociais. In: REVEL, Jacques.
    Op. cit., p.41.
  • 95
    REIS, José Carlos.
    Escola dos Annales: a inovação em História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p.127-30.
  • 96
    ARNOLFO, Darío et al. Crisis y resignificación de la microhistoria. Uma entrevista a Giovanni Levi.
    Prohistoria, Rosario, n.3, primavera de 1999, p.187.
  • 97
    DOSSE, F.
    A história à prova do tempo... p.27-30.
  • 98
    JAMES, Daniel. O que há de novo, o que há de velho? Os parâmetros emergentes da história do trabalho latino-americana. In: ARAÚJO, Angela M. C.
    Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta, 1997.
  • 99
    VAN DER LINDEN, Marcel e VAN VOSS, Lex Heerma (orgs.)
    Class and other Identities: Gender, Religion and Ethnicity in the Writing of European Labour History. New York-Oxford: Berghahn Books, 2002, p.23.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Set 2010
    • Data do Fascículo
      2005

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2006
    • Recebido
      Mar 2006
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