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Das explicações para a quase estagnação da economia capitalista no Brasil

On the explanation for the quasi-stagnation of the capitalist economy in Brazil

RESUMO

Neste artigo, examinam-se três importantes linhas de explicação para essa ocorrência histórica que já dura quase quatro décadas. Discutem-se perspectivas que se encaixam nos rótulos de neoliberal, novo-desenvolvimentista e marxista. Não apenas, porém, do enfoque científico, mas também do ponto de vista da justificação e/ou da crítica econômico-política da realidade existente. A dependência na relação periferia-centro, dentro do horizonte da duração possível do capitalismo, aparece como questão central. A política econômica dos governos figura como importante, mas sem primazia em relação ao evolver estrutural das relações sociais capitalistas. A conclusão não flerta com alguma forma de otimismo sobre o progresso - ao contrário, vê o futuro como bem difícil.

PALAVRAS-CHAVE:
quase estagnação; novo desenvolvimentismo; relação periferia-centro; economia brasileira; neoliberalismo; marxismo

ABSTRACT

In this article, we examine three important lines of explanation for this historical occurrence that has lasted almost four decades. We discuss perspectives that fit into three labels: neoliberal, new developmentalism and Marxist. However, not only from the scientific focus, but also from the justification and/or the economic-political critique of the existing reality point of view. The dependency in the periphery-center relation, inside the horizon of the possible duration of capitalism, appears as a central question. The economic policy of governments figures as important, but without primacy over the structural evolution of capitalist social relations. The conclusion does not flirt with any form of optimism about progress - on the contrary, it sees the future as very difficult.

KEYWORDS:
quasi-stagnation; new developmentalism; periphery-center relation; Brazilian economy; neoliberalism; Marxism

INTRODUÇÃO

A questão a ser examinada neste artigo é bem conhecida dos economistas brasileiros. Também se sabe que a quase estagnação da economia capitalista no Brasil tem sido explicada e compreendida segundo perspectivas teóricas diversas. Estas, como é normal, disputam acirradamente a supremacia científica, pragmática e política no campo do entendimento e da orientação dos rumos de seu desenvolvimento. As linhas de argumentação que balizam as controvérsias sobre as causas e as consequências dessa ocorrência histórica são também razoavelmente bem conhecidas, ainda que subsistam certas obscuridades que se devem não só às dificuldades da própria matéria, mas também ao caráter comprometido da cientificidade possível no campo da Economia Política. Aqui, põe-se o foco da investigação em supostos fundamentais que embasam essas explicações e que as demarcam enquanto posições teóricas distintas. Tem-se a finalidade de examiná-las em sua pretensão de cientificidade, mas não sem intervenção crítica.

Para começar, os fatos caracterizadores da quase estagnação são salientes e bem notórios. O crescimento médio da economia capitalista no Brasil foi de 7,4% durante cerca de 30 anos, entre 1950 e 1980, mas esse ritmo acelerado não se verificou nos 35 anos seguintes. Na verdade, contrariando a tendência até então verificada, esse ritmo caiu para apenas um terço dessa magnitude, tendo ficado em cerca de 2,5% entre 1980 e 2015. Se o primeiro período esteve caracterizado por um intenso processo de industrialização caracterizado como de “substituição de importações”, o segundo esteve marcado por uma reversão parcial das realizações anteriormente obtidas, compreendida como um processo de “desindustrialização”. Em consequência, se a economia capitalista no Brasil se moveu célere por três décadas consecutivas e, assim, pôde se aproximar em pequena medida do nível das economias dos países avançados, ela passou nas décadas seguintes a ficar cada vez mais para trás (Nassif, Feijó e Araújo, 2014).

Não se pretende fazer aqui, entretanto, uma resenha abrangente ou mesmo parcial das várias tentativas de compreender esse desenrolar histórico quase rastejante, as quais se encontram dispersas numa enorme quantidade de artigos e livros que versam sobre o desempenho da economia capitalista no Brasil, nas últimas seis ou sete décadas.1 1 Em particular, para nao alargar em demasia o escopo do artigo, nao se examinarão as teses dos autores social-desenvolvimentistas. Diferentemente, pretende-se examinar apenas três linhas centrais de argumentação que se sobressaem nessa profusão de escritos, concentrando-se - sem, porém, dar-lhes exclusividade - nos textos de autores que as representam - crê-se - de forma superlativa. É notório que certas correntes no campo do pensamento econômico dedicam um esforço muito especial à explicação da queda da taxa de crescimento do PIB ocorrida após 1980. Duas delas militam em favor do desenvolvimento do capitalismo como forma de superar uma situação de suposto atraso econômico: uma delas se apresenta como novo-desenvolvimentista e a outra tem a si mesma como liberal, mas é, de fato, neoliberal.2 2 Não se pretende aqui associar a esse termo nenhuma conotação depreciativa vulgar. O seu uso se justifica teoricamente. O liberalismo clássico tomava o sistema econômico como uma ordem natural que era preciso proteger da intervenção do Estado; o neoliberalismo, por sua vez, toma esse sistema, que caracteriza como “de mercado”, como uma ordem institucional e moral superior que a intervenção estatal deve promover e proteger – e mesmo repor sempre que isto se afigure (para os seus defensores) necessário (Prado, 2009). Como representante da primeira corrente, serão privilegiados os textos de Luiz Carlos Bresser-Pereira e como representantes da segunda corrente, serão analisados especialmente os escritos de Edmar L. Bacha e Regis Bonelli. Ora, esse “atraso” tem persistido sem grandes abalos por um longo período histórico e isto é um indicativo de que tem um fundamento estrutural no capitalismo enquanto um sistema global.3 3 A própria idéia do desenvolvimentismo tem sido duramente criticada de um ponto de vista marxista. Ver, por exemplo, Sampaio Jr. (2012). A terceira corrente a ser examinada - que se vê como inspirada em Marx - é cética em relação à capacidade do capitalismo periférico de superar a condição histórica herdada. A linha de argumentação marxista a ser apresentada, de modo diferente do que será feito nos dois casos anteriores, será construída por meio de uma combinação das teses de Luiz Filgueiras e de Adalmir Marquetti.4 4 O novo desenvolvimentismo é uma concepção bem circunscrita teóricamente, o que não acontece com as outras duas correntes aqui tratadas. Veja-se, no entanto, que o neoliberalismo aqui considerado é “dependentista”, já que advoga a mera inserção subordinada da economia brasileira nas cadeias produtivas da economia mundial; por outro lado, o marxismo aqui referido caracteriza-se justamente por fazer uma crítica radical dessa forma de dependência.

Os escritos relevantes dessas três correntes serão examinados em sequência numa perspectiva que não se conforma em ser meramente descritiva e comparativa. Busca-se revelar criticamente certos fundamentos teóricos dos argumentos explanatórios empregados. Eis que se pretende encontrar e mostrar certas opções cruciais a partir das quais os autores mencionados procuram compreender os fatos históricos. Aquilo que se apresenta como conhecimento do mundo social tem sempre um duplo propósito: além de ser saber que pretende explicar o modo de ser, de funcionar, de mudar etc. de seu objeto de conhecimento, vem a ser também saber que justifica ou, alternativamente, que critica em certa medida - ou mesmo radicalmente - esse mesmo objeto. Este conhecimento nunca é isento, mas, ao contrário, é sempre engajado numa perspectiva econômica e política.

Note-se também, de modo preliminar, que a investigação dos textos será feita sob a perspectiva de uma determinada compreensão histórica do desenvolvimento da economia capitalista no Brasil, após o término da II Guerra Mundial. No gráfico em sequência, apresenta-se essa visão de um modo ilustrativo. A evolução da taxa de lucro durante um período que abrange as últimas sete décadas está aí apresentada porque é considerada uma variável-chave para a compreensão do evolver temporal da economia capitalista no Brasil,5 5 O que interessa na leitura desse gráfico nao é o nível absoluto, mas relativo, da taxa de lucro. Pois o primeiro, com se sabe, pode ser alterado significativamente dependendo do modo como se estima estatisticamente o valor monetário, a preco constante, do estoque de capital. pois, se supõe que “o lucro - e não o autointeresse ou a maximização do bem-estar - é a força motriz primordial do capitalismo” (Marquetti, 2010Marquetti, Adalmir; Maldonado, Eduardo; Lautert, Vladimir (2010) “The profit rate in Brazil, 1953-2003”. Review of Radical Political Economics, vol. 25 (1), p. 163-189., p. 6).

Nele se indica que se pode e se deve distinguir nesse extenso período dois padrões básicos de desenvolvimento dependente, os quais se encontram bem demarcados por distintos comportamentos da taxa de lucro. Antes de apresentá-los, é preciso dizer que se assume - e isto deve ficar claro desde o início - que o capitalismo no Brasil teve sempre um caráter dependente e que ele nunca esteve verdadeiramente no caminho de alcançar o padrão de desenvolvimento dos países capitalistas ditos avançados; dito de outro modo, “a dependência é um fenômeno endógeno aos países periféricos”,6 6 Essa dependência “se efetiva econômica e politicamente por meio da articulacão orgânica de determinadas frações de capitais nacionais com o capital estrangeiro” que domina quase todos os ramos dinâmicos da produção. Ademais, ela determina a “natureza dos padrões de desenvolvimento” possíveis nesses países, “definindo o bloco de poder que controla o Estado, condicionando o financiamento desses padrões e controlando a introdução e difusão do progresso tecnológico” (Filgueiras, 2015a). de tal modo que o “subdesenvolvimento não se constitui em um estágio prévio ao desenvolvimento” (Filgueiras, 2015aFilgueiras, Luiz (2015a) “A natureza e os limites do desenvolvimentismo no capitalismo dependente brasileiro”. Margem Esquerda, nº 23.).


Brasil: evolução da taxa de lucro (1952-2015) e padrões históricos de desenvolvimento dependente

O primeiro deles, que dura de 1952 a 1980, é usualmente chamado de nacional-desenvolvimentismo (ND). Na perspectiva aqui abraçada, esse padrão é caracterizado sobretudo por uma taxa de lucro que se mantém bem elevada, ainda que cadente. Quando termina, advém um período de crise que cobre os anos 1980 e mesmo um pouco além, o qual aparece aí identificado por uma forte e decisiva queda da taxa de lucro. Entretanto, a crise que então se manifestou, principalmente, pelo excessivo endividamento externo e pela exacerbação do processo inflacionário, não durou para sempre. Surgiu então, aos poucos, um segundo padrão que permanece em vigor até os dias de hoje. Este será aqui caracterizado, conforme proposição de Luiz Filgueiras, como liberal periférico (LP). É bem evidente que a taxa de lucro se recuperou em parte nesse subperíodo, flutuando daí em diante sem, porém, conseguir atingir o nível que alcançara no primeiro. Também é notório que ela voltou a cair fortemente após a crise mundial de 2007-2008, fato este que veio demarcar o início de um novo período de crise, o qual se acentuou a partir de 2015.7 7 Não se tratará aqui desse período que está se mostrando crucial no processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Ele foi mais bem analisado por Marquetti (2016).

Se o primeiro padrão costuma ser centralmente caracterizado pela orientação nacionalizante (ainda que nem sempre, verdadeiramente, nacionalista8 8 Em comentário a este artigo, Luiz Filgueiras sugeriu que o termo nacional-desenvolvimentismo se tornou inadequado para caracterizar o padrão de evolução da economia brasileira após 1953. Sugeriu que deveria ser mais bem caracterizado pelo termo “desenvolvimentismo associado-dependente”, já que passou a ser dominado pelas empresas multinacionais. ), pelo foco na expansão da produção, assim como pela industrialização por substituição de importações, o segundo está marcado pela orientação liberalizante e, assim, pela desindustrialização, pela reprimarização da produção comercializável internacionalmente e pela financeirização.9 9 No entanto, nao se assumirá neste artigo a tese de que, após 1990, a economia capitalista no Brasil passou a se desenvolver por meio de um regime de acumulação liderado pela financa (Bruno et al., 2011). Concorda-se com a crítica de que essa tese contrapõe de modo falso o capital industrial (em sentido amplo) ao capital financeiro (Milios e Sotiropoulos, 2016). A transição de um para o outro - e isto precisa ser notado - acompanha grosso modo a transição mundial do padrão de desenvolvimento keynesiano para o padrão neoliberal, o qual ocorreu também nos anos 1980. No caso de países como o Brasil, essa transição, como se sabe, ocorreu como resposta à ruptura dramática do padrão de financiamento da expansão industrial que era fortemente baseado na intervenção estatal e na busca de recursos externos.

DA EXPLICAÇÃO NEOLIBERAL

A primeira linha de explicação que se vai considerar caracteriza-se por militar - tal como afirma em seus próprios termos - em favor da liberdade do mercado no campo do pensamento econômico. Dentro dele, levanta-se no subcampo delimitado pela teoria neoclássica em suas versões contemporâneas, todas elas descendentes da construção walrasiana que surgiu, como se sabe, no último quartel do século XIX. Ora, isto põe desde logo uma questão de método: como uma teoria econômica fundada no equilíbrio pode compreender um desenrolar histórico em geral? Em particular, como pode compreender a quase estagnação da economia capitalista no Brasil que já percorreu décadas, depois de se iniciar nos anos 80 do século passado? Ora, ela só pode fazê-lo partindo de modelos ditos de crescimento em que os fatos apreendidos apenas se sucedem uns aos outros e o tempo figura só formalmente. Ou seja, confiando, em última análise, numa concepção cinemática de evolver histórico. Eis que este, assim entendido, não se configura como um processo internamente engendrado de transformação, um processo por meio do qual o sistema, em seu curso contraditório e complexo, passa por diferentes padrões de desenvolvimento.

Com base em tais modelos, o crescimento vem a ser pensado meramente como uma sucessão de estados de equilíbrio. Em sua configuração mínima, eles contêm uma função de produção (dita agregada) que relaciona quantidades dos “fatores trabalho e capital” aos montantes gerados de renda no sistema econômico como um todo, uma equação que mostra o modo de alocação dessa renda entre consumo e investimento, assim como, possivelmente, uma equação que apresenta a repartição dessa renda entre os proprietários de tais fatores. Assim construídos, tais modelos apenas permitem raciocinar com base em trajetórias de crescimento que nada mais são do que sucessões de conjunções das variáveis contempladas no próprio modelo.

Ora, ao escolher certas variáveis e as relacionar funcionalmente de um modo determinado, esses modelos condicionam o modo de explicar o crescimento efetivo das economias reais. Para tanto, exigem que se tomem certos fatos econômicos como dados em sua condição - não reconhecida - de expressões de relações sociais reificadas em processo de desenvolvimento. É preciso supor, então, que esses dados empíricos se encontrem - externamente - relacionados de acordo com o que dispõe o próprio modelo em consideração. Certas conjunções de variáveis são então apresentadas como se expressassem determinadas relações de causalidade. Conformando-se à cientificidade vulgar, essa modalidade de análise econômica demarca-se por não almejar jamais ultrapassar a apreensão da aparência dos fenômenos. Aliás, ela própria se vê como praticante da cientificidade positiva.

Essa modalidade de ciência quer se conformar ao paradigma clássico do mecanicismo. Mas neste ponto aparece uma dificuldade: quer explicar o crescimento econômico, mas, como está fundada em equilíbrio estático, não pode legitimamente conter nenhuma presunção sobre o motor do crescimento. E, sendo assim, ela se torna incapaz de bem relacionar causas e efeitos. Deveria se apresentar, por isso, apenas como mera descrição de trajetórias ideais, sempre em estado de pleno emprego, do sistema econômico - e não como modelo que incorpora relações de causalidade. Mas não é isto, porém, o que acontece, pois a dificuldade costuma ser superada por meio de postulações que se acrescentam às relações funcionais dos modelos, com certa arbitrariedade.

Ademais, tendo por base tais modelos, a explicação que se pretende científica tem de se dar por meio de sistemáticas comparações dos estados pelos quais supostamente passou o sistema econômico em consideração. Ora, esse método de análise apenas pode ser empregado porque está pressuposto que o sistema econômico de referência se encontrou sempre, em cada momento, num estado pelo menos muito próximo de um estado de equilíbrio. Trata-se de uma suposição necessária mesmo se não pode deixar de figurar como uma agressão ao bom-senso, pois parece muito mais razoável admitir que o sistema econômico real opera constantemente fora e longe de qualquer equilíbrio possível.

Contudo, esse modo de teorizar admite - e, na verdade, tem necessariamente de admitir - que os equilíbrios pontuais e, assim também, os contínuos de equilíbrios são estados realmente alcançáveis pelo operar do sistema econômico. O estado de balanceamento do sistema econômico é postulado por um imperativo lógico-metafísico e, sendo assim, em princípio, não está concebido como explicação de uma regularidade da experiência. Porém, a teoria tem de afirmá-los como situação existente e persistente do sistema de referência (isto é, do sistema real tal como apreendido pela razão subjetiva adepta da formalização), mesmo se eles não podem nunca ser verdadeiramente observados. E isto, como é evidente, denota o seu caráter de construção esotérica e, por isso mesmo, inabalável diante de quaisquer evidências empíricas ou de quaisquer críticas, mesmo se estas forem devastadoras.

O problema enfrentado consiste em explicar uma queda histórica das taxas de crescimento do PIB que, como já se mencionou, passou de um nível médio em torno de 7,5% nas três décadas anteriores a 1980 para um nível médio de 2,5%, aproximadamente, nas décadas seguintes. O método empregado para resolver esse “enigma” tem de seguir o padrão de explicação científica acima mencionado. Eis que é preciso então associar à série das taxas de crescimento do produto, a qual provém da contabilidade nacional, outras séries representativas de outras variáveis consideradas relevantes, as quais podem provir ou não da mesma fonte de “dados”. E essa associação - conforme foi visto - nunca é trivial, pois requer necessariamente, em complemento, a identificação de certas correlações observadas com supostas relações de causalidade, as quais não emanam dos fatos simplesmente.

Assim, por exemplo, se o crescimento do produto agregado, num dado ano, está fortemente associado ao crescimento da força de trabalho empregada, essa corrente de pensamento econômico dirá que o último fenômeno causa e por isso explica o primeiro. Ou seja, afirma assim que o aumento do emprego, uma condição passiva da acumulação de capital e, assim, do aumento do “produto”, explica o aumento do produto agregado. Ora, essa prática nem sempre redunda numa trivialidade tal como se verifica nesse caso. Veja-se o que ocorre neste outro exemplo: a redução no uso da capacidade instalada pode ser uma consequência do esmorecimento da acumulação de capital, mas, como se mostrará abaixo, no exercício de explicação empregado por essa corrente de pensamento ela aparecerá como causa da queda do crescimento econômico!

Uma forma exemplar do modo pelo qual o pensamento neoliberal brasileiro explica a quase estagnação da economia capitalista no Brasil encontra-se em dois artigos de Bacha e Bonelli, um deles publicado em 2005Bacha, Edmar L.; Bonelli, Regis (2005) “Uma interpretação das causas da desaceleração econômica do Brasil”. Revista de Economia Política, vo. 25 (3), p. 163-189. e o outro em 2013Bacha, Edmar L.; Bonelli, Regis (2013) “o crescimento econômico revisitado”. In Veloso, F. et allii, Desenvolvimento econômico: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Editora Campus. Sítio do IBRE na internet, 2013.. E, como era de esperar, aí esses dois autores procuram elucidar a queda do ritmo do crescimento econômico ocorrida a partir de 1980 manipulando uma base estatística que contém séries históricas de certas variáveis que consideram como chaves. Ao final de uma extensa argumentação econométrica, a queda prolongada do desempenho do PIB fica explicada pela evolução “anômala” dos fatores que consideram responsáveis pelo PIB.

Identificando os meios de produção duráveis com o capital da economia como um todo, eles partem então do fato de que há uma correlação forte entre as séries das taxas de crescimento do PIB e dos estoques de capital fixo. Como, segundo eles, “a tendência do PIB é, assim, bem captada pela evolução do estoque de capital” (Bacha e Bonelli, 2005Bacha, Edmar L.; Bonelli, Regis (2005) “Uma interpretação das causas da desaceleração econômica do Brasil”. Revista de Economia Política, vo. 25 (3), p. 163-189., p. 168), creem que se encontrarem os fatores responsáveis pela evolução desse estoque, encontrarão também uma primeira explicação para o declínio das variações dos fluxos de produção. No entanto, como não se valem de uma teoria do processo de acumulação, eles pensam que tem de comprovar o sentido da causação: ela vai do estoque de capital para o fluxo de produto ou corre em sentido contrário? Ora, manipulando as estatísticas e fazendo um teste de causalidade reconhecido nesse campo, eles chegam à conclusão que “o crescimento do capital causa [no sentido de Granger] o do PIB mais fortemente do que o contrário” (Bacha e Bonelli, 2013Bacha, Edmar L.; Bonelli, Regis (2013) “o crescimento econômico revisitado”. In Veloso, F. et allii, Desenvolvimento econômico: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Editora Campus. Sítio do IBRE na internet, 2013., p. 5). Daí eles partem.

Na explicação que se segue, esses autores se concentram na oferta agregada porque admitem que a demanda agregada deve ser tomada como resultado do crescimento. E essa opção, como se sabe, indica que acolhem implicitamente a Lei de Say. Ao fazê-lo, admitindo desde o início que o sistema econômico em si mesmo é uma máquina eficiente, eles podem se dedicar ao trabalho de descobrir os entraves “externos” ao seu crescimento. E, nesse desiderato, encontrarão óbices “naturais” (redução do crescimento da força de trabalho), óbices institucionais (leis que protegem os trabalhadores ou que limitam a concorrência) e entraves ideológicos (o nacionalismo, o construtivismo, por exemplo).10 10 A conclusão de um artigo jornalístico de dois economistas neoliberais resume bem essa perspectiva no momento de enfrentar a crise do modelo liberal periférico, iniciada já em 2008, mas mascarada até 2014 devido às políticas de sustentação da demanda dos governos do PT: “vamos retomar a estratégia nacionalista ou vamos enfrentar os desafios de uma economia mais aberta, com regras estáveis, que tratem os iguais como iguais, que valorizem o crescimento da produtividade e a melhor gestão da política pública, com ênfase em saúde, educação e proteção para as famílias de menor renda?” (Lisboa e Scheinkman, 2016). Agora, associar a liberalização da economia à melhora da condição das famílias de menor renda não parece uma afirmação que faça sentido! Sabe-se bem que as políticas neoliberais que advogam têm tornado precários os empregos, sacrificado as condições de vida dos trabalhadores e contribuído para uma enorme concentração da renda e da riqueza. Assim, raciocinando com funções produção agregadas, eles distinguem o “fator capital”, o “fator emprego” e o “progresso técnico” na explicação do crescimento do “produto nacional”. Os dois artigos mencionados baseiam-se em análises estatísticas muito detalhadas; aqui se faz referência apenas ao que é central na explicação da evidência histórica investigada.

Para explicar a evolução no tempo do estoque de capital, isto é, do valor monetário do estoque de meios de produção a preços constantes, eles empregam então uma decomposição que permite fatorar a sua taxa de crescimento, indicada por K ˙ . Sejam: “s”, a taxa de poupança (externa e interna); “p”, o preço relativo das mercadorias empregadas no investimento em capital fixo; “u”, a taxa de utilização da capacidade instalada; e “v”, a relação produto-capital, medindo-se este último como o estoque em uso; e “δ”, a depreciação. Após algumas operações algébricas a partir da definição de K ˙ como I/K - δ, a decomposição empregada fica:

K ˙ = s ( 1 / p ) u v δ

É importante notar que, nessa formulação, a razão (s/p) indica o poder da poupança de comprar meios de produção duráveis; quanto maior (ou menor) ela for, maior (ou menor) será supostamente o seu impacto na taxa de crescimento do estoque de capital. O resultado da decomposição feita por esses dois autores encontra-se reproduzida na tabela abaixo. Nessa apresentação, o período que vai do pós-guerra até 2010 encontra-se dividido em subperíodos determinados: 1947-62, pós-guerra e era JK; 1963-67, ascensão da ditadura militar; 1968-73, período do “milagre”; 1974-80, choque do petróleo; 1981-92, década perdida; 1993-99, período das reformas neoliberais; 2000-10, fim da era FHC e era Lula.


Decomposição do Crescimento do Capital Médias anuais - Períodos selecionados

Na análise das informações contidas nessa tabela, em primeiro lugar, é preciso ver que a quase estagnação está aí registrada como uma queda abrupta da taxa de crescimento do estoque de capital (isto é, da taxa de acumulação), a partir de 1980. Se esta atinge em 1974-80 um máximo, isto é, 9,7% ao ano, cai doravante para valores bem inferiores, da ordem de 2,3% ao ano. Em segundo lugar, é preciso ver que essa decomposição é feita porque enseja uma explicação por meio de fatores: as causas da queda do crescimento se apresentam como múltiplas e elas estão já devidamente mensuradas.

A queda de 6,4 pontos percentuais em K ˙ assim, é explicada de início pela queda de 3 pontos em “s”, 6 pontos em “u” e 7 pontos percentuais em “v”. E se complementa quando se observa que o preço relativo das mercadorias de investimento caiu 20 pontos percentuais no período como um todo. Ora, essa “explicação” apenas se sustenta em cada caso se for complementada com base em teoria, já que apenas esta - qualquer que ela seja - apreende cada ocorrência fenomênica numa formulação válida em geral. E, a esse respeito, há vários problemas. A queda no uso da capacidade instalada (medida por “u”), como já foi mencionado, é uma consequência ou uma causa do declínio de K ˙ . A mesma dúvida se põe no caso da queda de “v”, a relação produto-capital, caso não se disponha de uma teoria específica do processo de acumulação. Como a poupança é medida indiretamente como o montante de recurso que cobre a formação bruta de capital, “s” mede de fato a taxa de investimento na renda nacional na suposição de que o seu preço relativo permanece constante. Assim, sem apresentar as conexões intrínsecas entre as variáveis “s”, “p” e “v”, fica bem escondido um problema real.

A queda da relação produto-capital “v” - tal como se mostrará - pode sim ser associada à queda da taxa de acumulação, mas, para tanto, é preciso considerar essa relação como determinante, junto com a razão entre os salários e os lucros (aceitos como componentes do valor adicionado na economia como um todo), da taxa de lucro. Ora, esta última é uma variável econômica que nunca aparece explicitamente na explicação neoliberal...

De qualquer modo, na explicação da quase estagnação, Bacha e Bonelli se apegam a dois quesitos do crescimento. Primeiro, argumentam que houve um colapso na absorção de poupança externa durante a década perdida dos anos 1980 e, segundo, que o poder de compra da poupança foi afetado fortemente ao longo do período pelo comportamento do preço relativo do investimento, isto é, de “p”. Eis que este - dizem - é “um importante determinante do colapso da formação de capital depois de 1980”. Segundo eles ainda, trata-se de uma “anomalia brasileira numa perspectiva mundial”, pois reflete o fato de que houve “um progressivo encarecimento dos bens de capital no País” (Bacha e Bonelli, 2005Bacha, Edmar L.; Bonelli, Regis (2005) “Uma interpretação das causas da desaceleração econômica do Brasil”. Revista de Economia Política, vo. 25 (3), p. 163-189., 2013Bacha, Edmar L.; Bonelli, Regis (2013) “o crescimento econômico revisitado”. In Veloso, F. et allii, Desenvolvimento econômico: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Editora Campus. Sítio do IBRE na internet, 2013.). Como comparam essa alta com uma estabilidade temporal da mesma variável em nível mundial, eles relacionam tal comportamento à opção pelo mercado interno e pela política de substituição de importações que vigorou antes de 1980 e que colapsou a partir de então - não, portanto, como uma consequência endógena do próprio processo de acumulação.

Se os estudos mais antigos aqui resenhados procuraram explicar principalmente a queda do crescimento nos anos 1980, os mais recentes tiveram de se preocupar com a persistência da tendência à estagnação após as reformas neoliberais. Nesse sentido, retomando o velho problema de outro ponto de vista, Bonelli vem dizer agora que “a crise de crescimento brasileiro é uma crise de produtividade” (2016aBonelli, Regis (2016a) “Sobre o enigma do lento crescimento brasileiro”. In A crise de crescimento do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier: FGV/IBRE, p. 61-86., p. 62). Mas como explica ele tal crise? No mesmo diapasão, faz diversas decomposições para investigar a questão, mas chega a conclusões que não dependem só delas. Na verdade, parte também de uma avaliação normativa segundo a qual - nas palavras de Edmar Bacha - “a culpa de nosso atraso” deve ser imputada “a nós mesmos”, isto é, a uma suposta incapacidade brasileira para aproveitar as potencialidades do capitalismo, ou seja, do “sistema de mercado” na retórica neoliberal.

Nessa perspectiva, sugere, então, que “o estoque de capital foi usado de forma progressivamente mais ineficiente nos últimos anos”, que a força de trabalho no Brasil tem baixo nível educacional, que o “capital humano” não cresceu suficientemente, que a jornada de trabalho foi reduzida por opção política etc. Somando positivo ao normativo, Bonelli acrescenta que “a produtividade do trabalho também desacelerou em parte como resultado da mudança estrutural pró-serviços”, que “a produtividade do trabalho na indústria tem diminuído” desde 1996 e que isto se deve à desindustrialização (Bonelli, 2016aBonelli, Regis (2016a) “Sobre o enigma do lento crescimento brasileiro”. In A crise de crescimento do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier: FGV/IBRE, p. 61-86., p. 79). Ora, de modo bem significativo, esse autor apreende esta última como uma reversão oportuna de um andamento que se mostrou insustentável: “no último decênio esteve em curso um processo de ‘dessubstituição’ de importações na indústria de transformação” (Bonelli, 2016bBonelli, Regis; Pinheiro, Armando C. (2016b) “Auge e declínio da indústria no Brasil”. In A crise de crescimento do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier: FGV/IBRE, p. 193-224., p. 209). E que se justifica, pois, “a reserva de um crescente mercado cativo permitiu e incentivou uma expansão rápida da indústria [no passado], mas contribuiu para formar uma indústria ineficiente e não competitiva internacionalmente” (Bonelli, 2016bBonelli, Regis; Pinheiro, Armando C. (2016b) “Auge e declínio da indústria no Brasil”. In A crise de crescimento do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier: FGV/IBRE, p. 193-224., p. 199).

Os textos desses autores querem se afigurar como austeros, pois eles pretendem deter a boa teoria e se cingir à uma análise rigorosa dos dados estatísticos. Contudo, neles se encontram referências condenatórias ao “desenvolvimento para dentro”, ao “modelo estatizante que prevaleceu no período militar”, à “constituição populista promulgada em 1988”, isto é, à falta de liberalismo na condução da política econômica no Brasil, a qual teria sido contrariada em parte apenas durante o período das reformas neoliberais, entre 1990 e 2002. Em seus artigos, em nenhum momento, fazem eles alguma crítica à natureza e ao funcionamento do próprio sistema econômico enquanto tal. É preciso ver, no entanto, que esse modo de apreender a realidade está inscrito no método que usam e no arcabouço teórico que professam já que, como bons neoclássicos, atribuem prioridade à justificação em relação à explanação na compreensão do sistema econômico realmente existente (Freeman, 2015Freeman, Alan (2015) “Heavens above: what equilibrium means for Economics”. In: Munich Personal RePEc Archive.). Ademais, como se argumentou ao longo dessa assentada, a opção pela análise estática que resulta dessa prioridade cobra o seu preço: boa parte daquilo que chamam de explicações não passam de meras correlações; além disso, eles se obrigam a tratar certas condições do crescimento como as suas causas motrizes.11 11 Segundo Bunge, “causação, bem mais do que relação, é categoria de conexão genética e, assim, de mudança, isto é, um modo de produção de coisas, novas pelos menos em número, a partir de outras coisas” (Bunge, 2009, p. 46).

DA EXPLICAÇÃO NOVO-DESENVOLVIMENTISTA 12 12 O novo desenvolvimentismo parece ter se originado do fracasso da política econômica do governo FHC, após 2002. Tal como o desenvolvimentismo clássico, ele prevê um papel ativo para o Estado na busca do desenvolvimento. Enquanto o primeiro preconizava um ativismo do Estado na promoção do investimento, o segundo passa a confiar mais numa gestão adequada da política econômica. Uma explicação sobre as conexões e as divergências entre o desenvolvimentismo clássico e o novo desenvolvimentismo encontra-se num artigo escrito por Fonseca e Mollo (2013).

A corrente de pensamento que assim se autodenomina caracteriza-se por se encontrar na confluência de duas tradições; eis que ela mesma se enxerga como keynesiana e estruturalista. Por um lado, baseia-se na macroeconomia de Keynes e Kalecki que privilegia a demanda agregada na determinação do funcionamento econômico no curto e no longo prazo, vendo em um de seus componentes, o investimento, aquele dispêndio que produz o crescimento. Por outro, pretende ser herdeira da tradição estruturalista que vê o desenvolvimento como um processo de mudança estrutural que abrange não só a esfera econômica, mas a sociedade como um todo, isto é, a sua base tecnológica, a sua forma de organização, assim como as suas instituições societárias e culturais. Se esta última tradição lhe fornece o método histórico, assim como a visão de economia política, na apreensão dos fenômenos do crescimento econômico, a primeira lhe fornece uma teoria da dinâmica da acumulação. E essas duas características em combinação - note-se - estabelecem uma forte diferença em relação à corrente liberal ou neoliberal.

É preciso explicar isto melhor. Mas antes disso é preciso enfatizar que essa corrente de pensamento econômico compartilha com a anterior a tese de que o sistema econômico se orienta pela produção de utilidades, visando assim ao bem-estar da população em geral. Porém, dela diverge na avaliação da eficácia com que busca essa meta. Tal como a teoria neoclássica, mantém o foco analítico na esfera da esfera do mercado, isto é, da circulação mercantil. Contesta, entretanto, que o sistema econômico tenha uma propensão inerente a manter espontaneamente o pleno emprego.13 13 Discutiu-se amplamente essa questão num artigo escrito para mostrar como Marx e Keynes demarcam de modo radicalmente diferente a macroeconomia (Prado, 2016b). Partindo daí, costuma pensar o sistema econômico, pelo menos implicitamente, como um processo que ocorre fora do equilíbrio.

Assim, ao contrário da corrente antes examinada, esta que agora se investiga, ao reivindicar simultaneamente a herança keynesiana e estruturalista, presume que o movimento do sistema econômico tem de ser apreendido sobretudo como um processo dinâmico que ocorre no tempo histórico. E que, por isso mesmo, não pode ser abordado por meio de modelos estáticos baseados numa suposição de que vigora o equilíbrio geral. Assim, prefere pensar o sistema econômico como um objeto que pode ser descrito por meio de modelos dinâmicos não lineares. Em sua perspectiva, a prática necessária de concebê-lo em equilíbrio é apenas um recurso que permite apreender certas características do evolver desse sistema. Tal como já se indicou, o princípio da demanda efetiva é já a negação de que esse sistema tenda, espontaneamente, a funcionar de modo ótimo ou quase ótimo. Eis que implica a tese de que o movimento do sistema econômico no curto e no longo prazo não é comandado pela oferta agregada, mas pelo evolver dos componentes autônomos da demanda agregada.

A corrente novo-desenvolvimentista julga que tem certas características peculiares. Em primeiro lugar, afirma que busca estabelecer as condições necessárias e suficientes de um processo de crescimento civilizador e que seja capaz, portanto, de prover bem-estar para todos. Preocupa-se com o dinamismo tecnológico e com a adoção de boas instituições porque - convém - são requisitos necessários do progresso social em geral. Em segundo lugar, ela se vê como uma corrente de pensamento econômico pragmática - não revolucionária - que tem por objetivo central embasar a formulação de um projeto de desenvolvimento que seja capaz de resolver o problema da aproximação, isto é, do catching up. Porém, não quer romper com o capitalismo, ao contrário, quer moldá-lo do melhor modo possível, porque o enxerga como um meio adequado para superar a condição do subdesenvolvimento nos planos econômico, social e político. Por isso mesmo, preocupa-se também com a questão do imperialismo no sentido da dominância econômica dos países mais adiantados sobre os países menos adiantados.

Para enfrentar as condições adversas de um mundo em que dominam algumas poucas grandes potências, julga entretanto que é preciso se concentrar apenas na gestão macroeconômica: para ela, o processo do desenvolvimento dos países de renda média14 14 Esta noção tem conotações que é preciso esclarecer. Ela presume que a intervenção direta do Estado não é mais necessária para promover o crescimento econômico nos “países de renda média”. Como o setor privado teria aí, já, capacidade autônoma de acumulação de capital, o papel do Estado seria apenas o de garantir as condições do crescimento. requer não apenas a promoção da demanda efetiva por meio da atuação do governo em sintonia com a iniciativa dos capitalistas que operam na produção, mas também uma garantia firme de acesso à demanda interna e externa por meio da gestão da política de comércio exterior, com ênfase na política cambial.

O novo desenvolvimentismo crê na possibilidade de balancear em certa medida e em sentido adequado os sistemas econômicos dos “países em desenvolvimento” mais adiantados, os quais, sem uma governança consequente cujos lineamentos pensa prover, vai evolver - crê - de um modo fortemente anômalo e desequilibrado, o qual perpetuará a sua condição de subdesenvolvimento em face do mundo mais avançado. Por isso mesmo, acredita que é preciso administrar racionalmente o sistema econômico de tal modo a regular “corretamente” cinco preços macroeconômicos-chave: a taxa de lucro, a taxa de câmbio, a taxa de juros, a taxa de salários e a taxa de inflação. É evidente, segundo ele, que esses preços se encontram num nível “correto” apenas quando tornam possível o desenvolvimento procurado, isto é, quanto propiciam um processo cumulativo e robusto de crescimento.

A macroeconomia novo-desenvolvimentista amplia o escopo da política econômica porque considera necessário atuar fortemente contra certas tendências endógenas que promovem o subdesenvolvimento. Se a macroeconomia keynesiana recomenda o ajustamento da taxa de juros para conter as recessões, a macroeconomia desenvolvimentista julga que isto é também necessário, mas bem insuficiente. De seu ponto de vista, em adição, outros elementos abatem o crescimento. Segundo Bresser-Pereira, “há três preços macroeconômicos cronicamente errados: a taxa câmbio, que tenderá a ser sobrevalorizada, a taxa de lucro esperada, que tenderá a ficar deprimida e, menos claramente, a taxa real de juros, que tenderá a ser alta” (Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2016Bresser-Pereira, Luiz C. (2016) Macroeconomia desenvolvimentista - Teoria e política do novo-desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Campus., p. 8). Se a macroeconomia em geral se preocupa com a taxa de juros e o déficit público, a macroeconomia novo-desenvolvimentista julga preciso zelar pelo déficit (ou superávit) em conta-corrente e pela taxa de câmbio. Segundo ela, este último preço é crucial porque tende a ficar muito apreciado nos países subdesenvolvidos devido à chamada doença holandesa, isto é, a vantagem comparativa na produção de certas mercadorias transacionáveis no mercado mundial, que aproveitam uma dotação abundante de recursos naturais.

Na compreensão da quase estagnação, Bresser-Pereira rejeita as explicações ditas pelo lado da oferta, tais como a baixa propensão a poupar das famílias, o reduzido nível educacional da população trabalhadora, a ausência de instituições pró-mercado, a falta de competitividade da indústria de transformação etc. porque não apreendem rupturas que mudaram o curso da história, isto é, são problemas que também existiam no período de elevado crescimento econômico. Nessa perspectiva, acolhe apenas a tese15 15 Como se sabe, essa tese foi apresentada como uma caraterística geral do processo de desenvolvimento econômico, por meio de um modelo de crescimento, por Arthur Lewis, em 1954. de que no curso do último meio século ocorreu um esgotamento relativo da disponibilidade de força de trabalho barata no Brasil. Entre 1930 e 1980, o crescimento econômico se beneficiou de uma intensa transferência de trabalhadores da agricultura para as atividades urbanas, em particular, para a indústria de transformação. Enquanto os salários reais (diretos e indiretos) se mantiveram baixos, a taxa de acumulação pode ser mantida em nível bem alto. Mesmo havendo ocorrido um enorme aumento da produtividade média do trabalho, o custo de reprodução da força de trabalho - admite - tendeu a se elevar conforme avançou o desenvolvimento industrial, o que passou a dificultar em alguma medida o processo de acumulação.

Os fatos e os valores se entrelaçam na explicação da quase estagnação da economia brasileira desde o começo dos anos 1980. Se os neoliberais culpam as intervenções supostamente desastradas por desempenhos históricos que consideram insatisfatórios, os novos-desenvolvimentistas costumam reclamar da falta de boas intervenções na condução da ação do Estado. As características marcantes dessa última perspectiva na avaliação dos fatos econômicos, além da primazia da abordagem histórica, são a centralidade do modo de atuação econômica do Estado e a forte crença na autonomia e na preponderância da política econômica.

Em sua apresentação das causas da quase estagnação, Bresser-Pereira elenca, além daquela aludida no parágrafo anterior, três outras que se nutrem desses dois pressupostos: a redução da capacidade de investimento do Estado em infraestrutura a partir dos anos 1980; o “desmantelamento do mecanismo de neutralização da doença holandesa” a partir da abertura comercial dos anos 1990; e a financeirização da economia brasileira após o Plano Real (Bresser-Pereira, 2015aBresser-Pereira, Luiz C. (2015a) “A quase estagnação brasileira e sua explicação novo-desenvolvimentista”. In Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil, orgs.: Barbosa, Nelson et. alli. Rio de Janeiro: Elsevier: FGV/EESP. e 2015bBresser-Pereira, Luiz C (2015b) “Brazil 35 years-old quasi-stagnation: facts and theory”. Texto para Discussão São Paulo: FGV-EESP.). A perda da capacidade de neutralizar a valorização ruinosa do câmbio manifesta-se de modo nítido na evolução das taxas de câmbio efetivas reais, apresentada no gráfico em sequência.

Note-se, nesse gráfico, que a taxa de câmbio relevante para as exportações da economia do Brasil se valoriza fortemente de 1987 a 1990, de 1992 a 1998, assim como após 2002 - agora, por mais de dez anos consecutivos. A inversão dessa tendência nos anos intermediários, também observada no gráfico, ocorreu apenas em razão de dificuldade associadas às crises monetárias e cambiais.16 16 Como se sabe, o problema da estabilização do período que vai de meados dos anos 1980 a meados dos anos 1990 requereu diversos planos: em fevereiro de 1986 houve o Plano Cruzado, em abril de 1987 eclodiu o Plano Bresser, em janeiro de 1989 veio o Plano Verão, em março de 1990 ocorreu o Plano Color e em março de 1995 aconteceu o Plano Real. Ora, esses são períodos em que o processo de desindustrialização se acentuou, já que a indústria instalada no Brasil perdeu competitividade diante da concorrência estrangeira. Desde os anos 1930 até os anos 1980, a política econômica, por meio de tarifas, subsídios, acesso ao crédito etc. onerava a exportação de produtos primários ao mesmo tempo em que protegia e incentivava o processo de industrialização. Entretanto, a partir de 1990, a política de abertura comercial e financeira neoliberal eliminou esses mecanismos de tal modo que, pouco a pouco, a exportação de mercadorias primárias passou a predominar em relação à exportação de mercadorias industriais.17 17 Segundo a Carta IEDI nº 765, “diante do aumento da demanda e do preço das commodities, a participação dos bens primários nas exportações brasileiras aumentou de 28% para 50% entre 1990 e 2014, enquanto as parcelas dos bens de baixa e média tecnologia regrediram de 25% a 18% e de 14% a 5%, respectivamente” (IEDI, 2016). Ademais, como também enfatizam os novo-desenvolvimentistas, a tendência à valorização anômala do câmbio tornou-se possível em face da facilidade para a entrada de capitais externos, a qual se tornou possível diante da abertura da conta capital e das elevadas taxas de juros que passaram a ser praticadas (Bresser-Pereira e Marconi, 2010Bresser-Pereira, Luiz C; Marconi, Nelson (2010) “Existe doença holandesa no Brasil?” In: Doença holandesa e indústria. Rio de Janeiro: Editora da FGV, p. 207-230.). Tudo isso produziu, após o começo dos anos 1990, um verdadeiro “cavalo de pau” na política de industrialização no Brasil, do que resultou a chamada reprimarização.


Taxas efetivas reais das exportações Brasil (1982-2014)

Segundo Bresser-Pereira, a destruição da capacidade do Estado brasileiro de alavancar o crescimento se deu em duas etapas. A primeira delas ocorreu ainda no período da ditadura. Com o fim dos anos do “milagre” (que durou de 1968 a 1973), o governo militar então empossado lançou o II PND (1974). Para suprir a carência de legitimação democrática por meio do sucesso econômico, ele decidiu que seria necessário dirigir e comandar um vigoroso processo do crescimento, se necessário em marcha forçada. Passou, então, a administrar o câmbio e os preços das mercadorias produzidas pelas empresas estatais com a finalidade de controlar a inflação. Optou, ademais, pelo financiamento dos investimentos na economia doméstica por meio de empréstimos tomados no exterior. Os déficits em conta-corrente decorrentes do câmbio valorizado eram, assim, compensados por meio da entrada de capital estrangeiro, abundante depois 1973 como consequência do primeiro choque do petróleo. Porém, em 1979, quando os Estados Unidos, diante do segundo choque do petróleo e do repique da estagflação, elevaram a taxa de juros, muitos países como o Brasil, que estavam endividados, quebraram. Ora, essa crise comprometeu a capacidade de financiamento do Estado brasileiro por mais de uma década.

A segunda etapa se iniciou já em 1990, quando, já na retomada da democracia, começaram a ser eleitos governantes que passaram a adotar políticas econômicas neoliberais. Ora, esses governos passaram a confiar na iniciativa privada na condução dos investimentos e, assim, descuidaram do papel do Estado na acumulação de capital. Em complemento, minaram mesmo a própria capacidade de alavancar o crescimento por meio da política de privatização das empresas estatais. A crença na eficiência alocativa dos mercados não costuma se acautelar contra a volatilidade e a incerteza que acomete as decisões acumulativas dos personagens econômicos que operam sem uma visão de conjunto do sistema como um todo. Ademais, neste momento histórico em que o país tinha ainda memória da ditadura, a prática de liberalização não podia estar desacompanhada de políticas ditas sociais. Em virtude da Constituição de 1988 e diante da necessidade de manter certa legitimidade, os governos neoliberais tiveram que atender aos gastos sociais em detrimento dos investimentos em infraestrutura.

Porém, o cerne da explicação novo-desenvolvimentista para a quase estagnação da economia capitalista no Brasil se encontra em dois fatores que operam, como supõe, do lado da demanda. Nessa visão, a financeirização do modo de operar do sistema econômico e o descuido com a neutralização da doença holandesa se combinam para impedir que taxa elevadas de crescimento possam ser atingidas no curto e no longo prazo. Ambos são elementos se acoplam como partes integrantes do processo de liberalização e, por isso mesmo, juntam-se para prejudicar fortemente o investimento na produção de mercadorias reais. O predomínio das finanças sobre a indústria, no caso do Brasil, tem exigido a manutenção das taxas de juros reais em níveis elevados, o que reduz o lucro empresarial esperado. Segundo Bresser-Pereira, eles são mantidos nesses níveis não para controlar a inflação como se alega, mas porque decorrem do “poder político dos capitalistas rentistas e financeiros” (2015bBresser-Pereira, Luiz C (2015b) “Brazil 35 years-old quasi-stagnation: facts and theory”. Texto para Discussão São Paulo: FGV-EESP.). A apreciação permanente da taxa de câmbio, por sua vez, também restringe a propensão a investir já que implica uma desvantagem competitiva para a indústria de transformação, à qual é considerada por essa corrente como o principal motor do crescimento econômico.

DA EXPLICAÇÃO MARXISTA

Como já se mencionou, o que caracteriza sobretudo o marxismo, pelo menos enquanto ele se mantém autêntico e observa com rigor a herança teórica de Marx, é a tese de que o modo de produção capitalista, um evolver bem determinado de determinadas relações sociais de produção, está regido por uma lógica objetiva de reprodução, que se impõe aos agentes econômicos enquanto tais (capitalistas, financistas, autônomos, trabalhadores) porque dela eles têm uma fraca consciência - isto é, uma consciência ideológica, não crítica. No mundo do cotidiano em que vivem, eles atuam e só podem atuar como meros suportes funcionais dessa lógica; assim, mesmo se não o sabem, mesmo se atuam inventivamente, acolhem como seus próprios os objetivos postos imperativamente por essa forma de reprodução social.

Os marxistas, por isso, não analisam o sistema econômico com base num fundamento de equilíbrio, de um modo platônico, mas tomam o equilíbrio possível apenas como um fenômeno emergente (Prado, 2016aPrado, Eleutério (2016a) “Equilíbrio como fundamento ou como fenômeno emergente?” In: Marx e o Marxismo.). Ademais, não se valem da noção mecânica de causalidade. Ao contrário, eles o pensam em seu curso histórico - nascimento, vida e morte - como um processo movido por contradições, as quais são para eles objetivas e estruturais. Eis que essas contradições são inerentes às próprias relações sociais, as quais, em seu conjunto, conformam de um modo muito complexo a sociabilidade capitalista. Como, para Marx, a relação social básica é a relação de capital, isto é, a relação que enlaça e mantém em antagonismo o capital e o trabalho assalariado, ele sustenta a tese de que a meta objetiva do sistema econômico existente é a própria acumulação de capital. E que essa meta é, mesmo se os agentes não o sabem, constante e imperativamente reposta por meio deles próprios enquanto indivíduos que se doam às funções exigidas pelo próprio operar desse sistema. Em sua objetividade especificamente social, o capital, por isso, é apreendido como um sujeito automático.

Uma das premissas mais importantes dessa perspectiva teórica é que o capitalismo consiste num sistema global formado por regiões, países, estados etc. com diferentes graus de desenvolvimento das forças produtivas e, assim, de capacidade de geração de riqueza material. Ora, esses espaços são sobretudo espaços de valorização do valor e, por isso, não podem ser considerados nem independentes entre si nem como partes que se encontram perfeitamente soldadas no todo. Assim, qualquer dessas partes - e aqui se trata do Brasil, um país bem grande na ordem mundial - não pode ser analisada apenas em sua dinâmica interna ou só focando os condicionamentos que lhe são externos.

Nesse sentido, se Filgueiras, por um lado, crê que se deve analisar “o Brasil, a partir da fase final de seu processo de industrialização, de constituição das forças produtivas especificamente capitalistas”, como um país que “conseguiu internalizar em grande medida a dinâmica de seu processo de desenvolvimento”, por outro, pensa que ele, nas últimas décadas, “integrou-se ao processo de globalização, tornando-se uma plataforma de acumulação para o capital financeiro internacional” (Filgueiras, 2012Filgueiras, Luiz (2012) “A natureza do atual padrão de desenvolvimento brasileiro e o processo de desindustrialização”. Relatório de Pesquisa do Centro Censo Furtado., p. 10). Assim, por não ter ele independência tecnológica e financeira, deve-se tomá-lo como um país que manteve e que mantém ainda a sua condição periférica e subordinada. Quase não produz, ao contrário, importa tecnologia dos países desenvolvidos. Quase não exporta capitais, ao contrário, toma dinheiro emprestado no exterior. Não tem liderança na produção de mercadorias tecnologicamente avançadas, ao contrário, ocupa um lugar secundário na divisão internacional do trabalho. Em consequência, transfere sistematicamente excedentes para o exterior mediante a troca desigual, assim como por meio da remessa de juros, royalties e lucros (Filgueiras, 2015bFilgueiras, Luiz (2015b) “Política econômica e ajuste fiscal: a receita universal do capital financeiro e da direita”. Blog Marxismo 21: Dossiê do Ajuste Fiscal.).

Tal como se indicou anteriormente, Filgueiras distingue dois padrões de desenvolvimento no curso da economia capitalista no Brasil, no pós-II Guerra Mundial. O primeiro, que aqui foi rotulado grosso modo como “nacional-desenvolvimentista”, é caraterizado pela industrialização por substituição de importação e o segundo, que ele próprio chama de “liberal periférico”, está marcado por um processo de “especialização regressiva”, isto é, por desindustrialização, reprimarização e financeirização. Ora, por padrão de desenvolvimento ele entende uma forma específica de inserção na economia mundial que se dá por meio da hegemonia de um “bloco de poder”.18 18 Como se sabe, “bloco de poder” é uma categoria teórica criada por Nicos Poulantzas (1977) para apreender o exercício da hegemonia política pelas classes dominantes no desenvolvimento capitalista contemporâneo. Segundo esse autor, por tal padrão deve-se entender um complexo “conjunto de elementos - econômicos, sociais e políticos - que estrutura, organiza e delimita a dinâmica do processo de acumulação de capital” (Filgueiras, 2012Filgueiras, Luiz (2012) “A natureza do atual padrão de desenvolvimento brasileiro e o processo de desindustrialização”. Relatório de Pesquisa do Centro Censo Furtado., p. 8).

O bloco de poder, por sua vez, é formado por classes e frações de classes que se articulam para manter uma hegemonia ideológica e política no seio da sociedade, a partir da qual comanda as intervenções diretas e indiretas, operacionais, legislativas ou judiciárias, do Estado no sentido de orientar o processo de desenvolvimento, fazendo com que este se conforme aos seus interesses. No período do desenvolvimentismo associado ao capital estrangeiro, o bloco de poder manteve-se grosso modo nucleado na burguesia industrialista (nacionalizante ou francamente a favor da dependência) em aliança tácita - não sem contestações - com os sindicatos e com a colaboração da burocracia estatal. Já no período liberal periférico, o poder de comando central passou a ser exercido pela burguesia financeira em aliança com as forças sociais que se conformam com a subordinação do país ao imperialismo dos países centrais. Dentre essas, constam como importantes aquelas ligadas ao agronegócio e à indústria exportadora de commodities. Nesse período, ocorre um aprofundamento da dependência tecnológica e financeira, o que, segundo ele, originou uma “dinâmica macroeconômica muito mais instável”, a qual foi caracterizada como “voo da galinha”.

A tese de Luiz Filgueiras ilumina bem a dimensão institucional, econômica e política, do desenvolvimento do capitalismo no Brasil desde o fim da II Guerra Mundial até o momento atual, mas também o seu futuro possível, divisável desde agora. Porém, como nesta seção se busca uma explicação marxista do que vem sendo caracterizado por sua “quase estagnação” (dos anos 1980 em diante), é preciso ir além dela, incorporando uma análise da lógica própria da acumulação de capital nesse período histórico. E essa análise, como já se indicou, encontra-se em diversos artigos de Adalmir Marquetti e seus associados.

Para compreender a evolução do processo de acumulação de capital no Brasil desde o fim da II Guerra Mundial, Marquetti distingue três subperíodos dentro desse período como um todo. E eles se encontram marcados no gráfico a seguir. Aí se apresenta as evoluções da taxa de lucro e da taxa de acumulação, como uma sucessão de três eras específicas que se encontram marcadas pela industrialização por substituição de importações, pela crise desse modo de acumulação nomeadamente periférico e pela acumulação claudicante que se dá pela via da especialização regressiva. Este último subperíodo afigura-se como emblemático porque mostra o destino dessa economia dependente diante do evolver avassalador da acumulação em escala mundial, quando esta chegou à sua fase superior que é usualmente denotada pelo termo “globalização neoliberal”.

O primeiro, que começou após 1945 e foi até 1973, caracteriza-se por um grande dinamismo, o qual se refletiu numa taxa média de crescimento do produto nacional acima de 7% ao ano. Como se pode notar no gráfico, nessa data final, marcando o fim do chamado “milagre brasileiro” que se iniciara por volta de 1968, ocorreu um pico na taxa de lucro. Se essa taxa declinara um pouco de 1952 até 1963, voltara a crescer desde então para alcançar um máximo local precisamente em 1973. Daí em diante essa taxa tendeu a cair e de fato caiu acentuadamente até 1990, quando se inicia um novo período, o qual ainda não terminou. Esse terceiro subperíodo iniciado em 1991, em contraposição ao primeiro, está marcado por um baixo dinamismo, já que a taxa média de crescimento do produto nacional ficou em torno de 2% ao ano (apenas contrariado no período entre 2003 e 2008 quando ocorre, como se sabe, um boom na exportação de commodities). Nota-se, no entanto, que a taxa de lucro, que vinha caindo continuamente no período anterior e que chegara a um mínimo justamente em 1990, elevou-se moderadamente, mantendo-se, entretanto, num patamar bem abaixo daquele que fora obtido entre 1952 e 1973. O período intermediário que vai de 1973 a 1990 é aquele em que ocorre, primeiro, o prolongamento anômalo e, depois, a crise aberta da industrialização por substituição de importação.


Brasil: Acumulação e Lucro, 1952-2008

A teoria que vem de Marx sugere que o principal determinante do investimento na produção de mercadorias é a taxa de lucro.19 19 Mais rigorosamente, seria necessário considerar a taxa de lucro líquida de impostos e do pagamento de juros. Mas essa informação não está disponível. Em consequência, o comportamento temporal da taxa de acumulação - vista aqui de modo aproximado por meio da taxa de crescimento do estoque de capital fixo - tem de acompanhar grosso modo o evolver da taxa de lucro - mensurada aqui pela massa de lucro menos a depreciação sobre o estoque de capital fixo. E é isto precisamente o que se observa no último gráfico apresentado. Mesmo se essas duas taxas divergem em tendência, mais ou menos fortemente, no curto prazo, elas apresentam uma clara relação de convergência no longo prazo. A principal divergência ocorre no período que vai de 1968 a 1980, mas ela tem a sua explicação. Nos primeiros cinco anos desse subperíodo, como já se notou, ocorreu o chamado “milagre”, o qual foi seguido, a partir de 1974, pelo II PND; e estes dois eventos propiciaram uma taxa de acumulação em discordância com a tendência da taxa de lucro. A taxa de acumulação atingiu um máximo em 1974, isto é, cerca de 14% ao ano, precisamente quando a taxa de lucro começara já a cair. Ora, a divergência se explica porque o elevado nível de investimento durante essa quadra histórica só foi possível porque ele foi financiado mediante um pesado endividamento externo, o qual cobrará o seu preço na década de 1980 por meio de uma crise de endividamento externo e inflação descontrolada que só será superada em meados dos anos 1990, com o Plano Real.

É evidente neste momento da exposição que Marquetti explica a quase estagnação da economia capitalista no Brasil a partir dos anos 1980 pela forte queda da taxa de lucro ocorrida a partir de 1973 e pelo seu baixo nível mantido desde então. Se o seu montante não parece tão baixo assim quando se observa o gráfico aqui reproduzido, veja-se que a taxa calculada é líquida num sentido restrito porque no cômputo da massa de lucro está excluída a depreciação, mas não o custo dos impostos, o custo do capital emprestado internamente (isto é, dos juros), assim como a transferência de excedentes para o exterior. E é apenas o lucro empresarial, em particular, o lucro retido pelas empresas (não gasto em consumo), que funciona como alavanca da acumulação.20 20 O investimento pode evidentemente ser alavancado pelo crédito, mas este, no longo prazo, tem de ser reembolsado, não apenas no montante do adiantamento, mas num montante maior constituído pelo principal e pelos juros. Em consequência, como a própria crise brasileira dos anos 1980 mostra, ele exige ao fim e ao cabo do período de empréstimo que lucro efetivo tenha sido gerado em nível suficiente para que o reembolso possa ser efetuado, o que não pode ser frustrado impunemente. Em consequência, a explanação de Marquetti para essa quase estagnação não fica completa se essa queda histórica da taxa de lucro não for ela mesma devidamente explicada. Mas é justamente com esse objetivo que se desenvolve a sua investigação. Para expô-la aqui, apenas em seus grandes traços, é preciso notar que a taxa de lucro, tal como calculada com os dados das contas nacionais, pode ser decomposta na participação do lucro no produto (ω = L/Y) e na relação produto-capital (v = Y/K):

r = L K = L Y Y K = ω v

Ora, essa decomposição não é trivial, pois se justifica por meio de uma teoria coerente sobre como se dá em geral a acumulação de capital no modo de produção capitalista. A participação do lucro no produto (ω) reflete a repartição do valor adicionado gerado em cada período de tempo entre o capital e o trabalho, isto é, entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores. A relação produto-capital (v), por sua vez, reflete o efeito da incorporação de tecnologia nos processos de produção, algo que depende, como se sabe, da própria concorrência dos capitais particulares que atuam aí inescapavelmente em busca de maior lucratividade.

Ainda que feita com base em variáveis que refletem o funcionamento aparente do sistema econômico, ela repercute a análise empreendida por Marx em O capital, em termos de valor-trabalho, sob o título de lei da queda tendencial da taxa de lucro. Na análise original, a variável assim denominada, como se sabe, encontra-se decomposta de forma similar na taxa de exploração e na composição orgânica do capital. A primeira razão reflete a repartição do valor criado socialmente pelo atuar da força humana entre trabalho necessário e trabalho excedente. A segunda mostra um efeito distributivo da incorporação de tecnologia nos processos de produção, já que esta modifica progressivamente a composição do capital posto na produção; como se sabe, sob esse efeito, a parte do capital constante tende a se elevar em relação à parte do capital variável na composição do valor da mercadoria. É assim que se configura, em sua expressão mais simples, a lei tendencial da queda da taxa de lucro: mantida constante a taxa de exploração, cairá a taxa de lucro conforme se eleva a força produtiva do trabalho nos processos de produção.

Os estudos de Marquetti e seus associados mostram que, no período histórico analisado, a participação dos lucros no produto (ω = L/Y), apesar das flutuações ao longo dos anos e das décadas, manteve-se tendencialmente constante. Se favoreceu um pouco mais os trabalhadores nos períodos de maior abertura política, privilegiou mais o capital nos períodos de fechamento, sem que uma tendência de longo prazo tenha se confirmado num ou noutro sentido. A mera repartição, portanto, não pode explanar a queda da taxa de lucro observada historicamente. O que a explica, só pode ser uma queda persistente da relação produto-capital (v = Y/K). E, de fato, os seus estudos mostram que essa razão, também chamada vulgarmente de produtividade do capital, tendeu a cair durante o período que vai do fim da II Guerra Mundial até 1990, quando se recuperou muito moderadamente, flutuando, desde então, num nível muito baixo. Não é possível entrar aqui nos detalhes de sua explanação. Basta ver o seguinte: Marquetti nota que as mesmas três fases observadas na evolução da taxa de lucro aparecem também na evolução da relação produto-capital. Diante dessa evidência contundente, ele tira então uma conclusão inequívoca: “a evolução de longo prazo da taxa de lucro está principalmente determinada pela evolução da produtividade do capital” (Marquetti e Porsse, 2014Marquetti, Adalmir; Porsse, Melody de C. S. (2014) “Patrones de progresso técnico em la economia brasileña, 1952-2008”. Revista da CEPAL, nº 113., p. 71).

Diante desse fato, esse autor acredita que, na evolução da economia capitalista no Brasil, observou-se um “progresso técnico enviesado no sentido previsto por Marx”, o qual apresenta sempre as seguintes características: a) aumento flutuante do produto e do emprego; b) aumento da produtividade do trabalho em consonância, ainda que com desvios menores e maiores no curto prazo, com o aumento do salário real; c) crescimento tendencial da intensidade de capital e, assim, queda da relação produto-capital; d) queda também tendencial da taxa de lucro; e) tendência consequente à redução da taxa de acumulação. É, pois, assim que ele explica também a prolongada quase estagnação dessa economia a partir dos anos 1980.

É evidente, da perspectiva marxista aqui apresentada, que tal desempenho medíocre - assim como a especialização regressiva e todas as suas decorrências - resultou do próprio desenvolvimento das contradições do capitalismo. Ele não adveio, portanto, por causa de decisões equivocadas de política econômica. A financeirização, segundo ela, não resultou de uma tomada do poder pelos “rentistas”; configurou-se como uma forma histórica geral de dominação do capital sobre o trabalho assalariado quando o capital industrial fracassara já na geração de uma taxa de lucro “satisfatória”. Assim, a valorização persistente do câmbio e a punção sistemática do lucro na forma de dividendos, juros etc. são decorrências “normais” de um modelo de crescimento possível nas atuais circunstâncias históricas. É certo que, em tese, elas poderiam ser modificadas por uma política econômica mais nacionalista e/ou mais social-democrática, porém, isso não ocorreria sem enormes percalços e com grande chance de insucesso. É quase certo que teriam uma forte oposição de grande parte da burguesia interna e uma hostilidade ativa do imperialismo. Não é possível esquecer que a orientação desenvolvimentista do Estado provedor21 21 Nos países desenvolvidos, na “época dourada” do capitalismo em que as taxas de lucro eram bem altas, o Estado provedor se alimentou do keynesianismo e da tradição social-democrática para criar o estado de bem-estar social; nos países subdesenvolvidos, ele criou o nacional-desenvolvimentismo. Tanto um quanto o outro entrou em crise quando as taxas de lucro despencaram a partir dos anos 1970. - uma exceção de curta duração na história do capitalismo - foi rompida radicalmente pelo advento do Estado privatizador, do Estado neoliberal.22 22 Uma interpretação sobre como vem ocorrendo essa transformação, como está impondo no Brasil a hegemonia neoliberal, encontra-se em Milan (2016).

EM BUSCA DE UMA CONCLUSÃO

Os economistas neoliberais em função apreendem o sistema econômico ora existente como se fosse natureza, como se ele fosse um momento particular de um fenômeno econômico que existiria em geral. E o fazem por meio de noções abstratas e transistóricas que nada mais são do que pobres sombras das categorias reais do modo de produção capitalista (Badeen e Murray, 2016Badeen, Dennis; Murray, Patrick (2016) “A Marxian critique of neoclassical economics’ reliance on shadows of capital’s constitutive social forms” Crisis & Critique, vol. 3 (3.). A existência temporal desse sistema é enxergada por meio de meras sucessões de estados de equilíbrio - não como um processo que possui certas fontes imanentes de evolução, crise e transformação. Eles apenas se interessam pelos fatos econômicos na medida em que possam ser reduzidos a variáveis quantificáveis, as quais, por sua vez, passam a ser relacionadas externamente por meio da noção de causalidade consagrada na mecânica.

Assumindo que o sistema econômico é, em princípio, uma máquina bem perfeita, eles encaram a quase estagnação como um problema que resulta, em última análise, de falta de liberalismo. Ao considerá-la como um objeto de investigação, esforçam-se, principalmente, para descobrir as ineficiências, as distorções, as ineficácias que impedem o livre desenvolvimento do “mercado”, a eclosão do crescimento, em particular, a evolução de sua capacidade, supostamente inesgotável, de elevar sempre mais a “produtividade total dos fatores”. E, nesse desiderato, eles não se cansam de criticar os populistas, os nacionalistas, os socialistas e até mesmo aqueles economistas liberais que consideram incompetentes. O problema central da teoria que professam é que ela se põe criando um mundo platônico que pouco versa sobre o sistema econômico realmente existente. E se desenvolve, no plano empírico, por meio de infindas análises econométricas pouco esclarecedoras.

À medida que difundem o ideário neoliberal e que apreendem certos nexos externos entre os fenômenos, fazem quase sempre um trabalho útil, ainda que nada edificante, para a conservação do sistema. Dadas as condições estruturais da economia brasileira, é bem duvidoso que possam, mesmo atropelando as conquistas sociais dos trabalhadores brasileiros, ter sucesso na superação da quase estagnação - o contrário, aliás, afigura-se mesmo como mais provável. Na melhor situação possível, continuarão “comprando tempo”, inclusive porque agora o crescimento está subordinado à rentabilidade do capital financeiro. De qualquer modo, sabotando a soberania popular, eles não deixarão de defender a “emancipação progressiva da economia capitalista da intervenção democrática” em nome de imperativos postos pelos “mercados” (Streeck, 2014Streeck, Wolfgang (2014) Buying time - The delayed crisis of democratic capitalism. Londres: Verso., p. 5).

Já os economistas novo-desenvolvimentistas têm uma boa apreensão da historicidade e do caráter social dos fatos econômicos. No entanto, como keynesianos, apreendem o capitalismo pela esfera da circulação mercantil, concentrando-se por isso na questão de como produzir um nível de demanda efetiva que seja capaz de gerar um crescimento econômico robusto, socialmente satisfatório. Sem cair no mecanicismo que explica a repartição da renda entre as classes sociais pela produtividade marginal dos fatores fornecidos ao processo produtivo, eles encaram-na como um problema endógeno - e mesmo político - do próprio desenvolvimento econômico. Tal como a tradição dos economistas clássicos que também reivindicam, creem que a questão das classes e dos conflitos de classe se resolve simplesmente na esfera da repartição da renda.

Não ignoram o problema da dependência e do imperialismo, mas creem que ele pode ser enfrentado por uma adequada política econômica que seja capaz não só de reverter a desindustrialização, mas de propiciar uma decisiva retomada do processo de industrialização no interior do capitalismo globalizado. Atribuem a interrupção desse processo, ocorrida no passado, a erros na estratégia de crescimento (emprego sistemático de poupança externa, por exemplo) e a opções liberalizantes que enfraquecem a economia brasileira diante da economia mundial (por exemplo, a destruição da capacidade de investimento do Estado). A estratégia neoliberal - julgam - não produz senão uma integração subordinada aos países capitalistas já desenvolvidos e, assim, um desenvolvimento bem medíocre (no que têm razão). Em particular, condenam fortemente as decisões de política econômica que mantêm o câmbio persistentemente valorizado e as que conservam as taxas de juros em níveis elevados. Para eles, a financeirização decorre da preponderância de interesses políticos ideológicos - não da lógica e da fuga para a frente do próprio capital.

O problema dessa abordagem é que ela descuida das condições estruturais da reprodução do capital que são inerentes ao capitalismo periférico em seu atual estágio de desenvolvimento. E parece não ter consciência do fato de que a crise de lucratividade a partir dos anos 1970 aconteceu de modo aparentemente concatenado em nível mundial - e não apenas no Brasil (Maito, 2016Maito, Esteban (2016) “El capitalismo y su tendencia al derrumbe”. En defesa del marxismo 46. Buenos Aires: Ediciones Rumbos.; Roberts, 2016Roberts, Michael (2016) The long depression - How it happened, why it happened, and what happens next. Chicago: Haymarket Books., pp. 59-94). Não vê a especialização regressiva como um caminho quase imperativo imposto pelo processo de globalização às economias sem moto próprio e sem poder geopolítico, tal como a brasileira. Não concebe a financeirização como uma resposta propriamente capitalista para uma redução endógena da taxa de lucro, a qual foi produzida pela própria acumulação de capital. E implica que os capitais financeiros passam a subordinar e supervisionar não só os capitais industriais, mas também os estados nacionais. De qualquer modo, é preciso acrescentar que a autonomia e eficácia da política macroeconômica na condução do desenvolvimento - que se afigura como um requisito necessário da estratégia do novo desenvolvimentismo - afigura-se até certo ponto como ilusória.

Já o marxismo aqui considerado introduz na discussão da quase estagnação do modo de produção capitalista no Brasil uma consciência histórica que tem como pressuposto, não a sua sobrevivência eterna ou mesmo uma sua indefinida sobrevivência, mas, precisamente, a possibilidade de sua morte e mesmo a sua morte inevitável em algum momento do futuro. Ele enfrenta atualmente, no entanto, um turvamento da perspectiva humanista na história, mas não está disposto a desistir, apesar de todas as dificuldades.

Eis como dois autores dessa linhagem apresentam essa visão de mundo: “A teoria social marxiana, por outro lado, se ampara no reconhecimento do caráter histórico das relações sociais capitalistas e busca, através do exame crítico de seu objeto, desvendar as condições que possibilitaram a emergência dessa forma específica de sociabilidade e suas principais determinações. Termina assim por reconhecer na análise do desenvolvimento capitalista a formação de tendências contraditórias que convertem o potencial emancipador num aprisionamento dos sujeitos a uma dinâmica sobre a qual não tem controle. Sua teoria social, portanto, não se desdobra em uma nova proposta de desenvolvimento; se desdobra na afirmação da necessidade da transformação em direção a outra formação social, dotada de outra dinâmica de desenvolvimento” (Bonente e Correa, 2015Bonente, Bianca I.; Corrêa, Hugo F. (2015) “Desevolvimento sem “ismos”: uma crítica ao novo-desenvolvimentismo a partir dos Grundrisse de Marx”. Revista outubro, nº 23, p. 111-127., p. 125). Por isso, o marxismo, sem abandonar a esperança de que seja possível criar um mundo humano, opta sempre por cultivar um intenso e desassombrado realismo na análise do movimento histórico de todos os capitalismos regionais realmente existentes - ou do capitalismo como um todo. Foi o que se tentou fazer nesta resenha crítica das explanações da quase estagnação do modo de produção capitalista no Brasil, durante o período que vai do fim da II Guerra Mundial até o presente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    Em particular, para nao alargar em demasia o escopo do artigo, nao se examinarão as teses dos autores social-desenvolvimentistas.
  • 2
    Não se pretende aqui associar a esse termo nenhuma conotação depreciativa vulgar. O seu uso se justifica teoricamente. O liberalismo clássico tomava o sistema econômico como uma ordem natural que era preciso proteger da intervenção do Estado; o neoliberalismo, por sua vez, toma esse sistema, que caracteriza como “de mercado”, como uma ordem institucional e moral superior que a intervenção estatal deve promover e proteger – e mesmo repor sempre que isto se afigure (para os seus defensores) necessário (Prado, 2009Prado, Eleutério (2009) “(Neo) Liberalismo: da ordem natural à ordem moral”. outubro, nº 18, p.149-174.).
  • 3
    A própria idéia do desenvolvimentismo tem sido duramente criticada de um ponto de vista marxista. Ver, por exemplo, Sampaio Jr. (2012Sampaio Jr., Plínio de A. (2012) “Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa”.Serviço Social & Sociedade, nº 112, p. 672-688.).
  • 4
    O novo desenvolvimentismo é uma concepção bem circunscrita teóricamente, o que não acontece com as outras duas correntes aqui tratadas. Veja-se, no entanto, que o neoliberalismo aqui considerado é “dependentista”, já que advoga a mera inserção subordinada da economia brasileira nas cadeias produtivas da economia mundial; por outro lado, o marxismo aqui referido caracteriza-se justamente por fazer uma crítica radical dessa forma de dependência.
  • 5
    O que interessa na leitura desse gráfico nao é o nível absoluto, mas relativo, da taxa de lucro. Pois o primeiro, com se sabe, pode ser alterado significativamente dependendo do modo como se estima estatisticamente o valor monetário, a preco constante, do estoque de capital.
  • 6
    Essa dependência “se efetiva econômica e politicamente por meio da articulacão orgânica de determinadas frações de capitais nacionais com o capital estrangeiro” que domina quase todos os ramos dinâmicos da produção. Ademais, ela determina a “natureza dos padrões de desenvolvimento” possíveis nesses países, “definindo o bloco de poder que controla o Estado, condicionando o financiamento desses padrões e controlando a introdução e difusão do progresso tecnológico” (Filgueiras, 2015aFilgueiras, Luiz (2015a) “A natureza e os limites do desenvolvimentismo no capitalismo dependente brasileiro”. Margem Esquerda, nº 23.).
  • 7
    Não se tratará aqui desse período que está se mostrando crucial no processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Ele foi mais bem analisado por Marquetti (2016Marquetti, Adalmir; Hoff, Cecilia; Miebach, Alessandro (2016) “Lucratividade e distribuição: a origem econômica da crise política brasileira”. Artigo não publicado.).
  • 8
    Em comentário a este artigo, Luiz Filgueiras sugeriu que o termo nacional-desenvolvimentismo se tornou inadequado para caracterizar o padrão de evolução da economia brasileira após 1953. Sugeriu que deveria ser mais bem caracterizado pelo termo “desenvolvimentismo associado-dependente”, já que passou a ser dominado pelas empresas multinacionais.
  • 9
    No entanto, nao se assumirá neste artigo a tese de que, após 1990, a economia capitalista no Brasil passou a se desenvolver por meio de um regime de acumulação liderado pela financa (Bruno et al., 2011Bruno, Miguel; Diawara, Hawa; Araújo, Eliane; Reis, Anna C.; Rubens, Mário (2011) “Finance-led growth regime no Brasil: estatuto teórico, evidências empíricas e consequências macroeconômicas”. Revista de Economia Política, vol. 31 (5), p. 730-750.). Concorda-se com a crítica de que essa tese contrapõe de modo falso o capital industrial (em sentido amplo) ao capital financeiro (Milios e Sotiropoulos, 2016Milios, John; Sotiropoulos, Dimitris P. (2016) “Financeirização: Disciplina do Mercado ou Disciplina do Capital”. Blog Economia e Complexidade.).
  • 10
    A conclusão de um artigo jornalístico de dois economistas neoliberais resume bem essa perspectiva no momento de enfrentar a crise do modelo liberal periférico, iniciada já em 2008, mas mascarada até 2014 devido às políticas de sustentação da demanda dos governos do PT: “vamos retomar a estratégia nacionalista ou vamos enfrentar os desafios de uma economia mais aberta, com regras estáveis, que tratem os iguais como iguais, que valorizem o crescimento da produtividade e a melhor gestão da política pública, com ênfase em saúde, educação e proteção para as famílias de menor renda?” (Lisboa e Scheinkman, 2016Lisboa, Marcos; Scheinkman, José A. (2016) “As amarras para o crescimento da economia brasileira”.Folha de São Paulo, Ilustríssima, 18 de dezembro de 2016.). Agora, associar a liberalização da economia à melhora da condição das famílias de menor renda não parece uma afirmação que faça sentido! Sabe-se bem que as políticas neoliberais que advogam têm tornado precários os empregos, sacrificado as condições de vida dos trabalhadores e contribuído para uma enorme concentração da renda e da riqueza.
  • 11
    Segundo Bunge, “causação, bem mais do que relação, é categoria de conexão genética e, assim, de mudança, isto é, um modo de produção de coisas, novas pelos menos em número, a partir de outras coisas” (Bunge, 2009Bunge, Mario (2009) Causality and modern science. New Brunswick (USA): Transaction Publishers., p. 46).
  • 12
    O novo desenvolvimentismo parece ter se originado do fracasso da política econômica do governo FHC, após 2002. Tal como o desenvolvimentismo clássico, ele prevê um papel ativo para o Estado na busca do desenvolvimento. Enquanto o primeiro preconizava um ativismo do Estado na promoção do investimento, o segundo passa a confiar mais numa gestão adequada da política econômica. Uma explicação sobre as conexões e as divergências entre o desenvolvimentismo clássico e o novo desenvolvimentismo encontra-se num artigo escrito por Fonseca e Mollo (2013Fonseca, Pedro C. D.; Mollo, Maria de L.R. (2013) “Desenvolvimentismo e novo-desenvolvimentismo: raízes teóricas e precisões conceituais”. Revista de Economia Política, vol. 33 (2), p. 222-239.).
  • 13
    Discutiu-se amplamente essa questão num artigo escrito para mostrar como Marx e Keynes demarcam de modo radicalmente diferente a macroeconomia (Prado, 2016bPrado, Eleutério (2016b) “Como Marx e Keynes demarcam o campo da macroeconomia”. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, nº 45.).
  • 14
    Esta noção tem conotações que é preciso esclarecer. Ela presume que a intervenção direta do Estado não é mais necessária para promover o crescimento econômico nos “países de renda média”. Como o setor privado teria aí, já, capacidade autônoma de acumulação de capital, o papel do Estado seria apenas o de garantir as condições do crescimento.
  • 15
    Como se sabe, essa tese foi apresentada como uma caraterística geral do processo de desenvolvimento econômico, por meio de um modelo de crescimento, por Arthur Lewis, em 1954.
  • 16
    Como se sabe, o problema da estabilização do período que vai de meados dos anos 1980 a meados dos anos 1990 requereu diversos planos: em fevereiro de 1986 houve o Plano Cruzado, em abril de 1987 eclodiu o Plano Bresser, em janeiro de 1989 veio o Plano Verão, em março de 1990 ocorreu o Plano Color e em março de 1995 aconteceu o Plano Real.
  • 17
    Segundo a Carta IEDI nº 765, “diante do aumento da demanda e do preço das commodities, a participação dos bens primários nas exportações brasileiras aumentou de 28% para 50% entre 1990 e 2014, enquanto as parcelas dos bens de baixa e média tecnologia regrediram de 25% a 18% e de 14% a 5%, respectivamente” (IEDI, 2016IEDI (2016) “Desindustrialização prematura e política industrial”. Carta IEDI nº 765.).
  • 18
    Como se sabe, “bloco de poder” é uma categoria teórica criada por Nicos Poulantzas (1977Poulantzas, Nicos (1977) Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes.) para apreender o exercício da hegemonia política pelas classes dominantes no desenvolvimento capitalista contemporâneo.
  • 19
    Mais rigorosamente, seria necessário considerar a taxa de lucro líquida de impostos e do pagamento de juros. Mas essa informação não está disponível.
  • 20
    O investimento pode evidentemente ser alavancado pelo crédito, mas este, no longo prazo, tem de ser reembolsado, não apenas no montante do adiantamento, mas num montante maior constituído pelo principal e pelos juros. Em consequência, como a própria crise brasileira dos anos 1980 mostra, ele exige ao fim e ao cabo do período de empréstimo que lucro efetivo tenha sido gerado em nível suficiente para que o reembolso possa ser efetuado, o que não pode ser frustrado impunemente.
  • 21
    Nos países desenvolvidos, na “época dourada” do capitalismo em que as taxas de lucro eram bem altas, o Estado provedor se alimentou do keynesianismo e da tradição social-democrática para criar o estado de bem-estar social; nos países subdesenvolvidos, ele criou o nacional-desenvolvimentismo. Tanto um quanto o outro entrou em crise quando as taxas de lucro despencaram a partir dos anos 1970.
  • 22
    Uma interpretação sobre como vem ocorrendo essa transformação, como está impondo no Brasil a hegemonia neoliberal, encontra-se em Milan (2016Milan, Marcelo (2016) “oligarchical restoration and full neoliberalism reloaded an essay on the roots of the twin crises and the 2016 coup d’état in Brazil”. Austral: Brazilian Journal of Strategy & International Relations, vol. 5, nº 9, p. 74-112.).
  • 23
    JEL Classification: N10; O11; O40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2016
  • Aceito
    12 Set 2016
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