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Síndrome de Lowe: relato de cinco casos

Resumos

INTRODUÇÃO: A síndrome de Lowe, ou distrofia oculocerebrorrenal (OCRL), tem herança recessiva ligada ao cromossomo X. Apresenta-se com catarata, glaucoma, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), déficit cognitivo e síndrome de Fanconi. OBJETIVO: Descrever a evolução de cinco pacientes pediátricos atendidos no ambulatório de tubulopatias do Departamento de Nefrologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina Unifesp (Unifesp-EPM). MÉTODOS: Estudo retrospectivo de cinco pacientes masculinos atendidos no ambulatório de tubulopatias. RESULTADOS: A média de idade na primeira consulta foi de 76,5 meses; o tempo médio de acompanhamento, de 30,5 meses (mínimo de 8 meses e máximo de 53 meses). Os sintomas e os sinais clínicos incluíram catarata e nistagmo. Atraso no DNPM e déficit de peso e de estatura estiveram presentes em todos os casos, bem como poliúria, polidipsia, constipação, acidose metabólica, fosfatúria, bicarbonatúria, proteinúria, hipercalciúria e hiperuricosúria. Nefrocalcinose foi identificada em um paciente; litíase renal, em três; e redução do tamanho renal, em dois. Fraturas patológicas e raquitismo foram observados em dois pacientes; rarefação óssea e atraso na idade óssea, em todos os pacientes. Um deles apresentou redução no ritmo de filtração glomerular. Terapeuticamente, todos receberam álcalis, fósforo e reposição com vitamina D, além de orientação dietética para suas necessidades. CONCLUSÃO: Este estudo preconiza a necessidade do diagnóstico precoce e do acompanhamento médico e nutricional desses pacientes para evitar complicações relacionadas com distúrbios metabólicos.

síndrome oculocerebrorrenal; acidose renal tubular; raquitismo; síndrome de Fanconi


INTRODUCTION: Lowe Syndrome, or Oculocerebrorenal Dystrophy (OCRL), has a recessive inheritance linked to X chromosome. It presents cataracts and glaucoma, delay in neuropsychomotor development, cognitive deficits, and renal Fanconi syndrome. OBJECTIVE: Describe five patients with OCRL, attended at Tubulopathy outpatient clinic. METHOD: We performed a retrospective assessment of 5 male patient clinical charts of OCRL patients. RESULTS: Mean age at first consultation was 76.5 and mean follow up interval was 30.5 months (8-53 months). Symptoms and clinical signs included cataracts and nystagmus. Neuropsychomotor development and weight and height deficits were present in whole cases, as well as polyuria, polydipsia, and intestinal constipation, metabolic acidosis, phosphaturia, bicarbonaturia, proteinuria, hypercalciuria, hyperuricosuria. Nephrocalcinosis was identified in one, renal lithiasis in three, and reduced kidney size in two patients. We found pathological fractures and rachitism in two, bone rarefaction and delay of bone age in all of the patients. One patient presented a reduction in the rhythm of glomerular filtration. Therapeutically, all patients received alkali, phosphorus and vitamin D reposition in addition to a dietary orientation adequate to their needs. CONCLUSION: This study emphasizes the importance of early diagnosis and medico-nutritional followup, to avoid complications related to metabolic disturbances.

oculocerebrorenal syndrome; renal tubular acidosis; rickets; Fanconi syndrome


RELATO DE CASO

Síndrome de Lowe: relato de cinco casos

Marta Liliane de Almeida MaiaI; Maria Luiza Dautro Moreira do ValII; Camila Penteado GenzaniII; Fernanda Alves Thomaz FernandesII; Maria Cristina de AndradeII; João Tomás de Abreu CarvalhaesII

ISetor de Nefrologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina Unifesp-EPM), São Paulo, SP, Brasil Setor de Nefrologia Pediátrica, Hospital Infantil Darcy Vargas, São Paulo, SP, Brasil

IISetor de Nefrologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, Unifesp-EPM, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Maria Cristina de Andrade Rua Gaivota, nº 754, ap. 71, Moema São Paulo/SP CEP: 04522-032 Tel./fax: (11) 5572-6728 E-mails: andrademc@globo.com; mariacristinaandrade@mbapediatria.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A síndrome de Lowe, ou distrofia oculocerebrorrenal (OCRL), tem herança recessiva ligada ao cromossomo X. Apresenta-se com catarata, glaucoma, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), déficit cognitivo e síndrome de Fanconi.

OBJETIVO: Descrever a evolução de cinco pacientes pediátricos atendidos no ambulatório de tubulopatias do Departamento de Nefrologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina Unifesp (Unifesp-EPM).

MÉTODOS: Estudo retrospectivo de cinco pacientes masculinos atendidos no ambulatório de tubulopatias.

RESULTADOS: A média de idade na primeira consulta foi de 76,5 meses; o tempo médio de acompanhamento, de 30,5 meses (mínimo de 8 meses e máximo de 53 meses). Os sintomas e os sinais clínicos incluíram catarata e nistagmo. Atraso no DNPM e déficit de peso e de estatura estiveram presentes em todos os casos, bem como poliúria, polidipsia, constipação, acidose metabólica, fosfatúria, bicarbonatúria, proteinúria, hipercalciúria e hiperuricosúria. Nefrocalcinose foi identificada em um paciente; litíase renal, em três; e redução do tamanho renal, em dois. Fraturas patológicas e raquitismo foram observados em dois pacientes; rarefação óssea e atraso na idade óssea, em todos os pacientes. Um deles apresentou redução no ritmo de filtração glomerular. Terapeuticamente, todos receberam álcalis, fósforo e reposição com vitamina D, além de orientação dietética para suas necessidades.

CONCLUSÃO: Este estudo preconiza a necessidade do diagnóstico precoce e do acompanhamento médico e nutricional desses pacientes para evitar complicações relacionadas com distúrbios metabólicos.

Palavras-chave: síndrome oculocerebrorrenal, acidose renal tubular, raquitismo, síndrome de Fanconi.

INTRODUÇÃO

A síndrome de Lowe, ou síndrome oculocerebrorrenal (OCRL), descrita pela primeira vez por Lowe (1952), é uma doença associada ao cromossomo X, transmitida recessivamente em virtude de mutações no gene OCRL-1.1-3 Esse gene está localizado no cromossomo X q25-q26, que codifica a enzima fosfatidilinositol (4,5) bifosfato 5-fosfatase presente no aparelho de Golgi.4 Já foram descritas mais de 88 mutações. A mutação dessa enzima culmina em acúmulo intracelular de seu substrato PIP2, um fosfolipídio que desempenha papel essencial nos processos celulares, como sinalização intracelular, tráfego de proteínas e polimerização do citoesqueleto de actina.4

A síndrome oculocerebrorrenal caracteriza-se por alterações congênitas multissistêmicas, que envolvem os olhos, o sistema nervoso central e os rins.5-7

Em geral, certas manifestações clínicas estão presentes, incluindo catarata congênita e glaucoma, retardo global no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), hipotonia e hiporreflexia, grave déficit cognitivo (cerca de 50% dos casos) e anomalias tubulares renais (tipo Fanconi).8 Crise convulsiva, criptorquidia e surdez também são encontradas em associação a outras alterações oculares, como nistagmo, enoftalmia, e pupilas mióticas.4 Alterações musculares esqueléticas, como hipermobilidade articular, luxação do quadril, raquitismo, fraturas patológicas e deficiências de peso e estatura, podem ocorrer em consequência das alterações tubulares.9

A síndrome de Fanconi aparece nesses pacientes durante o primeiro ano de vida, sendo primariamente caracterizada por aminoacidúria generalizada e redução da reabsorção de ureia, fosfato e bicarbonato. Proteinúria está sempre presente. No entanto, a intensidade, a idade de início e a velocidade de evolução com perda da função renal variam.4

Como se trata de um distúrbio ligado ao cromossomo X, as mães das crianças afetadas podem apresentar opacificação lenticular posterior central, que, em geral, é assintomática.10

O diagnóstico precoce é necessário para uma intervenção terapêutica imediata a fim de reduzir a probabilidade de complicações.

Embora o estudo genético da síndrome de Lowe esteja avançado em alguns centros, na prática clínica diária, os pacientes, em geral, são diagnosticados por meio das manifestações clínicas e dos exames laboratoriais pertinentes à doença. Segue-se um estudo descritivo dessa patologia.

MÉTODOS

Cinco pacientes do sexo masculino do ambulatório de tubulopatias do Departamento de Nefrologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM) foram estudados entre junho de 2002 e novembro de 2006. Os exames clínicos, laboratoriais e de imagem (ultrassonografia de rins e do trato urinário, radiografia de ossos longos), assim como fundoscopia, foram coletados retrospectivamente por meio de revisão de prontuário.

A avaliação dos pacientes compreendeu história clínica, exame físico, medidas antropométricas, níveis séricos e urinários de eletrólitos (sódio, potássio, cálcio, fósforo, magnésio, cloro), ácido úrico, clearance de creatinina, gasometria venosa e exame de urina. A avaliação da excreção urinária de eletrólitos foi realizada pela razão entre a concentração do eletrólito na amostra isolada e a creatinina urinária. Já as análises de fósforo e ácido úrico foram feitas por meio da taxa de reabsorção tubular e pela fração de excreção, respectivamente.

Outras análises complementares foram realizadas de acordo com as necessidades dos pacientes e a disponibilidade de serviços de laboratórios.

A análise bioquímica de urina foi realizada por meio de fitas reagentes Multistix (Bayer®), e o exame microscópico do sedimento urinário foi feito por técnicos qualificados. Em amostras isoladas, os eletrólitos séricos e urinários foram medidos automaticamente com o dispositivo Advia 1650 (Bayer®). A gasometria venosa foi feita por um radiômetro ABL-700. Todos os exames foram realizados no laboratório de análises clínicas do Hospital São Paulo.

A avaliação oftalmológica ficou a cargo do Departamento de Oftalmologia, e os exames de imagem foram conduzidos pelo Departamento de Diagnóstico por Imagem, ambos da Unifesp-EPM.

A taxa de filtração glomerular (TFG) foi estimada pelo clearance de creatinina, calculado com base na fórmula de Schwartz,11 e classificada de acordo com KDOQI 2006 (Kidney Disease Outcomes Quality Initiative).12

Os seguintes valores foram usados neste estudo como referência para a excreção urinária em amostras de urina isoladas: cálcio/creatinina < 0,2;13,14 excreção fracionada de ácido úrico (EF) < 10%;15 e taxa de reabsorção de fósforo > 80%.16

A avaliação de cinco pacientes com a síndrome de Lowe permitiu o estudo da evolução clínica, laboratorial e nutricional em vigência do tratamento proposto para o distúrbio ao longo do período privilegiado.

Nesse estudo, cada paciente teve o acompanhamento de um grupo de nefrologistas e de nutricionistas pediátricos. Segundo os dados obtidos, todos foram tratados com suplementação oral de bicarbonato de sódio e com 80-100 mg/kg/dia de L-carnitina. Três (3/5) usaram uma fórmula contendo fósforo (Neutrophos K 250 mg P + 14,25 mEq k/5 mL); três (3/5), calcitriol; e quatro (4/5), um inibidor da ECA (captopril 0,5-2,0 mg/kg/dia). Além disso, todos receberam uma dieta com calorias e quantidades de macro e micronutrientes especificamente ajustadas para as necessidades individuais.

RESULTADOS

A Tabela 1 mostra as características clínicas dos pacientes estudados relacionadas com gênero, idade ao diagnóstico, duração do acompanhamento, presença de catarata, fratura, raquitismo e retardo no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM). A idade por ocasião da primeira consulta variou entre 2 e 151 meses (média de 76,5 meses). O tempo médio de acompanhamento foi de 30,5 meses (mínimo de 8 meses e máximo de 53 meses).

De acordo com o padrão de transmissão genética (recessivo ligado ao X), todos os pacientes eram do sexo masculino. De todos os descritos, apenas um (paciente número 5) tinha uma história familiar positiva, com dois parentes afetados.

Todas as crianças apresentaram um retardo no DNPM e catarata em uma idade precoce; a catarata pôde ser corrigida cirurgicamente. Não obstante o tratamento precoce, todos apresentaram deficiência visual e nistagmo ocular. Um dos pacientes (número 2) evoluiu com glaucoma unilateral, controlado por tratamento medicamentoso, e queloide na córnea contralateral, que necessitou de intervenção cirúrgica. Os pacientes 1 e 4 apresentaram amaurose unilateral secundária a deslocamento de retina. Uma das mães teve catarata em idade precoce.

O diagnóstico se baseou em análise clínica, fenótipo e exames complementares.

A catarata - bilateral na maioria dos casos - e o nistagmo foram os principais sinais clínicos nos primeiros meses de vida. Todos os pacientes apresentaram retardo no DNPM nos primeiros meses. Hipotonias apendicular e axial foram notadas em quatro dos cinco pacientes. O retardo mental apareceu em todos, ainda que em graus diferentes.

Todos as crianças do estudo apresentaram um atraso na aquisição da linguagem e nenhuma foi alfabetizada. Quatro delas não caminham, sendo que uma começou a caminhar aos 5 anos de idade.

Dois pacientes tinham história de fraturas patológicas. Três apresentaram rarefação em ossos longos, de acordo com radiografia simples; um mostrou osteoporose na densitometria óssea (L2-4 - 3 SD); e três exibiram um atraso da idade óssea.

Todos apresentaram poliúria, polidipsia e constipação intestinal. Dos cinco pacientes estudados, quatro (1, 2, 3 e 4) apresentaram criptorquidia unilateral, corrigida cirurgicamente.

Os exames laboratoriais, em sua totalidade, apresentaram acidose metabólica (bicarbonato venoso entre 16 e 21; média de 18), pH urinário variando de 6,0 a 8,5, fosfatúria, bicarbonatúria, proteinúria, hipercalciúria e hiperuricosúria. Em relação à fosfatúria, faz-se necessário frisar que o paciente número 5 apresentou fosfatúria inicial normal; no final do período de seguimento, no entanto, já apresentava redução das taxas de reabsorção do fósforo. Esse paciente foi diagnosticado no primeiro mês de vida, em virtude da história familiar positiva, quando ainda praticamente não há evidência de alterações na função tubular renal.

A Tabela 2 mostra três pacientes com litíase renal, um com nefrocalcinose e dois com ultrassonografia normal para suas idades durante o período de acompanhamento.

Na Tabela 3, são mostrados os dados nutricionais iniciais e finais de cada paciente. Todos apresentaram deficiências ponderais, além de baixa estatura.

Os testes t pareados foram usados para comparar a evolução nutricional média no início e no fim do período de acompanhamento. A Tabela 4 mostra os níveis descritivos (valores de p) obtidos para cada teste. Não foi observada nenhuma melhora significativa estatisticamente (nível de significância adotado de 5%).

De acordo com a Tabela 5, dois pacientes apresentaram uma redução da taxa de filtração glomerular (TFG) na avaliação inicial. Durante o período de acompanhamento, apenas um dos pacientes (número 4) apresentou TFG persistentemente abaixo do esperado. No início, o paciente número 5 teve clearance abaixo de 90 mL/ min, mas isso era normal para sua idade na época da avaliação.

Para tratar os distúrbios metabólicos, todos os pacientes receberam terapia alcalinizante (bicarbonato de sódio ou citrato de potássio). Três deles receberam reposição de fósforo e de vitamina D ativa, além de dietas adaptadas às suas necessidades. Todos usaram L-carnitina (entre 80 e 100 mg/kg/dia).

DISCUSSÃO

A síndrome de Lowe, ou OCRL, é uma patologia rara, e sua incidência no Brasil ainda é desconhecida.

Foi a primeira patologia humana atribuída a um defeito na via intracelular da inositol fosfatase.17 Embora as principais manifestações clínicas envolvam o sistema nervoso central, os olhos e os rins, a expressão do gene OCRL-1 não se restringe a esses sistemas, podendo, também, acometer bexiga, testículos, útero, tuba uterina, estômago, intestinos, fígado, pâncreas e baço. Entretanto, o envolvimento desses órgãos não é clinicamente evidente na síndrome de Lowe.18

Hipotonia, hiporreflexia, arreflexia e retardo progressivo no desenvolvimento neurológico, psicológico e motor estão presentes durante o período neonatal na maioria dos casos de síndrome de Lowe.19 Alguns estudiosos relatam melhora no déficit neurológico com programas de reabilitação, mas isso foi verificado em apenas dois pacientes. Em virtude do precário nível socioeconômico da maioria da população assistida, apenas esses dois pacientes estão envolvidos em programas de reabilitação.

Catarata nos primeiros meses de vida foi observada em 100% dos pacientes afetados, sendo considerada uma das principais características da doença. Trata-se de elemento que reforça os dados clínicos e sugere o encaminhamento do paciente. Embora todas as crianças fossem do sexo masculino e apresentassem catarata, raquitismo e retardo no DNPM, a maioria (4/5) teve diagnóstico tardio.

A síndrome de Fanconi é o principal comprometimento renal associado à síndrome de Lowe. Geralmente, ocorre no primeiro ano de vida, produzindo os principais distúrbios metabólicos de hipofosfatemia, hipocalemia, acidose metabólica, hiperuricosúria, proteinúria e poliúria.20 Nossos achados estão de acordo com os da literatura. Com exceção da proteinúria, no início não se detectou distúrbio metabólico no paciente 5, mas isso pode ser atribuído à idade precoce do diagnóstico. O distúrbio metabólico evoluiu, incluindo fosfatúria durante o acompanhamento.

Além dos achados clínico-laboratoriais compatíveis com a alteração da função tubular proximal observados nos pacientes estudados, todos apresentaram predominantemente valores de pH urinário alcalinos e ânion gaps urinários positivos (Cl < Na + K). Esses achados indicam um possível defeito na excreção de hidrogênio, originalmente citado por Lowe, Terrey e Mac.1 A expressão OCRL do néfron distal pode ser responsável por esse defeito.18 A nefrocalcinose, frequentemente associada à acidose tubular distal, mas não à síndrome de Fanconi, também é uma característica dessa patologia. De acordo com a literatura, a nefrocalcinose fornece evidência adicional de envolvimento do néfron distal18 e foi observada em um dos pacientes.

Biópsias realizadas em crianças com mais de 5 anos demonstraram glomérulos fibrosados, hialinizados ou difusamente hipercelulares, com espessamento da membrana basal e fibrose intersticial. As anormalidades tubulares variaram de leves a graves.17 Acredita-se que há uma correspondência anatômica e clínica entre o estágio histopatológico e as manifestações clínicas.

De acordo com a literatura, a evolução é marcada pela progressão para insuficiência renal terminal durante a segunda década.4 Com exceção de um paciente no estágio II (KDOQI), todos os demais deste estudo apresentaram função renal normal. Isso pode ser explicado pela baixa idade das crianças estudadas. Cabe observar que o paciente com deficiência funcional é o mais velho do estudo.

Em concordância com a literatura, efeitos colaterais significativos não foram observados com o uso da medicação.

Acidose crônica afeta o desenvolvimento do peso e da estatura.21 Durante o acompanhamento nutricional individualizado, observou-se uma evolução levemente favorável na maioria dos parâmetros nutricionais analisados após uma correção parcial ou total das condições hidreletrolíticas e ácido-básicas.

Após análise descritiva das médias e considerando-se o pequeno tamanho da amostra, observou-se uma diferença não significativa entre as médias inicial e final de escores Z-peso/altura, Z-peso/idade e IMC.

Possivelmente, essas diferenças alcançariam significância no nível de 5% caso o tamanho da amostra fosse maior.

Sabe-se que as crianças em recuperação nutricional recuperam primeiramente o peso e somente depois o crescimento. Assim, era de se esperar que o primeiro a exibir recuperação, ou pelo menos melhora, fosse o índice peso/altura. Esse seria seguido pelo índice peso/idade e, finalmente, pela altura, que melhoraria o índice altura/idade. Muitos pacientes apresentaram deformidades ósseas em virtude da hipofosfatemia e de uma situação socioeconômica desfavorável, que impedia tratamentos fisioterápicos para minimizar essas deformidades. Isso pode explicar por que não houve diferença no índice altura/idade na amostra estudada.

Não existe tratamento específico para a síndrome de Lowe. O objetivo do tratamento consiste em melhorar a evolução clínica dos pacientes, minimizar as complicações inerentes à doença e retardar a evolução para doença renal terminal. Acidose metabólica, distúrbios eletrolíticos e raquitismo devem ser corrigidos, e as patologias oculares devem ser tratadas cirurgicamente.

Faz-se necessário enfatizar a importância do diagnóstico precoce e do aconselhamento genético para evitar uma nova ocorrência dentro da mesma família.

Data de submissão: 20/12/2009

Data de aprovação: 25/01/2010

O referido estudo foi realizado na Divisão de Nefrologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, UNIFESP-EPM - Universidade Federal de São Paulo.

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    Maria Cristina de Andrade
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      20 Dez 2009
    • Aceito
      25 Jan 2010
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