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Impacto da invasão e do manejo do capim-gordura (Melinis minutiflora) sobre a riqueza e biomassa da flora nativa do Cerrado sentido restrito

Impact of invasion and management of molasses grass (Melinis minutiflora) on the native vegetation of the Brazilian Savanna

Resumos

No Brasil, várias espécies de gramíneas são citadas como invasoras em Unidades de Conservação. Contudo, ainda se conhece muito pouco sobre o impacto do estabelecimento e da colonização dessas espécies nas áreas protegidas. Entre as gramíneas exóticas introduzidas no bioma Cerrado merece destaque a espécie africana Melinis minutiflora P. Beauv., o capim-gordura. O presente estudo objetivou avaliar o impacto desta invasora na biomassa e na riqueza da comunidade nativa em uma área de Cerrado Ralo invadido, como também estudar a dinâmica da vegetação do estrato rasteiro submetida à aplicação de diferentes técnicas de manejo para o controle do capim-gordura. Os resultados mostraram que, na área experimental, onde o capim-gordura representa cerca 62% da biomassa total do estrato rasteiro, o número de espécies nativas encontradas foi alto. Nas áreas onde o capim-gordura apresentou alto índice de colonização (> 98%), sua biomassa alcançou cerca de duas vezes a biomassa do estrato rasteiro registrada para o Cerrado. A realização de uma queimada não foi suficiente para controlar o capim-gordura, porque após três anos a sua biomassa se aproximou aos valores encontrados inicialmente. Por outro lado, no tratamento manejo integrado (maio ou setembro) a redução de mais de 99,9% na sua presença favoreceu a expansão da vegetação nativa, configurando-se, assim, uma estratégia promissora para a recuperação ambiental das áreas invadidas pelo capim-gordura no Cerrado.

conservação; invasão biológica; recuperação ambiental


In Brazil, several grass species are cited as invaders of protected areas. However, little is known about the impacts due to establishment and colonization of these species in protected areas in Brazil. Among the exotic grasses introduced into the Cerrado the African species Melinis minutiflora P. Beauv., molasses grass, deserves special mention. The objective of this study was to evaluate the impact of this grass on the biomass and species richness of the native community in an area of invaded Cerrado as well as to study the dynamics of the vegetation of the ground layer after different management treatments for control of molasses grass. The results showed that in the experimental area, where molasses grass composed 62% of the total biomass of the ground layer, the number of native species was high. In the areas where molasses grass had a high degree of coverage (> 98%) its biomass was approximately two times higher than values cited in other studies in the Cerrado. Between three and four years after using fire as a management tool for control of molasses grass its biomass returned to values similar to those observed prior to this treatment. Contrarily, with an integrated management treatment (May or September) a reduction of 99.9% in the presence of molasses grass was observed along with a recovery of native vegetation, making this a promising strategy for recuperation of areas in the Cerrado that were invaded by molasses grass.

biological invasions; conservation; restoration


ARTIGOS

Impacto da invasão e do manejo do capim-gordura (Melinis minutiflora) sobre a riqueza e biomassa da flora nativa do Cerrado sentido restrito

Impact of invasion and management of molasses grass (Melinis minutiflora) on the native vegetation of the Brazilian Savanna

Carlos Romero MartinsI,* * Autor para correspondência: carlos.martins@ibama.gov.br ; John Du Vall HayII; Bruno Machado Teles WalterIII; Carolyn Elinore Barnes ProençaIV; Lucio José VivaldiV

IInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, SCEN Trecho 2, Caixa Postal 09870, Asa Norte, 70.818-900 Brasília, DF, Brasil

IIUniversidade de Brasília, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Ecologia, Asa Norte, 70.910-900 Brasília, DF, Brasil

IIIEmbrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Herbário CEN, Caixa Postal 02372, 70.770-900 Brasília, DF, Brasil

IVUniversidade de Brasília, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Botânica, Asa Norte, 70.910-900 Brasília, DF, Brasil

VUniversidade de Brasília, Instituto de Ciências Exatas, Departamento de Estatística, Asa Norte, 70.910-900 Brasília, DF, Brasil

RESUMO

No Brasil, várias espécies de gramíneas são citadas como invasoras em Unidades de Conservação. Contudo, ainda se conhece muito pouco sobre o impacto do estabelecimento e da colonização dessas espécies nas áreas protegidas. Entre as gramíneas exóticas introduzidas no bioma Cerrado merece destaque a espécie africana Melinis minutiflora P. Beauv., o capim-gordura. O presente estudo objetivou avaliar o impacto desta invasora na biomassa e na riqueza da comunidade nativa em uma área de Cerrado Ralo invadido, como também estudar a dinâmica da vegetação do estrato rasteiro submetida à aplicação de diferentes técnicas de manejo para o controle do capim-gordura. Os resultados mostraram que, na área experimental, onde o capim-gordura representa cerca 62% da biomassa total do estrato rasteiro, o número de espécies nativas encontradas foi alto. Nas áreas onde o capim-gordura apresentou alto índice de colonização (> 98%), sua biomassa alcançou cerca de duas vezes a biomassa do estrato rasteiro registrada para o Cerrado. A realização de uma queimada não foi suficiente para controlar o capim-gordura, porque após três anos a sua biomassa se aproximou aos valores encontrados inicialmente. Por outro lado, no tratamento manejo integrado (maio ou setembro) a redução de mais de 99,9% na sua presença favoreceu a expansão da vegetação nativa, configurando-se, assim, uma estratégia promissora para a recuperação ambiental das áreas invadidas pelo capim-gordura no Cerrado.

Palavras-chave: conservação, invasão biológica, recuperação ambiental

ABSTRACT

In Brazil, several grass species are cited as invaders of protected areas. However, little is known about the impacts due to establishment and colonization of these species in protected areas in Brazil. Among the exotic grasses introduced into the Cerrado the African species Melinis minutiflora P. Beauv., molasses grass, deserves special mention. The objective of this study was to evaluate the impact of this grass on the biomass and species richness of the native community in an area of invaded Cerrado as well as to study the dynamics of the vegetation of the ground layer after different management treatments for control of molasses grass. The results showed that in the experimental area, where molasses grass composed 62% of the total biomass of the ground layer, the number of native species was high. In the areas where molasses grass had a high degree of coverage (> 98%) its biomass was approximately two times higher than values cited in other studies in the Cerrado. Between three and four years after using fire as a management tool for control of molasses grass its biomass returned to values similar to those observed prior to this treatment. Contrarily, with an integrated management treatment (May or September) a reduction of 99.9% in the presence of molasses grass was observed along with a recovery of native vegetation, making this a promising strategy for recuperation of areas in the Cerrado that were invaded by molasses grass.

Key words: biological invasions, conservation, restoration

Introdução

O processo de invasão biológica tem sido responsável por mudanças significativas na estrutura e na composição da vegetação nos ambientes naturais em diferentes partes do mundo (San-José & Fariñas 1991, D'Antonio & Vitousek 1992, McNeely et al. 2001). No Brasil, várias espécies são citadas como invasoras em Unidades de Conservação, embora pouco se conheça sobre o impacto decorrente do estabelecimento e da colonização dessas espécies nas áreas protegidas (Pivello et al. 1999a, Martins et al. 2007).

A gramínea africana Melinis minutiflora P. Beauv. (capim-gordura) é uma invasora extremamente agressiva, que compete com sucesso com a flora nativa e, em particular, com a flora do Cerrado sentido amplo (lato sensu). Além de se estabelecer em áreas antropizadas, também é capaz de invadir áreas naturais e, em poucos anos, descaracterizar a fitofisionomia original (Filgueiras 1990, Martins et al. 2004). No bioma Cerrado é considerada uma das principais espécies invasoras e, devido ao seu potencial invasor, tornou-se um grande problema nas Unidades de Conservação (Pivello et al. 1999a, 1999b, Martins et al. 2007).

No Distrito Federal, com uma área de 5.814 km2, os focos mais importantes de capim-gordura em áreas protegidas estão localizados no Parque Nacional de Brasília (PNB), na Estação Ecológica de Águas Emendadas, Fazenda Água Limpa (FAL/Universidade de Brasília), Reserva Biológica da Contagem (R) e Reserva Biológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém, poucas são as informações sobre o percentual dessas áreas que estão ocupadas por essa gramínea (Martins et al. 2004).

Conforme informações oriundas de Miditieri (1983), Martins et al. (2004) e Martins (2006), o capim-gordura é uma espécie perene, herbácea, apomítica e possui metabolismo C4. Apresenta altura média entre 0,40 e 0,60 m, podendo atingir 1,6 m ou mais. Os colmos ascendentes são provenientes de uma base emaranhada e pouco ramificada. Emite raízes nos entrenós inferiores e tende, comumente, a dobrar-se. Os pelos glandulares da folhagem exudam óleo com cheiro característico. Sua inflorescência é do tipo panícula terminal (estreita) e mede entre 10 a 30 cm de comprimento. Dependendo da variedade cultivada, sua floração ocorre entre 166 a 202 dias após a semeadura. As sementes são muito pequenas (1,5 a 2,5 mm), leves (0,00010 a 0,00013 g) e são providas de aristas, o que facilita a sua disseminação ectozoocórica e anemocórica. Produz grande quantidade de sementes (200-280 kg ha-1) e, em um quilograma, são encontradas entre 13 a 15 milhões de sementes. As sementes apresentam alto poder de germinação e alta dormência de longa duração.

Entre as gramíneas exóticas presentes no PNB a que mais se destaca é o capim-gordura, devido à grande área que ocupa. Atualmente, a espécie está presente em cerca de 15% (4.000 ha) da área (Martins 2006). Devido a sua agressividade vegetativa impedindo o crescimento de espécies nativas, ampla produção de sementes viáveis e crescimento rápido, o capim-gordura tornouse uma verdadeira ameaça à conservação dos ambientes savânicos e campestres dessa Unidade de Conservação (Funatura/Ibama 1998, Martins et al. 2004).

O objetivo do presente trabalho foi avaliar o impacto da gramínea invasora capim-gordura na biomassa e na riqueza de uma comunidade original de Cerrado sentido restrito (stricto sensu), como também estudar a dinâmica do estrato rasteiro submetido a aplicação de diferentes técnicas de manejo para o controle dessa gramínea.

Material e métodos

Localização da área de estudo - O estudo foi conduzido no Parque Nacional de Brasília (PNB) (figura 1), criado pelo Decreto nº 241/61, com cerca de 30.000 ha, situado entre 15º34' e 15º45' S e 48º05' e 48º53' W (Funatura/Ibama 1998). Recentemente, a Lei nº 11.282, de 8 de março de 2006 redefiniu sua poligonal, acrescentando cerca de 11.000 ha aos limites noroeste desta Unidade de Conservação. A área experimental, com 2.904 m2 (44 m x 66 m), insere-se na Zona de Uso Especial e confronta-se com a Zona de Uso Intensivo do Parque. Dista cerca de 400 m da sede administrativa e cerca de 100 m da chamada Trilha do Cristal. A vegetação local é definida como Cerrado Ralo, um subtipo fitofisionômico incluso no conceito de Cerrado sentido restrito (sensu Ribeiro & Walter 2008). Até meados da década de 1990 a área foi usada para o pastejo de cavalos. Segundo Coelho (2002), que elaborou um histórico sobre o regime de incêndios no Parque, a última queimada nesta área ocorreu em 1987.


Coleta e análise dos dados - O delineamento experimental adotado foi o de blocos ao acaso, com parcelas divididas, quatro repetições, sendo as parcelas os períodos das intervenções ocorridos em maio e setembro, e as subparcelas os tratamentos fogo e manejo integrado, além do controle. As subparcelas tiveram dimensões de 100 m2 (10 m x 10 m) e possuíam uma bordadura de 0,5 m (figura 2).


A primeira técnica de manejo, o tratamento fogo, refere-se à realização de apenas uma queimada controlada (em maio de 2003, antes da floração do capim-gordura; ou em setembro de 2003, após a floração do capim-gordura). O tratamento manejo integrado consistiu na realização de três intervenções: 1) queimada controlada - maio de 2003, antes da floração do capim-gordura, ou em setembro de 2003, após a floração do capim-gordura; 2) aplicação pontual do herbicida Roundup® (glifosato) em janeiro de 2004 e abril de 2004, sobre as plântulas de capim-gordura e indivíduos dessa gramínea que rebrotaram, e 3) arranquio manual das plântulas de capim-gordura, realizado em janeiro, fevereiro e março de 2005. Dessa forma, os tratamentos avaliados foram controle/maio, controle/setembro, fogo/maio, fogo/setembro, manejo integrado/maio e manejo integrado/setembro.

Nas condições do estudo, para aplicação do herbicida foram gastos em torno de 0,8 L ha-1. Para realizar esta atividade foi necessário o trabalho de três homens ha-1 e o tempo médio para sua execução ficou em torno de 7 horas. Para conduzir o arranquio manual das plântulas do capim gordura (localização, arranquio e retirada da biomassa da área) também foram necessários três homens ha-1, e o tempo médio para realizar esta atividade ficou em torno de 8 horas.s

Os levantamentos para determinação da biomassa tiveram início no mês de dezembro de 2002 e se estenderam até maio de 2005, conforme a seguinte programação de coleta: dezembro de 2002, fevereiro de 2003, abril de 2003, janeiro de 2004, maio de 2004 e maio de 2005. Para o levantamento da biomassa do estrato herbáceo e subarbustivo foram lançados aleatoriamente, em cada repetição de cada tratamento, dez quadrados de 0,25 m2 (0,50 m x 0,50 m) e, em cada quadrado, coletou-se toda a biomassa aérea do estrato rasteiro. Posteriormente, o material coletado foi conduzido para o Laboratório de Ecologia da Universidade de Brasília para separação em dois componentes: a) gramíneas nativas + arbustos; e b) capim gordura. Em seguida, todo o material foi seco em estufa a 70 ºC, por 48 horas, para determinação do peso seco. Para as avaliações da recuperação da biomassa total e do capim gordura em cada tratamento foi realizado um teste t para comparações entre as médias do final com as médias antes do início do experimento. As comparações apresentaram erro (b) experimental que se encontra na análise de variância. As comparações entre os valores alcançados pela biomassa total e do capim-gordura entre os tratamentos avaliados (controle/maio, controle/setembro, fogo/maio, fogo/setembro, manejo integrado/maio e manejo integrado/setembro) no final do experimento foram avaliadas pela análise de variância das parcelas divididas. O programa utilizado foi PROC MIXED do SAS (SAS Institute 2003).

Para o levantamento das espécies, os trabalhos de campo tiveram início em dezembro de 2002 e se estenderam até outubro de 2005. O método adotado para a florística foi o caminhamento, conforme Filgueiras et al. (1994), que consiste em seguir transectos imaginários e anotar todas as espécies ocorrentes ao longo das linhas percorridas. São feitas tantas linhas de caminhada quantas forem necessárias, com o objetivo de se anotar o maior número possível de espécies ocorrentes em cada tratamento. As avaliações de campo foram realizadas semanalmente e o tempo médio para percorrer cada repetição, em cada tratamento, ficou em torno de 20 minutos. Todas as espécies observadas foram coletadas, o que incluiu eventuais espécimes estéreis, utilizados para comparação inicial em herbário. Posteriormente, buscou-se a coleta de espécimes reprodutivos desses espécimes para incorporação em herbário. Os materiais coletados foram herborizados e incorporados nos herbários da Universidade Federal de Uberlândia (HUFU - parte das Asteraceae), Universidade Estadual de Feira de Santana (HUEFS - parte de Mitracarpus e Spermacoce, Rubiaceae), Instituto de Botânica de São de Paulo (SP - parte de Leguminosae) e os demais materiais nos Herbários da Universidade de Brasília (UB) e da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (CEN). O tratamento taxonômico de famílias seguiu o APG II (2003), com base em Souza & Lorenzi (2008).

Resultados e discussão

Na área experimental foram registradas 402 espécies, distribuídas em 213 gêneros e 60 famílias (tabela 1), das quais uma única foi de Pteridófita (Schizaeaceae, com a espécie Anemia pastinacaria). As famílias mais representativas foram Asteraceae (68 espécies), Poaceae (53 espécies), Leguminosae (50 espécies), Malpighiaceae (20 espécies), Myrtaceae (18 espécies) e Lamiaceae (16 espécies). Estas seis famílias, que representam apenas 10% das famílias amostradas, concentraram 55,97% do total de espécies. Essa característica de concentração das espécies em poucas famílias tem sido relatada frequentemente em ecossistemas tropicais, e no bioma Cerrado em particular (Tannus & Assis 2004, Munhoz & Felfili 2006, 2008, Ishara et al. 2008, Pinto et al. 2009).

Nos tratamentos estudados foram anotados os seguintes números de espécies: controle/maio (260 espécies); controle/setembro (245 espécies); fogo/maio (258 espécies); fogo/setembro (271 espécies); manejo integrado/maio (268 espécies) e manejo integrado/setembro (309 espécies). Estes números revelam que, apesar da presença significativa do capim-gordura na área, a riqueza em espécies manteve-se alta.

Das espécies registradas, 14 (3,48%) foram encontradas em todas as parcelas estudadas (indicadas por freq = 100 na tabela 1), enquanto 60 (14,92%) foram encontradas em apenas uma parcela (freq = 4 na tabela 1). Trinta e sete espécies (9,20%) são consideradas exóticas para o Bioma Cerrado segundo Mendonça et al. (2008) (indicadas por asterisco na tabela 1). O componente subarbustivo-herbáceo (que inclui ervas, subarbustos, hemiparasitas, trepadeiras e uma palmeira acaule) apresentou o maior número de espécies (cerca de 67%), comparado com as espécies de hábito arbustivoarbóreo, grupo que também incluiu palmeiras arbustivas, com cerca de 33%. Essa característica da distribuição de riqueza mais elevada no componente subarbustivoherbáceo deve-se principalmente a contribuição das espécies do estrato rasteiro, em plantas pertencentes às famílias Asteraceae, Poaceae e Leguminosae.

Estes resultados evidenciam a considerável riqueza florística na área experimental estudada, apesar da presença de capim-gordura, particularmente quando se compara com as cerca de 1.230 espécies listadas até o presente para o PNB (Funatura/Ibama 1998, Martins et al. 2007). Neste caso, a área amostral conteria 32,68% de todas as espécies dessa unidade de conservação. Assim, o levantamento realizado neste trabalho reforça a constatação de Funatura/Ibama (1998) e de Proença et al. (2001), que indicaram que a flora fanerogâmica do Parque é apenas parcialmente conhecida.

Nos tratamentos fogo/maio, fogo/setembro, manejo integrado/maio e manejo integrado/setembro, a queima controlada exerceu um papel importante como instrumento de poda, ou abertura de área. Registrese que, nesses tratamentos, para muitas espécies houve estímulo à produção de flores e frutos, fato não constatado em vários indivíduos das mesmas espécies ocorrendo nos tratamentos controle. Entre as espécies que floresceram pós-fogo cita-se: Baccharis humilis e Chrysolaena herbacea (Asteraceae); Acalypha claussenii (Euphorbiaceae); Marsypianthes montana (Lamiaceae); Clitoria guianensis (Leguminosae); Tetrapterys ambigua (Malpighiaceae); Waltheria communis (Malvaceae); Anthaenantia lanata, Elionurus muticus e Paspalum erianthum (Poaceae); Crumenaria chorethroides (Rhamnaceae). Essa informação corroborou Coutinho (1980) e outros autores como César (1980), que registraram comportamento semelhante aos observados neste estudo em área do DF próxima ao PNB. A floração dessas espécies poderia resultar na produção de sementes, as quais facilitariam a permanência das espécies na área, bem como possibilitariam a colonização de outras áreas.

Na área experimental, a biomassa do estrato rasteiro encontrada foi de 8 t ha-1 em dezembro de 2002, sendo que o capim-gordura representava cerca de 62% desse total. Onde o capim-gordura formava "stands" monoespecíficos, observou-se que a biomassa aérea total variou entre 12,1 a 21,4 t ha-1. Estes resultados sinalizam que essa gramínea apresenta um grande potencial para modificar a biomassa do estrato rasteiro das áreas invadidas, pois, de acordo com Miranda et al. (2004), dependendo da forma fisionômica considerada do Cerrado e do período de proteção contra o fogo, a biomassa do estrato rasteiro pode variar entre 6,9 a 10 t ha-1. Assim sendo, o comportamento apresentado pelo capim-gordura reforça que esta gramínea está bem adaptada ao clima da região Centro-Oeste do Brasil, como também está adaptada aos solos do bioma, que geralmente apresentam baixa soma de bases trocáveis (K, Ca, Mg), acidez alta, resultando em altos índices de saturação por alumínio (Batmanian & Haridasan 1985).

A dinâmica da recuperação da vegetação do estrato rasteiro nas áreas dos tratamentos avaliados mostrou que, no segundo ano após a implantação do experimento, a biomassa total registrada nos tratamentos fogo/maio, fogo/setembro, manejo integrado/maio e manejo integrado/setembro alcançou 5,6 t ha-1, 4,5 t ha-1, 3,8 t ha-1 e 3,5 t ha-1, respectivamente. Estes valores representam uma recuperação da biomassa total de 63%, 56%, 45% e 52%, respectivamente, e diferem significativamente dos valores encontrados antes da intervenção na área experimental (t = 5,22 e P < 0,0001; t = 5,22 e P < 0,0001; t = 7,30 e P < 0,0001; t = 5,10 e P < 0,0001) (figura 3). Por outro lado, nos tratamentos controle/maio e controle/setembro, a biomassa total apresentou uma redução natural de 13% e 17%, respectivamente, sendo que apenas no segundo tratamento houve diferença significativa do valor encontrado quando comparado com o registrado no início do experimento de campo (t = 1,67 e P = 0,1130; t = 2,18 e P = 0,0428) (figura 3).


No mesmo período, a biomassa do capim-gordura nos tratamentos fogo/maio, fogo/setembro, manejo integrado/maio e manejo integrado/setembro alcançou 1,6 t ha-1, 0,9 t ha-1, 0,021 t ha-1 e 0,020 t ha-1, respectivamente. Estes valores representam uma recuperação da biomassa do capim-gordura de 34%, 21%, 0,36% e 0,41%, respectivamente, e diferem significativamente dos valores encontrados antes da intervenção na área experimental (t = 5,14 e P < 0,0001; t = 5,94 e P < 0,0001; t = 9,55 e P < 0,0001; t = 7,72 e P < 0,0001) (figura 3). Nos tratamentos controle/maio e controle/setembro a biomassa do capim-gordura apresentou uma queda natural de 54% e 48%, respectivamente. Esta diferença também é significativa (t = 4,23 e P < 0,0005; t = 3,25 e P = 0,0045) quando se compara com os valores encontrados no início do experimento de campo (figura 3).

No que tange à comparação entre a biomassa total em 2005, os resultados mostraram que houve diferença significativa entre ambos os tratamentos de manejo integrado e os controles (F2,2 = 23,05 e P < 0,0001) (tabela 2). Por sua vez, a biomassa do capim-gordura nos tratamentos controle e fogo diferem significativamente da registrada no manejo integrado e são semelhantes entre si (F2,2 = 9,08 e P = 0,0026) (tabela 2).

A dinâmica da biomassa registrada nas áreas invadidas pelo capim-gordura está em conformidade com dados de Brooks & Pyke (2001) para regiões áridas norte-americanas, que indicaram que as invasões biológicas podem mudar a biomassa das áreas invadidas. Resultado semelhante também foi relatado por Rossiter et al. (2003), que indicaram a gramínea africana Andropogon gayanus como sendo responsável pelo aumento significativo da biomassa do estrato rasteiro em áreas de savanas australianas.

Os resultados obtidos mostram que, na área experimental, em decorrência do processo de estabelecimento e colonização do capim-gordura, a biomassa do estrato rasteiro sofreu uma mudança na sua composição (62% capim-gordura e 38% vegetação nativa). Contudo, o número de espécies nativas nesse ambiente é expressivo, o que revela que a vegetação ainda é capaz de conviver com o capim-gordura nos atuais níveis de infestação alcançados por essa gramínea.

Investigações sobre os limites do índice de cobertura, acima do qual a presença do capim-gordura afeta a riqueza de espécies nativas da área invadida, são inexistentes. Na Austrália, Gooden et al. (2009) mostraram que em áreas invadidas por Lantana camara a riqueza de espécies nativas manteve-se estável, onde a sua cobertura foi inferior a 75%. Contudo, houve um rápido declínio no número das espécies nativas nas áreas onde a cobertura dessa invasora excedeu os 75%. Por outro lado, Turner et al. (2008) registraram que nas áreas onde a cobertura da espécie invasora Asparagus asparagoides (L.) Druce variou entre 40,3% e 61,7%, o número de espécies nativas foi 52% menor quando comparado com áreas onde essa espécie estava ausente.

Dois anos após o início do presente experimento de campo, constatou-se que a realização de uma queimada controlada não foi suficiente para controlar o capim-gordura, pois a sua biomassa encontrava-se em recuperação. Essa constatação corrobora Filgueiras (1990) e Martins et al. (2006), que citaram que o fogo não elimina o capim-gordura.

Na área submetida ao manejo integrado a biomassa do capim-gordura alcançou 0,056% do valor registrado em dezembro de 2002. Neste caso, em decorrência das sementes do capim-gordura permanecerem viáveis no solo por cerca de dois anos (Martins 2006), recomenda-se que as áreas submetidas a esse tratamento sejam monitoradas por pelo menos três anos. É provável que novas intervenções devam ser realizadas neste período para prevenir a reinfestação dessa gramínea nesses ambientes.

Nas condições estudadas constatou-se que a colonização do capim-gordura alterou significativamente a biomassa do estrato rasteiro. Nas áreas onde a gramínea forma densas populações, sua biomassa alcançou o dobro da que é citada para a vegetação do estrato rasteiro da região.

Apesar do nível de infestação do capim gordura, o número de espécies nativas registrado foi expressivo, o que mostra que a vegetação nativa apresenta resistência ao processo de invasão do capim gordura, pelo menos em áreas onde esta gramínea não ultrapassa em torno de 60% do total da biomassa presente. Se isto se revelará em resiliência é algo ainda a ser investigado.

A biomassa do capim gordura no tratamento fogo encontra-se em recuperação, o que sinaliza que a realização de uma queimada não é suficiente para controlar a espécie. Por outro lado, a biomassa dessa gramínea no manejo integrado foi reduzida em mais de 99,9%, o que se configura como uma promissora estratégia de manejo que favorece a expansão da vegetação nativa do estrato rasteiro no Cerrado.

Por ser uma espécie que apresenta grande potencial para colonizar áreas naturais e antropizadas, ações de manejo para o controle do capim-gordura deverão ser implementadas pelos gestores de áreas protegidas. Nas unidades de conservação onde não se registrou a sua presença, recomenda-se a implantação de um programa de monitoramento constante para evitar seu estabelecimento e expansão. Neste caso, os focos iniciais de sua ocorrência deverão ser imediatamente erradicados. Por outro lado, nas unidades de conservação onde o capim-gordura já está estabelecido, intervenções de manejo integrado para seu controle deverão ser conduzidas, cujo objetivo é favorecer a expansão da vegetação nativa das áreas invadidas por essa gramínea.

Agradecimentos - Ao Instituto Chico de Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e ao Parque Nacional de Brasília, pela autorização para realizar o trabalho. A WWF/Brasil (Código BRZ NT 614/2002) e The Nature Conservancy Brasil (Doação Nº 020/03) pelo apoio financeiro, e Monsanto do Brasil pelo apoio técnico. Ao colega Sérgio Eustáquio de Noronha, pela confecção do mapa.

(recebido: 19 de agosto de 2010; aceito: 20 de janeiro de 2011)

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    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      19 Ago 2010
    • Aceito
      20 Jan 2011
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