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Granuloma leproide canino: estudo de 27 casos

Canine leproid granuloma: study of 27 cases

RESUMO:

O granuloma leproide canino (GLC) é uma doença micobacteriana que cursa com lesão nodular, cutânea ou subcutânea, tipicamente auto limitante, decorrente de infecção pelo Mycobacterium. É uma doença dermatológica rara, usualmente relatada em países de clima tropical. O objetivo deste trabalho é caracterizar as alterações microscópicas e epidemiológicas de casos de GLC. Além disso, utilizar exames complementares para demonstração do Mycobacterium sp. na lesão analisada utilizando coloração de Ziehl-Neelsen, imuno-histoquímica e PCR para classificação e sequenciamento da espécie de Mycobacterium. Foram analisados 27 casos de GLC diagnosticados no período compreendido de 2005 a 2014 (21 exames histológicos e seis citológicos). A raça mais acometida foi Boxer (33,3%), seguida da Dachshund (11,1%). Foi frequente o acometimento de caninos de grande porte (64%) e de pelame curto (96%). Não foi possível estabelecer qualquer padrão de sazonalidade do GLC. As lesões se localizaram anatomicamente no pavilhão auricular na maioria dos casos (93%), constituindo-se de nódulos únicos ou múltiplos, ulcerados ou não. Em nenhum dos casos foi observado acometimento sistêmico. Lesões histológicas seguiram três padrões que variaram de nodulares a difusos, com infiltrado granulomatoso/piogranulomatoso com envolvimento de derme superficial e profunda. A observação de bacilos pela coloração de Ziehl-Neelsen confirmou o diagnóstico. Este teste demonstrou grande variação na quantidade de bacilos nas lesões, não relacionado estatisticamente ao tipo da lesão nem ao período evolutivo. A imuno-histoquímica foi positiva em 90% dos casos, e em alguns casos facilitou a identificação de bacilos, entretanto, em dois casos ocorreram resultados negativos mesmo havendo marcação pela coloração de Ziehl-Neelsen. Na técnica de PCR realizada em 18 amostras, 44% dos casos foram positivos, duas sequências inespecíficas, e demonstrou ainda, que Mycobacterium murphy foi responsável por 2 casos e Mycobacterium hodleri em um caso. Em outros três casos não se obteve 100% de semelhança entre o produto sequenciado e os demais Mycobacterium.

TERMOS DE INDEXAÇÃO:
Granuloma leproide canino; Mycobacterium sp.; achados patológicos; doenças cutâneas

ABSTRACT:

Canine leproid granuloma (CLG) is cutaneous diseases caused by mycobacteria that course with nodular cutaneous or subcutaneous lesion, typically self-limiting, due to Mycobacterium infection. It is an unusual dermatological disease, usually reported in tropical countries. The objective of the present study is to describe the epidemiological and histopathological findings of CLG. Furthermore, use additional tests for demonstration of Mycobacterium sp. in the lesion were performed, e.g. Ziehl-Neelsen staining, immunohistochemical and polymerase chain reaction (PCR) for classification and genetic sequencing of Mycobacterium species. Twenty seven cases of CLG diagnosed between 2005 and 2014 were studied (21 cases by histological examination and six by cytological examination). Boxer dogs were the breed most affected (33.3%) followed by Dachshund dog breed (11.1%). The disease affected dogs with mainly large size (64%) and short-coated (96%). There was no evidence predilection for occurrence in any season. The lesions were localized, in most cases, at the pinna (93%), comprise one or multiple nodules, ulcerated or not. None of the cases was observed with systemic involvement. Histopathological findings included three patterns of nodular to diffuse, with inflammatory infiltration granulomatous/pyogranulomatous that involved superficial and deep dermis. Definitive diagnosis was made by the presence of acid-fast bacilli by Ziehl-Neelsen stain, showing wide variation in the number of bacilli in the lesions, not being statistically correlated to the type of injury or the evolution period. Immunohistochemistry was effective, and in some cases facilitated the identification of bacilli, but in two cases were negative even with marking by Ziehl-Neelsen staining. The immunohistochemistry was positive in 90% cases, and in some cases facilitated the identification of bacilli, but in two cases were negative even with marking by Ziehl-Neelsen staining. The PCR technique was positive in 44% of cases, demonstrating that Mycobacterium murphy was responsible for two cases of GLC and Mycobacterium hodleri by a one case. In other three PCR-positive cases if not got 100% similarity between the sequenced and other Mycobacterium.

INDEX TERMS:
Canine leproid granuloma; Mycobacterium sp.; pathological findings; cutaneous diseases

Introdução

A pele não é apenas o maior órgão do corpo, mas também um dos mais importantes. Em muitas clínicas e hospitais veterinários de pequenos animais a dermatologia é a especialidade responsável pela maior casuística (Alpo veterinary panel 1985Alpo Veterinary Panel 1985. Dermatological problems head problem list. DVM Magazine s/v:22-23., Scott et al. 2001Scott D.W., Miller D.H. & Griffin C.E. 2001. Muller & Kirk Dermatologia dos Pequenos Animais. 6th ed. W.B. Saunders, Philadelphia. 1528p., Souza et al. 2009Souza T.M., Fighera R.A., Schmidt C., Réquia A.H., Brum J.S., Martins T.B. & Barros C.S.L. 2009. Prevalência das dermatopatias não-tumorais em cães do município de Santa Maria, Rio Grande do Sul (2005-2008). Pesq. Vet. Bras. 29(2):157-162.), consequentemente biópsias cutâneas vêm crescendo em número e diagnósticos.

Algumas enfermidades dermatológicas, ainda não estão completamente esclarecidas, entre elas, o granuloma leproide canino (GLC) (Greene & Gunn-Moore 2006Greene C.E. & Gunn-Moore D.A. 2006. Mycobacterial Infectious, p.462-477. In: Greene C.E. (Ed.), Infectious Diseases of the Dog and Cat. 3rd ed. Saunders Elsevier, St Louis.). O GLC é uma doença micobacteriana que cursa com lesão nodular, cutânea ou subcutânea, tipicamente auto limitante, decorrente de infecção pelo Mycobacterium ainda não cultivado, porém parcialmente sequenciado (Hughes et al. 2000Hughes M.S., James G., Ball N., Scally M., Malik R., Wigney D.I., Martin P., Chen S., Mitchell D. & Love D.N. 2000. Identification by 16S rRNA gene analyses of a potential novel mycobacterial species as an etiological agent of canine leproid granuloma syndrome. J. Clin. Microbiol. 38(3):953-959., Malik et. al. 2013Malik R., Smits B., Reppas G., Laprie C., O’Brien C. & Fyfe J. 2013. Ulcerated and non ulcerated nontuberculous cutaneous mycobacterial granulomas in cats and dog. Vet. Dermatol. 24(1):146-153.). Foi descrita pela primeira vez no Zimbábue, África, em 1973 acometendo caninos da raça Boxer e Bullmastiff (Smith 1973Smith R.I.E. 1973. Canine skin tuberculosis. Rhodesian Vet. J. 3:63-64.). A patogenia não está bem elucidada, e existem várias hipóteses. É uma enfermidade de ocorrência incomum, sendo mais relatada em países de clima tropical. Trata-se da mais comum micobacteriose em caninos na Austrália, e, provavelmente, subdiagnosticada na maioria das regiões do Brasil e do mundo (Gross et al. 2009Gross T.E., Ihrke P.J., Walder E.J. & Affolter V.K. 2009. Doenças de Pele do Cão e do Gato: diagnóstico clínico e histológico. 2ª ed. Roca, São Paulo.).

O objetivo deste trabalho é caracterizar lesões histopatológicas e realizar análises epidemiológicas de casos de GLC, além de utilizar exames complementares para demonstração do Mycobacterium sp. na lesão, através de coloração de Ziehl-Neelsen, exame de imuno-histoquímica e o sequenciamento de produtos da PCR nas amostras para identificação das espécies de Mycobacterium.

Material e Métodos

Coleta de dados. Realizou-se estudo retrospectivo do ano de 2005 a 2012 e prospectivo de 2013 a setembro de 2014 de exames citológicos e histológicos diagnosticados como GLC. Foram coletados nos registros dados epidemiológicos referentes a sexo, idade, raça, evolução da lesão, comprimento do pelame e ambiente em que o animal residia. Quando em falta de algum dado, contato com médico veterinário e/ou proprietário foi realizado para complementação dos dados. Além disso, foram investigadas as características macroscópicas da lesão, descritas por médicos veterinários de clínicas particulares ou do Hospital de Clínicas Veterinárias do Rio Grande do Sul.

Histologia. Os casos do estudo retrospectivo (2005-2012) tiveram suas lâminas revisadas para a padronização das descrições microscópicas. Os novos casos foram recebidos em solução de formol 10%, processados por técnica rotineira de histologia, cortados a 3μm e corados em hematoxilina e eosina (HE).

As lesões foram agrupadas em três padrões distintos: (a) difuso, (b) multinodular com predomínio de macrófagos, (c) multinodular com predomínio de plasmócitos. O tipo celular (macrófagos, plasmócitos, linfócitos, neutrófilos e células gigantes multinucleadas) e necrose de cada caso foram quantificados em cruzes da seguinte forma: (0) não foi observado; (+) baixa quantidade; (++) moderada quantidade e (+++) quantidade acentuada. Foi avaliado ocorrência de ulceração, envolvimento de vasos e nervos e envolvimento das camadas da pele.

Em todos os casos os tecidos foram posteriormente cortados e corados pela técnica de Ziehl-Neelsen (Prophet et al. 1992Prophet E.B., Mills B., Arrington J.B., Leslie H. & Sobin L.H. 1992. Laboratory methods in histotechnology. Armed Forces Registry of Pathology, Washington, DC. 278p.). O número de bacilos foi quantificado em dez campos aleatórios, na objetiva de maior aumento (400x) por um observador e os bacilos quantificados em cruzes: (+) até 4 campos positivos; (++) de 5 à 8 campos positivos e (+++): de 9 a 10 campos positivos.

Citologia. Os casos remetidos para exame citológico foram corados rotineiramente com Panótico Rápido (Interlab®) e revisados quanto ao infiltrado inflamatório. Em todos os casos foi realizada coloração especial de Ziehl-Neelsen para observação de bacilos nos preparos citológicos.

Testes imuno-histoquímicos. Fragmentos dos nódulos embebidos em blocos de parafina foram cortados a 3μm de espessura e fixados em lâminas positivadas (StarFrost® Microscope Slides, Beveled Edge). A imuno-histoquímica foi realizada a partir do método estreptavidina-biotina ligada peroxidase (kit LSAB-HRP, K0690, Dako), utilizando-se recuperação antigênica com protease tipo XIV (Sigma - Aldrich®) por 15 minutos em temperatura ambiente, anticorpo primário policlonal anti-Mycobacterium tuberculosis (Gene Tex® Inc) diluído em 1:200 overnight e com revelação em 3,3-diaminobenzidina (DAB, K3468, Dako) por 45 segundos e em seguida as lâminas foram contracoradas com hematoxilina de Harris.

As lâminas foram avaliadas por um observador por microscopia e a quantidade de bacilos foi quantificada, seguindo o mesmo padrão utilizado anteriormente na coloração de Ziehl-Neelsen.

Teste de PCR. Dos casos histológicos, 18 foram remetidos para exame de PCR. As demais amostras não foram encaminhadas devido a quantidade de material insuficiente para a análise.

Realizou-se corte de 10µm de espessura em micrótomo de amostras fixadas em formol e embebidas em parafina (FFPE) utilizando uma lâmina para cada bloco. As amostras foram armazenadas e remetidas para análise de Reação em Cadeia de Polimerase (PCR) e sequenciamento do DNA.

Utilizando o DNA purificado das amostras FFPE (QIAamp® DNA FFPE tissue kit; Qiagen, Valencia, CA, USA) e primers (Hughes et al. 2000Hughes M.S., James G., Ball N., Scally M., Malik R., Wigney D.I., Martin P., Chen S., Mitchell D. & Love D.N. 2000. Identification by 16S rRNA gene analyses of a potential novel mycobacterial species as an etiological agent of canine leproid granuloma syndrome. J. Clin. Microbiol. 38(3):953-959.) foi realizada uma nested-PCR (Conceição et al. 2011Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256.) para detectar um fragmento do gene 16S ribosomal RNA. As amostras PCR-positivas foram submetidas ao sequenciamento direto e as sequências e eletroferogramas obtidos foram analisados segundo Conceição et al. (2011)Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256..

Análise estatística. A construção do banco de dados utilizados nas análises foi realizada pela revisão dos históricos e diagnósticos histológicos e citológicos para análise epidemiológica entre os anos de 2005 a setembro de 2014 para identificar casos de GLC. Para a análise microscópica utilizou-se somente os casos remetidos para exame histológico. Depois de encontradas as informações necessárias essas foram digitadas em uma planilha eletrônica no software Microsoft Excel 2010.

As distribuições de frequência e as estatísticas descritivas dos dados foram realizadas para caracterizar a distribuição dos dados de forma mais clara para possíveis interpretações, essas análises foram realizadas no software R (package MASS e Epicalc).

Foi realizada também a análise para verificar correlação entre as informações obtidas, dos dados referentes padrões microscópicos das lesões e intensidade de tipo celular (plasmócitos, macrófagos, neutrófilos, linfócitos e células gigantes) com a quantidade de bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR), padrão microscópico com tempo de evolução, tempo de evolução das lesões com quantidade de BAAR. O método de correlação utilizado foi o de Pearson e o de Kendall’s, dependendo da classificação das variáveis, a análise foi realizada no software SPSS 18.

Resultados

Amostras selecionadas

Durante o período de nove anos e nove meses foram avaliadas 42.726 amostras de exames anatomopatológicos de diversas espécies, destas 15.932 corresponderam a biópsias de cães, sendo 5.246 de amostras cutâneas. Dentre os diagnósticos realizados no período analisado, 27 foram de GLC, perfazendo 0,0017% do total de biópsias em cães e 0,05% dos diagnósticos de lesões dermatológicas.

Dados epidemiológicos

A raça mais acometida pelo GLC foi a Boxer (9), representando 33,3%, seguido dos cães sem raça definida (6), Dachshund (3), Pit Bull (3), Bulldog inglês (2), American Staffordshire Terrier (1), Fila Brasileiro (1), Fox (1) e Labrador (1). Da pelagem dos caninos foi possível obter o comprimento em 25 casos. Os cães com pelo curto foram os mais acometidos (24/25), seguidos dos de pelame médio (raça Labrador, 1/25) e nenhum caso foi observado em cães de pelame longo. Frente ao porte dos caninos com raça definida, constatou-se uma frequência maior nos caninos de grande porte (11/17), seguido dos de médio porte (4/17) e os de pequeno porte (2/17), no restante o porte não foi informado.

Quanto ao sexo do total de 24 casos, 14/24 eram machos e 10/24 eram fêmeas, e em três casos, o sexo não foi informado, não sendo possível estabelecer uma predisposição sexual.

A idade foi relatada em 24 casos, e variou de dois a 13 anos. Do total de animais, 25% apresentaram idade que compreende o intervalo de 0-3 anos, 29% de 4-6 anos, 33% de 7-10 anos e 13% apresentou idade maior que 10 anos.

O ambiente em que o animal residia foi obtido em 20 casos, 18 caninos residiam em locais abertos, como pátios de casas e sete desses realizavam passeios ou tinham acesso à rua, e dois animais residiam em apartamento, porém realizavam passeios. O proprietário relatou picadas de moscas no local da lesão em um cão e, em outro, picadas de mosquitos e mutucas.

O mês de início das lesões de GLC foi estabelecido em 19/27 casos. Dez iniciaram nos meses mais quentes do ano, setembro a março, sendo seis no verão e quatro na primavera, e nove casos de GLC iniciaram nos meses mais frios, de abril a agosto, quatro no outono e cinco no inverno.

A evolução dos casos foi relatada em 19 casos, e variou de uma semana a sete meses. Em um caso a evolução foi descrita com curso clínico de anos, e em dois casos durando meses, impossibilitando precisar a duração exata. Um dos casos foi relatado como recorrente.

O local mais comumente acometimento pelo GLC foi o pavilhão auricular (25/27) (Fig.1). Em 14 cães as lesões eram unilaterais e em seis bilaterais. Outros locais também foram acometidos concomitantes com o pavilhão auricular: pavilhão auricular bilateral e tronco (2/27), pavilhão auricular e membro (2/27), pavilhão auricular e focinho (1/27), pavilhão auricular e outros locais não informados (1/27). Somente lesões na coxa foram relatadas em um caso, e em outro caso ocorreu lesão interdigital de membro torácico.

Fig.1.
Canino, Boxer, granuloma leproide canino com lesão circular, hiperêmica, alopécica, parcialmente recoberta por crosta em base de orelha esquerda.

Em nenhum dos casos foi relatado comprometimento sistêmico, prurido ou sinais de dor. A descrição macroscópica incluía, na grande maioria dos casos, aumento de volume nodular, firme e ulcerado (7/27). Áreas alopécicas, nódulo aderido e crostas também foram constatadas em alguns casos, associadas ou não as lesões já descritas anteriormente. Ao corte se observavam nódulos com superfície brancacenta.

Histologia

Dos casos analisados 21 tiveram o diagnóstico histopatológico de granuloma leproide canino. De uma forma geral, foram observados três padrões inflamatórios distintos assim caracterizados:

Difuso. Constituído por intenso infiltrado inflamatório, sem formação de nodulações (Fig.2A). As células inflamatórias eram entremeadas com predomínio de macrófagos epitelioides, observa-se ainda grande quantidade de linfócitos e plasmócitos, além de pequenos aglomerados de neutrófilos degenerados e células gigantes multinucleadas (Fig.2B).

Fig.2.
Padrões histológicos do granuloma leproide canino. (A) Padrão difuso de GLC, constituído por intenso infiltrado inflamatório, sem formação de nodulações. HE, obj.4x. (B) Infiltrado difuso de macrófagos epitelioides, além de células gigantes multinucleadas, linfócitos e neutrófilos. HE, obj.40x. (C) Padrão multinodular com predomínio de macrófagos. HE, obj.4x. (D) Infiltrado acentuado de macrófagos epitelioides formando pequenas nodulações delimitadas por escasso tecido conjuntivo e com moderada quantidade de neutrófilos degenerados. HE, obj.40x. (E) Padrão multinodular com predomínio de plasmócitos. HE, obj.4x. (F) Formações nodulares delimitadas por moderada quantidade de tecido conjuntivo, composto por plasmócitos dispostos em torno de vasos e perifericamente por macrófagos epitelioides. HE, obj.40x.

Multinodular com predomínio de macrófagos (Fig. 2 C). Constituído por intenso infiltrado inflamatório em derme, formando múltiplas nodulações, separadas por discreta quantidade de tecido conjuntivo, por vezes com áreas coalescentes. Há um predomínio de macrófagos de aparência epitelioide, que se localizam no centro das nodulações, com células gigantes multinucleadas (tipo Langhans e corpo estranho). Entremeados a elas há ainda quantidades variáveis de aglomerados de neutrófilos degenerados. Na periferia desta lesão há intenso infiltrado de linfócitos e plasmócitos (Fig.2D).

Multinodular com predomínio de plasmócitos (Fig. 2 E). Constituído por intenso infiltrado inflamatório em derme, formando múltiplas nodulações, separadas por abundante quantidade de tecido conjuntivo, de arranjo frouxo com variável quantidade de deposição de colágeno. No infiltrado inflamatório observa-se um predomínio de plasmócitos, que se localizam preferencialmente em torno de vasos, seguidos por linfócitos e macrófagos epitelioides, além de ocasionais células gigantes e neutrófilos degenerados (Fig.2F).

Dentro dessa classificação histológica 10/21 casos se enquadraram no padrão multinodular com predomínio de macrófagos, 7/21 no padrão difuso e quatro 4/21 no padrão multinodular com predomínio de plasmócitos.

Pela coloração de Ziehl-Neelsen (Fig.3) em todos os casos foram identificados bacilos álcool-ácido resistentes, no citoplasma de macrófagos epitelioides e células gigantes multinucleadas. A quantidade de BAAR foi discreta em 12/21 casos, 6/21 foi acentuada e 3/21 moderada. Quanto à necrose tecidual esteve presente em 6/21 casos, em alta intensidade em 15% (3/21), em baixa intensidade em 9% (2/21) e em moderada intensidade em 5% (1/10) casos.

Fig.3.
Cortes histológicos de caninos com granuloma leproide canino. Observam-se bacilos álcool ácido resistente no interior de macrófagos e células gigantes. Ziehl-Neelsen, obj.40x.

Foram observadas células gigantes em nove casos. Quando presentes estiveram em discreta quantidade em 6/21, em intensa quantidade em dois casos e em um caso moderada quantidade.

A derme superficial à profunda esteve acometida em 19/21 casos. A lesão era restrita a derme profunda em dois casos. Ulceração microscópica foi visualizada em oito casos. Não foram observadas lesões em vasos e nervos.

Somente foi possível estabelecer correlação negativa entre a intensidade de plasmócitos e a quantidade de BAAR (p<0,05), isto é, quanto maior foi a intensidade de plasmócitos, menor foi a quantidade de bacilos. A intensidade de neutrófilos, células gigantes multinucleadas, macrófagos e linfócitos não esteve correlacionada com a quantidade de BAAR, bem como o padrão histológico e o tempo evolutivo não esteve diretamente correlacionado com a quantidade de bacilos.

Citologia

Durante o período analisado seis casos de exames citológicos obtiveram o diagnóstico de GLC. Em todos os casos foi possível observar inflamação piogranulomatosa. Os macrófagos possuíam citoplasma amplo e no seu interior apresentavam estruturas em forma de bastão não coradas por coloração de panótico (Fig.4A). Os neutrófilos observados eram íntegros ou degenerados. Em um caso, raros plasmócitos foram visualizados. Células gigantes multinucleadas ocorreram em três casos.

Fig.4.
Exame citológico do granuloma leproide canino. (A) Múltiplos macrófagos com citoplasma amplo e células gigantes multinucleadas contendo no citoplasma imagens negativas de estruturas em forma de bastão. Há ainda ocasionais neutrófilos e linfócitos. Panótipo rápido, obj.100x. (B) Inúmeros bacilos álcool ácidos resistente no citoplasma de macrófagos e células gigantes multinucleadas. Coloração de Ziehl-Neelsen, obj.100x.

A coloração especial de Ziehl-Neelsen foi realizada em todos os casos. Em todos os seis casos houve a evidenciação de numerosos bacilos álcool-ácido resistentes no interior de macrófagos e em células gigantes multinucleadas, quando estas estavam presentes (Fig.4B).

Testes imuno-histoquímicos

Ocorreu marcação positiva em 19/21 casos remetidos para exame de histologia (Fig.5). Os dois casos em que não foi observada marcação positiva para Mycobacterium corresponderam a casos com discreta quantidade de bacilos na coloração de Ziehl-Neelsen. Em 12 casos a quantificação de campos com bacilos marcados positivamente na imuno-histoquímica foi idêntica a quantidade de marcação da coloração de Ziehl-Neelsen. Em contrapartida em seis casos foi possível observar um maior número de campos positivos na imuno-histoquímica e em um caso a marcação foi inferior a coloração de Ziehl-Neelsen.

Fig.5.
Cortes histológicos de canino com granuloma leproide canino. Marcação positiva em células gigantes e macrófagos. Imuno-histoquímica, Método streptavidina-biotina peroxidase, DAB, obj.40x.

PCR para Mycobacterium

Das amostras analisadas 8/18 foram PCR positivas. O sequenciamento das amostras positivas no nested PCR, foram comparadas frente a três bancos de sequência, duas amostras foram idênticas em 100% do produto amplificado Mycobacterium murphy (número do GenbankTM: AF144747), e um caso foi 100% idêntico a Mycobacterium hodleri (número do GenbankTM: FN796799). Uma amostra foi 96% semelhante ao Mycobacterium gilvum. Duas amostras possuíram diferentes porcentagens de semelhança com micobactérias distintas: uma 98% semelhante à Mycobacterium rodhesiae, 97% ao Mycobacterium chubuense, e 95% ao Mycobacterium abscessus e ao Mycobacterium gilvum; e outra 99% semelhante ao Mycobacterium abscessos, 96% ao Mycobacterium gilvum e ao Mycobacterium rodhesiae e 95% ao Mycobacterium chubuense. Duas amostras resultaram em produtos inespecíficos.

Discussão

Foi possível observar maior ocorrência de GLC em cães da raça Boxer, não diferindo do já descrito no Brasil (Conceição et al. 2011Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256., Maruyama et al. 2015Maruyama S., Brandão P.E., Castro A.M.M.G., Michalany N.S., Fyfe J., Malik R. & Larsson C.E. 2015. Diagnóstico molecular do granuloma lepróide canino, a partir de cortes histológicos emblocados em parafina, pela técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR) - estudo retrospectivo (2002-2009). Semina, Ciênc. Agrárias 36(5):3129-3138.) e em outros países (Foley et al. 2002Foley J.E., Borjesson D., Gross T.L., Rand C., Needham M. & Poland A. 2002. Clinical, microscopic and molecular aspects of canine leproid granuloma in the United States. Vet. Pathol. 39(2):234-239.). Esta maior ocorrência pode estar relacionada a uma resposta imunológica deficiente ao agente, visto que, raças com o fenótipo semelhante não são afetadas da mesma forma (Conceição et al. 2011Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256.). Bulldog Inglês (Tabanez & Arrais 2013Tabanez P.C.R. & Arrais P. 2013. Granuloma leproide canino em Brasília: relato de caso. Acta Veterinaria Brasilica. 7(1):183-184.), Pit Bull, Fila Brasileiro, Labrador, Dachshund já foram descritos no Brasil acometidos pelo granuloma leproide canino (Conceição et al. 2011Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256., Maruyama et al. 2015Maruyama S., Brandão P.E., Castro A.M.M.G., Michalany N.S., Fyfe J., Malik R. & Larsson C.E. 2015. Diagnóstico molecular do granuloma lepróide canino, a partir de cortes histológicos emblocados em parafina, pela técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR) - estudo retrospectivo (2002-2009). Semina, Ciênc. Agrárias 36(5):3129-3138.), Fox hounds são descritos na Nova Zelândia e Austrália (Smits et al. 2012Smits B., Willis R., Malik R., Studdert V., Collins D.M., Kawakami P., Graham D. & Fyfe J.A. 2012. Case clusters of leproid granulomas in foxhounds in New Zealand and Australia. Vet. Dermatol. 23(6):465-488.).

Dos animais com raça definida ressaltou-se a maior ocorrência de cães de porte médio a grande, afetando somente duas raças de pequeno porte (Conceição et al. 2011Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256.). O pelame curto foi mais frequente (24/25), nenhum canino de pelame longo foi diagnosticado neste estudo. De forma semelhante, há maior ocorrência de GLC em animais com pelame curto, evidenciando predisposição de caninos de porte avantajado com manto piloso curto (Malik et al. 1998Malik R., Love D.N., Wigney D.I. & Martin P. 1998. Mycobacterial nodular granulomas affecting the subcutis and skin of dogs (canine leproid granuloma syndrome). Aust. Vet. J. 76(6):403-407.).

A idade dos caninos com GLC variou bastante, caninos com idade inferior a dois anos não foram acometidos. Animais afetados com idade inferior a um ano não têm sido descritos, conforme observado por Conceição et al. (2011)Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256. e Maruyama et al. (2015)Maruyama S., Brandão P.E., Castro A.M.M.G., Michalany N.S., Fyfe J., Malik R. & Larsson C.E. 2015. Diagnóstico molecular do granuloma lepróide canino, a partir de cortes histológicos emblocados em parafina, pela técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR) - estudo retrospectivo (2002-2009). Semina, Ciênc. Agrárias 36(5):3129-3138., possivelmente pelo longo de período de incubação, ainda não determinado.

A etiopatogenia não está clara, mas se acredita que a transmissão ocorra por meio de vetores, como mosquitos e moscas, que inoculam o agente através da picada. Outra hipótese é a transmissão por lesões traumáticas, como arranhadura de felinos (Foley et al. 2002Foley J.E., Borjesson D., Gross T.L., Rand C., Needham M. & Poland A. 2002. Clinical, microscopic and molecular aspects of canine leproid granuloma in the United States. Vet. Pathol. 39(2):234-239., Smits et al. 2012Smits B., Willis R., Malik R., Studdert V., Collins D.M., Kawakami P., Graham D. & Fyfe J.A. 2012. Case clusters of leproid granulomas in foxhounds in New Zealand and Australia. Vet. Dermatol. 23(6):465-488.) Os dados aqui encontrados sugerem rota de inoculação por vetores, uma vez que as localizações corpóreas descritas são sítios de picadura de insetos. Caninos com pelame curto também estão mais propensos à picada de insetos. O local em que os animais residem também reforça a hipótese já apontada. Este fator está interligado ao porte do animal, uma vez que caninos de grande porte tendem a habitar locais abertos, o que facilita o contato com os vetores. Em um caso foi apontada a infestação por moscas, e em outro por picadas de mutucas, sugerindo que diversos vetores são possíveis transmissores.

O tempo de evolução foi bastante variável, compreendendo casos que variaram de períodos de sete dias até anos, sugerindo que em muitos casos a procura por atendimento médico veterinário foi tardia. Em nenhum caso foi descrito o acometimento sistêmico, o que pode contribuir para casos com evolução tão longa. Em alguns estudos foi observado prurido como sinal clínico, porém com pouca intensidade, não ocorrendo envolvimento sistêmico na maioria dos casos descritos (Conceição et al. 2011Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256., Maruyama et al. 2015Maruyama S., Brandão P.E., Castro A.M.M.G., Michalany N.S., Fyfe J., Malik R. & Larsson C.E. 2015. Diagnóstico molecular do granuloma lepróide canino, a partir de cortes histológicos emblocados em parafina, pela técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR) - estudo retrospectivo (2002-2009). Semina, Ciênc. Agrárias 36(5):3129-3138.). A variação no tempo de evolução foi previamente descrita por outros autores, e variou de dias até dois anos (Conceição et al. 2011Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256.).

Observou-se acometimento do pavilhão auricular em 93% dos casos, os demais locais estiveram relacionados com as extremidades, como membros e focinho, excluindo-se dois casos que cursaram com lesão no tronco. Distribuição semelhante foi descrita em cães de São Paulo (Maruyama et al. 2015Maruyama S., Brandão P.E., Castro A.M.M.G., Michalany N.S., Fyfe J., Malik R. & Larsson C.E. 2015. Diagnóstico molecular do granuloma lepróide canino, a partir de cortes histológicos emblocados em parafina, pela técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR) - estudo retrospectivo (2002-2009). Semina, Ciênc. Agrárias 36(5):3129-3138.) e Austrália (Malik et al. 2013Malik R., Smits B., Reppas G., Laprie C., O’Brien C. & Fyfe J. 2013. Ulcerated and non ulcerated nontuberculous cutaneous mycobacterial granulomas in cats and dog. Vet. Dermatol. 24(1):146-153.). Maruyama et al. (2015)Maruyama S., Brandão P.E., Castro A.M.M.G., Michalany N.S., Fyfe J., Malik R. & Larsson C.E. 2015. Diagnóstico molecular do granuloma lepróide canino, a partir de cortes histológicos emblocados em parafina, pela técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR) - estudo retrospectivo (2002-2009). Semina, Ciênc. Agrárias 36(5):3129-3138. relatou que na maioria dos casos que transcorreram somente com lesão auricular, 61,1% dos casos cursaram bilateralmente, frente ao encontrado neste estudo em que 65% dos casos cursaram unilateralmente. Além disso, as pinas e extremidades tendem a manter a temperatura inferior a do restante do corpo, sendo apontada como uma possível causa da preferência destes micro-organismos por certas áreas do corpo (Conceição et al. 2011Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256.).

Foi observado uma distribuição homogênea ao longo do ano. Casos que iniciam no inverno sugere-se um período de incubação longo, com a inoculação do agente no período mais quente e a manifestação tardia (Malik et al. 1998Malik R., Love D.N., Wigney D.I. & Martin P. 1998. Mycobacterial nodular granulomas affecting the subcutis and skin of dogs (canine leproid granuloma syndrome). Aust. Vet. J. 76(6):403-407.). Deve-se salientar que outras rotas de transmissão são possíveis, como já discutido anteriormente, sendo provável a infecção em épocas frias. Todavia vale destacar que o clima no Rio Grande do Sul pode variar ao longo das estações, ocorrendo grandes variações de temperatura em uma estação fria (Melo et al. 2014Melo A.B.C., Frassoni A. & Sismanoglu R.A. 2014. Boletim de informações climáticas do CPTEC/INPE. Infoclima 21(7).), além da média de umidade ser elevada ao longo do ano (INMET 2009INMET 2009. Normais Climatológicas do Brasil (1961-1990). Instituto Nacional de Meteorologia. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Edição revisada e ampliada. Brasília. DF.) favorecendo a proliferações de vetores.

As lesões microscópicas foram classificadas de uma forma geral como granulomatosas/piogranulomas, tanto histológicas como citológicas. A derme superficial e/ou profunda foi afetada. Esta restrição de localização é consequência de uma resposta imune eficiente do hospedeiro, além da dependência de temperaturas baixas do agente para sua multiplicação. A multiplicação do agente ocorre massivamente antes da resposta do hospedeiro, levando a um acúmulo de citocinas, o que desencadeia migração das células para o tecido, que quando ocorre mais próxima a derme leva a ulceração da mesma, observada em 29% dos casos deste estudo (Charles et al. 1999Charles J., Martin P., Wigney D.I., Malik R. & Love D.N. 1999. Cytology and histopathology of canine leproid granuloma syndrome. Aust. Vet. J. 77(12):799-803.).

Análise estatística demonstrou uma relação negativa entre plasmócitos e bacilos álcool-ácidos resistentes (BAAR). Demais correlações entre os padrões celulares não puderam ser demonstradas neste estudo, assim não é possível afirmar que a quantidade de bacilos está relacionada ao padrão histológico. Embora associação entre necrose de coagulação com um número elevado de micro-organismos já foi relatado (Charles et al. 1999Charles J., Martin P., Wigney D.I., Malik R. & Love D.N. 1999. Cytology and histopathology of canine leproid granuloma syndrome. Aust. Vet. J. 77(12):799-803.).

O padrão histológico é descrito como nodular ou difuso (Malik et al. 1998Malik R., Love D.N., Wigney D.I. & Martin P. 1998. Mycobacterial nodular granulomas affecting the subcutis and skin of dogs (canine leproid granuloma syndrome). Aust. Vet. J. 76(6):403-407.), neste trabalho ficaram evidente três padrões distintos, que possuem predominância de diferentes células arranjadas de formas diversas, com variação na quantidade de tecido conjuntivo. Não foi possível correlacionar o padrão da lesão com o tempo de evolução, como foi feito em relatos anteriores (Conceição et al. 2011Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256.). Em lesões, presumivelmente regressivas, nota-se um acúmulo de linfócitos ao longo da margem externa da lesão, não sendo estatisticamente significativo no nosso estudo (Gross et al. 2009Gross T.E., Ihrke P.J., Walder E.J. & Affolter V.K. 2009. Doenças de Pele do Cão e do Gato: diagnóstico clínico e histológico. 2ª ed. Roca, São Paulo.).

As colorações especiais, tanto para exame histológico como para citológico é mandatório, e indispensável na diferenciação de lesões granulomatosas. Através da visualização dos bacilos pela coloração de Ziehl-Neelsen é possível direcionar o tratamento clínico, já que em lesões inflamatórias não infecciosas o uso do corticoide pode se tornar um tratamento de escolha (Charles et al. 1999Charles J., Martin P., Wigney D.I., Malik R. & Love D.N. 1999. Cytology and histopathology of canine leproid granuloma syndrome. Aust. Vet. J. 77(12):799-803.).

É necessário realizar o diagnóstico diferencial de micobacterioses atípicas. Essas micobacterioses são causadas por organismos saprófitas do ambiente e as lesões se manifestam na forma de abscessos, celulites e nódulo subcutâneos, que acometem, predominantemente, a região ventral inguinal e abdominal com evolução para envolvimento sistêmico. Entretanto, são mais relatadas em felinos. À microscopia as micobactérias geralmente se apresentam em espaços centrais claros dos piogranulomas. A cultura destes micro-organismos inclui M. fortuitum, M. chelonei, M. smegmatis, M. phlei, M. xenopi, M. thermoresistible e M. visibilis (Medleau & Hnilica 2009Medleau L. & Hnilica K.A. 2009. Dermatologia de Pequenos Animais. 2a ed. Roca, São Paulo. 512p.). Os sinais clínicos bem como o padrão de distribuição da bactéria na histologia, localização anatômica das lesões diferem dos descritos no GLC, sem acometimento sistêmico. Granulomas estéreis devem ser cuidadosamente avaliados para ausência de agentes, uma vez que as alterações clínicas e microscópicas se apresentam de forma semelhante. De forma semelhante lesões com infiltrado granulomatoso/piogranulomatoso devem ser diferenciados de leishmaniose, onde um pequeno número de formas amastigotas está presente (Cornegliani et al. 2005Cornegliani L., Fondevila D., Vercelli A., Mantero G. & Fondati A. 2005. PCR technique detection of Leishmania spp. but not Mycobacterium spp. in canine cutaneous ‘sterile’ pyogranuloma/ granuloma syndrome. Vet. Dermatol. 16(4):233-238.).

O exame de imuno-histoquímica se mostrou eficaz, como em caso já relatado na região amazônica (Almeida et al. 2013Almeida M.B., Priebe P.S., Fernandes J.I., Yamasaki E.M. & França T.N. 2013. Granuloma leproide canino na região amazônica - relato de caso. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. 65(3):645-648.), e em muitos casos foi possível a visualização de uma maior quantidade de bacilos, facilitando o diagnóstico, entretanto em dois casos não foi observada estruturas compatíveis com bacilos. A utilizando-se anticorpo policlonal BCG é descrita como sendo mais fácil para identificar micobactéria em comparação com a coloração de Ziehl-Neelsen, podendo apresentar algum benefício em casos em que há quantidade escassa de micro-organismos (Bonenberger et al. 2001Bonenberger T.E., Ihrke P.J., Naydan D.K. & Affolter V.K. 2001. Rapid identification of tissue microorganisms in skin biopsy specimens from domestic animals using polyclonal BCG antibody. Vet. Dermatol. 12(1):41-47.). Entretanto, neste trabalho se observou grande quantidade de reações inespecíficas em alguns casos, o que tornou a identificação dos bacilos mais custosa em comparação com a coloração de Ziehl-Neelsen. Diante disso, podemos afirmar que a imuno-histoquímica serve como um exame adicional. Vale ressaltar que o tempo de fixação em formol pode contribui para ausência de marcação no teste imuno-histoquímico.

O resultado de amostras sequenciadas foi baixo, de 44%, comparando com trabalho realizado no Brasil, que obteve positividade em 81,8% das amostras. O tempo de fixação do tecido no formol pode danificar o DNA dificultando a extração do mesmo. Somado a isso, a forma de obtenção de cortes pode ter influenciado nos resultados, uma vez que foi a única variação da técnica realizada em estudo brasileiro, sugerindo que a sensibilidade da extração em parafina enviada já cortada pode ser menor do que o material cortado na hora da extração (Conceição et al. 2011Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256.). A utilização de tecido refrigerado ou congelado poderia ser mais eficaz, porém deverá haver a suspeita por parte do clínico, não remetendo toda a amostra fixada em formol, possibilitando a realização do exame.

Conceição et al. (2011)Conceição L.G., Acha L.M., Borges A.S., Assis F.G., Loures F.H. & Fonseca e Silva F. 2011. Epidemiology, clinical signs, histopathology and molecular characterization of canine leproid granuloma: a retrospective study of cases from Brazil. Vet. Dermatol. 22(3):249-256. relatou 72% dos casos na região sudeste do país positivos para M. murphy. Neste trabalho correspondeu a 11% dos casos analisados através de biologia molecular. É apontado como o agente responsável pela maioria dos casos de GLC, de ocorrência mundial (Hughes et al. 2000Hughes M.S., James G., Ball N., Scally M., Malik R., Wigney D.I., Martin P., Chen S., Mitchell D. & Love D.N. 2000. Identification by 16S rRNA gene analyses of a potential novel mycobacterial species as an etiological agent of canine leproid granuloma syndrome. J. Clin. Microbiol. 38(3):953-959.).

Neste estudo M. hodleri foi sequenciado, esta espécie foi descrita em 1996 e trata-se de uma micobactéria capaz de degradar hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, que são poluidores do ambiente, potenciais cancerígenos ao homem. Esta bactéria tem a capacidade de auxiliar na degradação destes compostos, e foi isolada de um solo contaminado por fluoranteno, um hidrocarboneto de importância toxicológica (Kleespies et al. 1996Kleespies M., Kroppenstedt R.M., Rainey F.A., Webb L.E. & Stackebrandt E. 1996. Mycobacterium hodleri sp. Nov., a new member of the fast-growing mycobacteria capable of degrading polycyclic aromatic hydrocarbons. Int. J. Syst. Bacteriol. 46(3):683-687., Jacques et al. 2007Jacques R.J.S., Bento F.M., Antoniolli Z.I. & Camargo F.A.O. 2007. Biorremediação de solos contaminados com hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Ciência Rural 37(4):1192-1201.). M. gilvum já foi isolado de amostras de água coletada de local endêmico para hanseníase, sendo necessário mais estudos para esclarecer a relação da lepra com essa espécie de Mycobacterium. M. abscessus já foi descrito como agente causador, dentre outras afecções, dermatite focal em humanos (Lee et al. 2015Lee M.-R., Sheng W.-H., Hung C.-C., Yu C.-J., Lee L.-N. & Hsueh P.-R. 2015. Mycobacterium abscessus complex infections in humans. Emerg. Infect. Dis. 21(9):1638-1646.), possuindo 99% de semelhança em um dos casos sequenciados no nosso trabalho.

Conclusões

A maior frequência de caninos acometidos pelo granuloma leproide da raça Boxer, bem como caninos de pelame curto e porte avantajado, que residem em ambientes externos.

A ocorrência de forma semelhante ao longo do ano caracterizado por lesões macroscópicas nodulares, localizadas preferencialmente nas pinas, firmes, ulceradas ou não, podendo ser únicas ou múltiplas, sem acometimento sistêmico.

Foram observados três padrões de lesões histopatológicas, caracterizadas por infiltrado granulomatoso/piogranulomatoso, envolvendo derme superficial e profunda, sem correlação com a quantidade de marcação ocorrida na coloração de Ziehl-Neelsen.

Mycobacterium murphy e M. hodleri apresentaram 100% de semelhança nos casos identificados através de PCR Nested, sendo agentes causadores do GLC no Rio Grande do Sul.

Mycobacterium rodhesiae, Mycobacterium chubuense, Mycobacterium abscessos, Mycobacterium gilvum, Mycobacterium abscessus, Mycobacterium gilvum, Mycobacterium rodhesiae, Mycobacterium chubuense não foram amostras 100% idênticas ao produto sequenciado, porém podem ser considerados possíveis causadores de granuloma leproide dos caninos coletados neste estudo.

Agradecimentos

Os autores agradecem a contribuição de Amanda K. Wolmeister e Cristine Mari no desenvolvimento deste trabalho.

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  • Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2016
  • Aceito
    22 Dez 2016
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