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As infecções genitais podem alterar os resultados dos testes preditivos do parto prematuro?

Can genital infections alter the results of preterm birth predictive tests?

Resumos

OBJETIVOS:

Verificar se a presença de agentes infecciosos no conteúdo vaginal ou cervical pode alterar os resultados dos testes da proteína-1 fosforilada ligada ao fator de crescimento insulina-símile (phIGFBP-1) e das medidas do comprimento do colo uterino (CC) pela ultrassonografia transvaginal.

MÉTODOS:

Um total de 107 gestantes com antecedente de prematuridade espontânea foram submetidas ao teste da phIGFBP-1 e à realização da ultrassonografia transvaginal para medida do comprimento do colo uterino, a cada três semanas, entre 24 e 34 semanas. As infecções genitais foram pesquisadas imediatamente antes da realização dos testes. As pacientes foram distribuídas em quatro grupos (GA, GB, GC e GD) e dentro de cada grupo foi avaliada a correlação entre infecção genital e alteração nos testes utilizando a análise das razões de chance (OR) e o coeficiente de correlação de Pearson.

RESULTADOS:

Em cada grupo, mais de 50% das pacientes apresentaram infecção genital (GA 10/17; GB 28/42; GC 15/24; GD 35/53), sendo a vaginose bacteriana a principal alteração de flora vaginal. O resultado positivo para phIGFBP-1 (GA 10/10; GB 18/28; GC 15/15; GD 19/35) e CC≤20 mm (GA 10/10; GB 20/28; GC 10/15; GD 20/35) foram os resultados encontrados com maior frequência nas pacientes com infecção genital em todos os grupos. Porém, aplicando o coeficiente de correlação de Pearson foi identificada correlação entre infecção genital e positividade para os marcadores.

CONCLUSÃO:

A presença de alteração da flora vaginal e de outras infecções genitais não alteram significativamente os resultados do teste da phIGFBP-1 e da medida do colo uterino quando comparados aos casos sem infecção. No entanto, é necessária a realização de estudos com maior casuística que comprovem esses resultados.


PURPOSE:

To determine if the presence of infectious agents in vaginal or cervical content can alter the results of the insulin-like growth factor binding protein-1 (phIGFBP-1) test and the measurement of cervical length (CC) by transvaginal ultrasonography.

METHODS:

A total of 107 pregnant women with a history of spontaneous preterm birth were submitted to the phIGFBP-1 test and to measurement of CC by transvaginal ultrasonography every 3 weeks, between 24 and 34 weeks of gestation. Genital infections were determined immediately before testing. The patients were distributed into four groups (GA, GB, GC, and GD) and the correlation between genital infection and changes in the tests was determined within each group based on the odds ratio (OR) and the Pearson correlation coefficient.

RESULTS:

In each group, over 50% of the patients had genital infections (GA 10/17; GB 28/42; GC 15/24; GD 35/53), with bacterial vaginosis being the main alteration of the vaginal flora. Positive results for phIGFBP-1(GA 10/10; GB 18/28; GC 15/15; GD 19/35) and CC≤20 mm (GA 10/10; GB 20/28; GC 10/15; GD 20/35) were obtained more frequently in patients with genital infection in all groups. Nonetheless, when applying the Pearson correlation coefficient we detected a poor correlation between genital infection and positivity for markers.

CONCLUSION:

The presence of changes in the vaginal flora and of other genital infections does not significantly alter the results of phIGFBP-1 and the measurement of cervical length when compared to cases without infection. However, more studies with larger samples are necessary to confirm these results.


Introdução

Define-se prematuridade como o nascimento de feto com menos de 37 semanas gestacionais completas (ou menos de 259 dias), a partir do primeiro dia do último ciclo menstrual. Está relacionada à alta morbidade e mortalidade neonatais, ao alto custo nos cuidados a esses recém-nascidos e à dificuldade em se estabelecer medidas eficazes capazes de prevenir tal evento. Constitui importante problema de saúde pública em nosso país e, segundo dados do Ministério da Saúde, a taxa de partos prematuros passou de 2,8% em 2000 para 11,7% em 2010, revelando grande aumento da sua incidência no Brasil11. Unicef Brasil [Internet]. Consultoria: pesquisa para estimar a prevalência de nascimentos pré-termo no Brasil e explorar possíveis causas. Unicef Brasil; 2013. [citado 2012 Maio 4]. Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_27450.htm>
http://www.unicef.org/brazil/pt/resource...
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Em serviços que se destacam pela assistência às gestações de alto risco, na incidência de prematuridade encontram-se taxas mais elevadas. Em nosso serviço, chega a 22,5%, dos quais metade se deve à prematuridade espontânea. Outra metade está relacionada à prematuridade eletiva, ou seja, decorrente de interrupções prematuras da gestação devido a complicações clínicas maternas e/ou fetais22. Fonseca EB, Bittar RE, Carvalho MH, Zugaib M. Prophylactic administration of progesterone by vaginal suppository to reduce the incidence of spontaneous preterm birth in women at increased risk: a randomized placebo-controlled double-blind study. Am J Obstet Gynecol. 2003;188(2):419-24..

Os mecanismos responsáveis pelo desencadeamento do trabalho de parto, ainda pouco conhecidos, e a etiologia multifatorial, também muitas vezes desconhecida, dificultam a prevenção primária. Dessa forma, a prevenção secundária ganha destaque na medida em que se propõe a identificar aquelas mulheres de maior risco para o parto prematuro pela utilização de marcadores, físicos e bioquímicos, capazes de predizer tal evento, permitindo intervenção em momento oportuno33. Bittar RE, Zugaib M. [Risk predictors for preterm birth]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31(4):203-9. Portuguese. , 44. Bittar RE, Fonseca EB, Carvalho MH, Martinelli S, Zugaib M. Predicting preterm delivery in asymptomatic patients with prior preterm delivery by measurement of cervical length and phosphorylated insulin-like growth factor-binding protein-1. Ultrasound Obstet Gynecol. 2007;29(5):562-7..

Dentre esses marcadores, vem ganhando destaque nos últimos anos a medida do comprimento do colo uterino (CC) pela ultrassonografia transvaginal (USTV) e a pesquisa de marcadores bioquímicos, como a proteína-1 fosforilada ligada ao fator de crescimento insulina símile (phIGFBP-1)55. Rolnik DL, Bittar RE, Carvalho MHB, Zugaib M, Francisco RPV. [Preterm birth prediction: sequential evaluation of the cervix and the test for phosphorylated protein-1 linked to insulin-like growth factor]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(9):394-400. Portuguese. , 66. Doria MT, Spautz CC. Trabalho de parto prematuro: predição e prevenção. Femina. 2011;39(9):443-9.. Sabe-se que o encurtamento do colo uterino associa-se a maior risco para o parto prematuro55. Rolnik DL, Bittar RE, Carvalho MHB, Zugaib M, Francisco RPV. [Preterm birth prediction: sequential evaluation of the cervix and the test for phosphorylated protein-1 linked to insulin-like growth factor]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(9):394-400. Portuguese. , 77. Carvalho MHB, Bittar RE, Gonzales M, Brizot ML, Zugaib M. [Risk assessment for spontaneous preterm delivery according to cervical length in the first and second trimesters of pregnancy]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2002;24(7):463-8. Portuguese. , 88. Yamasaki AA, Bittar RE, Fonseca ESB, Martinelli S, Sasaki S, Zugaib M. [Prevention of preterm birth: use of digital examination and transvaginal ultrasonography]. Rev Bras Ginecol Obstet. 1998;20(6):350-6. Portuguese..

A phIGFBP-1 é uma proteína produzida pela decídua humana que normalmente não é detectada na secreção endocervical entre 24 e 34 semanas de gestação. Se presente nesse intervalo, pode facilitar o diagnóstico de trabalho de parto pré-termo9-119. Kekki M, Kurki T, Kärkkäinen T, Hiilesmaa V, Paavonen J, Rutanen EM. Insulin-like growth factor-binding protein-1 in cervical secretions as a predictor of preterm delivery. Acta Obstet Gynecol Scand. 2001;80(6):546-51.. Entretanto, sua maior importância reside no elevado valor preditivo negativo, assegurando que, em caso de resultado negativo, há risco mínimo para parto prematuro nos 7 a 10 dias que se seguem à realização do exame44. Bittar RE, Fonseca EB, Carvalho MH, Martinelli S, Zugaib M. Predicting preterm delivery in asymptomatic patients with prior preterm delivery by measurement of cervical length and phosphorylated insulin-like growth factor-binding protein-1. Ultrasound Obstet Gynecol. 2007;29(5):562-7. , 55. Rolnik DL, Bittar RE, Carvalho MHB, Zugaib M, Francisco RPV. [Preterm birth prediction: sequential evaluation of the cervix and the test for phosphorylated protein-1 linked to insulin-like growth factor]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(9):394-400. Portuguese..

Entre os diversos processos fisiopatológicos envolvidos no parto pré-termo destaca-se a infecção genital1212. Bittar RE. Prematuridade: aspectos preventivos. In: Zugaib M, Bittar RE, editores. Protocolos assistenciais da clínica obstétrica da FMUSP. 4a ed. São Paulo: Atheneu; 2011. p. 511-8.. Alguns microrganismos presentes na flora vaginal podem atravessar as membranas ovulares, mesmo íntegras, em direção à cavidade amniótica e à decídua, onde são produzidos mediadores inflamatórios responsáveis pelo esvaecimento cervical e contrações uterinas. Os agentes mais frequentemente envolvidos são Gardnerella vaginalis, Mycoplasma hominis, Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis e Ureaplasma urealitycum. No entanto, apenas uma pequena parcela de casos de infecção genital é acompanhada por infecção uterina e nascimento pré-termo.

Uma questão que vem surgindo, dentre tantas preocupações que envolvem a prematuridade, é se a presença de determinados microrganismos no conteúdo vaginal e cervical pode, por si só, causar alterações dos resultados dos exames preditivos do parto pré-termo no momento de sua realização. Para evitar tal influência, alguns estudos relatam em sua metodologia a pesquisa de infecções cervico-vaginais antes da realização dos testes como forma de evitar resultados falso positivos44. Bittar RE, Fonseca EB, Carvalho MH, Martinelli S, Zugaib M. Predicting preterm delivery in asymptomatic patients with prior preterm delivery by measurement of cervical length and phosphorylated insulin-like growth factor-binding protein-1. Ultrasound Obstet Gynecol. 2007;29(5):562-7. , 55. Rolnik DL, Bittar RE, Carvalho MHB, Zugaib M, Francisco RPV. [Preterm birth prediction: sequential evaluation of the cervix and the test for phosphorylated protein-1 linked to insulin-like growth factor]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(9):394-400. Portuguese.. Existe apenas um único estudo que relatou, em sua metodologia, que o teste da phIGFBP-1 não sofre influência pela presença de infecção vaginal13.

Pela escassez de relatos na literatura acerca desse assunto, desenvolvemos este estudo com o objetivo de verificar se a presença de agentes infecciosos no conteúdo vaginal ou cervical pode alterar os resultados dos testes da phIGFBP-1 e das medidas do comprimento do colo pela USTV.

Métodos

Realizou-se um estudo de coorte retrospectivo, com informações obtidas a partir do banco de dados do Setor de Baixo Peso Fetal da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Por se tratar de uma análise retrospectiva de banco de dados, não caracterizando nenhum risco aos sujeitos da pesquisa, não foi aplicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os critérios de inclusão foram: gestação com feto único e vivo; antecedente de pelo menos um parto prematuro espontâneo; ausência de sintomas e/ou sinais de trabalho de parto; membranas íntegras; idade gestacional confiável (data da última menstruação concordante com ultrassonografia de até 12 semanas de gestação ou pelo menos duas ultrassonografias compatíveis até 20 semanas). Como critérios de exclusão foram consideradas: complicações clínicas e/ou obstétricas que pudessem ocasionar interrupção eletiva da gestação e as malformações fetais.

Foram incluídas 107 gestantes com antecedente de prematuridade espontânea que frequentaram o pré-natal no período de março de 2002 a março de 2010, com acompanhamento ambulatorial realizado a cada três semanas, entre a 24ª e a 34ª semanas. Em cada consulta, as gestantes eram submetidas ao teste da phIGFBP-1 e à realização da USTV para medida do CC. As infecções genitais foram pesquisadas imediatamente antes da realização da USTV e do teste da phIGFBP-1 por meio de bacterioscopia de conteúdo vaginal para determinação de Trichomonas vaginalis, de fungos e das bactérias predominantes na vaginose bacteriana (Gardnerella vaginalis, Mobiluncus, Bacteróides, Peptoestreptococcus), imunofluorescência para Chlamydia trachomatis e cultura do conteúdo cervical para Neisseria sp., Ureaplasma urealyticum e Mycoplasma hominis. Quando presentes, as infecções eram tratadas com antibioticoterapia específica. Se durante o acompanhamento pré-natal surgissem sinais clínicos de infecção genital e/ou alteração nos resultados de phIGFBP-1 ou na medida do CC, as infecções genitais eram novamente investigadas.

A medida do CC pela USTV foi realizada por operador único em aparelho Toshiba, modelo Eccocee, com transdutor vaginal de 6 mHz com campo visual de 90° (modelo 601V). Com a paciente em posição ginecológica, após esvaziamento vesical, o transdutor, recoberto por gel de contato e preservativo, era introduzido no fórnice anterior da vagina, em contato com o lábio anterior do colo, sem pressioná-lo. Após a visibilização do colo uterino e do canal cervical, realizava-se a medida linear entre o orifício externo e o orifício interno do colo uterino. Em cada avaliação foram realizadas ao menos em três medidas e a menor delas foi utilizada. As pacientes foram, então, separadas da seguinte forma: aquelas com CC≤20 mm e as com CC≤25 mm.

O teste da phIGFPB-1 (insulin-like growth factor binding protein-1) (ActimPartus(r), MedixBiochimica, Finlândia) é um teste qualitativo, de interpretação visual, para a detecção de phIGFBP-1 em conteúdo cervical durante a gravidez, que possui registro de autorização emitido pelo Ministério da Saúde. A coleta do material foi realizada com a gestante em posição ginecológica durante o exame especular. Utilizou-se o coletor (swab) de dácron estéril colocado em contato com a canal endocervical por 10 a 15 segundos. Depois, o swab com o material coletado era introduzido durante 10 segundos no tubo que contém a solução tampão para a extração com movimentos rotatórios. Posteriormente, o coletor era descartado e a fita de leitura inserida na solução tampão, permanecendo na mesma até que o líquido atingisse a zona de reação. Em seguida, a tira era colocada na posição horizontal para leitura do resultado depois de cinco minutos. O teste é considerado positivo quando há o aparecimento de uma segunda linha azul. O material foi mantido refrigerado entre 2 e 8°C, com os frascos em posição vertical, conforme orientado pelo fabricante. Após abertas as embalagens, os testes eram utilizados imediatamente. As gestantes eram orientadas a se absterem de relação sexual e de qualquer medicamento por via vaginal nas 24 horas que antecediam o teste e o mesmo não foi realizado na presença de sangue na vagina.

Para a realização das análises estatísticas dos dados, as pacientes foram distribuídas em quatro grupos e as avaliações foram realizadas em separado, de acordo com cada grupo, e, também, em relação ao total de pacientes: Grupo GA: pacientes com CC≤20 mm e phIGFBP-1 positiva; Grupo GB: pacientes com CC≤20 mm ou phIGFBP-1 positiva; Grupo GC: pacientes com CC≤25 mm e phIGFBP-1 positiva; Grupo GD: pacientes com CC≤25 mm ou phIGFBP-1 positiva;

O método estatístico utilizado foi a análise das razões de chances (odds ratio - OR), de acordo com estudo completo das proporções das amostras de cada grupo, devido aos dados apresentados serem qualitativos. Comparou-se o resultado do teste em função da paciente apresentar o agente infeccioso ou não. Procurou-se avaliar os resultados da pesquisa de phIGFBP-1 e da medida do CC no momento em que foi feita a coleta do material vaginal, de modo a verificar se existia infecção genital concomitante. Dessa forma, dentro de cada grupo foi avaliada a chance da paciente com infecção cervicovaginal apresentar alteração nos resultados dos principais testes preditivos do parto prematuro. Foram construídas tabelas relacionando o resultado do teste da phIGFBP-1 e do CC com os agentes infecciosos mais frequentes, bem como uma relação dos agentes infecciosos identificados.

Para avaliar o grau de correlação entre os resultados do CC e da phIGFBP-1 com a presença de infecção genital, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson, cujos resultados podem ser assim interpretados: de 0,7 até 1,0 (correlação forte); de 0,3 até 0,7 (correlação moderada) e de 0,0 até 0,3 (correlação fraca).

Resultados

Não houve diferença entre os grupos estudados no que diz respeito à etnia, paridade e idade. Ao analisar as infecções cervicovaginais identificadas nas pacientes do estudo, a vaginose bacteriana destacou-se como a principal alteração de flora genital quando considerados todos os grupos, seguido pela presença de Candida sp. A distribuição dos principais microrganismos identificados nas coletas vaginais e cervicais está demonstrada na Tabela 1. Em algumas pacientes foram identificados agentes infecciosos distintos, sendo as principais associações as que se seguem (encontradas em todos os grupos): Candida+ vaginose bacteriana e T. vaginalis + vaginose bacteriana.

Tabela 1.
Tipos de alterações de flora vaginal identificadas na coleta do material vaginal nos quatro grupos avaliados

Os resultados dos exames das pacientes em que foram identificados os agentes infecciosos estão demonstrados na Tabela 2. Em todos os grupos, mais da metade das pacientes apresentaram algum tipo de infecção genital. Ao avaliar o resultado da phIGFBP-1 das pacientes com infecção genital em cada um dos grupos, mais da metade das pacientes apresentaram resultado positivo para o teste. No entanto, ao avaliar o total de pacientes, nota-se que o resultado negativo para pesquisa de phIGFBP-1 foi o mais encontrado nas pacientes com agentes infecciosos presentes na flora vaginal (60,4%). Vale lembrar que, pela descrição dos grupos já apresentada, todas as pacientes pertencentes aos grupos GA e GC apresentam resultado positivo para o teste, independente da presença ou não de infecção genital. Somente 7 pacientes do grupo GA (pacientes com CC≤20 mm e phIGFBP-1 positiva) e 9 do grupo GC (pacientes com CC ≤25 mm e phIGFBP-1 positiva) não apresentaram infecção genital.

Tabela 2.
Relação entre as alterações de flora vaginal e dos testes da phIGFBP-1 e encurtamento do colo nos quatro grupos de estudo

Para os valores de CC obtidos das pacientes com infecção genital, verificou-se que o CC≤20 mm foi o encontrado com maior frequência em todos os grupos (GA: 100%; GB: 75%; GC: 66,7%; GD: 57,1%). Porém, quando as 107 pacientes foram avaliadas em conjunto, observou-se que 58,3% daquelas com infecção genital apresentaram CC>20 mm.

Vale lembrar que, de acordo com a divisão por grupos proposta neste artigo, há pacientes que pertencem a mais de um grupo. Entretanto, isso não influenciou a análise estatística dos dados.

Dessa forma, procurou-se avaliar a correlação entre a presença de infecção genital e a positividade dos exames. Os resultados obtidos são descritos a seguir.

No grupo de pacientes com infecção genital o OR para CC≤20 mm e phIGFBP-1 foi de 1,4. Aplicando-se o coeficiente de correlação de Pearson nesse grupo, verifica-se fraca correlação (0,08) entre a presença de agentes infecciosos e positividade para os marcadores. Pela classificação dos grupos descrita anteriormente, não houve casos com CC>20 mm ou com phIGFBP-1 negativa.

Para o grupo de pacientes com infecção genital, o OR para CC≤20 mm foi de 1,9 assim como o OR para medida CC>20 mm foi de 2,3 da. No que diz respeito aos níveis de phIGFBP-1, as pacientes com infecção genital apresentaram OR de 1,8 para resultado positivo enquanto que o resultado negativo do teste esteve associado a um OR de 2,5. Ou seja, a presença de infecção genital esteve associada à maior chance para CC>20 mm e negatividade para o phIGFBP-1.

Tanto para CC≤20 mm quanto para phIGFBP-1 positiva, o coeficiente de correlação de Pearson também demonstrou fraca correlação (0,03 e -0,07, respectivamente) entre esses marcadores e a presença de infecção genital.

Neste grupo com infecção, o OR para CC≤25 mm e positividade para phIGFBP-1 foi de 1,6 para ambas as condições. O coeficiente de correlação de Pearson aplicado nesse grupo também demonstrou fraca correlação (0,13) entre a presença de infecção genital e a positividade dos exames. Nenhuma paciente pertencente ao grupo GC (pacientes com CC≤25 mm e phIGFBP-1 positiva) apresentou resultado negativo para phIGFBP-1.

Finalmente, no grupo com infecção genital presente, a chance da paciente ter CC≤25 mm foi 1,8; enquanto que a OR para CC>25 mm foi de 5. Para phIGFBP-1, a presença de infecção genital esteve associada à OR de 1,5 e 2,6 resultado positivo e negativo respectivamente. Tanto para CC≤25 mm quanto para phIGFBP-1 positiva, o coeficiente de correlação de Pearson também demonstrou fraca correlação (-0,06 e -0,1, respectivamente) entre esses marcadores e a presença de infecção genital.

Quando todos os subgrupos foram analisados em conjunto, os grupos com infecção genital tiveram chance de 1,5 de ter medida do CC≤20 mm, e de 3,6 de ter CC>20 mm.

Discussão

Tendo por objetivo promover a prevenção do parto prematuro, a assistência pré-natal tem por necessidade identificar precocemente seus fatores de risco, bem como fazer uso de métodos capazes de predizer tal evento para, assim, instituir medidas em tempo hábil.

A importância da medida do comprimento do colo uterino e da pesquisa da phIGFBP-1 para a predição do parto prematuro está bem estabelecida na literatura44. Bittar RE, Fonseca EB, Carvalho MH, Martinelli S, Zugaib M. Predicting preterm delivery in asymptomatic patients with prior preterm delivery by measurement of cervical length and phosphorylated insulin-like growth factor-binding protein-1. Ultrasound Obstet Gynecol. 2007;29(5):562-7. , 55. Rolnik DL, Bittar RE, Carvalho MHB, Zugaib M, Francisco RPV. [Preterm birth prediction: sequential evaluation of the cervix and the test for phosphorylated protein-1 linked to insulin-like growth factor]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(9):394-400. Portuguese. , 77. Carvalho MHB, Bittar RE, Gonzales M, Brizot ML, Zugaib M. [Risk assessment for spontaneous preterm delivery according to cervical length in the first and second trimesters of pregnancy]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2002;24(7):463-8. Portuguese. , 14-1614. Mancuso MS, Figueroa D, Szychowski JM, Paden MM, Owen J. Midtrimester bacterial vaginosis and cervical length in women at risk for preterm birth. Am J Obstet Gynecol. 2011;204(4):342.e1-5., e sua realização se torna de extrema importância para uma assistência pré-natal de qualidade. Considerando que a alteração da flora vaginal se destaca como um dos fatores desencadeantes do parto prematuro, questões vem surgindo a respeito da influência da infecção genital sobre esses marcadores.

No presente estudo, mais da metade das pacientes em cada grupo apresentou algum agente infecioso, tendo a vaginose bacteriana como a principal alteração de flora vaginal. Ao estudar as infecções cervicovaginais na gestação de 151 gestantes com o objetivo de verificar os fatores de risco e a prevalência de microrganismos, Longo e Pereira1717. Longo e Pereira LC. Infecções cervicovaginais na gestação: prevalência dos agentes etiológicos, fatores de risco e associação com bacteriúria assintomática [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1997. identificaram a presença de candidíase (62%), tricomoníase (19%), vaginose bacteriana (15%), cervicite por Chlamydia trachomatis (1%), flora vaginal alterada (13%) e bacteriúria assintomática (9%) como as principais alterações de flora vaginal. Os agentes infecciosos identificados por Longo e Pereira1717. Longo e Pereira LC. Infecções cervicovaginais na gestação: prevalência dos agentes etiológicos, fatores de risco e associação com bacteriúria assintomática [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1997. são semelhantes aos encontrados nas 107 pacientes incluídas no presente estudo. Outros trabalhos na literatura também identificaram esses agentes como os principais envolvidos no trabalho de parto prematuro18-2218. Genc MR, Onderdonk A. Endogenous bacterial flora in pregnant women and the influence of maternal genetic variation. BJOG. 2011;118(2):154-63..

Ao analisar os relatos na literatura sobre a influência das infecções genitais na medida do CC e na pesquisa da phIGFBP-1, em relação ao CC, Mancuso et al.1414. Mancuso MS, Figueroa D, Szychowski JM, Paden MM, Owen J. Midtrimester bacterial vaginosis and cervical length in women at risk for preterm birth. Am J Obstet Gynecol. 2011;204(4):342.e1-5., com o objetivo de determinar os efeitos da vaginose bacteriana (definida no estudo por escore de Nugent >7 ou pH vaginal ≥5) no CC entre 16 semanas e 21 semanas e 6 dias, concluíram que a presença da vaginose bacteriana não prediz o encurtamento do colo entre 16 semanas e 21 semanas e 6 dias (as relações se tornaram nulas após o ajuste de covariáveis (29,7 versus30,4; p=0,21)). Banicevic et al.2323. Banicevic AC, Popovic M, Ceric A. Cervical length measured by transvaginal ultrasonography and cervicovaginal infection as predictor of preterm birth risk. Acta Inform Med. 2014;22(2):128-32. identificaram infecção genital em 67,56% das pacientes de alto risco para parto prematuro. Ao avaliar a presença de infecção genital, de acordo com a medida do CC, nas pacientes com CC<15 mm; entre 15 e 25 mm; e >25 mm, identificaram resultado positivo em 88,89; 62,07 e 60,06% das pacientes, respectivamente. Embora a frequência de infecção genital tenha sido maior nas pacientes com colo curto, os resultados não foram estatisticamente significativos. Da mesma forma, o presente estudo encontrou fraca correlação entre a presença de infecção genital e os resultados do CC em todos os grupos analisados. Contrariamente, agentes infecciosos foram até mais frequentes naquelas com comprimento de colo normal. Dessa forma, tanto na análise por grupos quanto na do total de pacientes não se demonstrou correlação entre infecção genital e positividade para esse marcador físico do parto prematuro.

No que diz respeito à associação entre infecção genital e resultado de phIGFBP-1, Kekki et al.99. Kekki M, Kurki T, Kärkkäinen T, Hiilesmaa V, Paavonen J, Rutanen EM. Insulin-like growth factor-binding protein-1 in cervical secretions as a predictor of preterm delivery. Acta Obstet Gynecol Scand. 2001;80(6):546-51.demonstraram que 6 das 63 gestantes incluídas no estudo apresentaram infecção genital, das quais 4 tinham teste positivo para phIGFBP-1. O mesmo autor encontrou, em outro artigo2424. Kekki M, Kurki T, Paavonen J, Rutanen EM. Insulin-like growth factor binding protein-1 in cervix as a marker of infectious complications in pregnant women with bacterial vaginosis. Lancet. 1999;353(9163):1494., diferença estatisticamente significativa no risco de morbidade infecciosa entre as mulheres que apresentaram vaginose bacteriana e phIGFBP-1 positiva e aquelas com vaginose bacteriana e resultado negativo para tal marcador, demonstrando que a phIGFBP-1 seria um marcador útil para gestantes com vaginose bacteriana que estão mais propensas a desenvolver complicações infecciosas.

Contrariamente aos resultados obtidos por Kekki et al.99. Kekki M, Kurki T, Kärkkäinen T, Hiilesmaa V, Paavonen J, Rutanen EM. Insulin-like growth factor-binding protein-1 in cervical secretions as a predictor of preterm delivery. Acta Obstet Gynecol Scand. 2001;80(6):546-51. , 2424. Kekki M, Kurki T, Paavonen J, Rutanen EM. Insulin-like growth factor binding protein-1 in cervix as a marker of infectious complications in pregnant women with bacterial vaginosis. Lancet. 1999;353(9163):1494. em seus dois estudos, em nossa casuística encontramos fraca correlação entre a presença de infecção genital e a positividade do teste da phIGFBP-1, tanto na divisão por grupos quanto em relação ao total de pacientes. Apenas o estudo de Tanir et al.1313. Tanir HM, Sener T, Yildiz Z. Cervical phosphorylated insulin-like growth factor binding proteın-1 for the prediction of preterm delivery in symptomatic cases with intact membranes. J Obstet Gynaecol Res. 2009;35(1):66-72. relata que os resultados do teste da phIGFBP-1 não são influenciados por infecções genitais e que as pacientes com resultado positivo não tiveram maior probabilidade de apresentar evidências histológicas de inflamação placentária quando comparadas àquelas com resultado negativo.

Os nossos dados permitem concluir que a presença de alteração da flora vaginal e de outras infecções genitais não alteram significativamente os resultados do teste da phIGFBP-1 e da medida do CC quando comparados aos casos sem infecção. No entanto, é necessária a realização de estudos com maior casuística que comprovem esses resultados para que se possa dispensar a pesquisa de infecções vaginais antes da realização dos testes.

Referências

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  • Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo(SP), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2015

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2014
  • Aceito
    21 Nov 2014
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