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Efeito da via de parto sobre a força muscular do assoalho pélvico

The influence of the delivery route on pelvic floor muscle strength

Resumos

OBJETIVO: analisar a influência da via de parto sobre a força muscular do assoalho pélvico (FM-AP). MÉTODOS: estudo clínico de corte transversal, para avaliar a FM-AP pelo teste da avaliação da força do assoalho pélvico (AFA) e uso do perineômetro em primíparas, entre 20-30 anos de idade, 4-6 meses pós-parto. A contração, medida pelos dois testes, foi classificada em: zero - ausência, um - leve, dois - moderada e três - normal, sustentada por 6 segundos. Avaliaram-se 94 mulheres, entre 20 e 30 anos, divididas em três grupos: pós-parto vaginal (n=32); pós-cesárea (n=32) e nulíparas (n=30). A variável independente foi a via de parto e a dependente, a FM-AP. A comparação entre os graus de contração foi realizada pelo teste de Kruskal-Wallis e o teste de Dunn para comparações múltiplas; a influência da via de parto pelo teste chi2, o risco relativo (RR) para alteração da FM-AP e o coeficiente kappa para avaliar equivalência entre os testes. RESULTADOS: a mediana e 1º e 3º quartil da FM-AP foram menores (p=0,01) pós-parto vaginal (2,0;1-2) e intermediários pós-cesárea (2,0; 2-3) em relação às nulíparas (3,0;2-3), tanto analisadas pelo AFA como pelo perineômetro. Aumentou o RR de exame alterado pós-parto vaginal (RR=2,5; IC 95%: 1,3-5,0; p=0,002); (RR=2,3; IC 95%: 1,2-4,3; p=0,005) e pós-cesárea (RR=1,5; IC 95%: 0,94-2,57; p=0,12); (RR=1,3; IC 95%: 0,85-2,23; p=0,29) pelo PFSE e perineômetro, respectivamente. CONCLUSÕES: o parto vaginal diminuiu a força muscular do AP de primíparas quando comparado com os casos submetidos à cesárea e com as nulíparas.

Assoalho pélvico; Parto normal; Cesárea


PURPOSE: to evaluate the influence of the delivery route on pelvic floor (PF) muscle strength. METHODS: a cross-sectional study was conducted to evaluate PF muscle strength by the pelvic floor strength evaluation (PFSE) test and perineometer in primiparous patients aged 20 to 30 years 4 to 6 months after delivery. The categorization was: zero lack of muscle contraction; one - weak contraction; two - moderate contraction not sustained for 6 s and three - normal contraction sustained for 6 s. A total of 94 patients were divided into there groups based on prior delivery route. They were: 32 patients with vaginal delivery with singleton cephalic presentation; 32 patients with cesarean delivery, and 30 nulliparous patients as a control group. The independent variable was delivery route and the dependent one was the muscle strength of the PF. Comparison between contraction levels was performed by Kruskal-Wallis and Dunn multiple comparison tests and the influence of delivery method was tested by chi2. Confidence interval of 95% was obtained for relative risk (RR) of Pf muscle strength changes and kappa statistics. RESULTS: the 1st and 3rd quartiles of delivery route regarding PF muscle strength were lower (p=0.01) for vaginal delivery (2.0;1-2) and intermediate for cesarean section (2.0;2-3) compared to the nulliparous (3.0;2-3) by the PFSE test and perineometer. RR of the altered examination was increased after vaginal delivery (RR=2.58; CI 95%: 1.32-5.04, p=0.002); (RR=2.31; CI 95%: 1.24-4.32, p=0.005), and after cesarean section (RR=1.56; CI 95%: 0.94-2.57, p= 0.12); (RR=1.38; CI 95%: 0.85-2.23, p=0.29) by AFA and perineometer, respectively. CONCLUSIONS: vaginal delivery decreased PF muscle strength when compared with cesarean delivery and control groups.

Pelvic floor; Natural childbirth; Cesarean section


ARTIGOS ORIGINAIS

Efeito da via de parto sobre a força muscular do assoalho pélvico

The influence of the delivery route on pelvic floor muscle strength

Angélica Mércia Pascon BarbosaI; Lídia Raquel de CarvalhoII; Anice Maria Vieira de Camargo MartinsIII; Iracema de Mattos Paranhos CalderonIV; Marilza Vieira Cunha RudgeV

Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil

IDoutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ginecologia Obstetrícia e Mastologia – Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil

IIProfessora. Doutora em Estatística - Instituto Biologia - Botucatu - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil

IIIMestre em Ginecologia e Obstetrícia – Médica do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil

IVProfessor Adjunto em Obstetrícia – Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil

VProfessora Titular em Obstetrícia – Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil

Correspondência Correspondência: Angélica Mércia Pascon Barbosa Amador Bueno 630 Vila Central 19806-190 – Assis – SP Telefone: (18) 3322-4433 – Fax: (18) 3324-9088 e-mail: pasconbarbosa@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: analisar a influência da via de parto sobre a força muscular do assoalho pélvico (FM-AP).

MÉTODOS: estudo clínico de corte transversal, para avaliar a FM-AP pelo teste da avaliação da força do assoalho pélvico (AFA) e uso do perineômetro em primíparas, entre 20-30 anos de idade, 4-6 meses pós-parto. A contração, medida pelos dois testes, foi classificada em: zero – ausência, um - leve, dois - moderada e três – normal, sustentada por 6 segundos. Avaliaram-se 94 mulheres, entre 20 e 30 anos, divididas em três grupos: pós-parto vaginal (n=32); pós-cesárea (n=32) e nulíparas (n=30). A variável independente foi a via de parto e a dependente, a FM-AP. A comparação entre os graus de contração foi realizada pelo teste de Kruskal-Wallis e o teste de Dunn para comparações múltiplas; a influência da via de parto pelo teste c2, o risco relativo (RR) para alteração da FM-AP e o coeficiente kappa para avaliar equivalência entre os testes.

RESULTADOS: a mediana e 1º e 3º quartil da FM-AP foram menores (p=0,01) pós-parto vaginal (2,0;1-2) e intermediários pós-cesárea (2,0; 2-3) em relação às nulíparas (3,0;2-3), tanto analisadas pelo AFA como pelo perineômetro. Aumentou o RR de exame alterado pós-parto vaginal (RR=2,5; IC 95%: 1,3-5,0; p=0,002); (RR=2,3; IC 95%: 1,2-4,3; p=0,005) e pós-cesárea (RR=1,5; IC 95%: 0,94-2,57; p=0,12); (RR=1,3; IC 95%: 0,85-2,23; p=0,29) pelo PFSE e perineômetro, respectivamente.

CONCLUSÕES: o parto vaginal diminuiu a força muscular do AP de primíparas quando comparado com os casos submetidos à cesárea e com as nulíparas.

Palavras-Chave: Assoalho pélvico; Parto normal; Cesárea

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the influence of the delivery route on pelvic floor (PF) muscle strength.

METHODS: a cross-sectional study was conducted to evaluate PF muscle strength by the pelvic floor strength evaluation (PFSE) test and perineometer in primiparous patients aged 20 to 30 years 4 to 6 months after delivery. The categorization was: zero lack of muscle contraction; one – weak contraction; two – moderate contraction not sustained for 6 s and three – normal contraction sustained for 6 s. A total of 94 patients were divided into there groups based on prior delivery route. They were: 32 patients with vaginal delivery with singleton cephalic presentation; 32 patients with cesarean delivery, and 30 nulliparous patients as a control group. The independent variable was delivery route and the dependent one was the muscle strength of the PF. Comparison between contraction levels was performed by Kruskal-Wallis and Dunn multiple comparison tests and the influence of delivery method was tested by c2. Confidence interval of 95% was obtained for relative risk (RR) of Pf muscle strength changes and kappa statistics.

RESULTS: the 1st and 3rd quartiles of delivery route regarding PF muscle strength were lower (p=0.01) for vaginal delivery (2.0;1-2) and intermediate for cesarean section (2.0;2-3) compared to the nulliparous (3.0;2-3) by the PFSE test and perineometer. RR of the altered examination was increased after vaginal delivery (RR=2.58; CI 95%: 1.32-5.04, p=0.002); (RR=2.31; CI 95%: 1.24-4.32, p=0.005), and after cesarean section (RR=1.56; CI 95%: 0.94-2.57, p= 0.12); (RR=1.38; CI 95%: 0.85-2.23, p=0.29) by AFA and perineometer, respectively.

CONCLUSIONS: vaginal delivery decreased PF muscle strength when compared with cesarean delivery and control groups.

Keywords: Pelvic floor; Natural childbirth; Cesarean section

INTRODUÇÃO

A gravidez e a via de parto são fatores de risco para alteração da força muscular do assoalho pélvico (AP)1. O incremento do peso corporal materno e o peso do útero gravídico aumentam a pressão sobre a musculatura do AP na gestação1. O aumento do índice de massa corpórea (IMC) na gravidez, a multiparidade, o parto vaginal, o tempo prolongado do segundo período do parto e a episiotomia são fatores que diminuem a força dos músculos do AP2.

Na gestação, no trabalho de parto e no parto ocorrem mudanças na posição anatômica da pelve, na forma da musculatura pélvica, nas vísceras e no períneo. Estas alterações e a relação com a gravidez e parto podem ser explicadas pela deficiência do AP na gestação e no parto, pois a sobrecarga do períneo causa neuropatia do pudendo3. Os processos fisiológicos seqüenciais durante a gestação e o parto lesam o suporte pélvico, o corpo perineal e o esfíncter anal e são fatores determinantes, a longo prazo, para o surgimento das perdas urinárias4.

As estruturas do AP feminino funcionam como uma unidade, sendo importante a relação anatômico-funcional entre todas as estruturas pélvicas para a manutenção da função normal. No trabalho de parto e parto, o músculo elevador do ânus pode ser lesado por dois mecanismos: por injúria direta, causada pela lesão mecânica ou decorrente da distensão do próprio músculo, e por injúria indireta, causada pela lesão do nervo que o supre. Quando o músculo é estirado em mais da metade de seu comprimento total, pode sofrer lesão grave. Durante o parto, as fibras do músculo elevador do ânus podem se alongar cerca de metade do seu comprimento para circundar a cabeça fetal5 .

A lesão dos músculos pélvicos, dos nervos ou da fáscia parece ser conseqüência inevitável do parto vaginal, independente das distocias no parto. A vagina sofre menos dilatação e distensão que o colo do útero, mas é questionável se a lesão da fáscia endopélvica é mais grave que a do colo do útero. É pouco provável que os ligamentos cardinais e uterossacros sejam lesados de forma irreparável e é mais aceitável que a resposta à tração, notada após o parto, reflita a embebição gravídica dos tecidos e não sua lesão ou destruição5.

As lesões neurológicas dos músculos pélvicos são bem documentadas6. À medida que pequenos nervos são separados das fibras musculares, a habilidade contrátil dessas fibras musculares é diminuída e a função normal é perdida. O trauma pélvico materno relacionado ao parto descomplicado e considerado normal inclui tanto lesão nervosa reversível quanto irreversível. A abertura do AP, para a passagem da cabeça fetal, é pequena e, por essa razão, a cabeça empurra o AP para baixo até que tenha dilatado o suficiente para passar por ela5. Os relatos documentam essas alterações do AP após o parto vaginal.

O Brasil é um país com altas taxas de cesáreas, e as mulheres e os médicos usam o comprometimento do AP pós-parto vaginal como forma de estímulo para a realização de cesárea eletiva. A literatura tem discutido o direito das mulheres à cesárea eletiva7, as suas vantagens em relação à cesárea de urgência durante o trabalho de parto e as diferenças de custo8. Estudar o que acontece com a força muscular do AP pós-parto cesáreo e pós-parto vaginal pode ser argumento a ser usado na discussão dos benefícios da via alta ou da via baixa.

A força muscular do AP pode ser mensurada e, conseqüentemente, medido o grau de força muscular9. Existem várias metodologias usadas, dentre elas: a eletroneuromiografia, o teste de condução motora, os cones vaginais, o myofeedback ou perineômetro e a AFA (avaliação da força do assoalho pélvico)10-12. Os mais utilizados são o perineômetro e a AFA porque são de uso rotineiro na clínica, a instrumentação é simples, de baixo custo na execução, tem boa confiabilidade técnica e boa aceitabilidade pelas mulheres12-14.

Este trabalho teve como objetivo determinar se a via de parto altera a força muscular do AP de primíparas, entre 4 e 6 meses pós-parto vaginal e cesárea.

Métodos

Desenvolvemos estudo clínico de corte transversal, baseado em protocolo preestabelecido, do exame da força muscular do AP de 94 mulheres. Foi realizado na Secretaria da Saúde na cidade de Assis (SP), entre 2002 e 2003.

Assis é cidade com, aproximadamente, 100.000 habitantes, localizada na região da DIR VIII do estado de São Paulo, Brasil. Os partos foram no Hospital Regional de Assis, no Hospital e Maternidade de Assis, no Instituto de Atendimento à Mulher e na Santa Casa de Assis.

O cálculo do tamanho amostral foi baseado nos valores médios e de desvio-padrão, obtidos na literatura15, da variável idade materna, ou seja, valor médio de 28 anos de idade, desvio padrão igual a 10 e diferença esperada entre o grupo controle e os demais grupos em estudo de 7,2 anos. Foi utilizado o poder do teste de 80% e nível de significância de 5%, e determinado o número mínimo de 30 mulheres por grupo.

Os critérios de inclusão foram: primíparas entre 20 e 30 anos de idade, gestação de termo, com parto vaginal com episiotomia ou cesárea, 4 a 6 meses pós-parto e nulíparas na mesma faixa etária. Os critérios de exclusão foram mulheres com história de abortamento anterior, cirurgia abdominal prévia e ganho de mais de 22 kg na gestação.

Foram incluídas 64 mulheres que atenderam aos critérios de inclusão, sendo 32 pós-parto vaginal e 32 pós-cesárea, e 30 nulíparas que atenderam aos critérios de inclusão.

Os grupos experimentais foram: Grupo G-PV, constituído de 32 primíparas pós-parto vaginal, cefálico com episiotomia, Grupo G-PC, com 32 primíparas pós-parto cesáreo, e Grupo G-NP, com 30 nulíparas. A variável independente foi a via de parto, sendo consideradas as vias vaginal e abdominal. A variável dependente foi a força muscular do AP, classificada pelos testes da AFA e pelo perineômetro. As variáveis de controle foram: idade entre 20 e 30 anos, divididas em três faixas etárias: 20 e 22, entre 23 e 26 e acima de 27 anos, idade gestacional ao nascimento, peso do recém-nascido e tempo pós-parto.

As mulheres foram informadas da pesquisa, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e preencheram questionário inicial, informando dados gerais referentes à gestação e ao parto. A idade gestacional ao nascimento foi calculada em semanas, pela data da última menstruação16. O peso do recém-nascido (em gramas) foi referido pela paciente.

A força muscular do AP foi obtida com a mulher colocada em posição ginecológica, com as regiões abdominal, assoalho pélvico e membros inferiores desnudos. Esta posição é a mais indicada por fornecer avaliação mais precisa da contração isolada da musculatura perineal17. A mulher foi, previamente, conscientizada para fazer a força como se necessitasse "segurar" a urina contraindo apenas os músculos do AP. O examinador calçou luvas para realizar os exames. O teste da AFA foi realizado pelo toque vaginal bidigital do examinador, que solicitou verbalmente a contração voluntária perineal; foram solicitadas três contrações com intervalo de um minuto entre uma e outra. O examinador permaneceu com o toque bidigital apenas durante as contrações. Avaliou-se o grau da força muscular em cada contração, classificando-o de zero: ausente, um: contração leve, dois: contração moderada não sustentada por 6 segundos e três: contração normal sustentada por seis segundos18. O resultado de cada contração foi registrado e o resultado final foi obtido pela média entre os valores dos três registros. O teste foi considerado normal quando recebeu classificação três e alterado para zero, um e dois.

Após descanso de quinze minutos, foi realizado o exame com o perineômetro, que é um eletromiógrafo de pressão, que registra contrações musculares do AP e traduz sua intensidade por sinais visuais numa escala numérica. É constituído por um sensor vaginal inflável recoberto por látex, um monitor com visor de leitura eletrônico e um transdutor de pressão17. O visor de leitura eletrônico tem escala numérica em mmHg com intervalos de 1,6 mmHg. O estudo piloto permitiu a classificação em zero – não há indicação numérica, um – contração leve, com indicação numérica nos intervalos de 1,6 a 16,0 mmHg, dois – contração moderada, não sustentada por seis segundos, nos intervalos de 17,6 a 32,0 mmHg, e três – contração normal sustentada por seis segundos, no intervalo de 33,6 a 46,4 mmHg. O teste foi considerado normal quando recebeu classificação três e alterado para zero, um e dois.

Com a mulher na posição ginecológica, a haste de látex, previamente revestida com preservativo descartável, foi introduzida na vagina. O nível da pressão na escala foi zerado e foi solicitado à mulher a contração perineal voluntária mantida pelo maior tempo possível, numa seqüência de três contrações, com intervalos de um minuto entre elas. Foram registrados os valores das três contrações e estimados os valores de pico, a média e a duração da contração. Verificou-se a média entre os valores dos três registros que foi utilizada como resultado para classificação.

Análise estatística

As variáveis de controle, idade gestacional do parto, peso do recém-nascido, ganho de peso na gestação, tempo pós-parto e as três faixas etárias da idade materna (20-22; 23-27 e acima de 27 anos) foram comparadas pelo teste de t. A comparação dos graus de força muscular entre os três grupos experimentais, nos dois testes de avaliação funcional do AP, foi realizada utilizando um teste de Kruskal-Wallis e o teste de Dunn para as comparações múltiplas. O nível de significância utilizado foi de 95% de probabilidade. Os resultados das alterações da força muscular do AP foram analisados pelo teste do c² para verificação da influência da via de parto. O nível de significância utilizada foi de p<0,05 de probabilidade. Foi calculado o risco relativo (RR) de alteração da força muscular e o intervalo de confiança (IC) a p<0,05 de exame alterado da musculatura do AP19. O coeficiente kappa foi calculado para avaliar a equivalência dos testes AFA e perineômetro. O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Marília – FAMEMA em 25 de julho de 2002 e tomado ciência pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP.

Resultados

A idade gestacional no momento do parto foi semelhante nos grupos G-PV (30,9±1,1) e G-PC (39,5±1,1); o ganho de peso na gestação foi semelhante (13,8 kg) entre os dois grupos. O peso dos recém-nascidos não mostrou diferença entre os dois grupos (G-PV=3070±346 e G-PC=3157±523). As mulheres foram avaliadas após 5,1 meses no grupo G-PV e após 4,9 meses no G-PC. Nas três faixas etárias consideradas (20-22; 23-27 e acima de 27) foi semelhante o percentual de nulíparas e primíparas pós-parto vaginal e pós-cesárea (p=0,06). Esses resultados evidenciam a homogeneidade entre os grupos.

O parto vaginal e a cesárea diminuíram a força muscular do AP avaliada pelos testes AFA e perineômetro. A mediana e o 1º e 3º quartil da força muscular do AP foram menores no grupo pós-parto vaginal (2,0; 1-2) e intermediários (2,0 2-3) no grupo pós-parto cesárea, tanto pela AFA como com o perineômetro (p<0,05) em relação às nulíparas (2,0 2-3) (Tabela 1).

Tanto o parto vaginal como o parto cesárea aumentaram o RR de exame alterado da força muscular do AP, entretanto o IC a 95% só foi significativo após o parto vaginal (Tabela 2).

O número e o percentual de exames alterados e normais da força muscular do AP avaliados pela AFA e pelo perineômetro foram semelhantes, com coeficiente de kappa de 0,87 e IC 95%: 0,78-0,96 (Tabela 3), evidenciando correlação entre ambos os exames.

Discussão

A força muscular do AP de primíparas diminuiu após 4-6 meses de parto vaginal. Houve também aumento do RR de exame alterado da força muscular, tanto na avaliação feita pela AFA quanto pelo perineômetro.

Os métodos de avaliação, AFA e perineômetro, da força muscular do AP foram escolhidos por serem os mais utilizados na prática clínica14. Os resultados evidenciam que foram métodos concordantes (kappa de 0,87 e IC a 95% de 0,78 a 0,96), provavelmente influenciados pela forma padronizada de classificação adotada. Esses resultados evidenciam que o profissional com experiência pode usá-los de modo aleatório, na avaliação da força muscular do AP. Entretanto, do ponto de vista de pesquisa, o uso do perineômetro deve ser indicado pela reprodutibilidade dos resultados e por sua objetividade.

A idade materna mais avançada é um fator que pode potencializar a lesão muscular e esta foi a razão da seleção de mulheres entre 20 e 30 anos. A distribuição semelhante dos grupos nas três faixas etárias (Figura 1) permite validar os resultados. É relatado que a função do músculo estriado diminui cerca de 1% ao ano, após pico na meia idade, e que esta diminuição cumulativa associa-se à lesão do tecido conjuntivo1.


Na gestação, a parede abdominal torna-se flácida devido ao estiramento e ao afastamento do músculo reto abdominal, evidenciado pela diástase desses músculos. A recuperação da tonicidade da musculatura da parede ocorre lenta e, às vezes, imperfeitamente20. Isto deve ocorrer também com a musculatura do AP, como evidenciado neste trabalho.

É interessante que nas pacientes que foram submetidas à cesárea, a força muscular do AP diminuiu para um valor intermediário entre a das nulíparas e as pós-parto vaginal e foi 1,5 vez maior o RR de exame alterado da força muscular do AP em mulheres submetidas à cesárea, porém o IC a 95% não foi significativo. Esses resultados sugerem que não apenas o estiramento do AP causado pela passagem do feto mas também a embebição gravídica, a distensão da musculatura da parede abdominal causada pelo útero gravídico e o peso do feto distendendo a parede abdominal e o AP podem alterar a musculatura do AP.

Tanto a gestação quanto o parto são momentos de grandes mudanças anatômicas e fisiológicas para o organismo materno, em especial, para o trato urinário, podendo resultar em alteração na função, manifestada por incontinência urinária de esforço (IUE)21. Está bem documentado que o parto vaginal resulta em lesões nas estruturas anatômicas e nervosas do AP. Contudo, o parto cesáreo não protege as lesões das estruturas, em especial nas parturientes que atingiram o segundo período do parto (período expulsivo ou período pélvico), sugerindo que a gravidez e o trabalho de parto podem lesar o AP22.

Estudo prospectivo demonstrou que a cesárea é um dos fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento do prolapso genital7. No estudo realizado com 363 mulheres, um ano depois do primeiro parto, a prevalência de IUE foi similar. Isto é possível, porque as lesões no AP foram semelhantes nos dois casos23. Os resultados encontrados neste trabalho na força muscular diminuída do AP pós-cesárea confirmam essas afirmativas.

Os resultados encontrados neste trabalho mostram que o parto vaginal em primíparas diminuiu a força muscular do AP e aumentou o risco relativo de força muscular diminuída do AP, após 4 a 6 meses do parto, e que a cesárea não protegeu o AP. Allen et al.23 mostraram que mulheres que tiveram cesárea eletiva antes do início do trabalho de parto foram poupadas de lesão muscular do AP. Esta avaliação não foi realizada neste trabalho o que impediu a comparação com esses resultados24.

A questão então não é apenas se o parto vaginal lesa o diafragma pélvico, mas também avaliar o grau de lesão e se a episiotomia protege o AP. A freqüente alegação feita em apoio ao uso liberal da episiotomia é que ela previne a flacidez do AP durante o parto, prevenindo a IUE e o prolapso genital25. A revisão sistemática da literatura25 evidencia que o uso liberal da episiotomia só foi vantajoso na diminuição do risco de trauma anterior do assoalho pélvico. Nossos resultados ratificam esses achados, pois mesmo com o uso rotineiro da episiotomia, a força muscular do AP diminuiu 4 a 6 meses pós-parto vaginal. O efeito da episiotomia médio-lateral na força do AP foi avaliado, após 3 meses de parto vaginal, pelo teste bidigital e perineometria vaginal, e os autores concluíram que a episiotomia foi responsável pela diminuição da força muscular do AP26. A episiotomia de rotina, e não apenas o parto vaginal, pode ter sido a causa dos nossos achados, pois todas as primíparas do Grupo G-PV foram submetidas à episiotomia.

Ficam dúvidas importantes a serem investigadas: se a cesárea realizada sem trabalho de parto prévio também diminui a força muscular do AP; se no final da gestação, há diminuição da força muscular do AP; se o uso da episiotomia de rotina influencia a força muscular do AP, após 4 a 6 meses do parto, e se alterações patológicas maternas, associadas com maior ganho de peso materno e macrossomia fetal, causam maior alteração da força muscular do AP. Essa dúvidas merecem investigação futura.

A análise e discussão dos resultados permitem concluir: o parto vaginal diminuiu a força muscular do AP de primíparas, avaliada pela AFA e pelo perineômetro, após 4 a 6 meses do parto; o parto vaginal em primíparas aumentou em 2,58 ou 2,31 vezes o RR de diminuição da força muscular do AP, após 4 a 6 meses do parto; o parto cesáreo em primíparas também aumentou em 1,56 ou 1,37 vezes o risco relativo de diminuição da força muscular do AP, após 4 a 6 meses do parto, porém o IC a 95% não foi significativo.

Na realidade, com os resultados obtidos, abre-se linha para novas investigações importantes para o nosso país, onde são elevadas as taxas de cesárea. É preciso definir, a longo prazo, se realmente essas taxas são abusivas ou se estão corretas e há benefício para as mulheres.

Recebido em: 25/4/2005

Aceito com modificações em: 30/11/2005

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Nov 2005

    Histórico

    • Aceito
      30 Nov 2005
    • Recebido
      25 Abr 2005
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