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Avulsão da via biliar principal: relato de caso

Resumo

Common bile duct disruption from blunt trauma is very rare. Management, diagnosis and therapy by a non-specialist surgeon can be difficult. We describe a bile duct injury after a motor vehicle crash in a young male, treated with cholecystojejunostomy at his third laparotomy. We also briefly review some diagnostic aspects and therapeutic options from the literature.

Bile ducts; Common bile duct; Abdominal injuries; Surgical procedures, operative; Biliary tract surgical procedures


RELATO DE CASO

Avulsão da via biliar principal - relato de caso

Rachid G. Nagem, TCBC-MGI; Wilson L. Abrantes, ECBC-MGII

IDoutor em Cirurgia pela UFMG

IIChefe do Serviço de Cirurgia do Hospital Felício Rocho

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Rachid G. Nagem E-mail: rgnagem@yahoo.com.br

ABSTRACT

Common bile duct disruption from blunt trauma is very rare. Management, diagnosis and therapy by a non-specialist surgeon can be difficult. We describe a bile duct injury after a motor vehicle crash in a young male, treated with cholecystojejunostomy at his third laparotomy. We also briefly review some diagnostic aspects and therapeutic options from the literature.

Key words: Bile ducts. Common bile duct. Abdominal injuries. Surgical procedures, operative. Biliary tract surgical procedures.

INTRODUÇÃO

A secção da via biliar principal (VBP) no trauma contuso é lesão rara e desafiadora. O ducto é normalmente fino, tornando o reparo difícil. Considera-se a hepaticojejunostomia em Y de Roux o tratamento apropriado1. Bons resultados nesse procedimento envolvem, entretanto, não só experiência e habilidade, como auxiliares, fios, instrumental e iluminação adequados. Infelizmente existe carência de recursos materiais e humanos; atende-se trauma invariavelmente em condições adversas. Os autores propõe uma alternativa simples e ao alcance de qualquer cirurgião geral.

RELATO DE CASO

Paciente masculino, 16 anos de idade, acidentado em rodovia (dormia no banco traseiro e com o cinto de segurança). À laparotomia, realizou-se esplenectomia e optou-se por não explorar hematoma periduodenal. Reoperado no nono dia de pós-operatório com coleperitônio e constatada avulsão do colédoco logo acima do pâncreas. Lavou-se cavidade e inseriu-se sonda de Nelaton 4F no coto de colédoco. Apresentando picos febris e leucocitose, o paciente foi-nos encaminhado no terceiro DPO. TC à admissão revelou coleção pélvica sem janela para punção. Realizada reabordagem, drenou-se a coleção e realizou-se colangiografia peroperatória (CPO) que evidenciou ducto cístico patente (Figura 1). Confeccionou-se então colecistojejunostomia em Y de Roux mantendo-se a sonda de Nelaton no colédoco. Não houve intercorrências. No sétimo DPO, a sonda foi fechada e o paciente relatou que as fezes voltaram a escurecer. Realizada colangiorresssonância no décimo DPO, observou-se bom fluxo biliar pela anastomose (Figura 2). A sonda foi então retirada e o paciente recebeu alta em boas condições. No retorno de quatro meses mantinha-se assintomático, exames laboratoriais normais e ultrassom mostrando dilatação do colédoco (1,3cm).



DISCUSSÃO

Lesões da VBP após trauma abdominal contuso são raras, ocorrendo normalmente nos pontos de fixação, sendo 82% na borda superior do pâncreas2. O mecanismo inclui aumento da pressão intraductal, cisalhamento, compressão contra a coluna e lesão por isquemia. Lesões da VBP em acidentes automobilísticos são frequentemente relacionadas ao cinto de segurança, especialmente quando mal posicionado3.

Quando se trata de lesão isolada da VBP, o diagnóstico é tardio, média de 18 dias4. Se existem lesões associadas com indicação cirúrgica, o diagnóstico é feito à laparotomia, sendo necessária a exploração de qualquer hematoma periduodenal.

Embora existam relatos de tratamentos percutâneo e endoscópico, a abordagem cirúrgica permanece como padrão ouro, porém é necessário considerar o tipo de trauma, lesões associadas, condição sistêmica e intervalo da lesão (>24 horas: piores resultados). A drenagem simples, intraductal, das secções completas da VBP é a opção mais simples, porém, exige uma ou mais intervenções posteriores, além dos problemas acarretados pela derivação externa da bile. A anastomose término-terminal possui uma alta taxa de estenose (55%)2. Hepaticojejunostomia em Y de Roux é considerada a melhor opção, com taxa de estenose de 3,6%2. Entretanto, é um procedimento complexo, cujos resultados variam de acordo com a equipe cirúrgica e as condições do paciente.

No presente caso, o diâmetro reduzido da VBP, o longo tempo decorrido desde a lesão e a inflamação causada pelo sangue e bile no pedículo hepático desaconselhavam a hepaticojejunostomia. Uma opção seria manter a derivação externa por alguns meses até reversão das alterações inflamatórias locais. Essa seria nossa conduta quando recebemos o paciente, porém foi necessária reabordagem para drenagem das coleções.

À laparotomia, constatamos pedículo hepático edemaciado e friável, mas vesícula biliar e alças em boas condições. Dessa forma, foi possível realizar a colecistojejunostomia com segurança, da forma como já publicado5.

Cabe lembrar que a crítica que se faz à colecistojejunostomia é que a ligadura do coto de colédoco seccionado costuma envolver o ducto cístico (com trajeto intramural ou implantação baixa) e acarretar uma anastomose colecistojejunal não funcionante. Consideramos a crítica procedente e destacamos que a realização de CPO é muito importante. Uma vez provada a perviedade do ducto cístico a colecistojejunostomia torna-se uma arma valiosa na condução desses casos, muito simples e segura para ser desconsiderada. Como nesse caso, após a colecistojejunostomia a VBP se dilata, tornando uma anastomose futura mais segura.

Recebido em 20/05/2007

Aceito para publicação em 20/06/2007

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital dos Servidores de Minas Gerais (IPSEMG).

  • 1. Rodriguez-Montes JA, Rojo E, Martín LG. Complications following repair of extrahepatic bile duct injuries after blunt abdominal trauma. World J Surg. 2001;25(10):1313-6.
  • 2. Jurkovich GJ, Hoyt DB, Moore FA, Ney AL, Morris JA Jr, Scalea TM, et al. Portal triad injuries. J Trauma. 1995;39(3):426-34.
  • 3. Scott FE, Salyer D, Omert L, Hughes KM, Rodriguez A. Porta hepatis injury: a multidisciplinary approach. J Trauma. 2007;62(5):1284-5.
  • 4. Bourque MD, Spigland N, Bensoussan AL, Garel L, Blanchard H. Isolated complete transection of the common bile duct due to blunt trauma in a child, and review of the literature. J Pediatr Surg. 1989;24(10):1068-70.
  • 5. Starling SV, Abrantes WL. Lesão complexa da via biliar principal: a ligadura como opção associada à colecistojejunostomia: [relato de caso]. Rev Col Bras Cir. 2003;30(3):244-6.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Rachid G. Nagem
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Maio 2007
    • Aceito
      20 Jun 2007
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