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Valor prognóstico da espessura tumoral no carcinoma epidermóide de boca e orofaringe

Prognostic value of tumor thickness in squamous cell carcinoma of the mouth and oropharynx

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o significado prognóstico da espessura tumoral no carcinoma epidermóide de boca e orofaringe. MÉTODO: Foram avaliados retrospectivamente 112 pacientes atendidos entre janeiro de 1990 e dezembro de 1994, dos quais foram selecionados 84 casos com amostras teciduais disponíveis. A medida da espessura foi realizada à microscopia óptica com ocular milimetrada, considerando a maior medida perpendicular à superfície. RESULTADOS: A incidência de metástases ocultas foi de 7% nos tumores menos espessos do que 3mm e 50% naqueles com espessura igual ou superior a 5mm. As margens cirúrgicas estiveram comprometidas com maior freqüência nos pacientes com espessura tumoral maior ou igual a 5mm, mas a espessura não identificou os pacientes com maior risco de recidiva local. CONCLUSÃO: A espessura tumoral auxilia a identificar os pacientes com carcinoma epidermóide de boca e orofaringe com maior risco de metastatização oculta.

Prognóstico; Espessura; Carcinoma epidermóide


BACKGROUND: To evaluate the prognostic meaning of tumor thickness in squamous cell carcinoma of the mouth and oropharynx. METHOD: A retrospective study of 112 patients treated between January 1990 and December 1994 was undertaken and 84 cases with tecidual samples were selected. Tumor thickness was measured by optical microscopy, considering the largest perpendicular measure. RESULTS: The incidence of occult metastases was 7% in tumors less than 3 mm and 50% in those 5 mm or more in thickness. Surgical margins were compromissed more frequently in patients with tumor thickness of 5 mm or more, but mesure of tumor thickness was not prone to identify patients with larger risk of local recurrence. CONCLUSION: Tumor thickness aids to identify patients with squamous cell carcinoma of the mouth and oropharynx with higher metastatic risk.

Prognostic; Thickness; Squamous cell carcinoma


ARTIGOS ORIGINAIS

Valor prognóstico da espessura tumoral no carcinoma epidermóide de boca e orofaringe

Prognostic value of tumor thickness in squamous cell carcinoma of the mouth and oropharynx

Ali AmarI; Abrão Rapoport, TCBCII; Marcos Brasilino de CarvalhoIII

ICirurgião e Mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Hospital Heliópolis, São Paulo, SP

IICoordenador do Curso de Pós-Graduação, Hospital Heliópolis, São Paulo, SP

IIIChefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Hospital Heliópolis, São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Dr. Abrão Rapoport Praça Amadeu Amaral, 47 — cj. 82 01327-010 — São Paulo-SP E-mail: cpgcp.hosphel@attglobal.net

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o significado prognóstico da espessura tumoral no carcinoma epidermóide de boca e orofaringe.

MÉTODO: Foram avaliados retrospectivamente 112 pacientes atendidos entre janeiro de 1990 e dezembro de 1994, dos quais foram selecionados 84 casos com amostras teciduais disponíveis. A medida da espessura foi realizada à microscopia óptica com ocular milimetrada, considerando a maior medida perpendicular à superfície.

RESULTADOS: A incidência de metástases ocultas foi de 7% nos tumores menos espessos do que 3mm e 50% naqueles com espessura igual ou superior a 5mm. As margens cirúrgicas estiveram comprometidas com maior freqüência nos pacientes com espessura tumoral maior ou igual a 5mm, mas a espessura não identificou os pacientes com maior risco de recidiva local.

CONCLUSÃO: A espessura tumoral auxilia a identificar os pacientes com carcinoma epidermóide de boca e orofaringe com maior risco de metastatização oculta.

Descritores: Prognóstico; Espessura; Carcinoma epidermóide.

ABSTRACT

BACKGROUND: To evaluate the prognostic meaning of tumor thickness in squamous cell carcinoma of the mouth and oropharynx.

METHOD: A retrospective study of 112 patients treated between January 1990 and December 1994 was undertaken and 84 cases with tecidual samples were selected. Tumor thickness was measured by optical microscopy, considering the largest perpendicular measure.

RESULTS: The incidence of occult metastases was 7% in tumors less than 3 mm and 50% in those 5 mm or more in thickness. Surgical margins were compromissed more frequently in patients with tumor thickness of 5 mm or more, but mesure of tumor thickness was not prone to identify patients with larger risk of local recurrence.

CONCLUSION: Tumor thickness aids to identify patients with squamous cell carcinoma of the mouth and oropharynx with higher metastatic risk.

Key words: Prognostic; Thickness; Squamous cell carcinoma

INTRODUÇÃO

Há uma busca incessante de fatores prognósticos que possam contribuir para o planejamento terapêutico de pacientes com câncer, identificando aqueles com maior probabilidade de se beneficiarem com as diferentes opções de tratamento. Embora o estadiamento TNM persista como o indicador prognóstico mais significativo, a espessura ou volume tumoral podem fornecer informações adicionais a respeito da doença. A espessura tumoral se revelou um indicador prognóstico em outros sítios anatômicos, como pele e colo uterino, e também mostrou relação com a metastatização nos tumores iniciais de língua e soalho1,2.

Este estudo tem por objetivo avaliar o significado prognóstico da espessura tumoral no carcinoma epidermóide do andar inferior da boca e orofaringe.

MÉTODO

Foram avaliados retrospectivamente 112 casos de carcinoma epidermóide do andar inferior da boca e da orofaringe tratados no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis no período de janeiro de 1990 a dezembro de 1994.

A análise histológica empregou cortes teciduais corados pela hematoxilina-eosina, avaliados à microscopia óptica. A espessura do tumor considerou a maior medida a partir da superfície ulcerada, empregando uma ocular milimetrada. A medida da espessura somente pôde ser realizada em 84 casos, dos quais foram recuperadas as amostras teciduais.

Foi considerado o estadiamento clínico e patológico conforme os critérios da classificação TNM da UICC/AJCC – 1997.

A espessura tumoral foi classificada em três categorias: <3mm, 3 a 4,9mm, 5mm ou mais. As categorias foram relacionadas com a presença de metástases linfáticas, comprometimento de margens cirúrgicas e recidiva local.

Entre os 84 pacientes, 75 eram do sexo masculino e nove do sexo feminino. A idade média foi de 55 anos. O sítio primário predominante foi a língua e soalho com 40 casos, 21 casos com lesão em gengiva e área retromolar e 23 casos de lesões da orofaringe. O tempo de seguimento apresentou média de 33 meses (1-113).

A análise estatística empregou o teste de Qui quadrado e o teste exato de Fisher, considerando significativas as diferenças com erro alfa inferior a 5%.

RESULTADOS

Houve maior percentual de casos pN+ nas lesões com espessura > 5 mm, mas 43% dos tumores com espessura inferior a 3mm também apresentaram metástases linfonodais (Tabela 1).

Nos casos N0 houve apenas 7% de metástases ocultas em pacientes com tumores menos espessos do que 3mm e 50% naqueles com espessura igual ou superior a 5mm. Nos casos N+ a espessura tumoral não auxiliou a identificar os casos pN0 (falso-positivos). (Tabela 2).

A incidência de margens cirúrgicas comprometidas (Tabela 3) foi de 3% nos tumores com espessura inferior a 5mm e 20% naqueles com espessura igual ou maior a 5mm.

A espessura mostrou relação com a recidiva local apenas nas lesões de boca, porém estatisticamente não significativa (p=0,44), conforme Tabela 4 tanto para a boca quanto para a orofaringe.

DISCUSSÃO

A avaliação da espessura tumoral necessita de cortes seriados do tumor primário para que seja avaliada de forma fidedigna. Obviamente a diferença entre seu componente infiltrativo e vegetante também deve ser considerada, mas é difícil de ser avaliada em estudos retrospectivos realizados com pequena amostra tecidual. A capacidade de o tumor produzir seu próprio estroma ou sua interação com o tecido conjuntivo adjacente pode estar relacionada com uma diferença funcional entre as lesões infiltrativas ou vegetantes.

A drenagem linfática ocorre a partir da submucosa, de forma que mesmo lesões pouco espessas atingem rapidamente as vias linfáticas. Os tumores menos espessos apresentam menor potencial de metastatização e de recidiva local, mas o fato de 43% dos tumores com espessura inferior a 3mm apresentarem metástases sugere que a metastatização seja um evento precoce nos carcinomas epidermóides das vias aerodigestivas superiores.

Um maior componente infiltrativo é uma característica das lesões de estadiamento T4. Este comportamento reflete a produção de integrinas e metaloproteinases que permite ao tumor infiltrar e proliferar no tecido adjacente, uma qualidade necessária aos clones metastáticos3,4. Esta característica tumoral pode ser mais significativa do que o crescimento longitudinal. Este último parâmetro não reflete necessariamente a maior proliferação, uma vez que pode haver a coalescência de focos multicêntricos5. Além disto, a metastatização constitui o principal fator prognóstico nos carcinomas, responsável pela baixa eficiência da terapia localizada.

Diferentes autores empregaram diversos pontos de corte na tentativa de definir uma espessura associada com bom ou mau prognóstico, variando desde 1,5 até 10mm 6-11. O ponto de corte é arbitrário, temos a definição de extremos que se correlacionam com o risco de metastatização e prognóstico, mas os valores intermediários podem ser de pouca utilidade na definição do prognóstico individual, representando um artefato estatístico12. Os estudos realizados até o momento não apresentaram casuística com tamanho adequado para esta estimativa. A inclusão de diversos subsítios também dificulta a interpretação dos resultados, uma vez que a mucosa pode apresentar espessura diferente. Como a maior utilidade reside na identificação do risco de metástases ocultas, a espessura deve ser avaliada no pré-operatório. A ultra-sonografia pode ser empregada para este fim, mas não apresenta vantagens sobre a palpação da lesão realizada sob narcose, pois uma espessura intermediária não tem um significado claro13. Além de uma estimativa da espessura, a palpação pode definir a consistência do tumor, um parâmetro que também pode ajudar a prever o risco de metastatização oculta, relacionado com a proporção entre células e estroma14. Esta avaliação tem aplicação apenas em tumores no estádio T1 e T2, já que não é indicada a conduta expectante no pescoço em lesões primárias maiores. Entre os pacientes com CEC de boca que persistem com o pescoço clinicamente negativo a despeito de uma lesão primária maior, é observado percentual semelhante de falso-negativos entre aqueles com tumor nos estádios T2, T3 ou T4 (dados não publicados do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis).

No presente estudo todos os pacientes foram submetidos a esvaziamento cervical, com diagnóstico de metástases ocultas em 24% dos casos, mas o significado clínico das eventuais micrometástases ainda não foi elucidado. A espessura pode ajudar a definir os casos T1 que merecem um esvaziamento eletivo e os casos T2 que poderão ser preservados, porém a baixa morbidade de um esvaziamento seletivo permite ampliar a sua indicação.

Não foi possível identificar uma correlação entre a espessura tumoral e a recidiva local (Tabela 4). Apesar do maior percentual de comprometimento da margem cirúrgica nos tumores com espessura maior ou igual a 5 mm (Tabela 3), este fator não é um indicador fidedigno do risco de recidiva15. Além disto, muitos pacientes nesta casuística foram perdidos de seguimento precocemente, impedindo uma análise deste parâmetro.

Recebido em 09/01/2001

Aceito para publicação em 18/10/2001

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis, Hosphel, São Paulo.

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  • Endereço para correspondência:

    Prof. Dr. Abrão Rapoport
    Praça Amadeu Amaral, 47 — cj. 82
    01327-010 — São Paulo-SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2002

    Histórico

    • Aceito
      18 Out 2001
    • Recebido
      09 Jan 2001
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