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Cateteres venosos totalmente implantáveis em pacientes com neoplasia hematológica e não hematológica

Totally implantable venous catheters in patients with hematological and non hematological neoplasias

Resumos

OBJETIVO: Analisar se a presença de neoplasia hematológica acarreta maior risco de complicações para inserção de cateteres totalmente implantáveis e se há diferença de tempo cirúrgico quando o procedimento é realizado por punção ou dissecção venosa. MÉTODO: Foram avaliados 68 pacientes com neoplasia internados no Hospital Santa Rita de Porto Alegre entre fevereiro de 1998 e dezembro de 1999, os quais necessitavam de acesso venoso central para tratamento quimioterápico, sendo 48 do sexo feminino e com idade média de 55,6 anos. Desses, 31 apresentavam neoplasia hematológica. RESULTADOS: Complicações pós-operatórias ocorreram em 13 pacientes (19%), sendo elas: obstrução do sistema (7%), hematoma (6%) e infecção (6%), não havendo diferença quanto ao tipo de neoplasia (p = 0,56). Foram realizadas dissecção e punção venosa em 30 e 38 pacientes, respectivamente, sem diferença em relação ao tempo de implantação do cateter (p = 0,42). CONCLUSÃO: Neoplasias hematológicas não aumentaram o risco de complicações quando do uso de cateteres totalmente implantáveis no presente estudo, além disso, ambas as técnicas cirúrgicas - dissecção ou punção - são exeqüíveis, haja visto o tempo cirúrgico semelhante entre elas, desde que sejam respeitados o valor sérico mínimo de plaquetas (50.000/mL) e a técnica cirúrgica apropriada, com hemostasia rigorosa e curativo compressivo.

Cateteres totalmente implantáveis; Neoplasia hematológica; Acesso venoso central


BACKGROUND: We analyse whether hematological tumors increase the risk of complications of totally implantable catheters and if there are differences regarding procedure time when it is perfomed through venous dissection or venous puncture. METHODS: We studied 68 patients with neoplasia in Hospital Santa Rita from Porto Alegre, between February 1998 and December 1999, who had required central venous access for chemotherapy. Forty-eight patients were female and the mean age was 55.6 years. Thirty-one patients had hematological tumors. RESULTS: Postoperative complications were observed in 13 patients (7% with device obstruction, 6% with hematoma and 6% with infection), but there was no difference regarding the pattern of the neoplasia (p = 0.56). Venous dissection and venous puncture were performed in 30 and 38 patients, respectively, with no difference concerning surgical time (p = 0.42). CONCLUSIONS: Hematological tumors did not increase the risk of complications of totally implantable catheters; furthermore, both surgical techniques (venous dissection or venous puncture) are acceptable choices, with similar surgical times, since one respects minimal platelet count of 50 000/mL and careful hemostasis techniques and compressive dressings.

Totally implantable catheters; Hematological tumors; Central venous access


ARTIGOS ORIGINAIS

Cateteres venosos totalmente implantáveis em pacientes com neoplasia hematológica e não hematológica

Totally implantable venous catheters in patients with hematological and non hematological neoplasias

Antonio Nocchi Kalil, TCBC-RSI; Eduardo T. MastalirII; Felice RiccardiIII; Gabriel R. MädkeIV; Eduardo S. PillaIV

IProfessor-Adjunto da Disciplina de Cirurgia Geral da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA). Chefe do Serviço de Cirurgia Oncológica do Hospital Santa Rita e do Serviço de Cirurgia Geral da Santa Casa de Porto Alegre

IIDoutorando da FFFCMPA. Bolsista do CNPq

IIICirurgião Oncológico do Hospital Santa Rita da Santa Casa de Porto Alegre

IVResidentes de Cirurgia Geral do Hospital Santa Casa de Porto Alegre

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Antonio Nocchi Kalil Rua Marcelo Gama, 924/2º 90540-041 — Porto Alegre-RS E-mail: ankalil.voy@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar se a presença de neoplasia hematológica acarreta maior risco de complicações para inserção de cateteres totalmente implantáveis e se há diferença de tempo cirúrgico quando o procedimento é realizado por punção ou dissecção venosa.

MÉTODO: Foram avaliados 68 pacientes com neoplasia internados no Hospital Santa Rita de Porto Alegre entre fevereiro de 1998 e dezembro de 1999, os quais necessitavam de acesso venoso central para tratamento quimioterápico, sendo 48 do sexo feminino e com idade média de 55,6 anos. Desses, 31 apresentavam neoplasia hematológica.

RESULTADOS: Complicações pós-operatórias ocorreram em 13 pacientes (19%), sendo elas: obstrução do sistema (7%), hematoma (6%) e infecção (6%), não havendo diferença quanto ao tipo de neoplasia (p = 0,56). Foram realizadas dissecção e punção venosa em 30 e 38 pacientes, respectivamente, sem diferença em relação ao tempo de implantação do cateter (p = 0,42).

CONCLUSÃO: Neoplasias hematológicas não aumentaram o risco de complicações quando do uso de cateteres totalmente implantáveis no presente estudo, além disso, ambas as técnicas cirúrgicas – dissecção ou punção – são exeqüíveis, haja visto o tempo cirúrgico semelhante entre elas, desde que sejam respeitados o valor sérico mínimo de plaquetas (50.000/mL) e a técnica cirúrgica apropriada, com hemostasia rigorosa e curativo compressivo.

Descritores: Cateteres totalmente implantáveis; Neoplasia hematológica; Acesso venoso central.

ABSTRACT

BACKGROUND: We analyse whether hematological tumors increase the risk of complications of totally implantable catheters and if there are differences regarding procedure time when it is perfomed through venous dissection or venous puncture.

METHODS: We studied 68 patients with neoplasia in Hospital Santa Rita from Porto Alegre, between February 1998 and December 1999, who had required central venous access for chemotherapy. Forty-eight patients were female and the mean age was 55.6 years. Thirty-one patients had hematological tumors.

RESULTS: Postoperative complications were observed in 13 patients (7% with device obstruction, 6% with hematoma and 6% with infection), but there was no difference regarding the pattern of the neoplasia (p = 0.56). Venous dissection and venous puncture were performed in 30 and 38 patients, respectively, with no difference concerning surgical time (p = 0.42).

CONCLUSIONS: Hematological tumors did not increase the risk of complications of totally implantable catheters; furthermore, both surgical techniques (venous dissection or venous puncture) are acceptable choices, with similar surgical times, since one respects minimal platelet count of 50 000/mL and careful hemostasis techniques and compressive dressings.

Key words: Totally implantable catheters; Hematological tumors; Central venous access.

INTRODUÇÃO

O emprego de potentes drogas citomielotóxicas, utilizadas no tratamento das doenças neoplásicas, requer acesso vascular seguro, devido ao dano que essas substâncias podem causar aos tecidos se houver extravasamento1. Por este motivo, a utilização de cateteres venosos com reservatório totalmente implantáveis tem aumentado significativamente nos últimos anos. Tais dispositivos diminuem os problemas inerentes ao uso de cateteres periféricos comuns e melhoram a qualidade de vida dos pacientes, permitindo realização de atividades cotidianas normalmente. 2

A prevalência das complicações do uso deste cateter varia de 4% a 20%, estando diretamente relacionada ao procedimento cirúrgico (mau posicionamento do reservatório, trajeto anômalo do cateter e pneumotórax) ou não (extravasamento da droga, trombose venosa, obstrução do sistema e infecção local ou sistêmica)3,4. O hematoma pode ser uma conseqüência de técnica cirúrgica inapropriada ou de discrasias sangüíneas causadas pela doença de base do paciente. Entretanto, a ocorrência de complicações em pacientes com neoplasias hematológicas permanece pouco conhecida.

Deste modo, o presente estudo visa avaliar a associação entre o tipo de neoplasia (hematológica ou não) para o qual o procedimento foi indicado e as complicações decorrentes, bem como analisar a técnica de obtenção do acesso venoso para colocação dos cateteres e o tempo cirúrgico.

MÉTODO

Realizou-se um estudo retrospectivo, no qual foram analisados os prontuários de 68 pacientes internados no Hospital Santa Rita da Santa Casa de Porto Alegre entre fevereiro de 1998 e dezembro de 1999, os quais necessitavam de acesso venoso central para tratamento quimioterápico por apresentarem neoplasia hematológica ou não hematológica. Todos os pacientes foram submetidos à avaliação pré-operatória através de anamnese e exame físico completos, bem como hemograma completo, provas de coagulação, função renal e glicemia de jejum. O procedimento era contra-indicado quando o número de plaquetas situava-se abaixo de 50.000/mL. A todos os doentes foi fornecida orientação quanto ao procedimento a ser efetuado.

Os procedimentos foram realizados pela mesma equipe cirúrgica em ambiente cirúrgico adequado, com apropriada anti-sepsia cutânea, sob anestesia local. A técnica de implante dos dispositivos consistiu em dissecção ou punção venosa, sendo critério do cirurgião estabelecer aquela mais apropriada para determinado paciente. Na primeira, através de pequena incisão cervical na junção do terço médio com o terço inferior do músculo esternoclidomastóideo, disseca-se a veia jugular externa. Procede-se à flebotomia, introduzindo o cateter até sua posição definitiva na veia cava superior. A seguir, é feita uma incisão de 3cm abaixo da clavícula, confeccionando-se um túnel subcutâneo para implantação do reservatório, que é fixado na fáscia clavipeitoral. Algumas vezes, pode-se optar por veias alternativas, como as veias cefálica ou safena magna. Na técnica de punção venosa, esta é realizada nas veias subclávia, jugular interna ou femoral, sendo o implante do reservatório realizado à semelhança da técnica por dissecção. Quando as veias femoral ou safena são escolhidas, o reservatório fica localizado e fixado sobre o osso ilíaco 2cm abaixo da crista ilíaca ântero-superior. O fechamento da ferida operatória é realizado com fio monofilamentar 4-0 e curativo compressivo.

As variáveis analisadas foram sexo, idade, tipo de neoplasia (hematológica ou não), técnica cirúrgica, complicações, necessidade de reimplante e tempo cirúrgico. Os dados foram comparados de acordo com o tipo de neoplasia dos pacientes através dos testes t de Student e Qui-quadrado no programa EPI-INFO versão 6.0.

RESULTADOS

Dentre os pacientes avaliados (n = 68), 48 eram do sexo feminino, com idade variando entre 31 e 77 anos (média de 55,6 anos). Complicações pós-operatórias ocorreram em 13 pacientes (19%), sendo elas: obstrução do sistema (7%), hematoma (6%) e infecção local (6%).

Trinta e um pacientes (45%) possuíam neoplasia hematológica de base e 37 (55%) tinham neoplasia não-hematológica, sem diferença significativa entre estes dois grupos quanto a complicações pós-operatórias ou necessidade de reimplante (Tabela 1). Dos pacientes com doença hematológica, 16% e 6,4% tiveram alguma complicação ou necessidade de reimplante, respectivamente, sendo estas taxas de 21% e 16% nos pacientes com neoplasia não hematológica.

O acesso venoso foi obtido em 30 pacientes através de dissecção (44%) e em 38 (66%) por punção venosa. O tempo cirúrgico não diferiu entre as duas técnicas utilizadas, sendo as médias de 91 e 95 minutos para dissecção e punção, respectivamente (p = 0,42).

DISCUSSÃO

Acessos vasculares têm sido um problema freqüente na prática oncológica. A administração de agentes quimioterápicos requer um acesso seguro e confiável. Em doentes com boas veias periféricas, punções venosas repetidas são uma alternativa aceitável, contudo, quando cursos longos de quimioterapia são necessários, esclerose venosa progressiva torna o tratamento difícil1. Para estes pacientes e para aqueles que se apresentam inicialmente com veias periféricas ruins, várias alternativas são disponíveis, entre elas os cateteres venosos centrais semi-implantáveis de uso prolongado e os sistemas totalmente implantáveis para acesso vascular. Estes últimos são constituídos por um reservatório com uma membrana de silicone no centro, localizado no subcutâneo, o qual é conectado a um cateter radiopaco, também de silicone, instalado em veia central.

Na maior série publicada sobre cateteres venosos totalmente implantáveis5, analisando-se 328 pacientes, foram observados ao redor de 5% de complicações precoces, incluindo pneumotórax (3,4%) e mau funcionamento do cateter ou reservatório (1,9%). Das complicações tardias, foram observados 1,5% de embolização, 1,5% de trombose venosa, 0,3% de infecção, 2,4% de bacteremia relacionada ao cateter e reimplante em 1,5%. Em outro estudo, Freytes et al.3 relataram uma taxa de complicação de 13%, sendo necessário o reimplante em seis pacientes (4,6%).

Em nosso estudo, o índice de complicações pós-operatórias, quando analisados os dois grupos de pacientes (hematológicos e não-hematológicos), foi semelhante ao observado em outras séries3, 4, mesmo tratando-se de uma amostra relativamente pequena de pacientes. Não se observaram complicações precoces, contrariando os dados da literatura, nos quais as complicações inerentes ao procedimento cirúrgico figuram entre as mais freqüentes. Além disso, não houve diferença quanto às complicações nos dois grupos estudados.

Os dispositivos totalmente implantáveis mostram-se vantajosos em relação aos semi-implantáveis, pois apresentam menos complicações, fácil manejo e preservam a imagem corporal do indivíduo. A taxa de remoção precoce devido à infecção de cateteres semi-implantáveis (Hickman) chega a 40% em algumas séries, analisando pacientes com doenças hematológicas6. Harvey evidenciou um índice de 19%, utilizando o mesmo tipo de cateter, em um grupo semelhante7. Os sistemas totalmente implantáveis necessitam apenas de um flush mensal com solução heparinizada e não requerem curativos após a cicatrização da ferida operatória.

Assim, a presença de desordens hematológicas não acarreta aumento no risco de complicações quando do uso de cateteres totalmente implantáveis, desde que sejam respeitados o valor sérico mínimo de plaquetas e a técnica cirúrgica descrita, com hemostasia rigorosa e curativo compressivo. Além disso, quando em mãos habilitadas, ambas as técnicas cirúrgicas são exeqüíveis, haja visto o tempo cirúrgico semelhante entre elas.

Recebido em 12/02/2001

Aceito para publicação em 07/06/2001

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Oncológica do Hospital Santa Rita da Santa Casa de Porto Alegre e na Disciplina de Cirurgia Geral da FFFCMPA.

  • 1. Barrios CH, Zuke JE, Blaes B et al. Evaluation of an implantable venous access system in a general oncology population. Oncol 1992; 49: 474-8.
  • 2. Gilchrist BF, Novak Z. A technique for placement of totally implantable central venous port. Clin Pediatr 1993; 32: 313-4.
  • 3. Freytes CO, Reid P, Smith KL. Long-term experience with implanted catheter system in cancer patients. J Surg Oncol 1990; 45: 99-102.
  • 4. Grannan KJ, Taylor PH. Early and late complications of totally implantable venous access devices. J Surg Oncol 1990; 44: 52-54.
  • 5. Biffi R, de Braud F, Orsi F et al. Totally implantable central venous access ports for long-term quimiotherapy. A prospective study analyzing complications and costs of 333 devices with a minimum follow-up 180 days. Ann Oncol 1998; 9: 767-73.
  • 6. Bakker J, Van Overhagen H, Wielenga J et al. Infections complications of radiologically inserted Hickman catheters in patients with hematological disorders. Cardiovasc Intervent Radiol 1998; 21: 116-21.
  • 7. Harvey MP, Trent RJ, Joshua DE et al. Complications associated with indwelling venous Hickman catheter in patients hematological disorders. Aust N Z J Med 1986; 16: 211-5.
  • Endereço para correspondência:

    Dr. Antonio Nocchi Kalil
    Rua Marcelo Gama, 924/2º
    90540-041 — Porto Alegre-RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2001

    Histórico

    • Recebido
      12 Fev 2001
    • Aceito
      07 Jun 2001
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