Acessibilidade / Reportar erro

Fechamento primário das mordeduras na face

Primary closure of bite injuries to the face

Resumos

As mordeduras representam uma lesão comum geralmente vista nas emergências dos hospitais, correspondendo a cerca de 1% dos atendimentos. Os autores conduziram um estudo para avaliar a conduta de fechamento primário das mordeduras na face dos pacientes atendidos na emergência do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN, Brasília-DF) de janeiro a dezembro de 1999. O estudo compreendeu 42 pacientes, com média de idade de 17 anos (variação de um a 50 anos) e 29 (69,0%) dos pacientes eram homens. As mordeduras caninas foram as mais freqüentes (71,4%), seguidas pelas mordeduras humanas (26,2%). O tempo médio entre a agressão e o atendimento no Serviço de Cirurgia Plástica do HRAN foi de 16 horas. A orelha foi o sítio principal (40,0%), seguido pelo lábio. O tratamento utilizado foi a sutura direta em 28 (66,7%) pacientes, retalhos locais em 12 (28,6%) pacientes e enxerto em dois casos. Não houve infecção nos casos estudados. Os achados sugerem que o fechamento imediato das lesões na face é seguro, até em casos após várias horas da lesão.

Mordedura canina; Mordedura humana; Face


Mammalian bite wounds represent a common type of injury usually seen in the emergency room, constituting approximately 1% of visits to emergency departments. The aim of this study was to evaluate the management of the bites injuries to the face presenting to Department of Plastic Surgery, Regional Hospital of North Wing, Brasília, Brazil, from January to December, 1999. There were 42 patients, with a mean age of 17 years, ranging between 1 and 50 years: 29 (69,0%) patients were males. Dog bites were responsible for 71,4% of all bite wounds, following by human bites (26,2%). The mean duration of injury before presentation was 16 hours. The ear was the most common site of injury (40,0%), followed by the lips. Surgical treatment consisted of primary closure, either by direct suturing (66,7%), local flap (28,6%) or skin grafting (4,7%). There was no infection in this study. The results indicate that immediate closure of bite injuries is safe, even with older injuries.

Dog bite; Human bite; Face


ARTIGO ORIGINAL

Fechamento primário das mordeduras na face

Primary closure of bite injuries to the face

Jefferson Lessa Soares de Macedo, ACBC-DF; Adilson Alves da Silvai

Cirurgião Plástico, Serviço de Cirurgia Plástica, Hospital Regional da Asa Norte, Fundação Hospitalar do Distrito Federal

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Jefferson Lessa Soares de Macedo SQS 102 Bloco "B" Apto 106 — Asa Sul 70330-080 — Brasília-DF

RESUMO

As mordeduras representam uma lesão comum geralmente vista nas emergências dos hospitais, correspondendo a cerca de 1% dos atendimentos. Os autores conduziram um estudo para avaliar a conduta de fechamento primário das mordeduras na face dos pacientes atendidos na emergência do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN, Brasília-DF) de janeiro a dezembro de 1999. O estudo compreendeu 42 pacientes, com média de idade de 17 anos (variação de um a 50 anos) e 29 (69,0%) dos pacientes eram homens. As mordeduras caninas foram as mais freqüentes (71,4%), seguidas pelas mordeduras humanas (26,2%). O tempo médio entre a agressão e o atendimento no Serviço de Cirurgia Plástica do HRAN foi de 16 horas. A orelha foi o sítio principal (40,0%), seguido pelo lábio. O tratamento utilizado foi a sutura direta em 28 (66,7%) pacientes, retalhos locais em 12 (28,6%) pacientes e enxerto em dois casos. Não houve infecção nos casos estudados. Os achados sugerem que o fechamento imediato das lesões na face é seguro, até em casos após várias horas da lesão.

Descritores: Mordedura canina; Mordedura humana; Face.

ABSTRACT

Mammalian bite wounds represent a common type of injury usually seen in the emergency room, constituting approximately 1% of visits to emergency departments. The aim of this study was to evaluate the management of the bites injuries to the face presenting to Department of Plastic Surgery, Regional Hospital of North Wing, Brasília, Brazil, from January to December, 1999. There were 42 patients, with a mean age of 17 years, ranging between 1 and 50 years: 29 (69,0%) patients were males. Dog bites were responsible for 71,4% of all bite wounds, following by human bites (26,2%). The mean duration of injury before presentation was 16 hours. The ear was the most common site of injury (40,0%), followed by the lips. Surgical treatment consisted of primary closure, either by direct suturing (66,7%), local flap (28,6%) or skin grafting (4,7%). There was no infection in this study. The results indicate that immediate closure of bite injuries is safe, even with older injuries.

Key words: Dog bite; Human bite; Face.

INTRODUÇÃO

As mordeduras representam uma lesão comum geralmente vista nas emergências dos hospitais, correspondendo a cerca de 1% dos atendimentos1,2. Porém, apenas 10% desses pacientes requerem tratamento especializado ou internação 3.

É geralmente aceito que devido o risco de infecção, especialmente se o paciente chegar após seis horas do acidente, as lesões devem ser mantidas abertas e a reconstrução deve ser retardada após passar o período de infecção 4. Entretanto, nos últimos dez anos, vários autores têm advogado o tratamento cirúrgico primário destas agressões que ocorrem na face, sejam humanas ou por animais1,5,6,7.

O objetivo desse estudo foi avaliar a conduta de fechamento primário das mordeduras humanas ou por animais na face.

MÉTODO

O estudo é do tipo série prospectiva de casos e compreendeu 42 pacientes que foram atendidos inicialmente na emergência do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Regional da Asa Norte (Brasília-DF) no período de janeiro a dezembro de 1999.

Os dados foram colhidos através de questionário de forma prospectiva. As variáveis analisadas foram: a idade, o sexo, a procedência, o intervalo de tempo da agressão ao atendimento hospitalar, o agente agressor, o local dos ferimentos, as características das lesões e o tratamento.

A conduta nos casos de mordedura na face foi de irrigação copiosa da ferida, e a limpeza com solução degermante de polivinilpirrolidona (P.V.P.I.) e soro fisiológico. O fechamento primário no dia do atendimento era feito através de sutura direta , retalho local ou enxerto. Não havia limite de horas ou dias, entre o momento da agressão e o procedimento cirúrgico, ou seja, no momento em que o paciente chegava à emergência do hospital era realizado tal procedimento independente da hora ou dia da agressão. Somente os tecidos desvitalizados foram desbridados e não havia sinal de infecção da ferida no momento do fechamento.

A anestesia realizada poderia ser local ou geral, dependendo da extensão dos ferimentos e da idade do paciente. Foi realizada a profilaxia do tétano e da raiva conforme o caso, e antibióticos por uma semana (Cefalexina 500mg Via Oral (VO) 6/6h ou conforme o peso da criança por sete dias). As suturas foram retiradas entre o sétimo e o décimo quinto dia pós-operatório. Não foi realizada profilaxia para hepatite ou para Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA).

RESULTADOS

O estudo compreendeu 42 pacientes, com média de idade de 17 anos (variação de um a 50 anos). A maioria dos pacientes era do sexo masculino e 34 (80,1%) pacientes eram procedentes do Distrito Federal. As mordeduras caninas foram as mais freqüentes, seguidas pelas humanas (Tabela 1).

O tempo médio entre a agressão e o atendimento no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Regional da Asa Norte foi de 16 horas; porém, 26 (62,0%) pacientes foram atendidos nas primeiras seis horas após o acidente. (Tabela 2).

A orelha foi o principal sítio das mordeduras na face, seguido pelo lábio. (Tabela 2).

Quanto à gravidade das lesões, 23 (54,8%) pacientes apresentavam perda de substância e os outros 19 (45,2%) avulsão sem perda de substância (Figura 1).


O tipo de tratamento mais comum foi a sutura direta em 28 (66,7%) oportunidades, seguida por retalhos locais ou enxerto (figura 2). O tipo de anestesia mais utilizado foi a infiltração local com lidocaína 2% e em nove (21,4%) casos foi necessária a anestesia geral devido ao fato de serem crianças com lesões extensas na face e no couro cabeludo (Tabela 2).


DISCUSSÃO

As principais vítimas de mordeduras são os homens e o sítio principal das lesões são os membros seguidos pela face1,3. O cão é o agente agressor mais comum nas mordeduras da face. As agressões caninas representam 90% das mordidas por animais que exigem cuidados médicos, matando 10 americanos por ano e geralmente são cães da família ou de vizinhos 1,8.

As crianças e os jovens são as vítimas mais freqüentes das mordeduras na face. A média de idade neste estudo foi de 17 anos, sendo que 50,0% dos pacientes tinham menos de 10 anos (Figura 3). Isso é compatível com os achados de Palmer & col.3, em um estudo de 109 casos vítimas desse tipo de injúria, em que 80% eram menores de 15 anos.


O local mais comum dos ataques caninos ou humanos na face é o lábio3,5. Entretanto, no nosso estudo, a orelha foi o sítio mais freqüente, seguido pelo lábio.

A profilaxia antitetânica é essencial, existindo relatos que sugerem a aquisição de tétano e hepatite B após mordedura humana9,10. Nas agressões caninas, é obrigatória a profilaxia do tétano e da raiva, pois estas são responsáveis pela transmissão de 85% dos casos de raiva humana no Brasil11.

O uso de antibiótico de cinco a sete dias após mordeduras na face é amplamente aceito na literatura, e o antibiótico de escolha é a amoxacilina ou a cefalexina. O uso da cultura para escolher o antibiótico só é feita em casos em que a infecção está estabelecida, e os germes mais freqüentes são os estreptococos e os estafilococos1,2,4.

A infecção da ferida não foi observada nesse estudo, mas é a complicação mais comum após mordeduras. Segundo vários autores, a probabilidade de infecção é influenciada por diversos fatores, como1,3,4,12:

Animal agressor

As mordeduras por gato e humanas apresentam uma maior probabilidade de infecção que as caninas. No nosso estudo, o maior número de lesões de origem canina talvez tenha contribuído para não haver infecção. A mordedura humana tem maior chance de infecção devido ao fato de a saliva humana conter 108 bactérias por milímetro cúbico, apresentando 42 espécies diferentes de bactérias, destacando-se a Eikenella corrodens que é uma espécie normalmente resistente aos antibióticos usuais. As agressões por gato também se destacam pelo seu potencial infeccioso devido ao fato de serem arranhaduras e feridas puntiformes com grande inoculação bacteriana, distinguindo-se a inoculação da Pasteurella multocida, que leva ao uso de penicilinas penicilinase resistentes1,2.

Localização da ferida

As mordeduras na face têm uma menor chance de infecção que em outros locais do corpo devido à rica vascularização da face e drenagem postural desse segmento do corpo. As que ocorrem na mão e lesam a cápsula articular ou o tendão têm grande potencial de infecção12,13.

Inerentes ao indivíduo

Como presença de doenças associadas (imunodeficiências primárias ou secundárias). No nosso estudo, apenas um paciente apresentava diabete melito tipo I.

Características da lesão

Os ferimentos puntiformes apresentam maior chance de infecção que as avulsões ou lacerações porque nas feridas puntiformes ocorre uma grande inoculação de bactérias e porque a limpeza profunda desses ferimentos é difícil3,4. No nosso estudo, a maioria das ocorrências tratava-se de avulsões, perda de substância ou lesões corto-contusas e apenas oito (19,0%) pacientes apresentavam feridas puntiformes na face, sendo suturadas. Esse fator pode ter contribuído para a ausência de complicação infecciosa nesse estudo.

Tempo para atendimento

No nosso estudo, atendemos a 16 (38,0%) pacientes com mais de seis horas do acidente que não desenvolveram infecção, apesar de serem submetidos ao fechamento primário do ferimento.

O tratamento primário das mordeduras foi realizado através de sutura direta, retalhos ou enxerto, conforme o tipo da ferida e a decisão do cirurgião. Nada impede que, no momento da sutura, proceda-se não apenas à cobertura da lesão, mas inicie-se a reconstrução em casos de perda de substância, independente do tempo decorrido da agressão.

Na reconstrução da orelha, foi utilizado o fechamento direto da lesão, o retalho retroauricular com base inferior ou avançamento condrocutâneo da hélice14. Segundo Walton & col15, o reimplante microcirúrgico de segmentos avulsionados após mordedura humana ou animal pode ser tentado com bons resultados estéticos. No nosso estudo, não foi utilizada reconstrução com retalhos microcirúrgicos.

Os achados sugerem que o fechamento imediato das mordeduras humanas ou animais na face é seguro, até em casos após várias horas da lesão, confirmando o que vem sendo advogado por publicações anteriores1, 3, 5, 6, 7, 8, diminuindo os procedimentos cirúrgicos posteriores e melhorando a morbidez.

Recebido em 29/12/99

Aceito para publicação em 13/6/2000

Trabalho realizado na Unidade de Emergência do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Regional da Asa Norte, Fundação Hospitalar do Distrito Federal, Brasília-DF.

  • 1. Ruskin JD, Laney TJ, Wendt SV et al. Treatment of mammalian bite wounds of the maxillofacial region. J Oral Maxillofac Surg 1993;51: 174-6.
  • 2. Goldstein EJC, Richwald GA. Human and animal bite wounds. Am Fam Physician 1987;36: 101-9.
  • 3. Palmer J, Rees M. Dog bites of the face: a 15 year review. Br J Plast Surg 1983;36: 315-18.
  • 4. Stucker FJ, Shaw GY, Boyd S et al. Management of animal and human bites in the head and neck. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1990;116: 789-93.
  • 5. Donkor P, Bankas DO. A study of primary closure of human bite injuries to the face. J Oral Maxillofac Surg 1997;55: 479-81.
  • 6. Venter TH. Human bites of the face. Early surgical management. S Afr Med J 1988;74: 277-9.
  • 7. Uchendu BO. Primary closure of human bite losses of the lip. Plast Reconstr Surg 1992;90: 841-5.
  • 8. Dominguez MM, Tellez SL, Resk GHP, Valencia JCD, Navarro PA. Heridas por mordedura de perro: tratamiento de 40 pacientes. Acta Pediatr Méx 1997;18: 120-3.
  • 9. Muguti GI, Dixon MS. Tetanus following human bite. Br J Plast Surg 1992;45: 614-5.
  • 10. Stornello C. Transmission of hepatitis B via human bite. Lancet 1991;338: 1024-5.
  • 11. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Guia de vigilância epidemiológica, pg. 276, 1994.
  • 12. Baker MD, Moore SE. Human bites in children: a six year experience. AJDC 1987;141: 1285-90.
  • 13. Griego RD, Rosen T, Orengo IF, Wolf JE. Dog, cat, and human bites: a review. J Am Acad Dermatol 1995;33: 1019-29.
  • 14. Low DW. Modified chondrocutaneous advancement flap for ear reconstruction. Plast Reconstr Surg 1998;102: 174-7.
  • 15. Walton RL, Beahm EK, Brown RE et al. Microsurgical replantation of the lip: a multi-institutional experience. Plast Reconstr Surg 1998;102: 358-68.
  • Endereço para correspondência:

    Dr. Jefferson Lessa Soares de Macedo
    SQS 102 Bloco "B" Apto 106 — Asa Sul
    70330-080 — Brasília-DF
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2000

    Histórico

    • Recebido
      29 Dez 1999
    • Aceito
      13 Jun 2000
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br