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Índice H, autoria e integridade na produção científica

H-index, authorship, and integrity in scientific output

EDITORIAL

Índice H, autoria e integridade na produção científica

H-index, authorship, and integrity in scientific output

Sergio Rego

Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ. Brasil

Uma das preocupações políticas que com frequência vem ganhando os noticiários dos principais meios de comunicação é a ética na ação política. Pelo menos desde a bem-sucedida campanha pelo impeachment do então presidente Collor, a cobrança de um comportamento que combata a corrupção e as más práticas na política é cada vez mais presente em nosso quotidiano. Páginas e páginas são publicadas em defesa da ética na política e nas relações comerciais. A preocupação com a formação ética proporcionada pelo sistema de ensino também é inegável e está formalmente incorporada tanto nos parâmetros curriculares nacionais para o primeiro e segundo ciclos de formação, como nas diretrizes curriculares aprovadas pelo Ministério da Educação.

No nosso caso e dos demais profissionais de saúde, esta atribuição foi associada de forma inconteste e peremptória ao processo formativo. Muitos ainda discutem de que forma é possível tornar essa associação efetiva. Alguns ainda pensam nas aulas magnas ou na prescrição de comportamentos idealizados, acreditando que a prática não ética possa estar associada ao desconhecimento do que seja considerado certo pela sociedade ou, ao menos, pela nossa corporação. Entretanto, em geral, esta concepção é considerada francamente ultrapassada ou ineficaz.

Nos últimos meses, essa expectativa da sociedade se manifestou no apoio ao chamado projeto da "ficha limpa". Espera-se que apenas candidatos a cargos eletivos que ainda não tenham sido condenados por um colegiado de juízes possam se candidatar. Tal projeto − aprovado com uma emenda que, segundo alguns, pode ter modificado o "espírito" de sua versão inicial − conseguiu canalizar as esperanças de observância desse preceito ético, como as diretrizes curriculares o fizeram em relação ao requisito da formação ética.

Uma das faces do processo de transformação curricular que ocorre em várias escolas médicas desde a última década do século passado é a ênfase na produção científica. Tal ênfase tem estimulado a formação de grupos de pesquisa, ligas acadêmicas e grupos de extensão em nosso meio, além da introdução sistemática desse tema em nossos congressos anuais. O aumento da produção científica, secundária a uma institucionalização maior dos esforços pela produção científica, pode ser constatado pelo volume de trabalhos submetidos a publicação em nossa revista e por aqueles encaminhados para apresentação em nossos congressos e nos demais congêneres. Se é verdade que muitos desses trabalhos são relatos de experiências de ensino ou assistência à saúde, também o é que a qualidade desses relatos melhorou sensivelmente, e hoje já não se admite um relato que não faça também a discussão teórica associada. É também evidente a todos os que se dedicam a conhecer a produção científica em educação médica que vem sendo produzida e divulgada em nossas páginas e nas de outros periódicos que abrem espaço à divulgação das pesquisas em nosso campo, que nossa produção científica, em geral, é de boa qualidade e merecedora da interlocução nacional e internacional.

Entretanto, e por motivos que desconhecemos, muitos de nossos colegas ainda escolhem citar, preferencialmente, os trabalhos publicados no exterior, dialogando pouco com os colegas que publicam nas revistas nacionais. Como a imensa maioria desses artigos publicados em periódicos nacionais ainda não é oferecida no idioma inglês, o diálogo acadêmico não se dá, de fato, com os autores que são mais citados e que publicam em inglês.

Há, por parte da Abem, um crescente esforço para a chamada internacionalização de nossa Associação. Como parte desse esforço, a Rbem decidiu, há quase dez anos, aceitar a publicação de artigos tanto em inglês como em espanhol. Hoje, mais do que antes, este esforço precisa ser intensificado e queremos passar a divulgar, na versão on line no Scielo, pelo menos uma versão na língua inglesa. Em paralelo, a Rbem pleiteia sua indexação em outras bases internacionais, como uma estratégia para sua melhor avaliação pela Capes. Aliás, o modelo de avaliação usado pela Capes foi modificado. Os periódicos não são mais classificados de acordo com seus indexadores, mas de acordo com seus fatores de impacto. Ou seja, quanto mais os artigos de uma revista forem citados em trabalhos publicados, melhor será a avaliação dessa revista. Atualmente, o índice adotado nas avaliações é o chamado "índice H" (para mais informações, consulte http://info.scopus.com/documents/files/scopus-training/resourcelibrary/pdf/FSRPM_PT_0707_a885_FactSheet_RPM_LR.pdf). A avaliação do periódico ainda é feita por cada uma das áreas do conhecimento na Capes, o que faz com que uma mesma revista possa ser classificada como B2 numa área e até mesmo B5 noutra (as classificações agora vão de A1 e A2 – praticamente apenas periódicos estrangeiros a recebem –, de B1 a B5 até C). O que determina a posição da revista é, especialmente, o seu índice H.

É claro que os artigos de uma revista serão tanto mais citados quanto melhor for sua qualidade e, portanto, o fator de impacto e o índice H também refletem a qualidade desses artigos, mas não só. O acesso à revista também é determinante. Ninguém pode citar o que não vê ou não entende. Dessa maneira, um círculo vicioso se instala.

Grande parte de nossas escolas médicas têm uma política de fomento à pesquisa e à publicação científica. Há, entretanto, um tema que nem sempre é adequadamente abordado junto aos nossos estudantes e que deveria fazer parte da temática: a autoria. O campo biomédico tem uma tradição muito ruim no tema: a de incluir como autores chefes de serviço, de laboratório ou professores titulares ou orientadores apenas pelo fato de existirem. Como se houvesse alguma obrigação de incluílos como autores porque estes estariam cuidando da gestão administrativa indispensável para que outros façam pesquisas, como já me foi alegado certa vez.

Nada disso. O conceito de autoria na publicação científica no campo biomédico já não comporta dúvidas. O International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) adotou um conjunto de requisitos para que alguém possa reclamar a autoria de um artigo, e nós, da Rbem, o incorporamos às nossas normas. São eles:

1) contribuições substanciais para a concepção e desenho, aquisição de dados ou análise e interpretação dos dados;

2) participação na elaboração do artigo ou em sua revisão crítica para conteúdos intelectualmente importantes;

3) aprovação da versão final a ser publicada.

Demanda-se que os três requisitos sejam atendidos por todos os que pleiteiem a coautoria de um artigo.

Alguns líderes de grupos de pesquisa questionam a pertinência destes critérios argumentando que uma pesquisa é feita por todo um grupo, e o artigo que resulta deste trabalho coletivo deve abranger todos os que se envolveram nele. Esta é, na verdade, uma falácia. Há que se ter uma diferenciação estrita entre o trabalho que está relacionado à coleta de dados e aquele relacionado à sua análise e sistematização, e sua apresentação organizada e cientificamente apropriada. Todos aqueles que participaram da pesquisa mas não da elaboração do artigo propriamente dito não são autores, mas colaboradores, que devem receber os agradecimentos apropriados no final do artigo. É inaceitável, e deve ser compreendida como fraude acadêmica, a atribuição de autoria a quem não atender a esses três requisitos, independentemente de se tratar de um aluno de graduação, chefe de serviço ou de laboratório ou mesmo do professor titular. Trata-se igualmente de fraude acadêmica os acordos, frequentemente comentados, nos quais colegas, docentes ou discentes incluem seus parceiros como autores de forma sistemática em seus trabalhos e têm este comportamente retribuído com a inclusão do seu nome nos trabalhos dos outros. Esse coleguismo, supostamente justificado como uma resposta à pressão pela publicação (publish or perish), deverá ser sistemática e veementemente condenado por todas as instâncias acadêmicas e corporativas.

Outro problema que ocorre, e não apenas na Rbem, é a tentativa de incorporar um novo nome como autor após já ter sido iniciado o processo de avaliação ou até mesmo após a aprovação do artigo. Tal comportamento também é inaceitável. É pouco provável imaginar que um autor que tenha aprovado a versão final de um artigo não tenha percebido que seu nome não constava como autor. Na experiência da Rbem, isto já ocorreu quando o nome "esquecido" era o do chefe ou do professor titular, ou ainda do orientador. Nesses casos, os autores principais admitiram que os "esquecidos" não haviam participado da redação do artigo, mas que haviam sido cobrados para incluí-los como autores, já que esta era a prática adotada por todos.

A fraude acadêmica deve ser entendida como uma tentativa de burlar os mecanismos de avaliação da produção individual e coletiva e, como tal, deve ser denunciada e sua prática condenada institucionalmente. A qualidade de cada universidade ou faculdade pode também ser avaliada pelas políticas implementadas para o controle das fraudes e manutenção da integridade acadêmica em seus campi.

Assim, espera-se que as discussões sobre integridade em pesquisa não se atenham às óbvias obrigações de não fraudar dados ou análises desses dados durante a prática da pesquisa científica, mas que se estendam ao âmbito da ética na publicação científica. O respeito às normas de atribuição de autoria de trabalhos científicos precisa ser tema obrigatório não apenas na educação médica, como também na prática de seus docentes, pesquisadores e discentes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010
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