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MUDANÇA PERMANENTE DE ATITUDES PROVOCADA PELO LABORATÓRIO DE RELAÇÕES HUMANAS E DE ENSINO

Resumo:

Em 1962, iniciou-se, no Chile, o Laboratório de Relações Humanas e Ensino, em que os professores vivenciavam situações que lhes permitiam uma introspecção em suas atividades de ensino, visando a modificar-lhes as atitudes frente às situações de ensino/aprendizagem. A partir de 1968, implantou-se a experiência na UFRGS, com a participação de cerca de 200 professores da área biológica. Com o objetivo de verificar se as mudanças de atitudes pretendidas se efetuavam, e se permaneciam, foi aplicado, a três professores, um questionário, de 35 itens, antes do laboratório, após o mesmo e três anos mais tarde. A opinião desses professores, acerca de problemas de ensino, foi registrada numa escala de Likert, e a análise estatística dos resultados mostrou diferença significativa entre o pré-teste e o pós-teste, e entre o pré-teste e o pós-teste remoto. Estes resultados indicam que o laboratório é capaz de modificar a atitude dos participantes e que esta modificação permanece pelo menos durante três anos.

Summary:

In 1962, a “Human Relationships and Teaching Laboratory” was developed in Chile, in order to induce teachers to think about their teaching activities with consequent attitude changes in teaching-learning process.

Since 1968, several laboratories were performed in our University, including 200 teachers of biological area. Eight teachers were submitted to a questionnaire before the laboratory (pretest), immediately after the same (immediate postest), and three years later (remote postest) in order to evaluate attitude changes. Teachers' opinions were registred according with a Likert scale for 35 propositions. Statistical analysis showed significant differences only between the pretest and both the postest (immediate and remote), but not between postest immediate and postest remote. These results suggest that laboratory induce attitude changes in the participants and these changes remain for at least three years.

INTRODUÇÃO

Em 1962, foi iniciada, em Santiago-do Chile, uma atividade denominada “Laboratório de Relações Humanas e Ensino Médico”.55. GANZARAIN, R.; GIL, G. & GRASS, K. Human relations and teaching-learning process in medical school. The Journal of Medical Education, 41 (1): 61-9, Jan. 1966. A experiência daquele laboratório foi estendida a outros países da América Latina (Colômbia, México, Brasil, Argentina, Venezuela e Uruguai), com apoio da Organização Pan-Americana de Saúde.

A partir de 1968, um dos participantes do laboratório, em Santiago do Chile, passou a desenvolver atividade similar na UFRGS.44. BUSNELLO, E.D. & ARAÚJO, M.S. Laboratório de relações humanas e ensino na área da saúde. Relato da experiência de Porto Alegre. Revista de Medicina da ATM, Porto Alegre, 7: 797-804, 1972. Os dois primeiros laboratórios, denominados Ensino Médico, foram realizados, principalmente, para professores da Faculdade de Medicina, contando com a participação eventual de docentes de Odontologia e de Enfermagem. A partir do terceiro ano, incluiu docentes da área das Ciências da Saúde, de acordo com as tendências do ensino e da prestação de serviços. Na forma de Laboratório de Ensino na Área de Saúde, foi realizado durante três anos na UFRGS, em Faculdades de Medicina do interior do Estado do Rio Grande do Sul (Santa Maria, Rio Grande e Pelotas) e em Curitiba.

Após a implantação da Reforma Universitária, os laboratórios passaram a ser patrocinados pelo Instituto de Biociências, ampliando-se para “Laboratórios de Ensino na Área Biológica”.

A metodologia do laboratório foi ainda aplicada a outros grupos, tais como: Residentes em Psiquiatria, Residentes em Medicina Comunitária e Monitores do Instituto de Biociências.

Durante o laboratório, que dura aproximadamente 40 horas, os participantes são submetidos a experiências, predominantemente grupais, que lhes permitem repensar suas vivências em situações de ensino-aprendizagem.

Do laboratório, constam as seguintes atividades:

  • grupo de formação (F ou “free”), dirigido por um especialista em psicodinâmica de grupo, onde são trabalhados os fatores emocionais que interferem na situação ensino-aprendizagem, especialmente os que dizem respeito a relações interpessoais;

  • dramatização, onde são simuladas situações reais da vida universitária, tais como reuniões de departamento, colegiado, etc., permitindo que os participantes transfiram suas vivências para as personagens que representam;

  • atividades de comunicação e percepção, que propiciam aos participantes o reconhecimento dos fatores individuais que interferem na emissão e recepção de mensagens;

  • atividades didáticas, nas quais se analisam alguns parâmetros da situação de ensino-aprendizagem, tais como: estilo s de liderança, objetivos de ensino nas áreas afetiva, psicomotora e cognitiva, adequação dos métodos de ensino e de avaliação.

A avaliação objetiva do trabalho desenvolvido durante o laboratório é feita através de pré e pós-testes e os resultados são discutidos por todos os participantes no fórum final.

Desde sua implantação na UFRGS, em 1968, mais de 200 professores da área biológica participaram dos laboratórios.

Com o objetivo de avaliar se o laboratório provoca mudanças significativas de atitudes nos participantes, e se essas mudanças persistem, oito professores foram submetidos à avaliação, antes do laboratório (pré-teste), após o mesmo (pós-teste imediato) e três anos mais tarde (pós-teste remoto).

METODOLOGIA

Oito professores da UFRGS, três homens e cinco mulheres, com idades entre 25 e 30 anos, provenientes dos setores de Bioquímica, Genética, Medicina e Medicina Veterinária, foram avaliados através de um questionário de opinião. Constou este de 35 itens, cujos enunciados correspondiam a proposições sobre ensino­aprendizagem. As respostas eram assinaladas de acordo com a escala de Likert. O questionário foi construído em conformidade com as normas indicadas por Rezler88. REZLER, A.G. Evaluación de actitudes. Cuadernos de Salud Publica, 52: 79-94, 1974.. No quadro 1, encontram-se os exemplos das questões formuladas. Os professores responderam ao questionário antes do laboratório (pré-teste), após o término do mesmo (pós-teste imediato) e após um período de três anos (pós-teste remoto).

QUADRO 1
Exemplos de proposições formulados para avaliação de atitudes

A escala de Likert consta de cinco opções: completo acordo, de acordo, sem opinião, desacordo e completo desacordo. O acordo ou o desacordo indicam a tendência da opinião, enquanto a firmeza é indicada pelo posicionamento em completo acordo ou completo desacordo.

Para efeitos de quantificação, mediu-se a distância entre a resposta dada e a resposta desejada, atribuindo-se valor unitário para cada grau de distância. Por exemplo, se a resposta desejada fosse completo acordo, eram atribuídos valores 0, 1, 2, 3; e 4, se as respostas dadas fossem completo acordo, de acordo, sem opinião, desacordo e completo desacordo. Os resultados foram avaliados, estatisticamente, através da análise de variância e teste OMS de Fischer66. LEVIN, J. Estatística aplicada a ciências humanas. São Paulo, Harper & Row do Brasil, 1978., estabelecendo-se 0,01 como nível de significância.

RESULTADOS

A distância média entre as respostas desejadas e as obtidas através do questionário foi de 1,33 unidades antes da realização do laboratório, caindo para 0,90 imediatamente após, subindo discretamente para 0,96, decorridos três anos. A análise de variância mostrou que a diminuição da distância era significativa ao nível de 1% e que esta distância permanecia inalterada após três anos (tabela 1).

Medindo a mudança de grau de firmeza nas opiniões emitidas pelos professores, através do total de respostas em completo acordo ou completo desacordo, o resultado foi similar (tabela 2). No pré-teste, a média de respostas de acordo ou desacordo completos foi de 6,75 nas 35 questões formuladas (19,30 %). Esta média subiu para 25,25 (43 ,6%), imediatamente após o laboratório, e para 17,12 (48,9%), após três anos. A análise de variância evidenciou que a elevação foi significativa ao nível de 1% e que não mudou significativamente dentro do período de três anos.

TABELA 1
Escores obtidos pelos professores no questionário para avaliação de atitudes nos três momentos descritos
TABELA 2
Comparação entre pré-teste, pós-teste imediato e pós­teste remoto em relação ao número (n) e porcentagem (%) de respostas em “completo acordo” e “completo desacordo” nos 35 itens do questionário para avaliação de atitudes

O número médio de respostas sem opinião no pré-teste foi de 2,75 (7,9 %), reduzindo-se para 0,37 (1,1 %) imediatamente após o laboratório, subindo para 1,37 (3,9%), após um período de três anos. Embora tenha havido tendência para uma maior disposição quanto às questões propostas, esta tendência não foi estatisticamente significante.

DISCUSSÃO

Nos últimos anos, tem-se dado grande ênfase à formulação de objetivos de ensino e sua avaliação. Para facilitar o processo de categorização e avaliação, os objetivos foram classificados em três domínios: cognitivo, psicomotor e afetivo. Tal separação é fictícia, uma vez que qualquer atividade humana compreende aspectos cognitivos, psicomotores e afetivos33. BRUM, R. A. Domínio psicomotor; objetivos e avaliação. Porto Alegre, Sulina, 1975.. Entretanto, grandes esforços têm sido empregados na taxionomia dos objetivos dentro de cada domínio11. BLOOM, B. et alii. Taxionomia de objetivos educacionais. 1 - Domínio cognitivo. Porto Alegre, Globo/UFRGS, 1972.),(22. BLOOM, B. et alii. Taxionomia de objetivos educacionais. 2 - Domínio afetivo. Porto Alegre, Globo, 1972..

Dentre os três domínios, o afetivo tem sido o mais descurado nas escolas, principalmente pela complexidade na formulação dos objetivos e pela dificuldade na sua avaliação. O plano afetivo é considerado por muitos professores e alunos como algo que não possa, ou não deva, ser tocado pelos programas do ensino. Esquecem que “na realidade, a formação de atitudes é um processo contínuo, que tem, provavelmente, uma influência mais profunda no futuro comportamento do que a aquisição de conhecimentos, à qual se dá tanta atenção”77. MILLER, G.E. Objectivos de la enseñanza. Cuadernos de Salud Publica, 52: 29-44, 1974..

Freqüentemente, professores manifestam que as atitudes que esperam de seus alunos só podem desenvolver-se a longo prazo, esquecendo-se de que o tempo necessário para que ocorra mudança de determinada atitude depende da complexidade do comportamento desejado e que isto é válido também para conhecimentos e habilidades.

A avaliação das atitudes depende, em primeiro lugar, do nível ou categoria da atitude pretendida. Assim, os questionários com escalas do tipo Likert ou Osgood são adequados para avaliar a incorporação de atitudes até o nível de sua valorização, ou seja, até o ponto em que o indivíduo expressa opiniões coerentes com a atitude introjetada e mostra preferência por determinadas idéias frente a outras. Entretanto, quando o nível esperado envolve predominantemente uma ação, em conformidade com os valores integrados, a observação do comportamento que reflete a atitude pretendida se torna obrigatória. A maior fonte de críticas quanto ao uso de questionários e escalas de medida tem sido em relação à utilização deste método em avaliações que exijam outros meios de aferição e à valorização inadequada de seus resultados.

A medida mais utilizada nos questionários tem sido a escala de Likert, porque é de construção relativamente fácil, pode ser aplicada a grandes grupos em pouco tempo, pode ser quantificada e é bastante fidedigna.

A validade da escala de Likert tem sido contestada, principalmente porque pode ser falseada, consciente ou inconscientemente, pelos que dela se servem. Fatores tais como a tendência a estar sempre de acordo, ou em desacordo, ou de nunca se comprometer podem ser contornados na elaboração do questionário, ou detectados na avaliação do mesmo, ou ainda, ter seus efeitos reduzidos quando os dados são obtidos em um grupo. Na elaboração do questionário, após vários anos de experiência, procuramos seguir as sugestões de Rezler88. REZLER, A.G. Evaluación de actitudes. Cuadernos de Salud Publica, 52: 79-94, 1974., tornando-o o mais válido possível.

A quantificação dos resultados na escala de Likert apresenta uma séria dificuldade. Atribuem-se valores iguais para as distâncias entre as respostas dadas. Entretanto, não há como estabelecer o devido valor para estas distâncias em um mesmo indivíduo e, muito menos, em diferentes indivíduos.

Não há como assegurar, por exemplo, que, estando um indivíduo de acordo com uma dada proposição, tenha o mesmo valor quantitativo passar a estar plenamente de acordo, ou deixar de ter opinião definida sobre a mesma.

Tal é a dificuldade de quantificar estas distâncias que o critério arbitrário de atribuir valores iguais é tão válido quanto qualquer outro e tem sido usado por vários autores.

No presente trabalho, não houve um grupo­ controle, submetido apenas ao questionário e não ao laboratório. Este grupo, se adequadamente selecionado, poderia servir de controle para as mudanças ocasionadas por fatores ambientais externos ao laboratório. Não se pode negar, todavia, a evidência de que, quando os indivíduos foram tomados como seus próprios controles, houve mudança significativa nas opiniões emitidas imediatamente após o laboratório e que estas mudanças permaneceram pelo menos por três anos.

Assim, pressupondo que a metodologia tenha sido adequada para mensurar opiniões de um grupo de indivíduos e que estas opiniões expressam uma atitude subjacente ao nível da valorização, na taxionomia de Bloom e colaboradores11. BLOOM, B. et alii. Taxionomia de objetivos educacionais. 1 - Domínio cognitivo. Porto Alegre, Globo/UFRGS, 1972., os dados sugerem que é possível organizar atividades de ensino-aprendizagem de curta duração com o objetivo de promover mudanças de valores.

Os autores pensam ser de grande interesse que tais atividades sejam realizadas sistematicamente nas universidades, para preparar os integrantes de suas comunidades acadêmicas para as mudanças que se fazem necessárias.

AGRADECIMENTO

Os autores expressam seu agradecimento ao Prof. Ellis D'Arrigo Busnello pelo auxílio na organização e execução do Laboratório de Relações Humanas e Ensino na Área Biológica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    BLOOM, B. et alii. Taxionomia de objetivos educacionais. 1 - Domínio cognitivo Porto Alegre, Globo/UFRGS, 1972.
  • 2
    BLOOM, B. et alii. Taxionomia de objetivos educacionais. 2 - Domínio afetivo Porto Alegre, Globo, 1972.
  • 3
    BRUM, R. A. Domínio psicomotor; objetivos e avaliação Porto Alegre, Sulina, 1975.
  • 4
    BUSNELLO, E.D. & ARAÚJO, M.S. Laboratório de relações humanas e ensino na área da saúde. Relato da experiência de Porto Alegre. Revista de Medicina da ATM, Porto Alegre, 7: 797-804, 1972.
  • 5
    GANZARAIN, R.; GIL, G. & GRASS, K. Human relations and teaching-learning process in medical school. The Journal of Medical Education, 41 (1): 61-9, Jan. 1966.
  • 6
    LEVIN, J. Estatística aplicada a ciências humanas São Paulo, Harper & Row do Brasil, 1978.
  • 7
    MILLER, G.E. Objectivos de la enseñanza. Cuadernos de Salud Publica, 52: 29-44, 1974.
  • 8
    REZLER, A.G. Evaluación de actitudes. Cuadernos de Salud Publica, 52: 79-94, 1974.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1983
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