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O memorial nos concursos universitários

A elaboração de um memorial é sempre um momento contraditório. À excitação natural de um concurso, que pode representar uma promoção na carreira universitária, associa-se a frustração pela inevitável desigualdade no desenvolvimento das diversas atividades a que rotineiramente se dedica o profissional da universidade.

A vida universitária é cheia de irregularidades em seu desenvolvimento, o que determina idênticas perturbações nas carreiras dos docentes que procuram lhe acompanhar o processo. Se entendemos que a universidade não pode se cingir a um papel estático perante a sociedade inclusiva, por certo ela sofrerá fortes influências que, igualmente, incidirão sobre os perfis de carreira de seus docentes. Na visão de ilustres educadores, a universidade deve exercer funções distintas que, de certa forma, são contempladas nos diversos itens que compõem tradicionalmente os memoriais de concursos para promoção na carreira docente. Trata-se das dimensões da vida universitária a que fazíamos referência acima, quando aludíamos aos perfis da carreira. Temos a firme convicção que só em casos muito especiais os perfis não serão mediados pelas irregularidades da vida universitária e estas pelas da sociedade inclusive. A universidade capacita profissionais para o exercício de funções indispensáveis para impedir o colapso da sociedade e o consegue através do exercício da docência de seus membros, especialmente no nível de graduação. Contribui para a produção do conhecimento e propicia, ao estudante, o convívio com um ambiente que cultua o saber e a sua busca. Consegue-o através do desenvolvimento de atividades de pesquisa de seus docentes e do ensino em geral, notadamente na pós-graduação. Mas deve a Universidade almejar sempre participar do processo de elaboração do projeto de desenvolvimento cultural da sociedade em que está inserida. Contribuirá, assim, para a formulação e transmissão da cultura nacional comum11. TEIXEIRA, A - Educação no Brasil, 2 ed. Cia. Editora Nacional/MED., São Paulo, 1976.. Aqui, torna-se menos claro o mecanismo de atuação e, de resto, tem sido inúmeras vezes apontado o fracasso da universidade no exercício desta função. Contudo, em momentos de crise pode-se identificar claramente a presença da universidade. Cooptada ou rebelde.

Nos últimos anos desenvolveu-se todo um processo que, deitando raízes na crise do modelo econômico nacional, conduziu a um espaço de retomada de papel histórico pela sociedade civil. A universidade foi colhida no vórtice desse processo, travando-se dentro dela uma luta surda representativa da contradição entre rebeldia e cooptação. Nesse período, reiniciou-se, com ênfase, a discussão sobre o poder na universidade. Criaram-se canais de expressão da vontade do corpo universitário, representados fundamentalmente pelas Associações de Docentes. Promoveram-se inúmeros debates, polemizou-se ao extremo, destravou-se a porteira que continha todos os ressentimentos, cultivados por anos a fio de poder discricionário. Poder capaz de afastar do convívio universitário professores ilustres e de impedir o acesso à carreira de elementos jovens, pelo ignominioso delito de “pensar com os próprios neurônios”. Paralizaram-se as atividades universitárias, transformando os diversos “campi” em fóruns de debate, em diversos pontos do país.

Um memorial deve representar a resultante de todas as componentes, conscientemente assumidas. A consciência da distinta intensidade dessas componentes deve, a nosso ver, ser explicita. É inevitável, ao finalizar a elaboração de um memorial, que o autor reflita a respeito das irregularidades de desenvolvimento das atividades. Embora possa parecer impertinência, pois o julgamento é atribuição da comissão examinadora, o autor deve transformar o memorial num momento de reflexão. Especialmente nos casos em que não há defesa pública dos memoriais.

Estas considerações apontam para a firme convicção de que um memorial deve representar muito mais que um simples rol de atividades. Elemento importante e indicador do amadurecimento do autor será a sua auto-avaliação, traduzida nos comentários gerais e particulares nos distintos capítulos. Seguramente os perfis se alteram no curso da carreira profissional e isto não deve ser apenas julgado, deve ser auto-avaliado. Tem sido motivo de ampla discussão, especialmente nas áreas de aplicação (medicina, em particular), a proposta de ordenar, ou hierarquizar, as distintas atividades descritas num memorial. Equivaleria a uma quantificação das dimensões da atuação universitária: ensino, pesquisa, extensão de serviços, administração. Algumas unidades universitárias chegam a estabelecer sistemas de ponderação destas atividades, para atribuição de notas aos memoriais. Existe uma dimensão, geralmente desconsiderada, que diz respeito à participação no processo generoso de construção da sociedade real. E outra, geralmente supervalorizada, correspondente à presença em postos de administração superior das próprias instâncias universitárias.

A discussão em torno da elaboração de memoriais traz embutida a definição do poder na universidade. Numa universidade, como a USP, que concentra o poder nas figuras dos professores titulares - únicos autorizados ao seu exercício - a ascenção acadêmica deixa de ser o resultado estrito da competência técnica e científica, do amadurecimento e diferenciação. Passa a ser contaminada pelo jogo dos interesses de mando e se mostram incapazes de erradicar práticas autoritárias como a da aprovação prévia das inscrições. Não creio que se tenha meditado com suficiente profundidade a respeito desta figura estranha numa universidade sem cátedras, nem catedráticos. Pode-se entender, discordando embora, que uma congregação de catedráticos, detentora do poder absoluto, julgue-se no direito de uma apreciação prévia dos que poderão vir a ser seus pares. A prática das bolas brancas e pretas, própria das sociedades secretas, foi exercida por congregações universitárias até bem pouco tempo, mesmo após a reforma. Numa universidade organizada em institutos, e estes em departamentos, com seus conselhos, é urgente rever os rituais. As confrarias não devem ser misturadas sem riscos: a luta pelo poder burocrático, na universidade, ou fora dela, exige a explicitação de programas de governo, o debate, a escolha demo-

Estas considerações foram motivadas por alguns comentários que nos chegaram a propósito da inclusão - em documento recentemente produzido1 1 CARVALHEIRO, J.R. - Memorial apresentado à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto para concurso de Professor Adjunto, 1980, mimeo. - de uma aparente impertinência: a auto-avaliacão de um memorial apresentado para julgamento, a que chamamos “Um momento de reflexão”, e encerrávamos da maneira mais explícita:

“O presente memorial, reflete a resultante de uma atuação impregnada por duas atitudes conscientes. A primeira, deriva da percepção da urgência de contactos em nível externo, capazes de representar um impulso indispensável ao desenvolvimento do grupo de Medicina Social de Ribeirão Preto não apenas, mas necessariamente, financeiro. Estão aqui incluídas inúmeras das atividades descritas no presente memorial. Nem sempre exercidas com o sucesso almejado, o que não exclui terem consumido horas inteiras de trabalho. A segunda é uma decorrência imediata da concepção desenvolvida ao longo desta reflexão. Seria inadmissível viver o instante da luta pela redemocratização do país como mero espectador. Espectador em incômoda posição, dado o crática, a formação de agrupamentos políticos que apontem candidatos; a ascensão acadêmica tem outra morada, outras regras e ritos, o julgamento não é feito por contagem de votos, mas por apreciação qualitativa, o partido é dispensável e o candidato é sempre de si próprio. Separar essas instâncias é vital, sem o que continuaremos a assistir à ascensão vertiginosa na carreira acadêmica de indivíduos com competência, ou articulação, estritamente burocrática, que apontarão para seus títulos formais quando questionados na vida acadêmica real. Não há o que temer: dentre os quadros internos (do departamento, instituto, universidade) deveria ser escolhido por eleição direta um corpo dirigente (conselho, ou congregação) com um executivo (chefe, diretor, reitor) que melhores condições apresente para conduzir uma proposta de ação que é, necessariamente, técnica e política, por um período definido, à maneira democrática, de saudosa memória. A carreira acadêmica, com reflexos sobre a produção nobre da universidade (nas dimensões apontadas acima), é que deveria estar em julgamento severo por ocasião dos concursos, com rituais aparentemente não democráticos. envolvimento da própria “universidade real” e o apelo dramático que esta fazia à participação. Por várias razões, mas em particular pela luta visando à reintegração dos professores atingidos por atos de arbítrio, a universidade, de certa forma, readquire o brio e a dignidade. Ter vivido este momento, sobre ser um ato de volição, foi extremamente gratificante e não importa a dimensão do aleijume que essa atividade tenha promovido no perfil deste memorial”.

Uma vez que a maioria dos comentários partiu de interessados diretos na ordenação dos itens do memorial, que o buscaram como fonte de referência, transcrevemos aqui o seu sumário. Não consideramos definitiva e ideal a ordenação dos diversos itens, mas foi o resultado da consulta a inúmeros exemplares de memoriais, artigos e sugestões e à própria legislação interna da USP.

SUMÁRIO

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA - Inclui considerações relacionadas com a documentação apresentada, com a época de redação do memorial e com o destaque, exigido pela USP, das atividades exercidas nos últimos cinco anos.

UM MOMENTO DE REFLEXÃO MEMORIAL

1. IDENTIFICAÇÃO

2. FORMAÇÃO

2.1. Formação pré-universitária

2.2. Formação universitária em nível de graduação

2.2.1. Curricular

2.2.2. Atividades extra-curriculares

2.3. Formação universitária após a graduação

2.3.1. Cursos de aperfeiçoamento e extensão

2.3.2. Curso de pós-graduação

2.3.3. Visitas

2.3.4. Bolsas de estudo e/ou viagem

3. CARREIRA PROFISSIONAL

3.1. Carreira médica

3.2. Iniciação científica

3.3. Carreira docente

3.4. Assessoria e Consultorias

4. TÍTULOS DA CARREIRA DOCENTE

5. ATIVIDADES DIDÁTICAS

5.1. Atividades didáticas curriculares

5.1.1. Em nível de graduação

5.1.2. Em nível de pós-graduação

5.1.3. Em nível de especialização, aperfeiçoamento ou extensão universitária

5.2. Atividades didáticas extra-curriculares

5.2.1. Em nível de graduação

5.2.2. Em nível de pós-graduação

5.2.3. Em nível de especialização, aperfeiçoamento ou extensão universitária

5.3. Conferências, palestras e similares

5.4. Elaboração de apostilas, exercícios e outros materiais didáticos

6. ATIVIDADES CIENTÍFICAS

6.1. Participação em congressos, simpósios, seminários, grupos de trabalho, jornadas e outros certames científicos ou culturais

6.2. Trabalhos apresentados em congressos, simpósios, seminários, grupos de trabalho, jornadas e outros certames científicos ou culturais

6.3. Trabalhos de pesquisa e artigos científicos publicados

6.3.1. Resumos e notas prévias

6.3.2. Publicações na íntegra em periódicos

6.3.3. Publicações em livros

6.3.4. Tese de doutoramento

6.3.5. Tese de Livre-docência

6.4. Trabalhos de divulgação científica

6.5. Artigos e entrevistas sobre temas de interesse científico e cultural

6.6. Participação em comissões julgadoras de concursos da carreira docente

6.7. Participação na organização e coordenação de reuniões, jornadas, simpósios e similares

6.8. Participação como crítico editorial de revistas científicas

6.9. Coordenação de Projetos de Pesquisa

6.10. Elaboração de projetos de pesquisa e trabalhos em andamento

6.11. Assessoria científica

7. SOCIEDADE CIENTÍFICA A QUE PERTENCE

8. ATIVIDADES FORMADORAS E DE ORIENTAÇÃO

8.1. Orientação de estudantes de graduação

8.2. Orientação de dissertações de mestrado

8.3. Orientação de teses de doutoramento

8.4. Bolsas de estudos concedidos a orientados

9. FUNÇÕES E CARGOS TÉCNICO ­ ADMINISTRATIVOS

9.1. Cargos eletivos exercidos

9.2. Funções exercidas por designação

9.3. Planejamento, organização e instalação de novos serviços

10. OUTRAS ATIVIDADES (Artifício para incluir atividades difíceis de classificar, insuficientemente documentadas, ou incluídas à última hora)

11. DISTINÇÕES E TÍTULOS HONORÁRIOS

12. RELAÇÃO DOS DOCUMENTOS APRESENTADOS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    TEIXEIRA, A - Educação no Brasil, 2 ed. Cia. Editora Nacional/MED., São Paulo, 1976.
  • 1
    CARVALHEIRO, J.R. - Memorial apresentado à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto para concurso de Professor Adjunto, 1980, mimeo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1982
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