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Determinação de parâmetros físico-químicos com um sensor potenciométrico sensível ao íon p-aminobenzoato

Determination of physical chemical parameters with a potentiometric sensor sensitive to p-aminobenzoate ion

Resumos

Este trabalho descreve a construção e a determinação de parâmetros físico-químicos com um eletrodo de segunda ordem do tipo, Pt|Hg|Hg2(PAB)2|Grafite, sensível ao íon p-aminobenzoato (PAB). O eletrodo é construído facilmente, apresenta um rápido tempo de resposta, é de baixo custo e tem um tempo de vida útil superior a 12 meses. Utilizando o referido eletrodo foi possível estimar os coeficientes de atividade iônica individuais do PAB, a 25ºC, em força iônica ajustada entre 0,700-3,000 mol L-1 com NaClO4, em solução aquosa. O potencial molal padrão do eletrodo determinado a 25ºC é de (445,5 ± 0,5) mV. A constante termodinâmica do produto de solubilidade, T Kps (I=0) do Hg2(PAB)2 determinada com o eletrodo é de (T Kps = 2,50 x 10-12 mol³ L-3 , a 25ºC). Uma característica favorável consiste no fato de que o eletrodo pode ser utilizado para determinar a concentração de íons p-aminobenzoato livres em sistemas complexos de íons metálicos.

sensor potenciométrico; p-aminobenzoato; constante termodinâmica do produto de solubilidade; coeficiente de atividade individual iônico


The paper describes the construction and determination of physical chemical parameters with a second kind electrode, Pt|Hg|Hg2(PABA)| Grafite, sensitive to p-aminobenzoate ion (PAB). Electrode construction is easy, presents a fast response time (30 sec), low-cost, excellent response stability and (lifetime > 12 months, under continuous use). Using of the mercury(I) p-aminobenzoate electrode, the molar single activity coefficient associated with PAB (yPAB) was estimated at 25ºC and ionic strengths between 0.700-3.000 mol L-1 (NaClO4). The standard molal potential of the electrode at 25ºC is 445.5 ± 0.5 mV. The thermodynamic solubility-product constant of mercurous p-aminobenzoate determined with the mentionated electrode , in aqueous solution, at 25ºC was T Kps = 2.50 x 10-12 mol³ L-3 . An important feature of the electrode is that it permits the determination of the concentration of free p-aminobenzoate ions in complex systems of metallic ions.

potentiometric sensor; p-aminobenzoate; thermodynamic solubility-product constant; activity coefficients


Determinação de parâmetros físico-químicos com um sensor potenciométrico sensível ao íon p-aminobenzoato

Determination of physical chemical parameters with a potentiometric sensor sensitive to p-aminobenzoate ion

A. O. Santini; E. S. da Silva Júnior; H. R. Pezza; L. Pezza

Instituto de Química - UNESP - CEP 14800-900 Araraquara - SP - Brasil

RESUMO

Este trabalho descreve a construção e a determinação de parâmetros físico-químicos com um eletrodo de segunda ordem do tipo, Pt|Hg|Hg2(PAB)2|Grafite, sensível ao íon p-aminobenzoato (PAB). O eletrodo é construído facilmente, apresenta um rápido tempo de resposta, é de baixo custo e tem um tempo de vida útil superior a 12 meses. Utilizando o referido eletrodo foi possível estimar os coeficientes de atividade iônica individuais do PAB, a 25ºC, em força iônica ajustada entre 0,700-3,000 mol L-1 com NaClO4, em solução aquosa. O potencial molal padrão do eletrodo determinado a 25ºC é de (445,5 ± 0,5) mV. A constante termodinâmica do produto de solubilidade, TKps (I=0) do Hg2(PAB)2 determinada com o eletrodo é de (TKps = 2,50 x 10-12 mol3 L-3 , a 25ºC). Uma característica favorável consiste no fato de que o eletrodo pode ser utilizado para determinar a concentração de íons p-aminobenzoato livres em sistemas complexos de íons metálicos.

Palavras-chave: sensor potenciométrico; p-aminobenzoato; constante termodinâmica do produto de solubilidade; coeficiente de atividade individual iônico

ABSTRACT

The paper describes the construction and determination of physical chemical parameters with a second kind electrode, Pt|Hg|Hg2(PABA)| Grafite, sensitive to p-aminobenzoate ion (PAB). Electrode construction is easy, presents a fast response time (30 sec), low-cost, excellent response stability and (lifetime > 12 months, under continuous use).

Using of the mercury(I) p-aminobenzoate electrode, the molar single activity coefficient associated with PAB (yPAB) was estimated at 25ºC and ionic strengths between 0.700-3.000 mol L-1 (NaClO4). The standard molal potential of the electrode at 25ºC is 445.5 ± 0.5 mV.

The thermodynamic solubility-product constant of mercurous p-aminobenzoate determined with the mentionated electrode , in aqueous solution, at 25ºC was TKps = 2.50 x 10-12 mol3 L-3 .

An important feature of the electrode is that it permits the determination of the concentration of free p-aminobenzoate ions in complex systems of metallic ions.

Keywords: potentiometric sensor; p-aminobenzoate; thermodynamic solubility-product constant; activity coefficients.

Introdução

O ácido p-aminobenzóico (APAB) é um composto antioxidante produzido em nosso organismo que desempenha importante papel na assimilação do ácido pantotênico, na formação de glóbulos vermelhos, sendo nutriente essencial para as bactérias intestinais atuando como precursor na síntese de ácido fólico [13]. Sua ausência pode causar extrema fadiga, eczema, irritabilidade, depressão, nervosismo, constipação, perturbações digestivas, dores de cabeça, etc.

O APAB é muito empregado em preparações vitamínicas e produtos geriátricos como, por exemplo, o gerovital H3 (GH3) e usado no tratamento de fibroses decorrentes de certas doenças dermatológicas como a doença de peyronie, escleroderma, além de auxiliar o retorno dos cabelos grisalhos à sua cor natural quando a mudança for causada por stress ou deficiência nutricional.[18-19]

Também é empregado na manufatura de vários ésteres (anestésicos locais), de ácido fólico, de corantes e de medicamentos dermatológicos. Além disso, o APAB e seus derivados pertencem a uma categoria muito popular de substâncias (principalmente nos EUA e na Escandinávia) que são apropriadas para filtrar os nocivos raios, UV-B provenientes da radiação solar [3]. A camada de ozônio está sendo destruída gradualmente pelo homem e dentro desse contexto, um agente de proteção solar deve ser usado para minimizar os efeitos causados pela exposição aos raios UV que são nocivos à pele, além de serem agentes carcinogênicos [5.] Portanto, a adição de um agente de proteção solar (como o APAB) aos protetores solares e aos cosméticos como loções, óleos e bálsamos é essencial.

A extração do APAB em cosméticos é feita com solventes e a sua determinação pode ser realizada por vários métodos [41]. Tais métodos são baseados principalmente em cromatografia líquida [24], cromatografia líquida de alta eficiência [20,39] e cromatografia gasosa.[21]

Uma das linhas desse grupo de pesquisa envolve estudos de equilíbrios em solução, cuja finalidade principal é a obtenção de relações matemáticas entre as constantes de formação de sistemas constituídos por íons metálicos e ligantes orgânicos (geralmente carboxilatos) de interesse biológico, farmacológico, ambiental, alimentício [1], etc., em solução aquosa, com a composição e a força iônica (I) do meio.[22,25,30,32]

Dentro desse contexto, torna-se necessário determinar a dependência dos coeficientes de atividade de todas as espécies envolvidas nos equilíbrios com a força iônica do meio [27,30-33]. Uma maneira conveniente e elegante de se atingir tal propósito é através do emprego de eletrodos sensíveis a íons metálicos e de eletrodos sensíveis a ligantes orgânicos.

Os eletrodos sensíveis a ligantes orgânicos (carboxilatos) podem ser empregados em medidas de potencial de uma célula potenciométrica (onde estes, configuram-se como eletrodos indicadores) as quais podem fornecer dados que permitem a determinação do coeficiente de atividade iônica do ligante orgânico correspondente em função da força iônica do meio.

A constante de equilíbrio para uma reação que possa ser potencialmente empregada numa titulação de precipitação pode ser, aproximadamente, deduzida do valor da constante do produto de solubilidade ( Kps ). O Kps relaciona-se especificamente ao equilíbrio que é estabelecido entre um sólido iônico escassamente solúvel e seus íons numa solução saturada do sólido.

Os produtos de solubilidade são, geralmente, determinados por medidas de solubilidade do sólido iônico, no meio de interesse. Tal procedimento não é muito conveniente, uma vez que envolve etapas de filtração e centrifugação. [35]

Um outro método comumente usado na determinação dos valores de Kps envolve o emprego de titulações potenciométricas de precipitação, o qual, embora mais preciso que o anteriormente descrito, também apresenta limitações [23,26].

O presente trabalho mostra o desenvolvimento e aplicação físico-química de um sensor potenciométrico sensível ao íon p-aminobenzoato imobilizado em matriz de grafite (na forma de pastilha prensada) do tipo Pt|Hg|Hg2(PAB)2|Grafite. Medidas potenciométricas com o referido eletrodo em soluções de íons p-aminobenzoato, em função da variação da força iônica do meio (0,700 £ I £ 3,000 mol L-1 em NaClO4 , a 25ºC), possibilitaram a determinação do potencial padrão do eletrodo indicador, da constante termodinâmica do produto de solubilidade (TKps ) do p-aminobenzoato mercuroso, bem como uma estimativa dos coeficientes de atividade iônica individuais do íon p-aminobenzoato.

Procedimento Experimental

Todos os reagentes utilizados na execução do presente trabalho foram de pureza analítica (p.a.). Na preparação e padronização das soluções foi utilizada água destilada e desionizada no sistema NANOpure II (Sybron Barnstead) além de vidraria grau "A". O mercúrio usado foi purificado e destilado em nosso laboratório segundo procedimento anteriormente descrito [27]. Todas as operações foram realizadas em sala climatizada a (25,0 ± 1,0) ºC, onde encontram-se instalados os equipamentos de medida. Todo o resíduo ou solução descartável contendo mercúrio (em qualquer estado de oxidação) foram mantidos em reservatórios apropriados para descarte de metais pesados.

Síntese do p-aminobenzoato mercuroso

O p-aminobenzoato mercuroso foi sintetizado adicionando-se lentamente e, sob agitação, 50,00 mL de uma solução de Hg2(NO3)2 0,644 molL-1 a 100,00 mL de uma solução de p-aminobenzoato de sódio 0,500 molL-1. Deixou-se sob agitação por mais alguns minutos para completa precipitação do sal. O precipitado formado foi filtrado em funil de vidro sinterizado e lavado com água deionizada para eliminar o excesso de p-aminobenzoato de sódio e deixado até completa secagem em dessecador (contendo CaCl2 como secante) à pressão reduzida.

O sal mercuroso obtido, Hg2(PAB)2 , apresentou-se na forma de um fino pó branco e foi utilizado na construção do eletrodo de Pt|Hg|Hg2(PAB)2|Grafite.

Construção do eletrodo Pt|Hg|Hg2(PAB)2|Grafite

A imobilização da pasta sensora Hg|Hg2(PAB)2 em matriz de grafite foi efetuada, partindo-se de aproximadamente 1,30 g de p-aminobenzoato mercuroso, 0,65 g de grafite em pó e 1 gota de mercúrio metálico, sendo os respectivos reagentes misturados e triturados em almofariz de ágata até a obtenção de uma pasta homogênea. Cerca de 0,70 g do pó preparado foi transferido para um molde de aço de 10 mm de diâmetro interno e espessura de 1,5 mm, prensado em um pastilhador Marconi, a 6,5 toneladas-força por 10 minutos. Testes previamente realizados mostraram que a composição 2:1 (p-aminobenzoato-grafite), bem como as condições de pastilhamento acima citadas foram as mais adequadas para a construção do eletrodo de p-aminobenzoato.

A pastilha obtida (de cor preta) pesando cerca de 0,60 g, com um diâmetro interno de 10 mm e espessura de 1,5 mm foi fixada na extremidade de um tubo de vidro com cola de borracha de silicone ("Rhodiastic", Rhodia) e deixada secar por 48 horas. O contato elétrico foi estabelecido através de um fio de platina imerso dentro do poço de Hgº e um subseqüente cabo condutor com um plug do tipo "banana" ou mini-din tipo F conectado a dispositivo de teflon adaptável ao eletrodo e que permite a sua vedação. Pelas características do eletrodo (que é vedado) e pela utilização esporádica de pequenas quantidades de Hgº (sempre manipulado em capela de boa exaustão), pode-se afirmar que a exposição do operador ao Hgº é negligenciável. O eletrodo resultante está esquematizado na Figura 1.


Método utilizado para aquisição dos dados experimentais

As medidas potenciométricas foram realizadas mediante o uso de um pHmetro "Metrohm" 692 (com precisão de ± 0,1 mV), acoplado a buretas de pistão automáticas "Metrohm", mod 665 (com precisão de ± 0,001 mL), utilizando-se uma célula potenciométrica de paredes duplas de vidro ("Metrohm", nº 6.1418.220) termostatizada a (25,0 ± 0,1)ºC. A seguinte célula potenciométrica foi utilizada:

onde: x corresponde a uma determinada concentração de NaPAB (p-aminobenzoato). A força iônica da solução foi mantida constante num determinado valor pela adição de NaClO4.

Os valores experimentais de força eletromotriz, Ecel, numa dada força iônica (Itotal = X molL-1, 0,700 mol L-1 £ X £ 3,000 molL-1 ajustado com NaClO4) foram obtidos pela adição sucessiva de incrementos constantes de volumes (0,200 mL até um total de 5,000 mL) de uma solução 0,100 mol L-1 de p-aminobenzoato de sódio (pH = 7,0, Itotal = X mol L-1 em NaClO4) à uma célula potenciométrica com paredes duplas de vidro contendo 15,000 mL de perclorato de sódio (pH=7,0) e 0,100 mL de p-aminobenzoato de sódio 0,100 mol L-1 (pH=7,0) ambos com força iônica X mol L-1. Após cada adição (t = 30 s) sob agitação contínua, a força eletromotriz da célula descrita foi medida.

Uma pequena quantidade de p-aminobenzoato de sódio foi inicialmente adicionada (0,100 mL; 0,100 molL-1) para promover uma melhor estabilidade de leitura.

O eletrodo de referência utilizado foi Ag/AgCl, NaCl (0,010 mol L-1) de procedência "Metrohm", nº 6.0726.100 de dupla junção (associado a uma ponte salina vertical).

Tratamento dos dados experimentais

A força eletromotriz (Ecel.) da célula pode ser dada por: [6, 31, 32]

Eind = potencial do eletrodo indicador.

Eref = potencial do eletrodo de referência.

Ej = potencial de junção líquida (desprezível nas condições experimentais empregadas).

ou por:

onde:

aPAB = yPAB.[PAB]; yPAB = coeficiente de atividade molar do íon PAB (p-aminobenzoato).

[PAB] = concentração do íon PAB (mol L-1), PAB (p-aminobenzoato).

S = coeficiente angular da curva analítica (coeficiente de Nernst).

(Eº'PAB)o = EºHg2PAB|Hg Eref + Ej , sendo:

Hg2(PAB)2 |Hg = potencial padrão do eletrodo indicador.

Eref = potencial do eletrodo de referência.

Ej = XPAB. [PAB] = potencial de junção líquida (desprezível nas condições experimentais empregadas).[6, 32]

XPAB = coeficiente do potencial de junção líquida.

A equação (1a) pode ser desmembrada:

Considerando-se o potencial condicional da célula como:

Supondo yPAB = constante (quando I = constante e o eletrólito de suporte está presente em concentração suficientemente majoritária), tem-se:

A partir de dados experimentais (-log [PAB], Ecel.) os parâmetros EPABº' e S foram determinados em cada força iônica estudada, mediante método de regressão linear.

A expressão genérica utilizada para obter os valores de log yPAB, válida para misturas de eletrólitos, [14, 30 ,32] é a seguinte :

onde: a,b,c,d... são parâmetros empíricos ou semi-empíricos.

Combinando-se as equações (3) e (5), têm-se:

Dispondo-se de suficientes pares de valores (EPABº', I), foram determinados os parâmetros envolvidos na equação (5) e portanto a dependência entre yPAB e a força iônica do meio a 25ºC.

Através das curvas analíticas experimentais, foi possível estimar o valor do potencial formal da célula (Eº'cel = Eº'PAB) para cada valor de I, empregando-se a equação (4). A representação gráfica dos pares (Eº'PAB,I) permite o ajuste de uma equação matemática que represente a variação dos Eº'cel = Eº'PAB com a força iônica do meio, cuja extrapolação para I = 0 fornece o valor (Eº'cel) o = (Eº'PAB) o

Quando I = 0, gCl- = 1 e aCl- = CCl-. Assim, nas condições experimentais empregadas (CCl- = 0,010 mol L-1) o potencial do eletrodo de referência (Ag|AgCl) é: Eref = 340,5 mV.

Portanto, o valor do potencial padrão do eletrodo indicador (p-aminobenzoato) pode ser determinado pela equação (7), e conseqüentemente o valor de TKps (termodinâmico) do p-aminobenzoato mercuroso a partir de EºHg½Hg2(PAB)2 e do EºHg2+/Hg (790 mV), utilizando-se a equação[28]:

Resultados e discussão

O tempo de resposta do eletrodo é de 30 segundos, e foi determinado segundo experimento descrito anteriormente[34].

As curvas analíticas foram obtidas para cada força iônica estudada, e após o ajuste pelo método de regressão linear, chegaram-se às equações e aos intervalos de concentração de p-aminobenzoato para cada força iônica. Embora a faixa linear do eletrodo seja mais ampla (5,0 x 10-4 mol L-1 a 1,0 x 10-1 mol L-1), empregou-se uma faixa mais estreita de concentração nos experimentos físico-químicos com o objetivo de diminuir o tempo necessário para a construção das curvas analíticas do eletrodo. Os dados obtidos são apresentados na tabela 1.

Com os dados das equações das curvas de calibração, chegou-se à seguinte relação matemática (equação 6):

onde:

(Eº'PAB)o = (104,9 ± 0,5) mv

A partir da equação (9) e do valor médio de S = 57,2 ± 2,5 mV/dec tem-se que:

Assim a equação (10) expressa a dependência matemática entre o coeficiente de atividade do íon p-aminobenzoato (log yPAB) (na escala molar) e a força iônica (I) para o intervalo estudado.

O ajuste da equação (9) aos pontos (EPABº', I) para o sistema NaPAB-NaClO4 pode ser verificado na figura 2.


Utilizando-se a equação (10) e calculando yPAB para cada valor de força iônica, obtiveram-se uma estimativa dos respectivos valores dos coeficientes de atividade iônica individuais, para o íon p-aminobenzoato em meio de NaClO4 aquoso, no intervalo de força iônica estudado, conforme mostram os dados da tabela 2.

A literatura [18,36] preconiza que em casos de força iônica elevada os coeficientes de atividades para algumas espécies crescem e podem tornar-se maior que a unidade. Observando-se os dados da Tabela 2, verifica-se que os coeficientes de atividade são maiores que a unidade e que o eletrólito inerte (NaClO4) exerce um efeito salino apreciável sobre o coeficiente de atividade do íon p-aminobenzoato. Comportamento semelhante foi observado para os sistemas HAc-NaAc-NaClO4 [27] e HClO4 - NaClO4 [4, 32] .

Não deve causar estranheza o fato de que o comportamento dos yPAB em soluções salinas concentradas de NaClO4 não seja o mesmo que o predito pela teoria de Debye-Hückel em soluções aquosas diluídas. No sistema estudado (NaPAB - NaClO4, I = 0,700 - 3,000 mol L-1 ) o solvente não é exatamente a H2O , mas uma mistura de H2O e NaClO4 e outros tipos de interações como as interações íon-solvente, bem como as especificidades dessas interações devem ser consideradas [9,11,17,37]. Portanto, o modelo de Debye - Hückel , seja na forma de sua equação clássica, seja na forma de suas equações estendidas, não é adequado para interpretar o comportamento de tais sistemas. Devido a dificuldade de se interpretar o comportamento de sistemas envolvendo misturas de eletrólitos em força iônica elevada, Gordon [14] propõe que o coeficiente de atividade de uma espécie i na presença de um excesso de um sal inerte ( yi ) é melhor avaliado por uma equação empírica do tipo da equação (5) empregada nesse trabalho. Estudos realizados por nosso grupo de pesquisa com sistemas similares ao estudado nesse trabalho demonstraram que a equação empírica proposta por Gordon é bastante adequada para se estimar os yi em tais sistemas [6,27,28,30-33].

É importante ressaltar que por um longo tempo a avaliação de propriedades individuais iônicas foi desencorajada, em virtude de prevalecer a opinião ortodoxa de que quantidades inacessíveis por termodinâmica exata como as atividades, energias de solvatação, etc. eram desprovidas de significado físico e utilidade prática [16]. A ampla utilização de uma quantidade "inexata" como o pH contribuiu mais que qualquer outro fator para a reavaliação dessa posição extrema [2] .

Os proponentes da "termodinâmica individual iônica" concordam que propriedades de íons individuais tais como atividades, coeficientes de atividades, energias de solvatação etc. não podem ser "exatamente avaliadas". Todavia, eles defendem uma estimativa das mesmas, alicerçados no fato de que tal estimativa pode fornecer valiosas informações físico-químicas que não podem ser obtidas por outros meios. Um dos grandes defensores do restabelecimento do significado físico de atividades individuais iônicas foi Frank [12]. Segundo o referido autor, apesar das incertezas inerentes envolvidas na estimativa de propriedades individuais iônicas as vantagens mostram-se consideráveis na reabertura da investigação e interpretação dos fenômenos de solução iônica.

Na opinião de Strehlow [38], a "termodinâmica individual iônica" é um ramo legítimo da físico-química já que provou ser capaz de fornecer predições e correlações corretas de fatos experimentais. Tal opinião foi referendada por trabalhos posteriores de renomados pesquisadores como Conway [8] , Trasatti [15] , Umezawa [40] , Sammartano [4,10] ,etc.

Os resultados obtidos por diversos autores [4,10,29,40] e por nosso grupo de pesquisa [6,27,28,30-33] demonstram cabalmente que o coeficiente de atividade de um íon individual pode ser estimado por um eletrodo íon seletivo.

Por meio da equação (7), foi possível determinar o valor do potencial padrão do eletrodo indicador, Eº Hg2(PAB)2½Hg = (445,4 ± 0,5) mV a (25,0 ± 0,1)ºC, que convertido para escala molal, resultou em Eº Hg2 (PAB)2 ½Hg = (445,5 ± 0,5) mV a (25,0 ± 0,1)ºC. A partir desse valor, do valor de EºHg2+ | Hg (790 mV) 28 foi possível através da equação (8) determinar a constante termodinâmica do produto de solubilidade do p-aminobenzoato mercuroso, TKps , (Tabela 3), que é inédita na literatura indexada.

Os resultados descritos na tabela 2 e na tabela 3, demonstram claramente que o eletrodo de p-aminobenzoato, mostra-se bastante adequado para fornecer uma estimativa dos yPAB (coeficientes de atividade do íon p-aminobenzoato) na presença de um excesso de eletrólito inerte (NaClO4) ,bem como, na determinação de parâmetros físico-químicos como o TKps do p-aminobenzoato mercuroso e o Eº Hg2(PAB)2½Hg (potencial padrão do eletrodo na escala molal vs eletrodo padrão de hidrogênio).

Um outro aspecto importante é que o eletrodo desenvolvido pode ser aplicado em estudos quantitativos de equilíbrios em solução, uma vez que ele pode ser utilizado para se determinar a concentração de ligante livre ( [L] = [p-aminobenzoato] ) em meio iônico constante ( isto é, quando I = constante e o eletrólito de suporte está presente em concentração suficientemente majoritária). Conhecendo-se o valor de [L] é possível o acesso direto às constantes de estabilidade de complexos envolvendo p-aminobenzoato e íons metálicos.

Além disso,o emprego dos yPAB juntamente com parâmetros anteriormente obtidos30,32 (yH, yPb, yCd, yCu ), abre várias possibilidades em estudos de equilíbrio de complexos em solução,tais como:

a) Encontrar equações matemáticas simples que possibilitem a interconversão das constantes de estabilidade de complexos binários 1:1 envolvendo p-aminobenzoato e alguns metais bivalentes para qualquer valor de I dentro do intervalo estudado (0,700 a 3,00) mol L-1.[30-32]

b) Estimar as constantes termodinâmicas dos referidos complexos .[30,32]

Outro aspecto relevante é o fato do referido eletrodo monitorar diretamente as atividades do íon p-aminobenzoato, o que possibilita que medidas farmacocinéticas (metabolismo, excreção urinária, etc...) e de biodisponibilidade sejam realizadas.

Estudos visando o emprego analítico desse eletrodo na determinação de PABA em formulações farmacêuticas, encontram-se atualmente em andamento.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Fapesp e a Fundunesp pelos suportes financeiros ao grupo de pesquisa e ao CNPq pelas bolsas concedidas.

Recebido em: 29/05/03

Aceito em: 17/07/03

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2004
  • Data do Fascículo
    2004

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2003
  • Aceito
    17 Jul 2003
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