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Mecanismos químicos e mineralógicos de transformação da magnesioferrita de solo derivado de tufito, da região do Alto Paranaíba, MG

Chemical and mineralogical mechanisms related to the transformation of magnesioferrite, in a soil forming on tuffite in Alto Paranaíba, MG

Resumo

Magnetic soils forming on tuffite of the region of Alto Paranaíba, Minas Gerais, Brazil, usually contain iron-rich spinels exceptionally rich in magnesium and titanium. In this work, samples of the magnetically separated portion from the sand fraction of a Brunizém (Chernossolo) and from its mother-rock material were analyzed with synchrotron X-ray diffraction and 57Fe-Mössbauer spectroscopy. Magnesioferite (MgFe2O4) and maghemite (its pure non-stoichiometric spinel structure, Fe8/3 ⊕ 1/3 O4, where ⊕ = cation vacancy, corresponds to γFe2O3) were the magnetic iron oxides so identified. Basing on these data, a consistent chemical-mineralogical model is proposed for the main transformation steps involving these iron oxides in the pedosystem, starting on magnesioferrite to finally render hematite (αFe2O3), passing through maghemite as an intermediate specie.

synchrotron light; maghemite; Mössbauer; iron oxide


synchrotron light; maghemite; Mössbauer; iron oxide

ARTIGO

Mecanismos químicos e mineralógicos de transformação da magnesioferrita de solo derivado de tufito, da região do Alto Paranaíba, MG

Chemical and mineralogical mechanisms related to the transformation of magnesioferrite, in a soil forming on tuffite in Alto Paranaíba, MG

Fernando Dias da SilvaI,** e-mail: fernando.silva@unipam.edu.br; Antonio Taranto GoulartI; Paulo Rogério da Costa CouceiroII; José Domingos FabrisIII

I

IIDepartamento de Química, Universidade Federal do Amazonas, 69077-000 Manaus - AM, Brasil

IIIDepartamento de Química, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal de Minas Gerais, 31270-901 Belo Horizonte - MG, Brasil

ABSTRACT

Magnetic soils forming on tuffite of the region of Alto Paranaíba, Minas Gerais, Brazil, usually contain iron-rich spinels exceptionally rich in magnesium and titanium. In this work, samples of the magnetically separated portion from the sand fraction of a Brunizém (Chernossolo) and from its mother-rock material were analyzed with synchrotron X-ray diffraction and 57Fe-Mössbauer spectroscopy. Magnesioferite (MgFe2O4) and maghemite (its pure non-stoichiometric spinel structure, Fe8/31/3 O4, where ⊕ = cation vacancy, corresponds to γFe2O3) were the magnetic iron oxides so identified. Basing on these data, a consistent chemical-mineralogical model is proposed for the main transformation steps involving these iron oxides in the pedosystem, starting on magnesioferrite to finally render hematite (αFe2O3), passing through maghemite as an intermediate specie.

Keywords: synchrotron light; maghemite, Mössbauer; iron oxide.

INTRODUÇÃO

Tufitos são rochas resultantes da deposição, compactação e cimentação de materiais piroclásticos (cinzas e poeiras vulcânicas). A origem vulcânica confere textura, estrutura e demais aspectos comparáveis a outras espécies de depósitos sedimentares clástico-magmáticos, classificados como rochas ígneas extrusivas.1 São materiais friáveis e porosos, que tendem a produzir espessos mantos de material intemperisado.2

Os tufos vulcânicos distribuídos na região do Alto Paranaíba formam a litologia de tufito, com expressiva variabilidade, tanto vertical quanto horizontalmente, em termos de composição química e mineralógica.3 Os solos derivados de tufito da região contêm espinélios de ferro excepcionalmente ricos em magnésio e titânio.4,5 As frações grosseiras do solo derivado tendem a preservar proporções variáveis de minerais magnéticos, especificamente magnetita e maghemita.6-9 Recentemente, foi ineditamente identificada e descrita a magnesioferrita (MgFe2O4) desse litodomínio, com magnetização de saturação, σ = 21 J T-1 kg-1. 10-12

O presente trabalho foi dedicado à caracterização, na busca de um modelo plausível de transformações envolvendo óxidos de ferro isoestruturais ao espinélio (maghemita e magnesioferrita), de materiais separados de uma amostra de solo (horizonte C) e de seu material de origem (tufito consolidado), coletados na região do Alto Paranaíba, MG.

PARTE EXPERIMENTAL

Foram coletadas duas amostras, uma de solo, classificado como Brunizém (Chernossolo - horizonte CR), de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos,13 e outra de tufito consolidado (rocha), no município de Patos de Minas (coordenadas geográficas do sítio de amostragem, 18º 39'32,9" S e 46º 16' 53,5" O), região do Alto Paranaíba, no estado de Minas Gerais.

A amostra de solo foi desagregada manualmente, seca ao ar e passada em peneira com malhas de 2 mm de abertura, obtendo-se a fração terra fina seca ao ar (TFSA). Da TFSA, foi obtida a fração areia (diâmetro médio, Φm = 0,05 a 2 mm), por tamisação em peneira com malha de 0,05 mm e lavagens sucessivas com água destilada. A amostra de tufito (material consolidado/ rocha) foi triturada em gral de aço inoxidável não-magnético. Porções de grãos magnéticos das amostras de areia do solo e de material consolidado triturado foram magneticamente separadas, com um ímã de mão, e lavadas por várias vezes, com água. Os materiais assim obtidos, rotulados AP (concentrado magnético da fração areia do solo) e TC (concentrado magnético do tufito consolidado/rocha), foram efetivamente estudados neste trabalho. As amostras AP e TC foram quimicamente tratadas com ditionito-citrato-bicarbonato de sódio (DCB),14 visando a eliminar ou a reduzir o teor de hematita presente. Para as análises químicas, realizadas em triplicata, procedeu-se à dissolução mediante fusão alcalina, utilizando-se uma mistura equimolar de Na2CO3 + K2 CO3 em cadinhos de platina, de cerca de 0,1 g (precisão analítica) da amostra, a 1000 ºC, por 1 h, seguida da solubilização do resíduo com a adição de HCl (6 mol L-1) e filtração. O filtrado foi volumetricamente aferido para 250,0 mL. O teor de Fe total foi quantificado por dicromatometria (titulação com K2Cr2O7 a 0,02 mol L-1), após tratamento da solução final com NH3(aq), para se eliminar a interferência da platina.15 O teor de SiO2 foi determinado gravimetricamente, por fluorização do resíduo da fusão, em cadinho de platina, sob aquecimento em banho de areia, e posterior calcinação em mufla, a 1000 ºC.16 A quantificação elementar de Al, Ti, Ca, Mg, Mn e Ni foi feita em espectrômetro de absorção atômica marca Hitachi Z-8200, equipado com um corretor de fundo, por efeito Zeeman polarizado, e a de Na e K, em fotômetro de chama modelo CELM FC-180. As medidas de magnetização de saturação (σ) foram realizadas em um magnetômetro portátil, a campo magnético fixo de 0,3 tesla.17 Os difratogramas de raios X foram coletados no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS, Campinas, SP). Os difratogramas foram numericamente ajustados, com base no refinamento estrutural pelo algoritmo Rietveld,18 utilizando-se o programa FullProf,19 com a função pseudo-Voigt. Adotou-se a estrutura cristalográfica cúbica, grupo espacial Fd3m, para os óxidos de ferro com estrutura do espinélio. Foram refinados os parâmetros de célula unitária, térmico isotrópico, escala, linha de base (função polinomial de 4 coeficientes), largura de linha a meia altura, FWHM2 = Utg2θ + Vtgθ + W (fórmula de Caglioti),20 forma e assimetria das reflexões, origem zero para escala de varredura 2θ e coordenada espacial do ânion, na estrutura cristalina.

Os espectros Mössbauer foram coletados a 298 K (temperatura do ambiente) e a 110 K (criostato de banho de nitrogênio líquido), em montagem convencional de transmissão, com uma fonte de 57Co/Rh, de ~30 mCi. A massa da amostra para a medida foi estimada para conter ~10 mg Fe cm-2. Os deslocamentos isoméricos foram corrigidos em relação ao αFe, padrão também usado para a calibração da escala de velocidade Doppler. Os dados foram ajustados numericamente com funções lorentzianas, pelo método dos mínimos quadrados, utilizando-se o programa de computador NORMOSTM-90.21

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A composição química das amostras AP e TC são apresentadas na Tabela 1. Os altos teores de ferro, expressos na base de óxido, da ordem de 74,6 massa% e 75,5 massa% Fe2O3, respectivamente, para as amostras TC (rocha) e AP (solo), estão condizentes com a natureza das amostras estudadas, que são constituídas, essencialmente, por óxidos de ferro.

Na Tabela 2, são apresentados os valores de magnetização de saturação para os concentrados magnéticos das amostras tratadas com DCB14 e das sem tratamento químico. Observa-se aumento significativo da magnetização, pelo tratamento com DCB, em relação àquelas sem tratamento, da ordem de 20 a 30%, para as amostras de TC e AP, respectivamente. Estes resultados não surpreendem, na medida em que o tratamento químico concentra seletivamente óxidos de ferro magnéticos, como maghemita e magnesioferrita.

O difratograma de raios X (método do pó), obtido para a amostra TC (Figura 1), apresenta picos de difração que permitem identificar a presença de óxidos de ferro com estrutura de espinélio, como a magnesioferrita (Mf) e a maghemita (Mh).10,11 Uma vez que os picos relativos a esses minerais, principalmente a menores ângulos, são bastante coincidentes (ambos têm estrutura cúbica), foi feita a decomposição do reflexo de maior intensidade, relativo ao plano (311), usando-se a função Voigt (Figura 1), o que permitiu atribuir reflexões, a ângulos menores, à magnesioferrita22 (ficha JCPDS (1980) número 36-0398, dimensão característica da célula unitária cúbica, a = 0,83873(6) nm) e, a ângulos maiores, à maghemita (ficha JCPDS (1980) número 39-1346, dimensão característica da célula unitária cúbica, a = 0,83512(6) nm). Os picos de difração de raios X da amostra AP (Figura 2) também foram comparados com dados referentes à magnesioferrita e à maghemita. O reflexo que ocorre entre os ângulos 2θ, 34,2º a 34,9º, correspondente ao plano (311), da maghemita e da magnesioferrita, foi decomposto e os resultados (Figura 2) descartam a ocorrência de hematita, no material analisado.



O espectro Mössbauer da amostra TC obtido a 298 K (Figura 3) foi ajustado com um modelo de decomposição em quatro subespectros: três sextetos, devidos a acoplamento hiperfino em estruturas magneticamente ordenadas, e um dupleto, pouco intenso, (super)paramagnético. Os parâmetros correspondentes das fases magnéticas são mostrados na Tabela 3. O subespectro com deslocamento isomérico δ = 0,34 mm s-1 e campo hiperfino Bhf = 48,90 tesla é atribuível à maghemita,23,24 enquanto os outros dois, com deslocamentos isoméricos δ = 0,38 e 0,37 mm s-1 e campos hiperfinos Bhf = 44,5 e 46,6 tesla, são característicos de íon férrico alto spin e correspondem, respectivamente, aos sítios de coordenação octaédrica e tetraédrico da magnesioferrita.10,11,25 A falta de evidência espectral característica de Fe2+ ou de ferro de valência mista (Fe2,5+) exclui a ocorrência de magnetita.


O espectro Mössbauer obtido para a amostra AP a 298 K (Figura 3) mostra sextetos bastante complexos, com padrão espectral de linhas largas e assimétricas. O espectro foi ajustado com três subespectros magnéticos, definidos por linhas de ressonância lorentzianas e, simultaneamente, por distribuição de campo hiperfino (Figura 3). Os parâmetros hiperfinos assim obtidos são apresentados na Tabela 3. Os três subespectros magnéticos para Fe3+ resultaram em Bhf = 47,70 e 49,06 tesla correspondentes, respectivamente, aos sítios de coordenações tetraédrica e octaédrica da magnesioferrita, e outro, com valor médio Bhf = 50,47 correspondente aos sítios de coordenações tetraédrica e octaédrica, da maghemita.10,11,26,27 Um quarto subespectro, mais largo e assimétrico, para o qual a distribuição de campo hiperfino revela um valor médio provável entre Bhf = 44,4 e 47,0 tesla, pode ser resultante da mistura de fases magnesioferrita + maghemita, de pequenos tamanhos de partículas,23 com redução de campo resultante do fenômeno de excitação magnética coletiva.28 Mesmo para a amostra AP, não foi encontrada evidência espectral da presença de hematita, que seria, presumivelmente, o produto final, na escala de intemperização dos minerais magnéticos encontrados (maghemita e magnesioferrita). Isso pode ser atribuído ao tratamento químico com DCB,14 a que foram submetidas as amostras. Admitindo-se, inicialmente, que ambas as espécies magnéticas presentes nas amostras apresentem comportamentos químicos similares, frente ao tratamento, o enriquecimento relativo, quando se vai da rocha para o solo, observado das áreas espectrais Mössbauer, permite sugerir ser a maghemita mais estável do que a magnesioferrita frente à ação da mistura DCB.

As medidas Mössbauer a baixa temperatura dão informações mais detalhadas sobre as estruturas hiperfinas dos óxidos de ferro magnéticos. No presente estudo, a primeira análise, ainda qualitativa, do espectro Mössbauer a 110 K para a amostra TC (Figura 4) revela o ordenamento magnético de parte da estrutura superparamagnética, observada à temperatura do ambiente, através da diminuição da intensidade do dupleto central.23 Para essa temperatura, o ajuste numérico foi realizado com cinco subespectros: um dupleto, atribuído a Fe3+, pouco intenso, (super)paramagnético, e dois sextetos atribuíveis a Fe3+ na estrutura da magnesioferrita, um com deslocamento isomérico δ = 0,45 mm s-1, em relação ao aFe, e Bhf = 51,60 tesla, correspondente ao sítio de coordenação octaédrica e outro com δ = 0,34 mm s-1 e Bhf = 52,98 tesla, atribuído ao sítio de coordenação tetraédrica. Dois outros sextetos são atribuíveis, respectivamente, aos sítios de coordenação tetraédrico e octaédrico da maghemita, com deslocamentos isoméricos de δ = 0,34 e 0,32 mm s-1 e campos hiperfinos de Bhf = 49,48 e 50,70 tesla, respectivamente.


Considerando-se os parâmetros Mössbauer e a hipótese da ocorrência de magnesioferrita relativamente pura e estequiométrica nesse tufito, pode-se alocar o ferro e o magnésio nas proporções molares equivalentes à fórmula Fe2MgO4. Para a maghemita, considerando-se as possíveis substituições isomórficas, a composição será correspondente à formula , em que Mc+ representa os cátions substituintes isomórficos, ⊕ são vacâncias catiônicas e x + y + z = 3. Com base nas áreas espectrais Mössbauer e do difratograma de raios X, distribuiu-se, igualmente, a proporção de ferro encontrada pelas análises químicas, entre as duas espécies. A alocação da fórmula química leva a:29

A relação de áreas espectrais relativas encontrada para os sítios de coordenações tetraédrica [T] ([AR]) e octaédrica {M} ({AR}), para esta magnesioferrita, é de 1. A fração livre de recuo, para o ferro em valência mista, no sítio cotaédrico (f{M}) é 6% menor do que a do sítio tetraédrico (f[T]), para a da magnetita à temperatura do ambiente.26 Na consideração de que a mesma diferença seja aplicável à magnesioferrita, a proporção molar de ocupação catiônica, nos dois sítios de coordenação será dada pela Equação 1

Assim, os dados correspondentes ao concentrado magnético do tufito (Tabela 1) inseridos na Equação 1 levam à razão 1,05, para a magnesioferrita. A partir desta relação, a Fórmula 1 tem a seguinte distribuição iônica:

Considerando-se os demais cátions da Tabela 1, incluindo a parte residual de Fe3+ e de Mg2+, após a locação na magnesioferrita, como também os valores das áreas espectrais Mössbauer, e a relação 127, é possível propor para a maghemita estudada a seguinte composição:

A análise qualitativa do espectro Mössbauer do concentrado magnético do solo derivado de tufito (amostra AP) tratado com DCB, a 110 K (Tabela 4 e Figura 4) revela também o ordenamento magnético de parte da fração superparamagnética, observável pela diminuição da intensidade do dupleto central e do aumento das áreas dos sítios cristalinos, como já observado anteriormente para a amostra TC. O ajuste do espectro Mössbauer da amostra a essa temperatura foi realizado com o emprego de cinco subespectros: um dupleto pouco intenso, atribuído a Fe3+, (super)paramagnético, dois sextetos atribuíveis a Fe3+ na estrutura da magnesioferrita, com deslocamento isomérico, em relação ao αFe, δ = 0,44 mm s-1 e Bhf = 52,95 tesla, correspondente ao sítio de coordenação tetraédrica e outro, com δ = 0,40 mm s-1 e Bhf = 51,67 tesla, atribuído ao sítio de coordenação octaédrico do mineral. Dois outros sextetos, com campos hiperfinos, Bhf = 50,35 e 50,80 tesla, são correspondentes à maghemita. Observa-se a presença de um quinto subespectro com Bhf = 47,20 tesla, que pode ser atribuído a óxidos de ferro com partículas de tamanhos tão pequenos, a ponto de não atingirem o completo bloqueio da excitação magnética coletiva.28

O refinamento estrutural Rietveld da amostra AP é mostrado no difratograma de raios X numericamente ajustado da Figura 5. Para este refinamento, foram adotados dados dos modelos estruturais da magnesioferrita e da maghemita reportados na literatura.26 Para maior refinamento do difratograma, usou-se a função Thompson-Cox-Hastings pseudo-Voigt * Axial divergence asymmetry, o que levou a uma melhor descrição das intensidades das fases individuais, indicadas pelo menor fator de χ2 = 3,96, para o concentrado magnético do solo. Os desvios dos fatores Rb e Rf de cada fase e os parâmetros finais do ajuste são mostrados nas Tabelas 5 e 6.


A análise quantitativa estimada da fração molar percentual magnesioferrita:maghemita para a amostra AP, a partir do refinamento Rietveld, é 51,3:48,7, que é próxima à relação obtida através da difração de raios X e das áreas Mössbauer.

Com base no refinamento estrutural, foi possível estabelecer a distribuição iônica na magnesioferrita. A fórmula estimada para a mesma foi

Este resultado é comparável ao obtido das análises químicas e da espectroscopia Mössbauer (Fórmula 3), exceto quanto a um pequeno desequilíbrio de cargas, provavelmente devido a uma deficiência de Fe3+, no sítio octaédrico, levando à relação Fe3+/Mg2+ = 1,98, e não a ideal, Fe3+/Mg2+ = 2, que seria esperada para uma estrutura estequiométrica. Como consequência, surgem vacâncias, aqui alocadas no sítio octaédrico.30

O parâmetro de rede da célula cúbica da magnesioferrita, presente na amostra AP, obtido por meio do refinamento Rietveld, é a = 0,837563(2) nm. Silva et al.11 estudando o concentrado magnético de um tufito (material de origem do solo estudado), ineditamente caracterizaram magnesioferrita nesse mesmo material, obtendo através do refinamento Rietveld parâmetros de rede da ordem de a = 0,83793(3) nm. A dimensão reportada de célula unitária cúbica para uma magnesioferrita sintética é a = 0,8387(6) nm (ficha JCPDS (1980) número 36-0398). Observa-se uma diferença de 0,14%, quando se compara a magnesioferrita sintética com aquela encontrada no solo estudado e de 0,05% quando se compara a magnesioferrita encontrada por Silva et al.11 à encontrada na amostra de solo, do presente estudo. Comparando-se os parâmetros de rede da magnesioferrita com os da maghemita (ficha JCPDS (1980) número 39-1346, dimensão característica da célula unitária cúbica, a = 0,83512(6) nm), ambas estequiométricas, observa-se uma diferença de 0,43%, quando se vai da magnesioferrita para a maghemita. Da magnesioferrita encontrada no solo para a maghemita estequiométrica há uma diferença de 0,28%. Estes valores sugerem que durante os processos intempéricos, a magnesioferrita tende a uma maghemita com alto teor de substituição do ferro por magnésio (MgFe2O4gγMgxFe2-xO 3), mais genericamente nominável, uma Mg-maghemita4-5. Silva et al.,10 estudando um perfil de solo desenvolvido de tufito, observaram diminuição do tamanho de partículas e das áreas espectrais Mössbauer da magnesioferrita, quando se vai da base para o topo do perfil, com consequente aumento das áreas espectrais da maghemita e da magnetização de saturação do material, sugerindo, também, o mesmo caminho de transformação da magnesioferrita, como proposto neste trabalho.

CONCLUSÕES

A análise mineralógica do concentrado magnético do tufito (TC) tratado com a mistura ditionito-citrato-bicarbonato (DCB), para o qual a magnetização de saturação medida foi σ = 14,0 J T-1 kg-1, mostra a ocorrência de maghemita rica em magnésio e de magnesioferrita, em proporções aproximadamente equimolares, que respondem pela magnetização observada do pedomaterial. A análise da amostra do solo derivado, AP (σ = 44,7 J T-1 kg-1), tratada com DCB, revelou a presença também de magnesioferrita e de maghemita. A partir dos parâmetros de rede cristalográfica cúbica, obtidos por refinamento estrutural Rietveld para a magnesioferrita (a = 0,83756(3) nm) e para a maghemita (a = 0,83575(2) nm), das amostras, propõe-se um modelo geral de transformação destes óxidos de ferro, em que a magnesioferrita tende a uma maghemita com alto teor de substituição do ferro por magnésio (MgFe2O4gγMgxFe2-xO 3). A magnesioferrita é, neste modelo, o mineral precursor pedogenético da maghemita, até a hematita, no pedossistema derivado de tufito: MgFe2O4gγMgxFe2-xO 3gαFe2O3 .

AGRADECIMENTOS

À CAPES, ao UNIPAM, ao CNPq e à Fapemig pelo apoio financeiro. Ao Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), em particular ao Dr. F. F. Ferreira por todo apoio na obtenção dos difratogramas de raios X.

Recebido em 13/11/08; aceito em 3/4/09; publicado na web em 26/8/09

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Out 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      13 Nov 2008
    • Aceito
      03 Abr 2009
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