Acessibilidade / Reportar erro

Determinação turbidimétrica do antidepressivo amitriptilina em sistema fia explorando a formação do par iônico com lauril sulfato de sódio

Turbidimetric determination of antidepressant amitriptyline in fia system exploiting the ion-pair formation with sodium lauryl sulphate

Resumo

The present work purposes the development of an analytical method for amitriptyline determination in pharmaceutical formulations using FIA system. It was based on interaction of amitriplyline with sodium lauryl sulphate in acid medium (pH 2.5) resulting in the ion-pair formation turbidimetrically detected at 410 nm. The fitting regression equation for range curve from 2.0 x 10-3 up to 3.2 x 10-3 mol L-1 was found to be analytical signal = -2.7417 + 0.1538 [amitriptyline] (r = 0.99991) with a detection limit of 1.8 x 10-3 mol L-1. The precision assessed as relative standard deviation (n = 10) was found to be 2.40 and 1.94%, for the respective concentration of amitriplyline 2.0 x 10-3 and 3.2 x 10-3 mol L-1 and the sample throughout was 60 h-1. The accuracy of method was successfully assessed in pharmaceutical formulation after comparison with a reference analytical method.

flow injection turbidimetry; amitriptyline; sodium lauryl sulphate


flow injection turbidimetry; amitriptyline; sodium lauryl sulphate

ARTIGO

Determinação turbidimétrica do antidepressivo amitriptilina em sistema fia explorando a formação do par iônico com lauril sulfato de sódio

Turbidimetric determination of antidepressant amitriptyline in fia system exploiting the ion-pair formation with sodium lauryl sulphate

Gustavo Silveira; César Ricardo Teixeira Tarley* * e-mail: ctarleyquim@yahoo.com.br

Departamento de Ciências Exatas, Universidade Federal de Alfenas, Rua Gabriel Monteiro da Silva, 714, 37130-000 Alfenas - MG, Brasil

ABSTRACT

The present work purposes the development of an analytical method for amitriptyline determination in pharmaceutical formulations using FIA system. It was based on interaction of amitriplyline with sodium lauryl sulphate in acid medium (pH 2.5) resulting in the ion-pair formation turbidimetrically detected at 410 nm. The fitting regression equation for range curve from 2.0 x 10-3 up to 3.2 x 10-3 mol L-1 was found to be analytical signal = -2.7417 + 0.1538 [amitriptyline] (r = 0.99991) with a detection limit of 1.8 x 10-3 mol L-1. The precision assessed as relative standard deviation (n = 10) was found to be 2.40 and 1.94%, for the respective concentration of amitriplyline 2.0 x 10-3 and 3.2 x 10-3 mol L-1 and the sample throughout was 60 h-1. The accuracy of method was successfully assessed in pharmaceutical formulation after comparison with a reference analytical method.

Keywords: flow injection turbidimetry; amitriptyline; sodium lauryl sulphate.

INTRODUÇÃO

Estudos relacionados ao desenvolvimento de antidepressivos tiveram início na década de 40. A amitriptilina [(dimetilamino-3 propilideno)-5 dibenzo(a, d) ciclo-heptadieno], fármaco sob estudo, é um representante da classe dos antidepressivos tricíclicos (ADTs) resultantes da modificação do núcleo fenotiazínico. A amitriptilina (AMT) é largamente utilizada para o tratamento dos transtornos do humor, especialmente a depressão, e sua estrutura está representada na Figura 1.


Quando usados em doses excessivas, os ADTs podem ser nocivos à saúde, levando até a morte do paciente. Mesmo em doses terapêuticas, há a ocorrência de diversos efeitos colaterais, tais como sonolência e sedação excessiva; confusão mental, secura da boca e visão turva. Sobre o aparelho cardiovascular há o aparecimento de taquicardia e modificações da pressão sanguínea quando administrados em superdosagem.1 Por isso, o controle do teor do medicamento administrado é importante para o sucesso do tratamento e minimização dos efeitos colaterais.

A farmacopéia americana recomenda a quantificação por métodos cromatográficos ou titulação com ácido perclórico.2 Outros métodos cromatográficos também são relatados na literatura para a quantificação de AMT em plasma humano.3

Para análise de fármacos, os métodos espectrofotométricos têm sido bastante empregados. Várias estratégias podem ser utilizadas para essa análise. Agentes oxidantes, como Fe (III) e metavanadato de amônio, podem ser utilizados como precursores espectrofotométricos para determinação de diferentes ADTs, embora os métodos propostos requeiram meios ácidos ou longo tempo de reação.4-6

A formação de complexos é outra alternativa utilizada para a quantificação de ADTs por espectrofotometria. Podem estar baseados na reação com moléculas orgânicas ou com metais de transição. A quantificação de vários ADTs com cloranil é relatada por Ibrahim et al..7 Abdel-Salam e colaboradores propõem o uso do reagente 2,3 - dicloro 5, 6 diciano - p - benzoquinona (DDQ) para a avaliação do teor de ADTs, dentre eles a AMT, em formulações farmacêuticas.8 Esses dois agentes espectrofotométricos e ainda iodo foram usados por Bebawy et al. para quantificar fluoxetina e sertralina, dois antidepressivos de nova geração, mostrando a versatilidade desses agentes.9 Entretanto, as reações com formação desses complexos ocorrem em meio orgânico, tais como uma mistura de dioxano-etanol, acetonitrila, acetona ou dicloroetano. Além disso, as reações são lentas e requerem aquecimento. A quantificação do complexo de transferência de carga AMT-molibdato de amônio em H2SO4 concentrado é descrita por Aman et al..10

O emprego de pares iônicos, que consistem na interação eletrostática entre o fármaco, protonado, e um contra-íon, carregado negativamente, podendo ser uma molécula orgânica ou um complexo de metal, é a estratégia mais explorada para a análise de antidepressivos. Trata-se de uma possibilidade de análise bastante diversificada, permitindo medidas espectrofotométricas, espectrométricas de absorção atômica ou turbidimétricas. Dentre os metais utilizados, é relatado o uso de complexos de Ti(IV), Nb(V), Cr(III) (usado para medidas por absorção atômica) e recentemente, Mo(V).11-15 É comum em todos esses métodos a utilização de solventes orgânicos, tais como clorofórmio, álcool butílico, acetona e diclorometano, respectivamente, a fim de solubilizar o par iônico. Além disso, os meios reacionais são extremos, com elevada concentração dos reagentes, por exemplo, HCl e SCN até 10 mol L-1.11 Dentre os exemplos de moléculas orgânicas utilizadas na formação de pares iônicos, encontra-se o azul de timol, o cromo azurol S, verde de bromocresol, alaranjado de metila e alizarina S.14,16-20 Embora não se utilizem reagentes em elevada concentração, faz-se necessário o uso de solventes orgânicos para extração, condição que implica em maior risco ao operador.

Medidas turbidimétricas têm sido exploradas para a quantificação de diversos tipos de fármacos. Como exemplo, Farhadi et al. tratam de métodos para análise de derivados N-substituídos de fenotiazinas.21 Canaes e Fatibello-Filho desenvolveram um método em fluxo para determinação de metilbrometo de homatropina em formulações farmacêuticas, empregando AgNO3.22 Calatayud e Pastor também empregaram sistema de análise em fluxo (FIA) com detecção turbidimétrica para quantificação do par iônico AMT-púrpura de bromocresol.23

Outros sistemas de análise por injeção em fluxo reportados na literatura requerem extração do composto formado, geralmente feita utilizando dicloroetano ou clorofórmio.17,20 Por fim, El-Nashar et al. propõem a quantificação potenciométrica de AMT por injeção em fluxo por meio do emprego de eletrodos íon seletivos construídos pela formação de filmes de fosfotungstato de AMT e fosfomolibdato de AMT com PVC.24

Com base nos métodos previamente apresentados, nota-se que a maioria requer aquecimento, longo tempo reacional, necessidade de extração com solventes orgânicos e meios reacionais desfavoráveis. Além disso, constata-se que sistemas FIA apresentam um potencial a ser explorado para determinação de ADTs, principalmente quanto à freqüência analítica e análise sem extração com solventes orgânicos. O presente método explora medidas turbidimétricas em sistemas em fluxo baseando-se na formação do par iônico AMT-lauril sulfato de sódio, medido em 410 nm. A adoção do surfactante aniônico como substituto das moléculas orgânicas comumente utilizadas e metais responsáveis pela formação de pares iônicos se deve as suas características favoráveis, tais como biodegradabilidade e baixa toxicidade, fatores importantes para o desenvolvimento de métodos analíticos menos agressivos ao meio ambiente que se enquadrem, desta forma, dentro do atual conceito de Química Verde.

Parte experimental

Instrumentação

As medidas turbidimétricas em sistema FIA foram feitas em um espectrofotômetro de feixe simples Femto, modelo 435 (São Paulo-Brasil) equipado com uma cela de fluxo de 1,0 cm de caminho ótico. A aquisição de dados foi realizada por meio de uma interface PCL 711 com programação em macro Visual Basic (Microsoft Excel). Um espectrofotômetro UV-visível Spectrum, modelo SP-2000 UV (Xangai-China) utilizando cela de quartzo de 1 cm de caminho ótico foi empregado nos estudos de validação do método proposto. Para propulsão dos padrões, amostras e reagentes foi empregada uma bomba peristáltica Ismatec (Zurique-Suíça) de oito canais contendo tubos de Tygon® de diferentes diâmetros e tubos de polietileno 0,8 mm de diâmetro interno. Um injetor proporcional de três peças feito em Teflon® foi utilizado para introdução dos padrões e amostras no sistema FIA.

Reagentes e soluções

Cloridrato de amitriptilina (> 98%, Sigma-Aldrich, Itália) e lauril sulfato de sódio (mínimo de 90%, Vetec, Brasil) foram utilizados sem prévia purificação. Os demais reagentes empregados foram de grau analítico e todas as soluções foram preparadas em água desionizada em sistema de purificação Milli-Q (Millipore, Brasil). A solução estoque de amitriptilina 1,25 x 10-2 mol L-1 foi preparada pela dissolução de 100,0 mg do fármaco em água com posterior transferência para balão volumétrico de 25,0 mL. As demais soluções de amitriptilina foram preparadas por meio de diluições adequadas.

O preparo do lauril sulfato de sódio (2,0 x 10-3 mol L-1) tamponado foi realizado pela dissolução de 320,4 mg de lauril sulfato de sódio e de 375,7 mg de ácido tartárico (Isofar, Brasil) em balão volumétrico de 500,0 mL. Antes de aferir o volume do balão volumétrico ajustou-se o pH da solução para 2,5 com NaOH 1,0 mol L-1. Para os estudos que envolveram a validação do método foi empregado clorofórmio como solvente extrator (Tedia, Brasil); solução de alaranjado de metila (Isofar, Brasil) 0,02% (m/v) preparada pela dissolução de 20,0 mg do composto em balão volumétrico de 100,0 mL; tampão tartarato 0,1 mol L-1, pH 3,0, obtido após dissolução de 3,752 g de ácido tartárico em balão de 250,0 mL. Antes da aferição do volume, o pH foi corrigido com NaOH 1,0 mol L-1. Solução estoque de AMT 1,0 mg mL-1 foi obtida por meio da dissolução de 100,0 mg do fármaco em pequena quantidade de metanol e posterior aferição do volume com balão volumétrico de 100,0 mL.

Sistema de análise por injeção em fluxo

O sistema de análise por injeção em fluxo por confluência é representado na Figura 2. Alíquotas de 600 µL (alça de 120 cm) de amitriptilina com concentrações variando de 2,0 x 10-3 a 3,2 x 10-3 mol L-1 foram introduzidas no fluxo carregador (H2O) sob uma vazão de 2,75 mL min-1. No ponto X, a zona dispersa da amostra recebe por confluência o reagente lauril sulfato de sódio 2,0 x 10-3 mol L-1 (vazão de 2,75 mL min-1 e tamponado em pH 2,5 com tampão tartarato 5,0 x 10-3 mol L-1), promovendo a formação do par iônico insolúvel. A reação se completa através da bobina reacional, B, de 80 cm, com posterior detecção turbidimétrica em 410 nm.


Otimização do sistema de análise por injeção em fluxo

Para otimizar o sistema de análise por injeção em fluxo foi utilizado um planejamento fatorial fracionário 25-1 seguido de um planejamento Doehlert. A adoção de planejamento fracionário em detrimento ao planejamento completo foi efetuada para reduzir o número de experimentos pela metade, sem provocar, no entanto, padrões de confundimento entre os efeitos principais e aqueles relativos aos efeitos de interação. Os fatores investigados foram volume da alça de amostragem, vazão do carregador, concentração do lauril sulfato de sódio e do tampão e o pH do carregador. Na Tabela 1, estão reunidos os fatores com seus respectivos níveis. Cabe salientar que os níveis escolhidos foram definidos a partir de estudos prévios, justificando, por exemplo, a exclusão da bobina reacional para os níveis dos fatores estudados. Após a etapa de triagem dos fatores e de posse da significância dos fatores no sistema em estudo, empregou-se o planejamento Doehlert a fim de otimizar o método. Todos os experimentos do planejamento fatorial fracionário foram conduzidos com a concentração de AMT fixa em 5,0 x 10-3 mol L-1, ao passo que no planejamento Doehlert a concentração de AMT foi de 2,5 x 10-3 mol L-1. Os dados obtidos foram processados por meio do programa STATISTICA (StatSoft, Tulsa, USA).

Preparo das formulações farmacêuticas e determinação de amitriptilina

Foram obtidos comprimidos revestidos de cloridrato de amitriptilina de 4 empresas farmacêuticas, denominadas A, B, C e D. De cada amostra, foram pesados 10 comprimidos e pulverizados em almofariz. Uma quantidade adequada do comprimido foi dissolvida em 10 mL de ácido sulfúrico 0,5 mol L-1, sob agitação (~ 10 min), seguida da filtração em papel qualitativo. Posteriormente, corrigiu-se o pH dessa solução com NaOH 1,0 mol L-1 até o valor de 2,5. As quantidades pesadas de comprimido pulverizado foram feitas de modo a se obter 50,0 mL de solução de amitriptilina 2,4 x 10-3 mol L-1, considerando a dosagem declarada no rótulo do produto.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Medidas turbidimétricas requerem a manipulação rigorosa das soluções padrão e/ou amostras para obtenção de resultados analíticos precisos, pois qualquer variação no preparo da suspensão pode acarretar na falta de uniformidade do tamanho das partículas formadas e, conseqüentemente, na determinação analítica. Esta dificuldade é pronunciada em sistemas em batelada, porém, bastante minimizada em sistemas de análise por injeção em fluxo.25

O diagrama esquemático do sistema em fluxo é mostrado na Figura 2. A influência dos fatores químicos e de fluxo no sistema proposto foi investigada inicialmente a partir de um planejamento fatorial fracionário 25-1, cuja combinação dos níveis e os resultados experimentais obtidos encontram-se na Tabela 2. Cabe salientar que a matriz geradora utilizada foi I = abcde, ou seja, os sinais da coluna vertical para o fator pH foram obtidos multiplicando os sinais dos demais fatores. Para avaliar a significância das estimativas de contraste dos fatores, primeiramente foi calculada a estimativa conjunta da variância (sp2), com 16 graus de liberdade de acordo com a Equação 1

onde, n é o número de repetições em cada ensaio e s2 é a variância obtida em cada ensaio. A partir da Equação 1, obteve-se a estimativa conjunta da variância de 5,82 x 10-4. Fazendo uso da Equação 2 é possível calcular a variância experimental.

onde n (neste caso 16) é o número de respostas com sinais positivos e negativos. Assim, a variância experimental obtida foi de 1,45 x 10-4. O erro experimental, também conhecido como erro padrão da estimativa, foi calculado extraindo a raiz da variância experimental, sendo, portanto 1,20 x 10-2. Empregando a distribuição t de Student, pode-se construir intervalos de confiança para os valores das estimativas e, assim, decidir quais fatores são significativos. Desta forma, multiplicando o erro padrão da estimativa pelo valor de t crítico (2,120) com 95% de confiança e com 16 graus de liberdade, obtém-se o erro padrão de 2,55 x 10-2.26 Existe influência significativa do fator quando este apresenta estimativa maior que erro padrão. Portanto, de acordo com a Tabela 3, conclui-se que apenas a concentração do tampão não é significativa no sistema em estudo. Apesar da ausência de influência deste fator, optou-se por fixar a concentração em 5,0 x 10-3 mol L-1 para os posteriores estudos, uma vez que a adoção do tampão rendeu sinais analíticos com maior repetibilidade.

A concentração do lauril sulfato de sódio foi o fator mais significativo no sistema estudado, apresentando uma estimativa de contraste de -0,4338. Este valor negativo implica que ao se elevar o nível deste fator (5,0 para 10,0 x 10-3 mol L-1) há um decréscimo na resposta analítica. Este comportamento sugere que, devido à elevada concentração do surfactante, possivelmente há a formação de micelas capazes de solubilizar o par iônico amitriptilina-lauril sulfato de sódio, com a conseqüente redução no sinal analítico.21 O segundo fator mais importante foi o volume da alça de amostragem. Neste caso, a estimativa de contraste foi positiva (0,3693), revelando que incrementos no volume de amostragem promovem aumento no sinal analítico. A estimativa de contraste obtida para o fator pH (-0,1423) coaduna-se com a reação química para a formação do par iônico, pois em valores baixos de pH a molécula de amitriptilina está protonada (pKa = 9,4), podendo estabelecer uma atração eletrostática com o surfactante.

Por fim, o fator vazão do carregador apresentou estimativa de contraste negativa (-0,1108) dentro do domínio experimental (1,70 a 2,40 mL min-1), sugerindo o emprego de vazões menores que 2,40 mL min-1 na otimização. O resultado observado deve-se ao efeito do tempo de residência sobre a formação da suspensão. A menor vazão do carregador resulta num maior tempo para a nucleação, levando ao aumento do sinal analítico.

Após a etapa de triagem dos fatores empregou-se a matriz de Doehlert a fim de otimizar o método. A matriz de Doehlert compreende um planejamento com número de experimentos igual a k2+k+pc, em que k é o número de fatores e pc é o número de experimentos no ponto central. Uma característica importante do planejamento Doehlert refere-se ao número de níveis empregados para cada fator. Empregando dois fatores, por exemplo, o número de níveis é 3 e 5, o que permite avaliar com maior número de níveis para aqueles fatores considerados mais importantes.27 Além disso, este tipo de planejamento necessita de um menor número de experimentos em relação a outros planejamentos, como o planejamento composto central sendo, assim, mais eficiente.

Foram construídas duas matrizes de planejamento Doehlert. A primeira contém os fatores concentração do lauril sulfato de sódio e volume de amostragem (Tabela 4), uma vez que a interação destes fatores é bastante significativa. Na construção da segunda matriz foram empregados os fatores pH e vazão do carregador (Tabela 5). De acordo com a Figura 3A, obtida a partir da matriz de Doehlert (Tabela 4) e mantendo fixa a vazão do carregador em 2,00 mL min-1 e pH 3,0, observa-se um ponto de cela.28 Como constatado, nota-se a presença de um valor ótimo para a concentração do lauril sulfato de sódio (2,0 x 10-3 mol L-1), ao passo que elevados sinais analíticos podem ser obtidos com volumes de amostragem de 1000 e 600 µL. Assim, empregou-se a concentração de lauril sulfato de sódio de 2,0 x 10-3 mol L-1 e o volume de amostragem de 600 µL. Em seguida, com os dados da Tabela 5, obteve-se a superfície de resposta mostrada na Figura 3B, a qual foi construída sob as condições previamente otimizadas de lauril sulfato de sódio e volume de amostragem. Verificou-se, como esperado, que o sinal analítico aumenta linearmente com a diminuição do pH do carregador. Experimentos com valores de pH abaixo de 2,5 não foram conduzidos para evitar a hidrólise do lauril sulfato de sódio e, portanto, fixou-se o pH em 2,5 para os posteriores estudos.29 Com relação à vazão do carregador, nota-se, de acordo com a Figura 3B, que os valores inferior (1,90 mL min-1) e superior (2,75 mL min-1) podem ser empregados, resultando em elevados sinais analíticos, desde que o meio seja ácido (pH 2,5). Tal como observado na triagem dos fatores, os experimentos realizados em vazões menores favorecem a formação da suspensão (maior tempo para nucleação). Entretanto, a explicação para os elevados sinais analíticos em valores maiores de vazão possivelmente esteja associada com o elevado volume de amostragem (600 µL), o qual é consideravelmente maior que aqueles empregados na triagem (50 a 150 µL). Com o uso de volume de amostragem de 600 µL foi atingido um sinal analítico constante (steady state). Assim, o emprego de vazões baixas e elevadas, provoca, respectivamente, apenas alargamento e estreitamento do sinal analítico, ao passo que a altura de sinal praticamente é inalterada devido à pequena diferença entre as vazões (1,90 até 2,75 mL min-1). Desta forma, optou-se por empregar a vazão de 2,75 mL min-1 a fim de obter maior freqüência analítica.



Para finalizar a otimização do método, avaliou-se o efeito do comprimento da bobina reacional no sistema (50 a 90 cm) (Figura 4). É interessante notar que a inserção da bobina reacional se tornou fundamental no intuito de melhorar o desempenho do sistema. O sinal analítico aumenta gradualmente até o valor de 80 cm, tornando evidente o efeito da nucleação do precipitado sobre o sinal analítico. O efeito da dispersão no sistema só se torna importante após esse comprimento da bobina reacional. Assim sendo, a melhor relação entre o tempo de residência na nucleação do precipitado e a dispersão é obtida com uma bobina reacional de 80 cm, sendo este o comprimento da bobina empregado neste trabalho.


Estudo de interferentes no método proposto

A influência de concomitantes no sistema de injeção em fluxo foi avaliada por meio da comparação do sinal analítico obtido para uma solução padrão de amitriptilina (785 mg L-1) com aquela contendo concomitantes em potencial em diferentes concentrações. Percentuais de recuperação do sinal analítico variando de 95 a 105% para a concentração do padrão de amitriptilina demonstram a não influência dos concomitantes, uma vez que o erro tolerado em análises farmacêuticas é de ± 5%.25 Foram empregados como concomitantes excipientes comumente usados em formulações farmacêuticas: lactose, dextrose, glicose, amido e estearato de magnésio. Para os excipientes lactose, dextrose e glicose o teste de interferência foi conduzido pela solubilização de amitriptilina com o concomitante em água. Já para amido e estearato de magnésio, o procedimento adotado consistiu da homogeneização de 20,0 mg de amitriptilina e 100,0 mg do excipiente, seguida pela filtração a vácuo com 25 mL de água em funil de vidro sinterizado. A solução filtrada foi posteriormente introduzida no sistema de análise em fluxo. De acordo com a Tabela 6, verifica-se que os sacarídeos não interferiram na quantificação do fármaco, mesmo em concentrações 60 vezes maiores que do analito. É importante ressaltar que os teores destes excipientes nos produtos farmacêuticos são inferiores aos testados neste estudo. Com relação ao concomitante amido, constatou-se também não haver interferência no sinal analítico, já que a recuperação foi de 104,7%. Por outro lado, o estearato de magnésio provocou interferência, rendendo recuperação de 73,8%. A redução significativa do sinal analítico pode ser devida à solubilização parcial do concomitante durante o procedimento de filtração permitindo sua reação com a amitriptilina e, conseqüentemente, reduzindo a quantidade do analito para reagir com o lauril sulfato de sódio. Apesar desta interferência, a relação testada analito/concomitante (1:4 m/m) é inferior àquelas utilizadas em formulações farmacêuticas, o que permitirá, conforme será demonstrado, aplicar o método para quantificação de amitriptilina nas referidas amostras.

Figuras de mérito e aplicação do método

O sistema de análise por injeção em fluxo com detecção turbidimétrica desenvolvido neste trabalho é totalmente dependente da concentração do LSS pois, como mencionado, o excesso de LSS em relação à amitriptilina resulta na formação de micelas, responsáveis pela solubilização do par iônico e conseqüente redução do sinal analítico. Como observado na Figura 5, há duas regiões lineares da curva analítica, a primeira onde há excesso de LSS e a segunda onde há excesso de amitriptilina. Adotou-se a segunda região da curva (2,0 x 10-3 a 3,2 x 10-3 mol L-1) devido à maior sensibilidade e linearidade [sinal analítico = -2,7417 + 0,1538 [amitriptilina x 10-4 mol L-1] (r = 0,99991)]. O limite de detecção do método (1,8 x 10-3 mol L-1) foi calculado a partir da intersecção das duas equações lineares, similarmente ao procedimento empregado em medidas potenciométricas.30 A precisão do método foi avaliada em termos de repetibilidade (n =10) para concentrações de 2,0 x 10-3 e 3,2 x 10-3 mol L-1, rendendo os respectivos desvios padrão relativos, 2,40 e 1,94%. O método proposto apresentou freqüência analítica de cerca de 60 determinações por hora.


Para avaliar a aplicabilidade do método foram analisadas as quatro amostras A, B, C e D, tratadas conforme descrito na parte experimental e os resultados foram comparados com um método de referência publicado na literatura (Tabela 7).19 O método de referência é baseado na formação do par iônico entre a amitriptilina e alaranjado de metila com posterior extração e solubilização do par iônico em clorofórmio e determinação no comprimento de onda de 420 nm. De acordo com os resultados e, aplicando o teste t pareado, com um nível de confiança de 95%, constata-se que o método proposto não apresenta diferença estatística significativa em relação ao método de referência, confirmando assim a exatidão para as amostras analisadas.31

CONCLUSÃO

Os métodos analíticos comumente empregados para a determinação de amitriptilina são caracterizados pelo uso de solventes orgânicos, ácidos concentrados e, principalmente, pelo longo tempo de análise. Como pôde ser visto, o método proposto reúne várias vantagens, incluindo simplicidade, reduzido consumo de amostras/reagentes devido à mecanização da análise, baixo custo e elevada freqüência analítica, podendo ser aplicado em laboratórios de controle de qualidade. Também, deve-se destacar que o método se enquadra no conceito de Química Verde, pois é empregado o surfactante lauril sulfato de sódio como reagente, ao contrário dos métodos usuais que fazem uso de reagentes muitas vezes tóxicos, seguidos por extração com solventes orgânicos.

De acordo com a revisão da literatura, nota-se que os métodos já existentes de quantificação de amitriptilina possuem limites de detecção e quantificação bastante baixos,5,11-13,19,23 bem como ampla faixa linear. Embora essas características analíticas não tenham sido obtidas no método proposto, elas não constituem uma limitação, pois os teores do princípio ativo nas formulações farmacêuticas são suficientes para o preparo de amostras com concentrações adequadas à leitura e à faixa linear, conforme demonstrado pela aplicação satisfatória do método. Finalmente, o método apresentou precisão e exatidão satisfatórias permitindo sua aplicação em diferentes formulações farmacêuticas para quantificação de amitriptilina.

AGRADECIMENTOS

À FAPEMIG, CNPq, CAPES e ao programa PROBIC/CNPq - Unifal-MG pela bolsa de iniciação científica concedida ao acadêmico G. Silveira. Também, os autores agradecem à empresa farmacêutica Medley pelo fornecimento de amostras e aos assessores pelas valiosas sugestões.

Recebido em 11/8/07; aceito em 4/4/08; publicado na web em 4/9/08

  • 1. Silva, P.; Farmacologia, 5Ş ed., Guanabara Koogan S. A.: Rio de Janeiro, 1998, cap. 32.
  • 2. The United States Pharmacopeia - The National Formulary - USP 24, NF - 19, 2000, p. 122-123.
  • 3. Kollroser, M.; Schober, C.; Therapeutic Drug Monitoring 2002, 24, 537.
  • 4. Nagaraja, P.; Silwadi, M. F.; Syed , A. A.; Mikrochim. Acta 2000, 135, 185.
  • 5. Revanasiddappa, H. D.; Manju, B.; Eur. J. Pharm. Sci. 1999, 9, 221.
  • 6. Misiuk, W.; J.Pharm. Biomed. Anal. 2000, 22, 189.
  • 7. Ibrahim, S. A.; Issa, A. S.; Salam, M. A. A.; Mahrous, M. S.; Talanta 1983, 30, 531.
  • 8. Abdel-Salam, M.; Issa, A. S.; Mahrous, M.; Abdel-Hami, M. E.; Anal. Lett 1985, 18, 1391.
  • 9. Bebawy, L. I.; El-Kousy, N.; Suddik, J. K.; Shokry, M.; J. Pharm. Biomed. Anal. 1999, 21, 133.
  • 10. Aman, T.; Kazi, A. A.; Hussain, M. I.; Firdous, S.; Khan, I. U.; Anal. Lett 2000, 33, 2477.
  • 11. Misiuk, W.; Tarasiewicz, M.; Anal. Lett 1998, 31, 1197.
  • 12. Misiuk, W.; Puzanowska-Tarasiewicz, H.; Anal. Lett 2002, 35, 1163.
  • 13. Elnemma, E. M.; El Zawawy, F. M.; Hassan, S. S. M.; Mikrochim. Acta 1993, 110, 79.
  • 14. Puzanowska-Tarasiewicz, H.; Kuzmicka, L.; Kleszczewska, E.; J.Pharm. Biomed. Anal. 2001, 26, 1.
  • 15. Mohamed, G. G.; El-Dien, F. A. N.; Khalil, S. M.; Mohamed, N. A.; Spectrochim. Acta, Part A 2006, 65, 1221.
  • 16. Nagaraja, P.; Silwadi, M. F.; Syed, A. A.; Acta Pharm. 2002, 52, 289.
  • 17. Starczewska, B.; Halaburda, P.; Kojlo, A.; J.Pharm. Biomed. Anal. 2002, 30, 553.
  • 18. Starczewska, B.; Mielech, K.; J.Pharm. Biomed. Anal. 2000, 23, 243.
  • 19. El-Dien, F. A. F. N.; Mohamed, G. G.; Mohamed, N. A.; Spectrochim. Acta, Part A 2006, 65, 20.
  • 20. Pérez-Ruiz, T.; Martinez-Lozano, C.; Sanz, A.; Alonso, C.; Talanta 1994, 41, 1523.
  • 21. Farhadi, K.; Savojbolaghi, A. K.; Farajzadeh, M.; Maleki, R.; Anal. Lett 2003, 36, 2183.
  • 22. Canaes, L. S.; Fatibello-Filho, O.; Quim. Nova 2006, 29, 1237.
  • 23. Calatayud, M.; Pastor, M.; Anal. Lett 1990, 23, 1371.
  • 24. El-Nashar, R. M.; Ghani, N. T. A.; Bioumy, A. A.; Microchem. J. 2004, 78, 107.
  • 25. Canaes, L. S.; Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, Brasil, 2004.
  • 26. Barros Neto, B.; Scarminio, I. S.; Bruns, R. E.; Como Fazer Experimentos: Pesquisa e Desenvolvimento na Ciência e na Indústria, Ed. da Unicamp: Campinas, 2001, cap. 3.
  • 27. Teófilo, R. F.; Ferreira, M. M. C.; Quim. Nova 2006, 29, 338.
  • 28. Tarley, C. R. T.; Segatelli, M. G.; Kubota, L. T.; Talanta 2006, 69, 259.
  • 29. Handbook of Pharmaceutical Excipients, 2nd ed., American Pharmaceutical Association, Washington e The Pharmaceutical Press, Royal Pharmaceutical Society of Great Britain: London, 1994.
  • 30. Buck, R. P.; Lindner, E.; Pure Appl. Chem 1994, 66, 2527.
  • 31. Harris, D. C.: Análise Química Quantitativa, 6Ş ed, LTC - Livros Técnicos e Científicos Ed. S. A.: Rio de Janeiro, 2005, cap. 4.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      11 Ago 2007
    • Aceito
      04 Abr 2008
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br