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Juventude universitária e direitos de cidadania: sentidos atribuídos à diversidade sexual1 1 Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Centro Universitário Una, Belo Horizonte (MG), Brasil.

University youth and citizenship rights: meanings attributed to sexual diversity

Jeunesse universitaire et droits de citoyenneté: les significations attribuées à la diversité sexuelle

Juventud universitária y derechos de ciudadania: sentidos atribuídos a la diversidad sexual

RESUMO

Com base em pesquisa quantitativa sobre sentidos atribuídos por jovens universitários à cidadania, este artigo enfoca a parte de diversidade sexual e direitos humanos. Após revisão sobre juventude, política e percepção da diversidade sexual, apresenta-se um survey, com 423 estudantes, amostra selecionada com margem de erro de 5% e intervalo de confiança de 0,95%. Existe uma alta porcentagem de estudantes que apoiam noções genéricas de direitos. Porém essa frequência cai de forma acentuada quando se trata de traduzir direitos em políticas públicas. A análise de tabelas de contingência entre variáveis indica influência da orientação sexual, do sexo e da religião sobre as atribuições de sentidos, e dos pertencimentos sociais sobre a religião. Discutemse as contradições no discurso igualitário diante dos pertencimentos sociais e da garantia de direitos.

Palavras Chaves:
Juventude; Gênero; Educação em Direitos Humanos; Homofobia

ABSTRACT

Based on quantitative research on the meanings attributed by young university students to citizenship, this article focuses on sexual diversity and human rights. After a review on youth, and the policy on and perception of sexual diversity, we present a survey with 423 students, a sample with a 5 percent margin of error and a 95% confidence interval. A high percentage of students support generic notions of rights, but this frequency falls sharply when it comes to translating rights into public policy. The analysis of contingency tables between variables indicates the influence of sexual orientation, sex, and religion on meaning attribution, and of social belonging on religion. The paper discusses contradictions in the egalitarian discourse, considering social belonging and the guarantee of rights.

Keywords:
Youth; Gender; Human Rights; Homophobia

RÉSUMÉ

Cet article traite de la question des droits humains et de la diversité sexuelle à partir d’une recherche quantitative concernant les significations que les jeunes universitaires attribuent à la citoyenneté. Après s’être penché sur la jeunesse, la politique et la perception de la diversité sexuelle, le texte présente une enquête statistiquement significative menée, auprès de 423, étudiants avec p = ou <0,05 et une marge de confiance de 0,95%. Le soutien élevé aux notions génériques des droits diminue considérablement lors de la traduction de ces droits en politiques publiques. Les croisements variables indiquent l’influence de l’orientation sexuelle, du sexe et de la religion sur les attributions des significations ainsi que celle de l’appartenance sociale sur la religion. L´article aborde les contradictions du discours égalitaire face aux appartenances sociales et l´assurance des droits.

Mots clés:
Jeunesse; Genre; Droits Humains; Homophobie

RESÚMEN

Basado en una investigación cuantitativa sobre los significados atribuidos por los jóvenes universitarios a la ciudadanía, este artículo enfoca la parte de la diversidad sexual y los derechos humanos. Después de un examen sobre la juventud, la política y percepción de la diversidad sexual, se presenta una encuesta estadísticamente significativa con 423 estudiantes, p = o <0.05 y un margen de confianza de 0.95%. Hay un alto porcentaje de apoyo a las nociones genéricas de derechos, que se reduce significativamente al traducir los derechos en políticas públicas. Hay influencia de la orientación sexual, el sexo y la religión en las atribuciones de significados y de la pertenencia social sobre la religión. Se aborda las contradicciones en el discurso igualitario considerando las pertenencias sociales y la garantía de los derechos.

Palabras clave:
Juventud; Género; Derechos Humanos; La Homofobia

Este artigo analisa dados da pesquisa gestão social do amanhã: juventude universitária, cidadania e direitos humanos (AFONSO et al., 2015AFONSO, M. Lúcia M; et al. Gestão social do amanhã: juventude universitária, cidadania e direitos humanos. Relatório de pesquisa. Fapemig: Belo Horizonte, 2015.), que buscou investigar os sentidos atribuídos, por jovens universitários, aos direitos humanos e de cidadania. Neste artigo, é feita a análise dos dados referentes aos sentidos atribuídos à diversidade sexual e aos direitos das pessoas homossexuais. Inicia-se por uma revisão literária sobre juventude, sentidos atribuídos à cidadania, à homossexualidade e homofobia.

Em seguida, são expostas a metodologia da pesquisa, a análise dos dados e as considerações finais.

Em uma perspectiva psicossocial, a pesquisa buscou abordar os sentidos atribuídos pelos sujeitos sociais (jovens universitários) a outros sujeitos sociais (homossexuais) não apenas como resultado de preconceitos aprendidos (embora essa seja uma discussão importante), mas principalmente como reconhecimento de direitos ligados às políticas públicas no contexto sócio-histórico. O artigo sugere que tanto a efetivação dos direitos é afetada pelos preconceitos quanto o influxo de novos sentidos, na história coletiva, pode acirrar ou combater preconceitos aprendidos, nas trajetórias individuais, dinamizando as estratégias de atribuição de sentidos e remetendo-as à dialética da sociedade.

O reconhecimento dos direitos das pessoas homossexuais confronta as normativas sociais sobre a sexualidade, que estão baseadas na valorização da heterossexualidade e do domínio masculino, inclusive com a desvalorização das mulheres, crianças e pessoas de sexualidade desviante da norma. Indaga-se como a parcela da juventude com acesso à universidade, que cresceu nos anos de construção democrática da sociedade brasileira - a partir da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.) -, entende os direitos de cidadania no campo da diversidade sexual.

A DIVERSIDADE SEXUAL COMO AMEAÇA À ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE HETERONORMATIVA

Esta pesquisa adota, em seus fundamentos teóricos, a explicação apresentada por Schiefer (2004SCHIEFER, Uyára. Sobre os direitos fundamentais da pessoa humana. Revista Persona, n. 28, 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.revistapersona.com.ar/Persona28/28Schiefer.htm >. Acesso em: 12 dez. 2017.
http://www.revistapersona.com.ar/Persona...
): os direitos de cidadania são aqueles inscritos nos estatutos legais, abrangendo um amplo leque que regula a relação entre os cidadãos e o Estado. Os direitos humanos reafirmam um horizonte político, ético, filosófico e podem ganhar materialidade por meio dos direitos de cidadania conquistados em cada contexto social e histórico. Nessa perspectiva, a pesquisa também sustenta que os direitos sexuais incluem o direito à diversidade sexual e fazem parte dos direitos humanos e de cidadania (ANJOS, 2002ANJOS, Gabriele dos. Homossexualidade, direitos humanos e cidadania. Sociologias, n. 7, p. 222-252, jun. 2002.; RIOS, 2006RIOS, Roger Raupp. Para um direito democrático da sexualidade. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 12, n. 26, p. 71-100, dez. 2006.; MOTT, 2006MOTT, Luis. Homo-afetividade e direitos humanos. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 14, n. 2, p. 509-521, set. 2006.). Entretanto, como afirma Lima (2017LIMA, Andréa Moreira. Os direitos humanos LGBT entre o universal e o particular. Belo Horizonte: Relicário, 2017.), o conjunto dos direitos humanos constituem um espaço do político, onde muitas negociações, confrontos e lutas ocorrem. É importante lembrar que, no Brasil, os avanços legais não foram acompanhados de avanços correspondentes no acesso aos direitos, o que inclusive desencadeou diversos conflitos sociais.

A homofobia pode ser definida como manifestações de preconceitos e discriminações sociais que desrespeitam, violentam e oprimem os homossexuais (JUNQUEIRA, 2007JUNQUEIRA, R. D. O reconhecimento da diversidade sexual e a problematização da homofobia no contexto escolar. In: RIBEIRO, P. R. C.; SILVA, M. R. S.; SOUZA, N. G. S.; GOELLNER, S. V.; SOUZA, J. F. (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: discutindo práticas educativas. Rio Grande: Editora da FURG, 2007.), ameaçando os seus direitos. Em uma perspectiva crítica, a homofobia deve ser entendida como fenômeno complexo e multifacetado.

Segundo Lionço e Diniz (2008LIONÇO, Tatiana; DINIZ, Debora. Homofobia, silêncio e naturalização: por uma narrativa da diversidade sexual. Revista Psicologia Política, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 307-324, dez. 2008.), a homofobia é construída historicamente, sendo uma prática de violência e discriminação, baseada na suposição de que a normalidade está na heterossexualidade, nomeada como heteronormatividade. A sociedade consagra as práticas heterossexuais como normais e estigmatiza outros tipos de sexualidade. A heteronormatividade é fundada sobre mecanismos ideológicos e de controle social, enredados em um sistema de poder de relações econômicas, sociais e culturais, que englobam as relações de gênero.

Retoma-se aqui o texto referencial de Scott (1990SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade , Porto Alegre, v. 16. n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990.) segundo o qual gênero designa a organização social que é criada em torno das diferenças sexuais, ligadas às relações de poder, dentro de um contexto social e histórico, impondo a subordinação às mulheres, em suas diversas dimensões. Outras autoras, como Matos (2008MATOS, Marlise. Teoria de gênero ou teorias e gênero? Se e como os estudos de gênero e feministas se transformaram em um campo novo para as ciências. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 440, maio/ago. 2008.), contribuíram para se compreender o campo de estudos de gênero como mais abrangente e não restrito às divisões binárias entre masculino e feminino. Abordam as relações de gênero, incluindo demandas por cidadania e pelo reconhecimento da diversidade dos corpos e da orientação sexual.

Em um sistema regido pela heteronormatividade, instala-se uma lógica dicotômica. Discursos e as práticas que constituem o processo de masculinização implicam a negação de práticas ou características referidas ao gênero feminino, e essa negação se expressa, muitas vezes, por uma intensa rejeição de práticas e marcas fora do normatizado. O medo e a aversão da homossexualidade são cultivados em associação com a heterossexualidade (LOURO, 2009LOURO, Guacira Lopes. Heteronormatividade e homofobia. In: JUNQUEIRA, Rogério Diniz (Org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia na escola. Brasília: Ministério da Educação, Unesco, 2009., p. 91). Assim, a heteronormatividade caracteriza-se não apenas como um sistema de crenças ou de padrões de socialização dos sujeitos. Mais importante, funciona como um sistema de poder que se alia às bases do poder na sociedade (WELZER-LANG, 2001WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 9, n. 2, p. 460-482, 2001.).

A homofobia está presente nos diversos espaços da sociedade, com a constante violação de direitos da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros). O Relatório de violência homofóbica no Brasil (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Relatório de violência homofóbica no Brasil: 2013. Brasília: SEDH, 2013.) apresenta dados sobre os diferentes tipos de violações: violência psicológica (40,1%); discriminação (36,4%); violência física (14,4%); negligência (3,6%); e outros (5,5%). Jovens e adolescentes continuam sendo as maiores vítimas: 54,9% delas estão na faixa etária de 15 a 30 anos.

A rejeição da diversidade sexual não é puramente individual ou resultado apenas de conceitos ou preconceitos aprendidos na trajetória de cada um, mas constitui uma ideologia de exclusão na qual diversos interesses podem estar abrigados (BORRILO, 2010BORRILO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito (tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira). Belo Horizonte: Autêntica, 2010.), sendo as diversidades sexuais consideradas, “na melhor das hipóteses, incompletas, acidentais e perversas; e, na pior, patológicas, criminosas, imorais e destruidoras da civilização” (BORRILO, 2010BORRILO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito (tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira). Belo Horizonte: Autêntica, 2010., p. 31).

De um lado, a hegemonia se alimenta de confrontos entre forças opostas, a partir de diversos pontos e em meio a relações desiguais. Para Foucault (1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979.), o discurso dominante busca racionalizar os seus pressupostos, apresentando-os como verdade absoluta. Esses assim chamados discursos da verdade (como o homofóbico) são criados e reproduzidos em sociedade, por meio da linguagem, valores e práticas. Colaboram nas relações de poder e têm efeito de aprisionamento dos sujeitos aos padrões socialmente determinados. Os discursos não são meros conjuntos de sentidos: alimentam demandas e lutas sociais, enunciam ou emudecem direitos.

De outro lado, sujeitos sociais, ativos em seu contexto, podem perceber e produzir tensões e fraturas nos discursos, desconstruir significados instituídos, construir novos sentidos e transformar relações sociais, em processos individuais e coletivos. A reivindicação por reconhecimento e igualdade, expressa na luta por cidadania, é uma força que vem se contrapor à heteronormatividade. Não se trata, então, de definir (ou redefinir) a normalidade sexual, mas, sim, de garantir a todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual, direitos iguais de cidadania e a dignidade humana previstos nos direitos humanos.

Buscando enfocar os jovens dentro de seu contexto histórico, fez-se importante incluir, nesta pesquisa, o programa Brasil sem homofobia (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra GLBT e promoção da cidadania homossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004., p. 11-12), que se coloca como forma de combate à violência e à discriminação contra LGBTs:

[...] a defesa, a garantia e a promoção dos direitos humanos incluem o combate a todas as formas de discriminação e de violência e [...], portanto, o combate à homofobia e a promoção dos direitos humanos de homossexuais é um compromisso do Estado e de toda a sociedade brasileira.

Segundo Bastos, Garcia e Sousa (2017BASTOS, Gustavo Grandini; GARCIA, Dantielli Assumpção; SOUSA, Lucília Maria Abrahão. A homofobia em discurso: direitos humanos em circulação. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 17, n. 1, p. 11-24, jan./abr. 2017.), embora tenha sido formulado a partir de uma parceria tencionada entre o Estado e a sociedade civil organizada, o Programa trouxe uma visão importante para ampliação e fortalecimento do exercício da cidadania no Brasil, para as pessoas LGBT, buscando abrir espaço para a consolidação de avanços políticos, sociais e legais. Afirmam que, naquele momento histórico, o Programa adotou uma posição de defesa dos direitos dessa população como direitos humanos (universais, indivisíveis, interdependentes). Também Lima (2017LIMA, Andréa Moreira. Os direitos humanos LGBT entre o universal e o particular. Belo Horizonte: Relicário, 2017.), estudando os movimentos sociais LGBT no Brasil e em Portugal, enfatiza a construção tanto de discursos de resistência à heteronormatividade quanto de discursos propositivos da cidadania LGBT como direitos humanos que devem ser garantidos pelo Estado e pela sociedade. Porém, é importante lembrar que, dentro desse mesmo contexto histórico, os direitos que vão sendo conquistados podem ser colocados em risco, diante dos conflitos políticos, sociais e culturais.

Justamente por isso, a presente pesquisa interessou-se em conhecer os sentidos atribuídos pelos estudantes universitários tanto a formulações genéricas, sem implicações sociais definidas, quanto a afirmativas que expressam direitos, claramente derivados dos instrumentos legais de defesa da igualdade e da cidadania, como o Brasil sem homofobia.

JUVENTUDES BRASILEIRAS DIANTE DA HETERONORMATIVIDADE: UMA BREVE REVISÃO LITERÁRIA

Nesta pesquisa, adota-se o pressuposto teórico de que a juventude não constitui um grupo social homogêneo. Conforme discutem Boghossian e Minayo (2009BOGHOSSIAN, Cynthia O.; MINAYO, Maria Cecília de S. Revisão sistemática sobre juventude e participação nos últimos 10 anos. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 3, p. 411-423, 2009.), trata-se de um tempo de construção de identidades e valores, com diversidade de inserções no contexto cultural, social e político. Para basear a discussão, foi feita uma revisão de literatura, para o período de 2000 a 2017. Foram privilegiadas produções com foco nas crenças e posicionamentos políticos dos jovens, preferencialmente universitários, sua participação social e posicionamento diante da heteronormatividade.

Estudando o preconceito de jovens universitários contra homossexuais, Lacerda, Pereira e Camino (2002LACERDA, Marcos; PEREIRA, Cícero; CAMINO, Leôncio. Um estudo sobre as formas de preconceito contra homossexuais na perspectiva das representações sociais. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 165-178, 2002.) encontraram três posições: o preconceito flagrante baseado em preceitos morais e religiosos; o preconceito sutil em que a aceitação se dá de maneira contraditória, atribuindo a homossexualidade a algum tipo de desvio biológico ou psicológico; e a posição não-discriminatória, que adere ao pressuposto da igualdade. Pereira e Camino (2003PEREIRA, Cícero; CAMINO, Leôncio. Representações sociais, envolvimento nos Direitos Humanos e ideologia política em estudantes universitários de João Pessoa. Psicologia Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 16, n. 3, p. 447-460, 2003.) mostraram que o posicionamento dos estudantes universitários sobre direitos humanos estava diretamente relacionado à sua participação política. Lima-Nunes e Camino (2011LIMA-NUNES, Aline V.; CAMINO, Leôncio. Atitude político-ideológica e inserção social: fatores psicossociais do preconceito racial? Psicologia & Sociedade, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 135-143, 2011.) estudaram a relação entre as posições políticas e ideológicas de universitários e o preconceito racial. Concluíram que, embora negado nas falas explícitas, o preconceito racial continuava presente, de modo sutil, no contexto universitário. A diferenciação entre sutil e flagrante também foi adotada por Fleury e Torres (2007FLEURY, Alessandra R. D.; TORRES, Ana Raquel R. Análise psicossocial do preconceito contra homossexuais. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 24, n. 4, p. 475-486, dez. 2007.) e por Gusmão et al. (2016GUSMÃO, Estefânea Élida da Silva; et al. Valores humanos e atitudes homofóbicas flagrante e sutil. Psico-USF, v. 21, n. 2, p. 367-380, ago. 2016.) nos estudos sobre preconceito.

A importância da socialização política na família e na escola foi discutida por Fuks (2012FUKS, Mario. Atitudes, cognição e participação política: padrões de influência dos ambientes de socialização sobre o perfil político dos jovens. Opinião Pública, v. 18, n. 1, p. 88-108, jun. 2012.), que, entretanto, chama atenção para a necessidade de se investigar outros fatores que influenciam os conteúdos e os processos da socialização política dos jovens, tais como a escolaridade e o engajamento político dos pais. O preconceito resultaria de construções ideológicas amplamente compartilhadas pelos grupos sociais. Também na presente pesquisa procura-se pensar como o sistema de relações de gênero colabora para manter a violência de gênero, incluindo a homofobia, por um conjunto de valores, sentidos e práticas que se interconectam para dar legitimação (e não legitimidade) ao sistema.

Pereira, Ribeiro e Cardoso (2004PEREIRA, Cícero; RIBEIRO, Ana Raquel; CARDOSO, Sandro José. Envolvimento nos direitos humanos e sistemas de valores. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 1, p. 55-65, jan./abr. 2004.) dizem que o envolvimento dos jovens com os direitos de cidadania tende a ser abstrato, com ideias favoráveis, mas sem desenvolver práticas de defesa desses direitos. Vieira e Barros (2008VIEIRA, Camila Mugnai; BARROS, Mari Nilza Ferrari de. Cidadania: entre o compromisso e a indiferença. Desvendando as representações sociais de universitários. Psicologia em Estudo , Maringá, v. 13, n. 3, p. 513-522, jul./set. 2008.) analisam que, apesar dos universitários enunciarem um discurso crítico sobre a sociedade, também mantêm uma visão de mundo apartada dos interesses coletivos. Entretanto, autores como Dayrell e Carrano (2014DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo. Juventude e ensino médio: Quem é este aluno que chega à escola? In: DAYRELL, J.; CARRANO, P.; MAIA, Carla L. (Org.). Ensino médio: sujeitos e currículos em diálogo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 101-134.) e Mayorga (2011MAYORGA, Cláudia. Juventude e participação. In: MOURA, Maria Aparecida (Org.). Cultura informacional e liderança comunitária: concepções e práticas. Belo Horizonte: UFMG, PROEX, 2011. p. 31-34., 2013MAYORGA, Cláudia. Pesquisar a juventude e sua relação com a política - notas metodológicas. Estudos de Psicologia , Campinas, v. 18, n. 2, p. 343-350, abr./jun. 2013.) argumentam que os jovens, dependendo de seus pertencimentos sociais, contextos e pares, podem assumir posições ligadas ao combate às desigualdades e injustiças sociais. Para Scalon e Oliveira (2012SCALON, Celi; OLIVEIRA, Pedro Paulo de. A percepção dos jovens sobre desigualdades e justiça social no Brasil. Interseções, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 408-437, dez. 2012.), são os jovens de nível socioeconômico baixo que expressam maior apoio à igualdade social, ao mesmo tempo em que confiam no esforço individual para superar as desigualdades. Silva et al. (2008SILVA, Cristiane Gonçalves da; et al. Religiosidade, juventude e sexualidade: entre a autonomia e a rigidez. Psicologia em Estudo , Maringá, v. 13, n. 4, p. 683-692, dez. 2008.) acrescentam que a religiosidade interfere na maneira como os jovens compreendem a sexualidade, a normatividade sexual e sua própria experiência sexual.

Sposito (2009SPOSITO, M. P. (Org.). O campo de estudos de juventude no Brasil: estado da arte (1999-2006). Belo Horizonte: Argumentum, 2009. v.2. 536p.) compreende a relação entre juventude e política como um processo histórico em permanente transformação, que inclui diferentes causas e crenças, desconstruindo a ideia de que a juventude é sempre revolucionária. Em trabalho mais recente, Sposito e Tarábola (2016SPOSITO, Marilia Pontes; TARÁBOLA, Felipe de Souza. Experiência universitária e afiliação: multiplicidade, tensões e desafios da participação política dos estudantes. Educação e Sociedade, Campinas, v. 37, n. 137, p. 1009-1028, dez. 2016.) discutem que há uma multiplicidade possível de participação dos jovens, não dependendo apenas de veículos formais, mas também de formas que vão surgindo em um contexto de profundas mudanças políticas, como o do Brasil desde a década de 1990. A participação não se resume às formas politicamente instituídas, mas liga-se também às formas culturais e às lutas por reconhecimento identitário das minorias sociais, dentre outras.

Outros autores, como Milani (2008MILANI, Carlos R. S. O princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais: uma análise de experiências latino-americanas e européias. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 3, p. 551-579, maio/jun. 2008.) e Castro (2009CASTRO, Lúcia R. de. Juventude e socialização política: atualizando o debate. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 25, n. 4, p. 479-487, out./dez. 2009.), refletem que a participação política não se processa no vazio, mas está relacionada à maneira como a sociedade se organiza, aos espaços e meios existentes para participação, bem como às contradições encontradas, seus pontos de tensão e conflitos. Melquíades e Afonso (2017MELQUÍADES, Roseane L.; AFONSO, Maria Lúcia M. A participação juvenil nas políticas públicas para a juventude: uma questão de legitimidade? Tecer, Belo Horizonte, v. 10, n. 19, p. 159-169, nov. 2017.) acrescentam que seria preciso avaliar se e como os espaços de participação política, incluindo aqueles da sociedade civil organizada (conselhos, fóruns, conferências), após a Constituição Federal de 1988, têm de fato incorporado as demandas e a participação dos jovens. Finalmente, há que se reconhecer, junto a Dayrell, Moreira e Stengel (2011DAYRELL, Juarez; MOREIRA, Maria Ignez C.; STENGEL, Márcia. Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades. Belo Horizonte: Editora PUC-Minas, 2011.), Moreira, Rena e Souza (2013MOREIRA, Maria Ignez C.; RENA, Luiz C. C. B.; SOUZA, Maria do Carmo. Os sentidos construídos por adolescentes e jovens em contextos institucionais no Barreiro (BH) e Betim (MG) para a participação social e política. Estudos de Psicologia , Campinas, v. 18, n. 2, p. 397-404, abr./jun. 2013.) e Mayorga (2013MAYORGA, Cláudia. Pesquisar a juventude e sua relação com a política - notas metodológicas. Estudos de Psicologia , Campinas, v. 18, n. 2, p. 343-350, abr./jun. 2013.), que a visão política dos jovens é influenciada pelos seus pertencimentos sociais (classe, gênero, etnia e outros) bem como pelas formas de organização política do seu contexto.

Em relação à heteronormatividade e às relações de gênero, a literatura também mostra uma diversidade de posições. Pesquisando concepções sobre sexualidade entre jovens de 18 a 24 anos, Heilborn (2006HEILBORN, Maria Luíza. Entre as tramas da sexualidade brasileira. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 1, p. 3-59, jan./abr. 2006.) critica o mito da pretensa erotização na cultura brasileira, pois os comportamentos sexuais ainda denotavam posições tradicionais de gênero diante da vivência da sexualidade para mulheres e homens. Em relação à homossexualidade, há um índice considerável de pessoas que a tomavam como doença ou falta de vergonha.

Rondini, Teixeira Filho e Toledo (2017RONDINI, Carina A.; TEIXEIRA FILHO, Fernando S.; TOLEDO, Lívia G. Concepções homofóbicas de estudantes do ensino médio. Psicologia USP, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 57-71, abr. 2017.), estudando 2.159 estudantes do ensino médio, em três cidades de São Paulo, discutem que existe uma tolerância moderada em relação aos homossexuais, mas também contradições, como o aumento da rejeição quando a homossexualidade é explícita. Méndez-Tapia (2017MÉNDEZ-TAPIA, Manuel. Reflexiones críticas sobre homofobia, educación y diversidad sexual. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 42, n. 2, p. 673-686, jun. 2017.), pesquisando em universidades do México, argumenta que a homofobia não é meramente uma questão de socialização e é fortemente influenciada pelo poder que reafirma a ordem normativa sexual em torno da heterossexualidade e das relações de poder entre os gêneros.

Nesta pesquisa, adota-se a posição teórica de Méndez-Tapia (2017MÉNDEZ-TAPIA, Manuel. Reflexiones críticas sobre homofobia, educación y diversidad sexual. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 42, n. 2, p. 673-686, jun. 2017.) e Lima (2017LIMA, Andréa Moreira. Os direitos humanos LGBT entre o universal e o particular. Belo Horizonte: Relicário, 2017.): a homofobia é uma expressão das relações de poder. Entende-se que discursos homofóbicos não apenas são produzidospor indivíduos, mas estão ligados às instituições e a outros discursos normativos na sociedade, contrapondo-se à busca por novos sentidos.

Neste artigo, argumenta-se que a dimensão em que uma prática discriminatória pode ser sutil ou flagrante depende dos discursos que circulam no contexto e do grau de conflito que instiga os grupos sociais a demandarem direitos e reconhecimento, ou seja, de virem a perceber e a interpretar práticas sociais como justas ou injustas, jogando sobre elas a visibilidade do debate político.

Natividade (2006NATIVIDADE, Marcelo. Homossexualidade, gênero e cura em perspectivas pastorais evangélicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 21, n. 61, p. 115-132, jun. 2006.) estudou a perspectiva evangélica que vê a homossexualidade como antinatural, um problema espiritual e comportamental, que deve ser curado. Dez anos depois, Mesquita e Perucchi (2016MESQUITA, Daniele Trindade; PERUCCHI, Juliana. Não apenas em nome de Deus: discursos religiosos sobre homossexualidade. Psicologia & Sociedade , Florianópolis, v. 28, n. 1, p. 105-114, abr. 2016.) revelam essa mesma visão nas religiões cristãs católica e evangélica. Ambas rejeitam a homossexualidade e a entendem como pecado ou doença. As religiões integram os mecanismos de poder que sustentam a sociedade heteronormativa.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa foi realizada por meio de um survey,2 2 É importante esclarecer que esta pesquisa deu origem a diversos artigos, com a mesma metodologia. Abordaram-se separadamente os temas da diversidade sexual, igualdade de gênero, igualdade racial e direitos sociais. Pressupostos teóricos e procedimentos metodológicos são similares, uma vez que se trata da mesma pesquisa que teve como objetivo estudar os sentidos atribuídos, por jovens universitários, na faixa etária de 18 a 29 anos, aos direitos humanos e de cidadania, com ênfase nos direitos sociais e civis - tais como igualdade racial, igualdade de gênero, direito à diversidade sexual, à saúde, à educação, à renda e ao trabalho. Este artigo analisa os dados sobre igualdade de direitos e diversidade sexual.

A pesquisa foi realizada em três instituições universitárias, uma pública situada em uma cidade de médio porte de Minas Gerais, e duas particulares, em Belo Horizonte. O universo da pesquisa foi maior do que 50.000 sujeitos, levando ao cálculo de uma amostra simples de 387 casos, para um intervalo de confiança de 95% e margem de erro de 5%. A coleta de dados cobriu 423 casos. É importante informar que, em nenhuma das respostas analisadas, o número de respondentes foi inferior a 387, inclusive quando retirados os missing cases. A análise de significância da diferença entre grupos foi feita por meio da aplicação do teste qui-quadrado, com nível de significância menor ou igual a 5% (p).

É importante assinalar que a análise, baseada em estatística descritiva, foi feita com base nas distribuições percentuais intragrupos. Por exemplo, para cada questão sobre sentidos atribuídos a um dado fator, foi feita uma comparação entre a porcentagem de mulheres que atribui determinado sentido a esse fator dentro do grupo de mulheres e a porcentagem de homens que fornece essa mesma resposta dentro do grupo de homens. E assim por diante.

O instrumento de pesquisa foi um questionário com respostas fechadas, dividido em módulos, que deviam ser respondidos sucessivamente. Foi organizado na seguinte ordem: a) dados de identificação socioeconômica dos sujeitos, idade, sexo, cor, orientação sexual, curso e período cursado, renda familiar e pessoal, local de nascimento, religião, escolaridade e ocupação dos pais; b) questões sobre igualdade racial; c) questões sobre igualdade de gênero; d) questões sobre igualdade de direitos e diversidade sexual; e e) questões sobre direitos humanos e cidadania, com ênfase em direitos sociais - como acesso à saúde, educação, trabalho e renda.

A aplicação se deu em salas de aula, escolhidas a partir de horários disponíveis, com o consentimento de coordenadores e professores. Houve aplicação nos turnos diurno/noturno e em mais de 20 cursos, de diferentes áreas. Os estudantes recebiam explicação sobre os objetivos da pesquisa e o seu direito de participar ou não. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido era explicado e entregue, com cópia, para assinatura. O questionário era dado para que cada indivíduo marcasse suas respostas livremente. Um membro da equipe ficava disponível para esclarecimentos. A pesquisa cumpriu com todos os requisitos éticos, tendo sido aprovada por um Comitê de Ética em Pesquisa e cadastrada na Plataforma Brasil com o número 0203.2812.9.0000.5098.

ANÁLISE DOS DADOS

Dentre os estudantes universitários pesquisados, 67,4% assinalaram como resposta ser do sexo feminino e 32,6% do masculino. Do total de respondentes, 92,4% se declararam heterossexual, 2,4% homossexual, 3,1% bissexual e 2,1% não souberam dizer. É interessante notar que a contagem dos que se compreendem fora da ordem heterossexual representa 7,6% dos respondentes. Considerando que essa resposta pode tender à subnotificação, dada a delicadeza de tocar em assunto tão íntimo, marca-se aqui a importância desse dado para a universidade, em possíveis ações de apoio aos direitos humanos.

Quanto à idade, 77,8% tinham de 18 a 23 anos e 22,2%, de 24 a 29 anos. Adotou-se a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para cor/etnia, e pediu-se aos entrevistados que indicassem a sua cor. Considerando os percentuais válidos, a maioria simples 52,1% se declarou branca, enquanto 37,1% se disseram pardos, 9,5% negros, 0,7% orientais e 0,5% indígenas. É interessante notar algumas semelhanças com os dados de Tosta (2017TOSTA, Tania Ludmila Dias. A participação de estudantes universitários no trabalho produtivo e reprodutivo. Cadernos de Pesquisa , São Paulo, v. 47, n. 165, p. 896-910, set. 2017.), para a Universidade Federal de Goiás (UFG), onde havia 49,1% de brancos, 36,6% de pardos, 10% de negros e 2,7% de outras.

Do total de respondentes, 63,1% foram criados no catolicismo, 12,6% em religiões protestantes, 21,4% em outras e 2,9% em nenhuma. Atualmente, 50% são católicos, 14% protestantes, 11% têm outras religiões e 25% nenhuma. Metade da amostra (50,4%) informou que sua renda familiar não era superior a cinco salários mínimos (sm), 25,3% informaram que a sua renda familiar era maior que 5 sm e não superior a 10 sm e 24,3%, que era maior que 10 sm. Sobre a escolaridade do pai, 21,1% marcaram até o ensino fundamental incompleto, 17,8% ensino fundamental completo, 33,9% ensino médio completo e 27,1%, ensino superior completo ou mais. Já a escolaridade da mãe era de até o fundamental incompleto para 17,5%, fundamental completo para 12,7%, ensino médio completo para 36,5% e superior ou mais para 33,2%. Conforme encontrou Tosta (2017TOSTA, Tania Ludmila Dias. A participação de estudantes universitários no trabalho produtivo e reprodutivo. Cadernos de Pesquisa , São Paulo, v. 47, n. 165, p. 896-910, set. 2017.), em sua pesquisa na UFG, a maioria dos estudantes universitários ainda advém de estratos da população mais favorecidos em termos da renda e da escolaridade, inclusive no caso de pardos e negros, quando comparados com a população brasileira em geral.

A presente pesquisa aponta para uma composição da juventude universitária com diversidade de pertencimentos sociais: renda, religião, escolaridade dos pais. Não se pode pensar em homogeneidade de perfil ou de posicionamentos diante das questões sociais.

ANÁLISE DOS SENTIDOS SOBRE DIVERSIDADE SEXUAL

Nesta parte, são apresentadas as distribuições de frequência percentual referentes à opinião dos estudantes (discorda plenamente ou discorda, tem dúvida ou não tem opinião e concorda plenamente ou concorda) diante de cada uma das afirmativas pesquisadas, segundo a orientação sexual declarada pelo estudante. A Tabela 1 focaliza os sentidos atribuídos aos direitos humanos e à diversidade sexual em afirmativas de formulação geral; a Tabela 2 traz os sentidos atribuídos ao relacionamento interpessoal e social com pessoas homossexuais; a Tabela 3 registra os sentidos atribuídos sobre a homossexualidade; e a Tabela 4 aponta os sentidos atribuídos sobre os direitos de cidadania da população LGBT.

Além da porcentagem de estudantes que escolhem determinada resposta para uma afirmativa em relação ao total da amostra, as tabelas exibem a porcentagem dessa mesma resposta dentre os que se declaram heterossexuais (H) e aqueles que se declaram homossexuais ou bissexuais, aqui designados não heterossexuais (NH). Excluíram-se, para maior rigor, os casos em que o sujeito respondeu não saber sua orientação sexual (nove casos). Desse modo, 414 jovens universitários permanecem na amostra, sendo 22 NH e 392 H. Inseriu-se, nas tabelas, uma coluna com o valor de p (nível de significância descritivo do teste) e a informação se a diferença entre os grupos é estatisticamente significativa (S) quando p é igual ou menor que 0,05 ou não (NS).

Na Tabela 1, perante o total da amostra, vê-se que são altas as porcentagens dos que concordam com os valores universalistas, tal como o de que ninguém deve ser discriminado por causa de sua orientação sexual (95,6%). À primeira vista, os jovens universitários declaram um apoio grande à igualdade das pessoas, independentemente de sua orientação sexual. Entretanto, é possível notar, à medida que as assertivas tocam em pontos mais definidos (como trabalho e comportamento), uma diminuição do apoio e o aumento da dúvida, principalmente no grupo H e também na amostra como um todo (vale dizer que a distribuição percentual da amostra será, em geral, semelhante à distribuição dos H, pois o grupo NH é pequeno). Deve-se, então, indagar: onde aparecem os pontos de tensão e as fraturas do discurso da igualdade?

TABELA 1:
SENTIDOS ATRIBUÍDOS À DIVERSIDADE SEXUAL E AOS DIREITOS HUMANOS, SEGUNDO ORIENTAÇÃO SEXUAL DO ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO

Na Tabela 2, a seguir, pode-se observar que, quando há maior visibilidade para o comportamento homossexual, crescem a rejeição e a dúvida entre os H. Quando se comparam os 95% de apoio à afirmação “ninguém deve ser discriminado por sua orientação sexual” (Tabela 1) aos 41% de pessoas que dizem não ver problemas em casais de gays se beijarem em público (Tabela 2), pode-se problematizar que os participantes da pesquisa relativizam o que é ou não discriminação, permitindo- se inserir, como lógicas, tensões e contradições no discurso da igualdade. É importante notar que é justamente quando o comportamento é mais explícito que a diferença entre os grupos torna-se expressiva.

Surge uma primeira reflexão: no caso estudado, quem sofre com a discriminação mostra-se mais engajado no discurso não discriminatório. Os demais expressam contradições quanto à coerência e lógica desse discurso. Por exemplo, afirmam que poderiam conviver com gays, mas que há problemas no fato deles se beijarem em público. Assim, “conviver” tem um sentido ambivalente e limites indefinidos retorcem os signos de igualdade.

TABELA 2:
SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO RELACIONAMENTO SOCIAL E INTERPESSOAL COM PESSOAS HOMOSSEXUAIS, SEGUNDO A ORIENTAÇÃO SEXUAL DO ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO

Como se dá essa torção de sentidos? A Tabela 3 mostra as crenças sobre a homossexualidade. Iniciando com a negação de que seja um crime (97,7%), aumenta-se a dúvida entre os H se é uma doença (6,7%) a ser tratada (9,2%). Os H dizem que ninguém deve ser discriminado por sua orientação sexual (95,4%, na Tabela 1), mas que a homossexualidade não é normal (20,3%), sendo um “pecado” (15,6%) mais do que uma doença ou um crime. Esse deslocamento permitiria buscar uma coerência mínima no discurso sobre a igualdade, mantendo o preconceito encapsulado em uma visão religiosa.

TABELA 3:
SENTIDOS ATRIBUÍDOS A CRENÇAS SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE, SEGUNDO ORIENTAÇÃO SEXUAL DO ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO

A presente análise corrobora com a literatura estudada que entende a heteronormatividade como fundamentada em diversos mecanismos ideológicos, incluindo as religiões. E, ainda, que o preconceito pode ser negado de forma aberta e, ao mesmo tempo, afirmado de forma sutil (LIONÇO; DINIZ, 2008LIONÇO, Tatiana; DINIZ, Debora. Homofobia, silêncio e naturalização: por uma narrativa da diversidade sexual. Revista Psicologia Política, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 307-324, dez. 2008.; FLEURY; TORRES, 2007FLEURY, Alessandra R. D.; TORRES, Ana Raquel R. Análise psicossocial do preconceito contra homossexuais. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 24, n. 4, p. 475-486, dez. 2007.). Nessa sequência, busca-se avançar na compreensão da discriminação, que não se limita às crenças, mas envolve o posicionamento diante dos direitos e das condições de exercício da cidadania (Tabela 4).

TABELA 4:
SENTIDOS ATRIBUÍDOS A DIREITOS DE CIDADANIA DA POPULAÇÃO LGBT, SEGUNDO ORIENTAÇÃO SEXUAL DO ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO

Na Tabela 1, 86% dos respondentes concordaram que os direitos dos homossexuais fazem parte dos direitos humanos. Porém essa porcentagem caiu de maneira expressiva para 71% quando se tratou de garantir direitos em políticas públicas (Tabela 4). E, nesse caso, a diferença entre os grupos H e NH é estatisticamente significante. O pressuposto de normalidade, a possibilidade de viver os comportamentos de maneira aberta e o acesso aos direitos são pontos de tensão no discurso da igualdade. Os NH, como sujeitos que sofrem diretamente com a discriminação, declaram-se mais favoráveis aos direitos LGBT. Já no grupo H, o que era sutil, em termos de preconceito, aparece de maneira mais explícita.

As contradições e tensões no discurso igualitário também podem ser vistas na proporção dos que expressam dúvidas ou falta de opinião à medida que se abordam direitos. Pode ser que, dada a faixa etária dos jovens, essas questões sejam realmente novidade, e eles não se sintam preparados para respondê-las - o que não tira a relevância de pontuar que aquilo sobre o que têm dúvidas é justamente a matéria mais concreta da cidadania: os direitos. Aderindo a uma noção genérica e abstrata de igualdade e direitos humanos, talvez não reconheçam a necessidade de ações específicas para garantir direitos.

Como enfatiza Candau (2007CANDAU, Vera M. Educação em direitos humanos: desafios atuais. In: SILVEIRA, M. G; et al. (Org.). Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Universitária, 2007. p. 399-412.), existem aqueles que apoiam o princípio da igualdade em democracias, mas eliminam ou relativizam as diferenças. Dessa forma, deslegitimam as lutas específicas por direitos, como se fossem demandas por privilégios.

SEXO E RELIGIÃO: MARCADORES DE DIFERENÇAS DE SENTIDOS

Aprofundando a análise, as variáveis que mais se relacionam com os sentidos atribuídos pelos jovens à homossexualidade e à diversidade sexual são sexo e religião. Além do fato de que os NH são os que mais defendem os direitos LGBT, há que se comentar que as mulheres também defendem mais esses direitos. Porém, isso não se dá sem contradições.

Na Tabela 5, são apresentadas as proposições que trazem diferenças estatisticamente significantes entre homens e mulheres. As mulheres expressam mais sentidos positivos em relação à diversidade sexual e à convivência com as pessoas LGBT. Dentre os homens, há mais dúvidas ou falta de opinião. Nesse sentido, a presente análise corrobora Louro (2009LOURO, Guacira Lopes. Heteronormatividade e homofobia. In: JUNQUEIRA, Rogério Diniz (Org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia na escola. Brasília: Ministério da Educação, Unesco, 2009.), para quem os comportamentos heteronormativos são mais visíveis em sujeitos do sexo masculino, pois haveria rejeição das características femininas e de tudo aquilo que foge da heteronormatividade.

Entretanto, as dúvidas das mulheres também aumentam quando se trata de avaliar comportamentos homossexuais mais explícitos e alguns direitos de cidadania LGBT. Se, por um lado, os homens estão mais diretamente implicados nas posições de poder nas relações sociais de gênero - mesmo quando desejam criticá-las -, as mulheres se recusariam mais a discriminar pessoas LGBT porque elas também sofrem discriminação de gênero. Por outro lado, seus demais pertencimentos sociais, tais como classe e etnia, podem colocá-las em posição de ambiguidade, pois defender direitos LGBT poderia implicar, em algumas situações, a perda de privilégios como heterossexuais, ou de cor branca, ou de classe alta.

TABELA 5:
PROPOSIÇÕES A RESPEITO DE DIREITOS DE CIDADANIA E DIVERSIDADE SEXUAL, SEGUNDO O SEXO DO ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO

A outra variável relevante foi o pertencimento religioso, descrito na Tabela 6.

TABELA 6:
PROPOSIÇÕES A RESPEITO DE DIREITOS DE CIDADANIA E DIVERSIDADE SEXUAL, SEGUNDO A RELIGIÃO DO ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO

Nas afirmativas da Tabela 6, pode-se notar que o pertencimento religioso impacta os sentidos atribuídos à diversidade sexual e aos direitos LGBT. Embora a maioria dos respondentes apoie os direitos, o apoio decresce à medida que comportamentos mais explícitos e ações de política pública estão envolvidos. Dentro desse quadro, observa-se então que os menores índices de apoio e os maiores índices de dúvida são do grupo das religiões protestantes. O catolicismo vem em seguida. Aqueles ligados a outras religiões ou a nenhuma constituem grupos mais flexíveis no que diz respeito à aceitação e apoio aos direitos LGBT.

Entretanto, é interessante observar que, se a religião é um fator que impacta os sentidos atribuídos aos direitos LGBT, de forma alguma a religião se coloca como um dado isolado na cultura e na sociedade. O que se vê, na sociedade brasileira, é que o pertencimento religioso tem muitas articulações com outros pertencimentos sociais, como renda e educação.

Assim, é importante mencionar que, nesta pesquisa, foram obtidas outras tabelas de contingência para examinar relações entre as variáveis referentes aos sentidos atribuídos à diversidade sexual e as variáveis renda familiar, escolaridade do pai, escolaridade da mãe, cor e idade. Apesar de uma ou outra tabela de contingência apresentar nível de significância descritivo inferior ou igual a 5% na aplicação do teste qui-quadrado, não houve consistência nesses resultados para que se pudesse concluir que tais variáveis provocassem impacto na atribuição de sentidos, como foi descrito na Tabela 6.

No exame das tabelas de contingência de sexo, cor, renda familiar, nível de escolaridade paterna e materna segundo a religião atual, a única variável que não indicou relação estatisticamente significante com o pertencimento religioso (p>0,05) foi a renda familiar.

As mulheres representam 67,4% da amostra e estão mais ligadas à religião: 18,7% não tinham religião, 51,8% eram católicas, 17,6% protestantes e 11,9% praticavam outras religiões. Já entre os homens, 36,8% não tinham religião, 46,3% eram católicos, 5,9% protestantes e 11% tinham outras religiões. Ou seja, se as mulheres dão mais suporte aos direitos LGBT do que os homens, se elas são mais inseridas em religiões, se as religiões expressam limitações para os direitos LGBT, a atribuição de sentidos pela amostra como um todo se revela mais positiva a esses direitos pelo contingente de mulheres presentes.

Em termos da variável cor e a relação com a religião atual do estudante universitário: os brancos estão mais presentes na religião católica (56,1%), em nenhuma (21,5%), em outras (13,6%) e, por fim, na protestante (8,9%). Já pardos e negros, embora também declarem maior pertencimento ao catolicismo (46,1% e 37,5%) e a nenhuma religião (27,5% e 27,6%), praticam o protestantismo (17,8% e 22,5%) mais do que os brancos e também outras religiões (8,6% e 12,5%). Evidentemente, é preciso lembrar que essas proporções refletem o pertencimento religioso no ensino superior e não no todo da sociedade.

A escolaridade paterna (p= 0,01) e a materna (p=0,01) mostraram que há forte associação com a escolha religiosa. A porcentagem de estudantes universitários católicos ou protestantes cujos pais têm nível alto de instrução é inferior à correspondente porcentagem para o total da amostra. O pertencimento ao protestantismo é maior nos níveis de instrução mais baixos.

Assim, não obstante, nesta pesquisa, não ter sido possível detectar com maior rigor a influência das variáveis cor, renda, escolaridade do pai e da mãe sobre os sentidos atribuídos à cidadania LGBT, sugere-se a realização de novas pesquisas com amostras maiores, possivelmente divididas em clusters, visando a responder a novas perguntas nessa área. A associação da opção religiosa com os sentidos atribuídos aos direitos LGBT poderá ser melhor compreendida se situada em um conjunto de variáveis contextuais que expressem a formação religiosa na formação social brasileira e seus valores culturais.

A religião pode ser de fato uma mediadora de visões de mundo sobre a sexualidade e a heteronormatividade. No entanto, é preciso lembrar que as escolhas religiosas têm um lugar na história do país. O catolicismo foi hegemônico até o aparecimento ou o reconhecimento de outras religiões, como o protestantismo e o candomblé, na segunda metade do século XX. Seria interessante pesquisar se há diferenças na juventude brasileira em relação à questão da religiosidade e como essas diferenças se articulam aos sentidos que atribuem à cidadania.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual geração de jovens universitários cresceu em uma sociedade marcada ao mesmo tempo por profundas desigualdades sociais, pelos esforços de democratização e pelas resistências à democracia. No final do século XX e início do século XXI, a expansão do acesso ao ensino superior mudou muito a composição da juventude universitária, como mostra a Sinopse da educação superior no Brasil (BRASIL, 2011BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep. Sinopse da educação superior no Brasil. Brasília: 2011. Disponível em: <Disponível em: http://portal.inep.gov.br/ superior-censosuperior-sinopse >. Acesso em: 5 ago. 2016.
http://portal.inep.gov.br/ superior-cens...
). No curso desse processo, houve também mudanças nas relações de gênero e no padrão de heteronormatividade. Esta pesquisa buscou compreender como os jovens universitários se posicionam diante de mudanças referentes à diversidade sexual, considerando a cidadania das pessoas LGBT. Os resultados apontaram para contradições e fraturas no discurso sobre a igualdade e os direitos de cidadania.

Quando assertivas genéricas são apresentadas aos jovens, nota-se um alto grau de aceitação da homossexualidade (no intervalo de 90% a 95%). No entanto, essa aceitação declina quando se coloca em questão a convivência com pessoas homossexuais e, ainda mais, quando se aborda o apoio aos seus direitos de cidadania. Isso nos leva a pensar que as mudanças no sistema da heteronormatividade são ainda superficiais, no sentido de se colocarem mais no âmbito das generalizações e suposições.

Assim, é importante reconhecer a abertura de horizontes dessa geração, mas não se esquecer de que as lutas sociais, no Brasil atual, podem ter um efeito de desestruturação, reimprimindo força aos discursos tradicionais e fazendo desmanchar no ar aquilo que hoje parece sólido!

As designações sutis ou flagrantes para indicar o preconceito e a discriminação são úteis (LACERDA; PEREIRA; CAMINO, 2002LACERDA, Marcos; PEREIRA, Cícero; CAMINO, Leôncio. Um estudo sobre as formas de preconceito contra homossexuais na perspectiva das representações sociais. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 165-178, 2002.; PEREIRA; CAMINO, 2003PEREIRA, Cícero; CAMINO, Leôncio. Representações sociais, envolvimento nos Direitos Humanos e ideologia política em estudantes universitários de João Pessoa. Psicologia Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 16, n. 3, p. 447-460, 2003.; LIMA NUNES; CAMINO, 2011LIMA-NUNES, Aline V.; CAMINO, Leôncio. Atitude político-ideológica e inserção social: fatores psicossociais do preconceito racial? Psicologia & Sociedade, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 135-143, 2011.; FLEURY; TORRES, 2007FLEURY, Alessandra R. D.; TORRES, Ana Raquel R. Análise psicossocial do preconceito contra homossexuais. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 24, n. 4, p. 475-486, dez. 2007.; GUSMÃO et al., 2016GUSMÃO, Estefânea Élida da Silva; et al. Valores humanos e atitudes homofóbicas flagrante e sutil. Psico-USF, v. 21, n. 2, p. 367-380, ago. 2016.), porém, neste estudo, busca-se aprofundar a compreensão de que tais sutilezas/expressividades das práticas discriminatórias dependem dos discursos que circulam no contexto, do grau de conflito entre grupos sociais a demandarem direitos e reconhecimento, e da sua interpretação das práticas sociais como justas ou injustas, jogando sobre elas a visibilidade do debate político, o que corrobora as contribuições de Lionço e Diniz (2008LIONÇO, Tatiana; DINIZ, Debora. Homofobia, silêncio e naturalização: por uma narrativa da diversidade sexual. Revista Psicologia Política, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 307-324, dez. 2008.), Dinis (2011DINIS, Nilson Fernandes. Homofobia e educação: quando a omissão também é signo de violência. Educação em Revista, Curitiba, n. 39, p. 39-50, abr. 2011.), Lima (2017LIMA, Andréa Moreira. Os direitos humanos LGBT entre o universal e o particular. Belo Horizonte: Relicário, 2017.) e Méndez-Tapia (2017MÉNDEZ-TAPIA, Manuel. Reflexiones críticas sobre homofobia, educación y diversidad sexual. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 42, n. 2, p. 673-686, jun. 2017.), dentre outras.

Na pesquisa, houve pertencimentos sociais que influenciaram o suporte aos direitos humanos e à cidadania LGBT: mulheres e pessoas sem vinculação religiosa. Entretanto, foram notadas também contradições nessas posições, sendo que, à medida que são questionados sobre o acesso aos direitos, todos os respondentes mostram maior percentual de dúvida ou negação.

O pertencimento ao grupo LGBT mostra maior suporte aos direitos tanto em termos genéricos quanto na relação com a cidadania. Levanta-se a velha máxima: aqueles que sofrem com a desigualdade podem ser os primeiros a denunciá-la. Ou seja, serão os esforços de democratização da sociedade, com a efetiva participação dos diversos setores, que colocarão em questão a mudança das relações de gênero para uma equação de maior igualdade, inclusive no que diz respeito à diversidade sexual e à diversidade da juventude.

As assertivas relativas aos direitos de cidadania também fazem crescer a presença de dúvidas. Pode-se pensar que, dada a faixa etária dos jovens, a dúvida pode, em parte, acontecer porque eles ainda estão formando a sua opinião. Entretanto, não deixa de chamar a atenção o fato de que é justamente sobre a questão dos direitos que elas ocorrem.

Em um ambiente universitário, mesmo sendo anônima a resposta ao questionário, talvez os estudantes prefiram não enunciar respostas conservadoras. Ou talvez se trate de uma falta de implicação com a questão. Pode ser que a experiência acadêmica venha a trazer novas percepções sobre o mundo. E também pode ser que, uma vez conquistado o diploma, o mercado de trabalho e a renda, as posições deslizem para uma instância mais tradicional. Ora, o tempo da experiência acadêmica pode representar um período de abertura de horizontes intelectuais e culturais ou, pelo contrário, pode funcionar como uma moratória para as ideias conservadoras.

As transições políticas atuais da sociedade brasileira não deixam muita margem para uma visão otimista. Percebe-se que as lutas pela igualdade de gênero e respeito à diversidade continuam e terão que encontrar novas expressões. São os jovens que, hoje e amanhã, nos dirão sobre a sua visão de futuro e como, ocupando lugares de saber e poder, vão agir a favor de ou contra uma sociedade democrática e igualitária.

Nesse contexto, é válido ressaltar que as instituições de ensino superior precisariam criar estratégias, em todos os cursos, visando à formação do aluno em uma sociedade complexa e plural. Segundo as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2012BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução n. 1, de 30 de maio de 2012. Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Brasília: MEC, 2012.), a universidade tem um papel a desempenhar para a construção de uma cultural democrática. Mais do que um conjunto de conteúdos acadêmicos, deve-se buscar oferecer, além de informação, espaços de reflexão sobre a cidadania e os direitos humanos, no ensino, na pesquisa e na extensão. Nos dizeres de Schilling e Angelucci (2016SCHILLING, Flávia; ANGELUCCI, Carla B. Conflitos, violências, injustiças na escola? Caminhos possíveis para uma escola justa. Cadernos de Pesquisa , São Paulo, v. 46, n. 161, p. 694-715, jul./set. 2016.), não se espera um consenso nas discussões sobre (in)justiça no contexto escolar e também, poder-se-ia dizer, na sociedade. As autoras propõem que a democracia - ou uma instituição democrática - não alcança necessariamente o consenso, mas constrói a possibilidade de lidar com as diferenças, divergências e conflitos de forma não violenta.

Nesse sentido, é válido lembrar o conjunto de ações em direitos humanos para instituições de ensino superior que Lourenço e Afonso (2015LOURENÇO, Clície A. P.; AFONSO, Maria Lúcia M. Educação em direitos humanos no ensino superior: estratégias políticas, teóricas e metodológicas. Competência, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 83-100, jan./jul. 2015.) sugerem, incluindo debates, oficinas, rodas de conversa, projetos culturais, editais de pesquisa, projetos de extensão, conteúdos transversais, dentre outras possibilidades. Como argumenta Bertolin (2017BERTOLIN, Júlio. A formação integral na educação superior e o desenvolvimento dos países. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 165, p. 848-871. jul./set. 2017.), a formação integral e cultural no ensino superior colabora para formar o cidadão crítico que, por sua vez, pode contribuir para a democracia. O ensino superior comporta a possibilidade da crítica diante do conhecimento, em todas as áreas, e de sua aplicação à sociedade. Evoca-se a própria prática do estudante, em todos os cursos, respondendo a demandas que são não apenas as do mercado, mas também demandas sociais, fortalecendo iniciativas de inclusão social e redução das desigualdades.

Finalmente, é importante apontar algumas das limitações desta pesquisa. Iniciada para conhecer os sentidos que os jovens atribuem à cidadania e aos direitos humanos, percebeu-se, ao longo do processo, que as análises poderiam ter sido mais amplas com uma amostra maior e que se organizasse em coortes para que algumas comparações intergrupos pudessem ser mais sólidas. Nesse caso, seria mais viável trabalhar as relações entre um conjunto de variáveis, tais como gênero e etnia, com outro conjunto de variáveis, como renda familiar, grau de instrução dos pais e religião, para que uma melhor visão de conjunto pudesse ser construída. Assim, sugere-se a realização de novas pesquisas com essas características, que possam aprofundar a questão, tão atual, dos diferentes aspectos vividos pela juventude brasileira na relação com os direitos de cidadania e os direitos humanos.

REFERÊNCIAS

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Notas

  • 1
    Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Centro Universitário Una, Belo Horizonte (MG), Brasil.
  • 2
    É importante esclarecer que esta pesquisa deu origem a diversos artigos, com a mesma metodologia. Abordaram-se separadamente os temas da diversidade sexual, igualdade de gênero, igualdade racial e direitos sociais. Pressupostos teóricos e procedimentos metodológicos são similares, uma vez que se trata da mesma pesquisa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2018
  • Aceito
    25 Jun 2018
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