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Exames e lógicas de fabricação de bons alunos nas classes médias

Exams and logics of producing good pupils in the middle classes

Examens et logiques de fabrication des bons élèves de classe moyenne

Exámenes y lógicas de fabricación de buenos alumnos en las clases medias

RESUMO

Neste texto, analisam-se as opiniões de pais das classes médias urbanas, muito escolarizadas, difundidas na blogosfera, acerca dos exames do 4º ano, no quadro do crescente investimento na educação e escolarização dos filhos protagonizado por esse grupo social. A análise de 38 posts e 311 comentários pertencentes a 29 blogues, publicados entre 2012 e 2015 em páginas portuguesas da internet, evidenciou várias lógicas de fabricação de bons alunos que contrariam a suposta homogeneidade atribuída à relação das classes médias com a escola. Propõese uma tipologia exploratória que procura dar conta de distintas éticas do trabalho escolar, modelos de acompanhamento do trabalho escolar e conceções de criança-aluno coexistentes nesse grupo social.

Palavras Chaves:
Relações Pais-Alunos; Classe Média; Relações Escola-Família; Rendimento Escolar

ABSTRACT

In this text, we analyze the opinions of parents from urban middle classes with high school degrees in the blogosphere, disclosed in relation to the 4th year exams, in the context of the growing investment in education and schooling of children carried out by this social group. The analysis of 38 posts and 311 comments, coming from 29 blogs published between 2012 and 2015 on Portuguese Internet pages, showed various thoughts on producing good students. These contradicted the supposed homogeneity attributed to the relationship of the middle class with school. We proposed an exploratory typology that seeks to account for different ethics of school work, models for monitoring the school work, and child-student conceptions coexisting within this social group.

Keywords:
Parent-Child Relationship; Middle Class; School Family Relationship; Academic Achievement

RÉSUMÉ

Ce texte analyse les opinions de parents très scolarisés, issus des classes moyennes urbaines, concernant les examens de la quatrième année. Très répandues sur la blogosphère, ces opinions s’inscrivent dans le cadre de l’accroissement des investissements en éducation et de la scolarisation des enfants provenant de ce groupe social. L’analyse de 38 publications et de 311 commentaires appartenant à 29 blogs, publiés entre 2012 et 2015 sur des pages internet en portugais, a montré plusieurs logiques de fabrication de bons élèves qui contredisent l’homogénéité présumée des rapports entre les classes moyennes et l’école. On propose ici une typologie exploratoire visant à rendre compte non seulement des différentes éthiques du travail scolaire, mais aussi des modèles de suivi de ce travail, ainsi que des conceptions de l’enfant-élève coexistantes au sein de ce groupe social.

Mots clés:
Relations Parents-Étudiants; Classe Moyenne; Relations École-Famille; Rendement Scolaire

RESUMEN

En este texto, se analizan las opiniones de padres de las clases medias urbanas, muy escolarizadas, difundidas en la blogosfera, acerca de los exámenes del 4º año, en el marco de la creciente inversión en la educación y escolarización de los hijos protagonizada por este grupo social. El análisis de 38 mensajes y 311 comentarios, pertenecientes a 29 blogs, publicados entre 2012 y 2015, en páginas web portuguesas, mostró varias lógicas de fabricación de buenos alumnos que contradicen la supuesta homogeneidad atribuida a la relación de las clases medias con la escuela. Se propone una tipología exploratoria que busca explicar las distintas éticas del trabajo escolar, modelos de seguimiento del trabajo escolar y concepciones de niño-alumno coexistentes en este grupo social.

Palabras clave:
Relación Padres-Niño; Clase Media; Relaciones Escuela-Familia; Rendimiento Escolar

A AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS DOS ALUNOS ATRAVÉS DE EXAMES TEM VINDO

A expandir-se de forma progressiva na União Europeia (EURYDICE, 2010EURYDICE. Exames nacionais de alunos na Europa. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação, 2010.), à semelhança de muitos outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), especialmente desde a década de 1990, adquirindo uma centralidade e omnipresença sem precedentes (MONS, 2009MONS, N. Effets théoriques et réels des politiques d’évaluation standardisée. Revue Française de Pédagogie, v. 169, p. 99-139, 2009). Com carácter sumativo, implicando algum tipo de consequências no percurso escolar do aluno (como a transição, a classificação final ou a orientação), ou sem essa finalidade (EURYDICE, 2010EURYDICE. Exames nacionais de alunos na Europa. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação, 2010.), os exames nacionais têm sido assumidos pelos governos como um instrumento essencial para medição, controlo e planeamento do sistema educativo por forma a melhorar sua qualidade, eficácia e eficiência (EURYDICE, 2010EURYDICE. Exames nacionais de alunos na Europa. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação, 2010.).

Longe de consensual, a elevada importância que os exames assumem hoje nos sistemas educativos tem suscitado abordagens críticas (AFONSO, 2014AFONSO, A. Questões, objetos e perspetivas em avaliação. Avaliação: Revista da Educação Superior, Campinas, v. 19, n. 2, p. 487-507, 2014.) e múltiplas questões, nomeadamente em relação aos seus efeitos (MONS, 2009MONS, N. Effets théoriques et réels des politiques d’évaluation standardisée. Revue Française de Pédagogie, v. 169, p. 99-139, 2009; EURYDICE, 2010), tais como: estreitamento dos objetivos de ensino e aprendizagens realizadas, privilegiando-se os objetivos de aprendizagem mensuráveis em detrimento daqueles de socialização, de tal modo que a escola passa a ser vista mais como um sistema de produção do que como uma instituição (EURYDICE, 2010EURYDICE. Exames nacionais de alunos na Europa. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação, 2010.; MAROY; VOISIN, 2013MAROY, C.; VOISIN, A. As transformações recentes das políticas de accountability na educação: desafios e incidências das ferramentas de ação pública. Educação & Sociedade , Campinas, v. 34, n. 124, p. 881-901, 2013.; MONS, 2009MONS, N. Effets théoriques et réels des politiques d’évaluation standardisée. Revue Française de Pédagogie, v. 169, p. 99-139, 2009); pressão psicológica dos exames e reflexos na motivação dos alunos e professores em relação ao trabalho escolar (EURYDICE, 2010EURYDICE. Exames nacionais de alunos na Europa. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação, 2010.; MONS, 2009MONS, N. Effets théoriques et réels des politiques d’évaluation standardisée. Revue Française de Pédagogie, v. 169, p. 99-139, 2009); e resistência dos atores, espe cialmente dos professores, para aderirem a uma cultura baseada na medição das performances, ou dos gestores escolares, para lidarem com a pressão dos pais (MONS, 2009MONS, N. Effets théoriques et réels des politiques d’évaluation standardisée. Revue Française de Pédagogie, v. 169, p. 99-139, 2009). Se a avaliação externa tem estado no centro das políticas educativas atuais, baseadas em retóricas políticas fortes, os estudos empíricos realizados têm sido inconclusivos quanto aos benefícios da avaliação externa quer na melhoria da eficácia dos sistemas educativos, quer na redução de desigualdades educacionais entre grupos sociais ou étnicos (MONS, 2009MONS, N. Effets théoriques et réels des politiques d’évaluation standardisée. Revue Française de Pédagogie, v. 169, p. 99-139, 2009).

A extensão desta agenda ao primeiro ciclo do ensino básico em PortugalPORTUGAL. Conselho Nacional de Educação. Avaliação das aprendizagens dos alunos no ensino básico. Relatório técnico . Lisboa: CNE, 2016., no ano letivo 2012/13,1 1 Decreto-Lei n. 139/2012, de 5 de julho; Despacho Normativo n. 24-A/2012. com a reintrodução de exames nacionais no 4º ano,2 2 Em Portugal, o 4º ano de escolaridade é o ano terminal do 1º ciclo do ensino básico, sendo frequentado por alunos com 9/10 anos. gerou um aceso debate nos media e não deixou indiferente um conjunto alargado de atores implicados nos processos educativos.3 3 Embora abolidos em 2015, a discussão não ficou encerrada, como comprova o relatório técnico da CNE (PORTUGAL, 2016) e as notícias que continuaram a circular nos media (DIOGO et al., 2016). Em trabalhos anteriores procurámos identificar os diferentes tipos de agentes sociais que se manifestaram na blogosfera (MELO et al., 2016MELO, B. P.; DIOGO, A. M.; FERREIRA, M. O regresso dos exames do 4º ano: escola, crianças e dinâmicas familiares na blogosfera. Sociologia, Problemas e Práticas , v. 81, p. 141-161, 2016), assim como aqueles a quem foi dada voz na televisão, em peças noticiosas (FERREIRA et al., 2018FERREIRA, M.; DIOGO, A. M.; MELO, B. P. Performance escolar: os exames do 4.º ano na TV. Análise Social, v. 227, n. LIII, p. 280-307, 2018.), confrontando os seus discursos, com o objetivo de encontrar pistas exploratórias para investigar os reflexos dos exames do 4º ano nas dinâmicas escolares e familiares.

Neste texto circunscrevemo-nos aos pais das classes médias urbanas. Ao contrário de outros tipos de atores e grupos sociais, os pais das frações mais qualificadas das classes médias evidenciaram-se na pesquisa anterior por serem os únicos que se manifestavam na blogosfera a partir da sua experiência de maternidade/paternidade. Além disso, diferentemente dos discursos registados na televisão, mais fugazes e condicionados pela lógica de produção noticiosa, as publicações em blogues parecem possibilitar uma maior aproximação às subjetividades e práticas dos atores sociais relativamente aos exames do 4º ano.

Verificámos anteriormente que os pais desta categoria social tendiam a naturalizar a existência dos exames, incorporando o dever de garantir o sucesso escolar e bem-estar dos seus filhos, através de uma intensa pedagogização e curricularização do quotidiano familiar (MELO et al., 2016MELO, B. P.; DIOGO, A. M.; FERREIRA, M. O regresso dos exames do 4º ano: escola, crianças e dinâmicas familiares na blogosfera. Sociologia, Problemas e Práticas , v. 81, p. 141-161, 2016; FERREIRA et al., 2018FERREIRA, M.; DIOGO, A. M.; MELO, B. P. Performance escolar: os exames do 4.º ano na TV. Análise Social, v. 227, n. LIII, p. 280-307, 2018.). Retomando os discursos desses pais sobre os exames do 4º ano na blogosfera, e aprofundando a sua análise, exploramos, agora, a hipótese de que subjacentes aos seus posicionamentos e reações aos exames estarão distintas lógicas de escolarização das famílias das classes médias, assentes em diferentes éticas do trabalho escolar que se articulam com vários modelos de acompanhamento parental do trabalho escolar e conceções de criança-aluno. A partir de uma tipologia exploratória, procuramos evidenciar a diversidade de valores e conceções que é possível encontrar nestas famílias das classes médias, contrariando a suposta homogeneidade que habitualmente lhes é atribuída nas suas relações com a escola, e sistematizar diferentes lógicas de fabricação de bons alunos que estarão presentes nas dinâmicas das classes médias.

CLASSE MÉDIA E ESCOLA: PARENTOCRACIA, REFLEXIVIDADE E ANSIEDADE NUM CONTEXTO DE PERFORMATIVIDADE

De difícil definição, correspondendo a realidades relativamente diferentes segundo as tradições teóricas, a noção de classe média tem vindo a ser mobilizada pelas ciências sociais (CHAUVEL, 2004CHAUVEL, L. L’école et la déstabilisation des classes moyennes. Éducation et Sociétés , v. 2, n. 14, p. 101-118, 2004.), nomeadamente nos estudos sobre a relação das famílias com a escola no quadro da evolução dos sistemas educativos das últimas décadas (BALL, 2003BALL, S. J. Class strategies and the education market: the middle class and social advantage. London: Routledge Falmer, 2003.; NOGUEIRA, 2012NOGUEIRA, M. A. Um tema revisitado: as classes médias e a educação escolar. In: DAYRELL, J.; NOGUEIRA, M. A.; RESENDE, J. M.; VIEIRA, M. M. (Org.). Família, escola e juventude. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 110-131.; VAN ZANTEN, 2004VAN ZANTEN, A. Les classes moyennes, l’école et la ville: la reproduction renouvelée. Education et Sociétés, n. 14, p. 5-12, 2004., 2007VAN ZANTEN, A. Reflexividad y elección de la escuela por los padres de la clase media en Francia. Revista de Antropologia Social, n. 16, p. 245-278, 2007.). Considerada, por vezes de forma simplificada, como a classe social em que se encontram todos os que não pertencem nem à classe mais destituída de recursos nem à elite dirigente, a classe média emergiu e expandiu-se estreitamente associada ao desenvolvimento das sociedades modernas nos países ocidentais, reconhecendo-se-lhe, por essa razão, uma crescente complexidade interna traduzida na coexistência de diversas frações (BIDOU-ZACHARIASEN, 2004BIDOU-ZACHARIASEN, C. Les classes moyennes: définitions, travaux et controverses. Éducation et Sociétés, n. 14, p. 119-134, 2004.; ESTANQUE, 2012ESTANQUE, E. A classe média: ascensão e declínio. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2012.).

No seu seio, a fração dominante da classe média44 4 Proliferando também aqui as definições, referimo- -nos especialmente às novas classes médias assalariadas referentes aos profissionais técnicos e de enquadramento, designadas pelos anglo-saxónicos como service class (BIDOU- -ZACHARIASEN, 2004). tem vindo a ganhar especial protagonismo, sendo uma das categorias sociais que conheceu maior expansão no contexto europeu, ao longo da segunda metade do século XX, associada ao desenvolvimento da sociedade da informação e do conhecimento (BIDOU-ZACHARIASEN, 2004BIDOU-ZACHARIASEN, C. Les classes moyennes: définitions, travaux et controverses. Éducation et Sociétés, n. 14, p. 119-134, 2004.; COSTA et al., 2000COSTA, A. F.; MAURITTI, R.; MARTINS, S. C.; MACHADO, F. L.; ALMEIDA, J. F. Classes sociais na Europa. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 34, p. 9-46, 2000.). Caracteriza-se, por esse motivo, por uma experiência comum de mobilidade social ascendente, demarcando-se das outras frações da classe média, os empregados executantes e a pequena burguesia proprietária, em termos identitários, de valores e estilos de vida (BIDOU- ZACHARIASEN, 2004BIDOU-ZACHARIASEN, C. Les classes moyennes: définitions, travaux et controverses. Éducation et Sociétés, n. 14, p. 119-134, 2004.).

Embora sem a expressão dos outros países europeus (COSTA et al., 2000COSTA, A. F.; MAURITTI, R.; MARTINS, S. C.; MACHADO, F. L.; ALMEIDA, J. F. Classes sociais na Europa. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 34, p. 9-46, 2000.), em Portugal as novas classes médias assalariadas têm vindo a destacar-se pelas suas elevadas qualificações e posições organizacionais intermédias, inserção predominantemente urbana, especificidade dos seus consumos e práticas culturais, paridade entre sexos e experiência de mobilidade social (ALMEIDA et al., 2007ALMEIDA, J. F.; CAPUCHA, L.; COSTA, A. F.; MACHADO, F. L.; TORRES, A. A sociedade. In: REIS, A. (Org.). Retrato Portugal: factos e acontecimentos. Rio de Mouro: Temas & Debates, 2007. p. 43-79.; CARDOSO et al., 2015CARDOSO, G.; COSTA, A. F.; COELHO, A.; PEREIRA, A. A sociedade em rede em Portugal: uma década de transição. Coimbra: Almedina, 2015.). É sobretudo graças ao seu investimento em formação de nível superior que essa categoria social tem sido protagonista de “um dos mais importantes fluxos de mobilidade social ascendente em Portugal nas últimas décadas” (ALMEIDA et al., 2007ALMEIDA, J. F.; CAPUCHA, L.; COSTA, A. F.; MACHADO, F. L.; TORRES, A. A sociedade. In: REIS, A. (Org.). Retrato Portugal: factos e acontecimentos. Rio de Mouro: Temas & Debates, 2007. p. 43-79., p. 50).

Detentora privilegiada de capital cultural, adquirido essencialmente por via escolar, há muito que essa fração da classe média é conhecida também pelo seu investimento na educação e escolarização dos filhos, como estratégia de reprodução/mobilidade social (BOURDIEU, 1979BOURDIEU, P. La distinction: critique sociale du jugement. Paris: De Minuit, 1979.; MAGALHÃES; STOER, 2002MAGALHÃES, A.; STOER, S. A nova classe média e a reconfiguração do mandato endereçado ao sistema educativo. Educação, Sociedades & Culturas, n. 18, p. 25-40, 2002.). No entanto, a literatura tem dado conta de uma renovação e intensificação das estratégias dos pais das classes médias, nas últimas décadas, através de um acompanhamento mais ativo da escolaridade dos filhos, como resposta à sua preocupação com a elevada incerteza em relação ao futuro dos jovens (BALL, 2004BALL, S.; VINCENT, C.; KEMP, S.; PIETIKAINEN, S. Middle class fractions, childcare and the “relational” and “normative” aspects of class practices, The Sociological Review, v. 52, n. 4, p. 478-502, 2004.; BROWN, 1990BROWN, P. The “Third wave”: education and the ideology of parentocracy. British Journal of Sociology of Education, v. 11, n. 1, p. 65-85, 1990.; VAN ZANTEN, 2005VAN ZANTEN, A. New modes of reproducing social inequality in education: the changing role of parents, teachers, schools and educational policies. European Educational Research Journal, v. 4, n. 3, p. 155-169, 2005., 2007VAN ZANTEN, A. Reflexividad y elección de la escuela por los padres de la clase media en Francia. Revista de Antropologia Social, n. 16, p. 245-278, 2007.).

Diversos autores têm se referido a uma crescente parentocracia para descrever este fenómeno (BARRETT DEWIELE; EDGERTON, 2016BALL, S.; VINCENT, C.; KEMP, S.; PIETIKAINEN, S. Middle class fractions, childcare and the “relational” and “normative” aspects of class practices, The Sociological Review, v. 52, n. 4, p. 478-502, 2004.; BROWN; 1990BROWN, P. The “Third wave”: education and the ideology of parentocracy. British Journal of Sociology of Education, v. 11, n. 1, p. 65-85, 1990.; VAN ZANTEN, 2008VAN ZANTEN, A. El fin de la meritocracia: un análisis de los cambios recientes en las relaciones de la escuela con el sistema económico, político y social. In: FANFANI, E. T. (Org.). Nuevos tiempos y nuevos temas de la agenda de política educativa. Buenos Aires: IIPE Unesco/SXXI Editores, 2008. p. 173-190.). A noção de parentocracia é introduzida por Brown (1990BROWN, P. The “Third wave”: education and the ideology of parentocracy. British Journal of Sociology of Education, v. 11, n. 1, p. 65-85, 1990.) para distinguir uma nova vaga no desenvolvimento sócio-histórico da educação na Grã-Bretanha a partir dos anos 1980, na qual os recursos e a vontade dos pais são tidos como mais importantes para definir o percurso escolar dos alunos, do que as capacidades e o esforço destes últimos. A crença na influência dos pais substitui- se, assim, à meritocracia que havia dominando a segunda vaga (desde o final da Segunda Guerra Mundial), assente no princípio de que a seleção escolar não devia basear-se em fatores ligados ao nascimento (como acontecia na primeira vaga), mas sim no desempenho e talento de cada um.

Num clima de intensa competição no campo educacional e no mercado de trabalho, no quadro da globalização económica das últimas décadas, os pais da classe média não confiam nos mecanismos meritocráticos da seleção escolar e investem crescentemente o seu capital económico, cultural e social para que os seus filhos alcancem vantagens educacionais (BARRETT DEWIELE; EDGERTON, 2016BALL, S.; VINCENT, C.; KEMP, S.; PIETIKAINEN, S. Middle class fractions, childcare and the “relational” and “normative” aspects of class practices, The Sociological Review, v. 52, n. 4, p. 478-502, 2004.; BROWN, 1990BROWN, P. The “Third wave”: education and the ideology of parentocracy. British Journal of Sociology of Education, v. 11, n. 1, p. 65-85, 1990.). Para alguns autores, a necessidade desse papel ativo dos pais na educação e escolarização dos filhos, em que a mera transmissão de capital cultural no meio familiar já não é suficiente para garantir a distinção social e produzir herdeiros (BOURDIEU; PASSERON, 1964BOURDIEU, P.; PASSERON, J.-C. Les héritiers: les étudiants et la culture. Paris: De Minuit , 1964.), é vista como uma erosão da meritocracia (VAN ZANTEN, 2008VAN ZANTEN, A. El fin de la meritocracia: un análisis de los cambios recientes en las relaciones de la escuela con el sistema económico, político y social. In: FANFANI, E. T. (Org.). Nuevos tiempos y nuevos temas de la agenda de política educativa. Buenos Aires: IIPE Unesco/SXXI Editores, 2008. p. 173-190.) ou uma neomeritocracia (MAGALHÃES; STOER, 2002MAGALHÃES, A.; STOER, S. A nova classe média e a reconfiguração do mandato endereçado ao sistema educativo. Educação, Sociedades & Culturas, n. 18, p. 25-40, 2002.), e estará na génese de novas formas de reprodução social (BARRETT DEWIELE; EDGERTON, 2016BALL, S.; VINCENT, C.; KEMP, S.; PIETIKAINEN, S. Middle class fractions, childcare and the “relational” and “normative” aspects of class practices, The Sociological Review, v. 52, n. 4, p. 478-502, 2004.; VAN ZANTEN, 2005VAN ZANTEN, A. New modes of reproducing social inequality in education: the changing role of parents, teachers, schools and educational policies. European Educational Research Journal, v. 4, n. 3, p. 155-169, 2005.).

Alguns trabalhos (MAGALHÃES; STOER, 2002MAGALHÃES, A.; STOER, S. A nova classe média e a reconfiguração do mandato endereçado ao sistema educativo. Educação, Sociedades & Culturas, n. 18, p. 25-40, 2002.; NOGUEIRA, 2012NOGUEIRA, M. A. Um tema revisitado: as classes médias e a educação escolar. In: DAYRELL, J.; NOGUEIRA, M. A.; RESENDE, J. M.; VIEIRA, M. M. (Org.). Família, escola e juventude. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 110-131.; VAN ZANTEN, 2007VAN ZANTEN, A. Reflexividad y elección de la escuela por los padres de la clase media en Francia. Revista de Antropologia Social, n. 16, p. 245-278, 2007.) têm, ainda, chamado a atenção de que o crescente investimento das famílias de classe média na escola não pode ser visto apenas como uma consequência do capitalismo flexível, enquadrando-se também em mudanças culturais relacionadas com o processo de individualização das sociedades de modernidade tardia e, designadamente, com a capacidade de os indivíduos fazerem escolhas e construírem estratégias de forma reflexiva, na esteira de autores como Beck (2000BECK, U. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH, S. (Org.). Modernização ref lexiva, política, tradição e estética no mundo moderno. Oeiras: Celta, 2000. p. 1-52.) e Giddens (2002GIDDENS, A. As consequências da modernidade. Oeiras: Celta , 2002.).

Nesse contexto, os pais da classe média tendem a apresentar uma atitude reflexiva em relação à escolaridade dos filhos, em maior grau do que os outros grupos sociais, o que pode ser explicado pelas suas elevadas qualificações e, consequentemente, maior familiaridade com o conhecimento e a ciência, bem como pela sua posição intermédia na estrutura social e experiências de mobilidade social, o que os leva a considerarem-se autores da sua própria vida (VAN ZANTEN, 2004VAN ZANTEN, A. Les classes moyennes, l’école et la ville: la reproduction renouvelée. Education et Sociétés, n. 14, p. 5-12, 2004., 2007VAN ZANTEN, A. Reflexividad y elección de la escuela por los padres de la clase media en Francia. Revista de Antropologia Social, n. 16, p. 245-278, 2007.). Dessa forma, as suas estratégias em relação à educação e escolaridade dos filhos passam cada vez mais por processos de planificação, racionalização e individualização (VAN ZANTEN, 2007VAN ZANTEN, A. Reflexividad y elección de la escuela por los padres de la clase media en Francia. Revista de Antropologia Social, n. 16, p. 245-278, 2007.). Uma outra face do aumento da reflexividade das sociedades pós-industriais é o correspondente aumento da perceção dos riscos sociais e individuais, que atinge também a classe média de forma mais intensa (VAN ZANTEN, 2007VAN ZANTEN, A. Reflexividad y elección de la escuela por los padres de la clase media en Francia. Revista de Antropologia Social, n. 16, p. 245-278, 2007.). Embora mais informados e estrategicamente preparados, os pais da classe média são mais afetados pelas dúvidas e receios relativamente à forma de atuar (VAN ZANTEN, 2007VAN ZANTEN, A. Reflexividad y elección de la escuela por los padres de la clase media en Francia. Revista de Antropologia Social, n. 16, p. 245-278, 2007.). As suas estratégias envolvem, assim, uma crescente reflexividade como resposta a uma crescente ansiedade em relação ao futuro, num incessante ciclo de busca de mais informação e de produção de mais ansiedade. Não surpreende, assim, que as políticas educativas da generalidade das sociedades ocidentais tenham vindo a alimentar-se, em grande medida, da ansiedade dos pais, especialmente das classes médias, em relação ao percurso dos filhos (BALL, 2004BALL, S.; VINCENT, C.; KEMP, S.; PIETIKAINEN, S. Middle class fractions, childcare and the “relational” and “normative” aspects of class practices, The Sociological Review, v. 52, n. 4, p. 478-502, 2004.).

Por outro lado, as classes médias têm vindo a ser objeto de estudo no que se refere às suas atitudes educativas em geral. Diversos estudos de referência demonstraram como os estilos educativos das famílias se enquadram numa lógica de classe (KELLERHALS; MONTANDON, 1991KELLERHALS, J.; MONTANDON, C. Les stratégies educatives des familles: milieu social, dynamique, familiale et education des pré-adolescents. Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1991.; LAUREAU, 2003LAREAU, A. Unequal childhoods: class, race and family life. Berkeley: University of California Press, 2003.; VICENT; MAXWELL, 2016VICENT, C; MAXWELL, C. Parenting priorities and pressures: furthering understanding of “concerted cultivation”. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, v. 37, n. 2, p. 269-281, 2016., entre outros). Ainda que as pesquisas tenham começado por centrar a sua atenção, sobretudo, nos elementos que permitem distinguir as práticas e conceções educativas das classes médias relativamente às classes populares, alguns autores têm também procurado analisar a diversidade no interior das próprias classes médias (BALL et al., 2004BALL, S.; VINCENT, C.; KEMP, S.; PIETIKAINEN, S. Middle class fractions, childcare and the “relational” and “normative” aspects of class practices, The Sociological Review, v. 52, n. 4, p. 478-502, 2004.; COLLET-SABÉ; TORT, 2013COLLET-SABÉ, J.; TORT, A. What do families of the ‘professional and managerial’ class educate their children for? The links between happiness and autonomy. British Journal of Sociology of Education , v. 36, n. 2, p. 234-249, 2013.; IRWIN; ELLEY, 2011IRWIN, S.; ELLEY, S. Concerted cultivation? Parenting values, education and class diversity. Sociology, v. 45, n. 3, p. 480-495, 2011.; VAN ZANTEN, 2004VAN ZANTEN, A. Les classes moyennes, l’école et la ville: la reproduction renouvelée. Education et Sociétés, n. 14, p. 5-12, 2004.).

A relação dos pais com os exames e suas estratégias para fabricarem bons alunos (PERRENOUD, 1994PERRENOUD, P. Métier d’élève et sens du travail scolaire. Paris: ESF Éditeur, 1994.), enquanto estratégias de reprodução social das classes médias, encontra-se, porém, ainda muito pouco estudada. Annete Lareau (2003LAREAU, A. Unequal childhoods: class, race and family life. Berkeley: University of California Press, 2003.), por exemplo, chama a atenção para a importância dos detalhes e das diversas ênfases e prioridades da vida familiar nas experiências de vida das crianças e nos processos de diferenciação entre classes sociais - número de atividades organizadas, ritmo da vida familiar, tempo despendido no jogo informal, interesse dos adultos acerca das atividades das crianças, ou quantidade de autonomia das crianças. Num contexto em que os sistemas educativos colocam uma elevada ênfase na performatividade, e em níveis cada vez mais precoces, fazendo-se regressar os exames nacionais ao 1º ciclo do ensino básico, como sucedeu em Portugal, a anterior chamada de atenção de Lareau (2003LAREAU, A. Unequal childhoods: class, race and family life. Berkeley: University of California Press, 2003.) às subtilezas do quotidiano desafia a questionar como as famílias das classes médias geriram essa realidade? Que nuances encontramos nos seus discursos sobre a escola, o trabalho escolar e os modos de acompanhamento do processo de escolarização dos seus filhos que nos permitem compreender e diferenciar as suas práticas relativamente aos exames? A análise que apresentamos neste texto procura justamente dar resposta a essas questões.

APROFUNDAMENTO DE UMA ANÁLISE CENTRADA NAS CLASSES MÉDIAS: QUESTÕES E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Analisamos os discursos dos pais sobre os exames nacionais do 4º ano na blogosfera, a partir de um corpus constituído por 38 posts, pertencentes a 29 blogues, e 311 comentários gerados a partir desses posts - numa média de oito comentários por post, com uma amplitude situada entre nenhum comentário e um máximo de 143.

A seleção dos blogues baseou-se em trabalho mais abrangente, anteriormente realizado (MELO et al., 2016MELO, B. P.; DIOGO, A. M.; FERREIRA, M. O regresso dos exames do 4º ano: escola, crianças e dinâmicas familiares na blogosfera. Sociologia, Problemas e Práticas , v. 81, p. 141-161, 2016) em 50 blogues que publicaram posts sobre os exames nacionais do 4º ano de escolaridade no período 2012-2015. A constituição desse corpus inicial resultou de uma pesquisa na internet, limitada a páginas de Portugal, escritas em português, com recurso aos motores de busca Google, Yahoo e Bing e aos portais de informação Sapo e Clix, utilizando as expressões “exames nacionais do 4º ano”, “exames nacionais do 4º ano blogs” e “provas finais do 4º ano”.

A caracterização do universo de blogues identificados revelou a existência de perfis distintos de bloguers, considerando as variáveis sexo, origem geográfica, estatuto socioprofissional e temáticas abordadas nos blogues. Contrariamente aos outros perfis, que pertencem a bloguers que escrevem a partir do seu estatuto de professores sobre educação e/ou política, economia, cultura ou sociedade (perfis 1, 3 e 4), o perfil 2 destacou-se por ser predominantemente pertencente a mulheres das profissões intelectuais e científicas, que privilegiam nos seus blogues temas do quotidiano, família, maternidade/paternidade e da psicologia e educação especial, escrevendo sobretudo a partir do seu papel de mães. Nesse perfil também surgem alguns homens que publicam a partir da sua experiência de paternidade. Estamos, pois, perante posts de pais das classes médias urbanas escolarizadas.

Tendo por objetivo aprofundar a análise das perspetivas dos pais de classe média urbana sobre o trabalho escolar e os tipos de acompanhamento que realizam a esse mesmo trabalho escolar, a partir da discussão em torno dos exames do 4º ano, no presente texto selecionaram-se, assim, apenas blogues do perfil 2 e, dentro destes, a totalidade de posts publicados sobre os exames nacionais do 4º ano e respetivos comentários.

A partir desse corpus realizou-se uma análise de conteúdo temática (BARDIN, 2009BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.; ESTEVES, 2006ESTEVES, M. Análise de conteúdo. In: LIMA, J. A.; PACHECO, J. A. (Org.). Fazer investigação. Porto: Porto, 2006. p. 105-126.; MAROY, 1997MAROY, C. A análise qualitativa de entrevistas. In: ALBARELLO, L.; DIGNEFFE, F.; HIERNAUX, J.-P.; MAROY, C.; RUQUOY, D.; SAINT-GEORGES, P. (Org.). Práticas e métodos de investigação em ciências sociais. Lisboa: Gradiva, 1997. p. 117-155.), através do seu recorte (codificação) nas categorias e subcategorias apresentadas nas secções seguintes, com base em sucessivas leituras horizontais e verticais.

Sobre o que escrevem então os pais? Nos discursos apresentados na blogosfera, a propósito dos exames do 4º ano de escolaridade, os pais não se limitam a posicionar-se em relação aos exames, indicando se são a favor ou contra (MELO et al., 2016MELO, B. P.; DIOGO, A. M.; FERREIRA, M. O regresso dos exames do 4º ano: escola, crianças e dinâmicas familiares na blogosfera. Sociologia, Problemas e Práticas , v. 81, p. 141-161, 2016). Explicam também como gerem os exames no seu quotidiano e, ao fazê-lo, tendem a centrar a sua argumentação em torno de dois grandes temas: modelo de escola e trabalho escolar; e acompanhamento do trabalho escolar em função do tipo de criança e aluno que querem promover.

A análise dessa argumentação revela uma diversidade de valores e conceções sobre os processos educativos escolares e familiares que permitem contrariar a suposta homogeneidade habitualmente atribuída à relação das classes médias com a escola. As reações dos pais aos exames enquadram-se, assim, em lógicas de escolarização das famílias das classes médias. No entanto, e esse constitui o foco do presente artigo, tais lógicas parecem desdobrar-se em nuances cujas subjetividades apontam para modelos educativos diferentes e para processos de fabricação distintos do ofício de aluno e de criança.

A análise das duas categorias temáticas enunciadas anteriormente, a partir de um conjunto de subcategorias, e o seu cruzamento com as conceções de criança e aluno permitiram construir uma tipologia exploratória que visa sistematizar a heterogeneidade de lógicas de fabricação de bons alunos que estará subjacente às dinâmicas das classes médias. Trata-se, portanto, de uma tipologia construída apenas a partir da base empírica aqui apresentada. Ainda que necessite de ser sujeita a novas validações, constitui uma proposta analítica que busca contribuir para o estudo ainda pouco desenvolvido sobre o modo como as famílias das classes médias se posicionam relativamente à escolarização.

MODELOS DE ESCOLA E TRABALHO ESCOLAR

Das reações aos exames do 4º ano, presentes nos discursos da blogosfera, emergem princípios gerais relativos ao próprio modelo de escola e trabalho escolar defendidos pelos pais. Considerando o que estes advogam em relação à missão da escola, ao papel dos professores e metodologias, à conceção de aluno, à avaliação e aos efeitos (psicológicos e/ou académicos) dos exames nas crianças/alunos, detetámos três perspetivas que se enquadram num modelo genérico que intitulamos como ética do trabalho, mas que possuem especificidades próprias. Falamos, assim, de ética do trabalho escolar restrita, ética do trabalho escolar adaptada e ética de um outro modelo de trabalho escolar que passaremos a explicitar.

ÉTICA DO TRABALHO ESCOLAR RESTRITA

A ética do trabalho escolar restrita, isto é, a mais próxima do tipo ideal de Weber (1983WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Porto: Presença, 1983.), é a que parece governar os discursos de alguns dos pais que colocam a tónica num modelo de escola cuja missão é, essencialmente, a de preparar para o mundo dos adultos, a vida ativa e a competitividade, devendo desenvolver a resiliência e a endurance emocional/psicológica nas crianças:

Não serão estes exames também uma melhor forma de lhes mostrar quão competitiva é a vida de adulto? (P2B5P15 5 Legenda: P2 significa perfil 2, B5 blogue 5 e P1 post 1. Nos casos em que aparece CP trata-se de comentários a posts. Por exemplo, CP3 significa comentários ao post 3. Estes comentários, em maior ou menor número, foram escritos por pessoas diferentes. )

Os pais nos seus discursos fazem um enaltecimento do trabalho e do estudo intensivo e precoce:

[...] aprender desde cedo a organizar-se, não se limitar a fazer os TPCs,6 6 TPC é uma sigla que significa trabalhos para casa, e é usada em Portugal para referir os deveres escolares. conseguir ter a matéria em dia, etc. (P2B15CP3)

É a defesa de uma escola tradicional/transmissiva (TONUCCI, 1986TONUCCI, F. Contributo para a definição de um modelo educativo: da escola transmissiva à escola construtiva. Análise Psicológica, v. 1, n. 5, p. 169-178, 1986.) que parece caracterizar este modelo, nomeadamente, quando se sublinham a função socializadora, de preparação para a vida adulta, e a difusão precoce de valores e atitudes:

Temos de ter em mente que para além dos conhecimentos, os nossos filhos estão também a adquirir valores e atitudes que lhes serão tão ou mais úteis no futuro como o saber escrever e contar. (P2B18P2)

Desse modo, faz-se a apologia de uma escola como local de estudo, enquanto sinónimo de trabalho, em oposição à conceção de uma escola em que aprender pode ser divertido:

Aprender devia ser divertido, pois devia, mas isso era um ideal utópico. [...] Trabalhar também devia ser divertido... ó que bom que era... (P2B2CP2)

No que respeita ao papel dos professores e às metodologias de ensino, defende-se a figura do professor sábio e fonte de conhecimento, possuidor de uma ampla cultura geral, e não do professor pedagogo, numa crítica mais ou menos velada às pedagogias modernas e subscreve- se um modelo transmissivo de escola:

Ensinar tem de ser por alguém que SAIBA. (P2B3CP1)

Advoga-se, assim, que os professores devem recorrer a metodologias de trabalho repetitivo e intensivo, em que o treino ocupa um lugar destacado:

[...] os alunos têm de compreender que têm de MARRAR, DE DECORAR, DE LER TEXTOS CHATOS. (P2B3CP1)

A conceção de aluno encontra-se igualmente subordinada a esta ética do trabalho restrita. Enquanto alunos, as crianças são encaradas como agentes que devem trabalhar, valorizando-se o empenho contínuo, o esforço e a procura de autossuperação:

Eles têm de fazer o seu melhor [...]. Este dar destaque ao trabalho que foi feito antes vai deixar os filhos com mais vontade de trabalhar e superar-se. (P2B15CP3)

No que respeita à avaliação, os exames surgem como o instrumento e lema de uma escola enquanto local de trabalho. Os exames são encarados como instrumento regulador da qualidade do ensino, garantindo que as novas gerações apresentem um nível de conhecimentos mínimo, permitindo a elevação e longevidade no nível de conhecimentos adquiridos, o que deve ter consequências para os alunos quando os resultados não são bons:

Por isso acho que tem que haver uma bitola para nivelar pelo menos segundo um mínimo aceitável, [...] pelo menos isso os nossos filhos têm que aprender na escola. (P2B2CP2)

Por fim, nesse modelo de escola e trabalho escolar, são desvalorizados os efeitos dos exames nas crianças/alunos, considerando-se que esses não são perniciosos e desmistifica-se o seu impacto:

Estudar faz muito bem à saúde [...] Pressão? Qual pressão! Daqui a nada já está tudo na praia! (P2B2CP2)

ÉTICA DO TRABALHO ESCOLAR ADAPTADA

A segunda ética, presente nos discursos de outros pais, corresponde a uma ética do trabalho escolar adaptada à fase de desenvolvimento da criança, atendendo às características biológicas e psicológicas atribuídas à sua idade, vendo-a como um ser frágil a proteger. A missão da escola é também preparar para a vida adulta e ativa, desenvolvendo a responsabilização através de um ensino rigoroso e exigente, contudo, respeitando as especificidades das crianças, tendo em conta a sua faixa etária:

[...] cultivar a responsabilidade mas não de uma forma sufocante. [...] Não convém esquecer que estamos a tratar de crianças. (P2B- 15CP1)

O professor, através das suas metodologias de ensino, tem como papel possibilitar um ensino exigente e rigoroso e, simultaneamente, adequado à idade das crianças, cujas aprendizagens se fazem de forma lúdica, o que implica que a escola esteja dotada de recursos que permitam um elevado grau de proximidade entre professor e alunos:

[...] muita da sua aprendizagem e formação pessoal acontece quando brincam. (P2B15CP1)

A conceção de aluno, que emerge desta perspetiva, é de que esse deve trabalhar, mas sem haver colisão com o ofício de criança. Conciliar o ofício de aluno com o de criança significa proteger a criança, não lhe impondo trabalho escolar que roube tempo ao lazer, impedindo-a de ser criança que brinca, bem como não a submetendo a pressão excessiva:

Só me preocupo com a escola quando esta lhes ocupa demasiado tempo de lazer. Ou seja, quando os TPC’s são tantos que não lhes dá espaço para brincarem! (P2B4P1)

Esta preocupação de adaptação da ética do trabalho à criança é igualmente visível na forma como se encara a avaliação. Criticam-se os excessos que os exames possam assumir em termos de peso na avaliação e de pressão nas crianças, embora esses sejam também aqui encarados positivamente, enquanto instrumento regulador da qualidade do ensino e como forma de desenvolver endurance. A preocupação com a qualidade do ensino surge, inclusivamente, associada a uma denúncia do facilitismo do sistema. Mas, ao mesmo tempo, defende-se um nível de exigência proporcionado à idade das crianças, denunciando a desadequação dos rituais inerentes às provas de exames, tal como foram praticadas:

Uma avaliação simples, no seu “habitat”, sem grandes confusões ou complicações seria mais que suficiente. (P2B19P1)

Não é, pois, de estranhar que, em termos dos efeitos dos exames nas crianças/alunos, se critiquem os excessos relativos ao peso dos exames no percurso académico do aluno e à pressão sobre a criança, gerando cansaço, saturação, desmotivação e ansiedade:

[...] a minha filha anda no 4º ano e pela primeira vez está cansada, desmotivada da escola... já não aguenta com tanta pressão e tantas simulações e fichas-tipo exame… (P2B2CP2)

ÉTICA DE UM OUTRO MODELO DE TRABALHO ESCOLAR

A terceira perspetiva relativamente aos princípios da educação escolar diz respeito a uma ética de um outro modelo de escola e trabalho escolar, de acordo com a qual a missão da escola é desenvolver a criatividade e ensinar a pensar em vez de decorar e treinar para exames:

Os exames vieram [...] limitar a criatividade dentro da sala de aula. E limitar, e muito, a liberdade e a criatividade dos nossos miúdos. (P2B2P2)

Nessa medida, é feita a apologia de uma escola centrada no presente e espaço de desenvolvimento de experiências gratificantes para as crianças, considerando-se que ser feliz e gostar de aprender é mais importante do que ter bons resultados:

Aprender devia ser divertido e não uma seca7 7 A expressão “é uma seca” equivale, no Brasil, a “é um saco!”. de fichas que é preciso fazer. (P2B2P2)

Denuncia-se, dessa forma, um modelo de escola que se resume ao trabalho estritamente académico, a um local de treino ou “fábrica de pessoas para fazer exames” que prepara precocemente para a competição e para a vida ativa, não tendo em conta a diversidade de potencialidades das crianças, criticando-se a própria hiperescolarização e escolarização precoce:

Não interessa muito o que é verdadeiramente relevante em cada etapa do crescimento. Nem tão pouco o que de melhor o presente lhes pode oferecer para que se expandam em todas as suas diversas potencialidades. (P2B8P1)

Não obstante a ênfase numa escola como local de experiências gratificantes para a criança, entende-se que esta também tem por missão ser exigente e promover a responsabilidade, havendo lugar para os exames se o seu peso for relativizado:

A ideia de responsabilizar os alunos desde cedo pelo seu próprio estudo parece-me, de facto, bem mais interessante do que treiná- -los compulsivamente para um qualquer exame. (P2B15CP1)

O papel dos professores é o de serem os promotores de aprendizagens significativas, que têm em atenção a singularidade das crianças e contribuem para a sua integração, através de metodologias de ensino/ aprendizagem diversificadas, que estimulem o seu bem-estar e a sua felicidade, denunciando-se uma escola em que os professores se encontram reféns do treino para os exames:

O que não é compreensível é a recusa dos professores por outras atividades enriquecedoras porque estão a preparar os meninos para “a prova”. (P2B9CP1)

Desta ética de um outro modelo de trabalho escolar sobressai uma conceção de aluno curioso, com múltiplas potencialidades a explorar, e que, sendo trabalhador, move-se pelo gosto de aprender e não pelos resultados e competição:

Trata-se de incentivar a aprendizagem pela aprendizagem e não pelo gosto de se ter uma nota excelente. (P2B15CP1)

A avaliação deve ser abrangente, contínua, qualitativa e quantitativa, das competências cognitivas e não cognitivas, sem deixar de ser exigente e rigorosa. Criticam-se as formas de avaliação estandardizadas como os exames, vendo-as como limitadas, pois constrangem tanto o trabalho dos professores como o desenvolvimento das competências das crianças e a sua expressividade:

Mas acho que haveria mil e uma maneiras de conseguir isto tudo sem ter que sujeitá-los a esta pressão tão formal, tão oficial, tão burocrática. (P2B2P2)

Considera-se, por conseguinte, que os efeitos dos exames nas crianças/alunos são negativos, na medida em que estimulam os alunos apenas a saber executar e não a saber pensar, além de poderem ser nocivos, devido à pressão psicológica exercida nas crianças e porque, inclusivamente, podem discriminar os alunos:

Em Portugal “treina-se” os alunos para os exames, nos países nórdicos põe-se os miúdos a questionar coisas e estimula-se o gosto pela aprendizagem. (P2B15CP1)

[...] servem para precocemente criar estigmas e rótulos nas crianças, os que passaram e os que falharam... (P2B19CP1)

Em suma, se todos os pais defendem a ética do trabalho no sentido weberiano do termo, esperando que a escola promova alunos trabalhadores, empenhados e bem-sucedidos, são notórias diferenças nos três modelos identificados - ética do trabalho escolar restrita, ética do trabalho escolar adaptada e ética de um outro modelo de trabalho escolar -, ainda que o primeiro e o segundo modelos se sobreponham parcialmente. Assim, em relação à missão da escola: a escola deve preparar as crianças para a competição e a vida ativa; a escola deve preparar as crianças para a competitividade e a vida ativa, mas tendo em conta a sua tenra idade; e a escola tem outra missão, estimular a construção do conhecimento pelas crianças. De igual modo, em relação ao papel dos professores e metodologias de ensino, evidenciam-se as perspetivas de que: o professor é o agente que transmite o conhecimento; o professor é o agente que transmite o conhecimento, tal como no modelo anterior, mas deve fazê-lo com metodologias adaptadas à idade das crianças; e o professor é um promotor de aprendizagens significativas para as crianças. Quanto à avaliação: os exames são um instrumento de regulação da qualidade do ensino e de promoção da endurance na criança; os exames são um instrumento de regulação da qualidade do ensino, mas devem ser realizados em condições que respeitem as especificidades das crianças; e os exames são criticados, defendendo-se uma avaliação abrangente e contínua.

Articuladamente, em cada modelo surge uma conceção de aluno específica: o aluno deve trabalhar, empenhar-se e autossuperar-se; o aluno deve trabalhar, mas conciliando ofícios de aluno e criança; e o aluno deve mover-se pelo gosto de aprender e não pelos resultados.

O primeiro e o terceiro modelos apontam para dois ideais-tipo que se podem definir por oposição, remetendo para o que alguns autores designaram como escola transmissiva versus escola construtiva (ver, por exemplo, TONNUCCI, 1986TONUCCI, F. Contributo para a definição de um modelo educativo: da escola transmissiva à escola construtiva. Análise Psicológica, v. 1, n. 5, p. 169-178, 1986.). Entre esses dois polos, situa-se o segundo modelo. Muito mais próximo do primeiro, na medida em que com ele partilha as mesmas finalidades da educação escolar, esse segundo modelo torna-se, porém, distinto por revelar uma conceção de criança como sujeito em desenvolvimento que deve ser protegido (CORSARO, 1997CORSARO, W. Sociology of childhood. London: Pine Forge, 1997.; WOODHEAD, 2005WOODHEAD, M. Sujeitos, objetos ou participantes: dilemas da investigação psicológica com crianças. In: CHRISTENSEN, P.; JAMES, A. (Org.). Investigação com crianças, perspectivas e práticas. Porto: Edições Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, 2005. p. 1-28, TURMEL, 2009TURMEL, A. A historical sociology of childhood: developmental thinking, categorization and graphic visualization. New York: Cambridge University Press, 2009.). Esta singularidade acarreta uma outra diferença substantiva, a da ênfase nos processos educativos, cujos contornos se tornam mais delineados no terceiro modelo.

MODELOS DE ACOMPANHAMENTO PARENTAL DO TRABALHO ESCOLAR

Paralelamente aos modelos de escola e trabalho escolar presentes nos discursos dos pais emitidos na blogosfera, surgem argumentos a partir dos quais é possível identificar princípios em relação ao acompanhamento parental do trabalho escolar dos filhos.

Parece ser transversal a esses pais o entendimento de que o processo de aprendizagem deve ser contínuo para estar sedimentado e de que o trabalho escolar deve ser realizado ao longo de todo o ano. Esse trabalho contínuo surge como uma condição essencial para a própria preparação para os exames e, nessa medida, os pais controlam o quotidiano escolar dos filhos de maneira mais ou menos direta. É a forma e a intensidade como esse controle se exerce que nos permitirão distinguir os seus modelos de acompanhamento escolar. Ainda assim, todos parecem prestar uma atenção particular aos exames e aos seus resultados, através de uma diversidade de práticas (veja-se Quadro 1), o que implica, para todos, um acurado trabalho de gestão emocional.

Com efeito, a gestão das emoções parece ser encarada como crucial para se lidar com a situação dos exames. Os discursos dos pais surgem povoados de expressões emocionais relacionadas com os exames, dos próprios e atribuídas por si aos filhos, bem como de formas para geri-las:

Nada de nervos nem preocupações excessivas. (P2B1P1)

[...] estou em modo de disfarce da minha ansiedade... Custa tanto

[...] Ansiedade e emoção de chegar aqui... muito medo. (P2B6P1)

Essas ansiedades obrigam-nos a serem “gestores emocionais”, o que implica pôr em prática formas de controlar a própria ansiedade, como esta expressão bem o ilustra:

[...] sofri um pouco [...]. E em silêncio. Só para mim. (P2B1P1)

QUADRO 1:
ACOMPANHAMENTO PARENTAL DOS EXAMES

Ainda que a gestão das emoções e o acompanhamento prestado ao trabalho escolar sejam comuns à generalidade dos pais, como procurámos salientar, foi possível identificar, por outro lado, diferentes modalidades de acompanhamento do trabalho escolar com vista à produção de quatro tipos de crianças e de alunos que apontam para quatro modelos de ação/influência dos pais: trabalho académico diretivo para uma disciplinação da criança/aluno; trabalho académico diretivo adaptado à idade da criança; trabalho académico e cultural diretivo para uma criança-aluno “cultivada”; e trabalho de “navegação à vista” para a autonomia da criança.

TRABALHO ACADÉMICO DIRETIVO PARA UMA CRIANÇA/ALUNO DISCIPLINADA

O primeiro modelo, trabalho académico diretivo para uma criança/ aluno disciplinada, caracteriza-se por um conjunto de princípios que se traduzem num acompanhamento parental apertado do trabalho escolar dos filhos focalizado na disciplinação (FOUCAULT, 1977FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1977.) da criança. Reconhece-se, assim, a obrigatoriedade de se fazer uma vigilância contínua do trabalho escolar dos filhos, o que implica uma atenção não só à dimensão académica, mas também ao cumprimento das normas e respeito pela autoridade na medida em que o respeito pelo professor deve constituir a base da atuação dos alunos em sala de aula:

Não há bons alunos sem um grande apoio/orientação em casa. (P2B15CP5)

Para a Ana, sim, o professor terá sempre razão, mesmo quando não a tiver, mesmo quando houver necessidade de intervirmos junto do mesmo para estarmos todos em comunhão. (P2B9P1)

Para isso, há que desenvolver uma socialização diária numa multiplicidade de vertentes que passam por moldar o ambiente familiar, o quotidiano e estado emocional da criança, para a criação de atitudes e hábitos adequados ao trabalho escolar.

O que tem que se ensinar à criança […], saber gerir o seu tempo, responsabilizar-se pelos resultados a alcançar, trabalhar na sua preparação, ser confiante e optimista. (P2B9P1)

Arranjem um local próprio para a criança estudar, com tudo o que é preciso (livros, dicionários, estojo, papel, ...), sossegado, longe da televisão e com boa iluminação. (P2B18P1)

Esse acompanhamento parental é reforçado pela apologia de um trabalho impositivo e de reprodução das tradições e valores entre gerações (respeito pelos mais velhos, autoridade das gerações anteriores), assente numa relação pais-filhos hierárquica, ou seja, que reproduz a ordem geracional (ALANEN, 2009ALANEN, L. Generational order. In: QVORTRUP, J.; CORSARO, M.; HONING, M-S (Org.). Handbook of childhood studies. London: Palgrave, 2009. p. 159-174.):

[...] capacidade de respeito pelas regras e pelas normas, a capacidade de subordinação e de respeito pela autoridade […] faremos como fizeram os nossos pais. (P2B9P1)

Das preocupações com o acompanhamento escolar inferimos o tipo de criança e o modelo de aluno que os pais procurarão promover. Admitimos, por conseguinte, que a criança que esses pais procurarão promover será obediente, respeitadora da autoridade e psicologicamente confiante e resiliente. Será, assim, encarada como um ser moldável e ajustável ao trabalho educativo que é exercido sobre si pelos pais. Essa criança enquanto aluno corresponderá ao modelo do aluno trabalhador e diligente; obediente e respeitador dos professores vistos como representantes da autoridade; que consegue gerir o tempo, as suas emoções e a pressão da vida escolar, e encara os exames sem medo, tornando-se resiliente e responsável.

TRABALHO ACADÉMICO DIRETIVO ADAPTADO À IDADE PARA UMA CRIANÇA-ALUNO PROTEGIDA

No segundo modelo, trabalho académico diretivo adaptado à idade para uma criança-aluno protegida, o acompanhamento do trabalho escolar dos filhos deve ser realizado através de um papel vigilante e protetor, tendo em conta as especificidades inerentes à idade da criança. Um acompanhamento adaptado à idade da criança pode resultar do reconhecimento da necessidade de presença dos pais em idades mais precoces:

[...] no 1º ano precisou sempre que o acompanhasse nos deveres, tínhamos que estar presentes (eu ou o pai), para que ele os conseguisse fazer. (P2B15CP5)

Há uma preocupação muito visível com os efeitos nocivos da pressão psicológica da avaliação na criança, especialmente dos exames, cabendo aos pais gerir o trabalho escolar, evitando a transmissão de ansiedade e stress, sem deixarem, simultaneamente, de serem exigentes:

Cabe a nós pais retirar a pressão e fazer os pequenos entender que é só um teste. (P2B19CP1)

A atenção às crianças, enquanto seres que se apresentam numa fase de desenvolvimento específica, acarreta, ainda, um reconhecimento das suas diferenças particulares manifestas nos resultados e aquisição de competências em geral, obrigando os pais a uma ação e atitude individualizada em função das características de cada filho:

Não se podem criar e exigir dos filhos o mesmo. São pessoas diferentes com capacidades diferentes. Isto sim, saber e conhecer as diferenças, penso que é o que fará de nós pais e uma luta diária na tarefa educacional dos nossos filhos. (P2B15P3)

A criança que se pretende promover, nesse modelo, corresponderá a uma criança autónoma e responsável, mas controlada sob tutela e proteção adulta, de forma que o seu desenvolvimento não seja prejudicado pelo ofício do aluno. Nesse caso, a criança será encarada como um ser frágil que tem de ser protegido, dadas as suas especificidades biopsicológicas.

Com base nas mesmas justificações, pressupomos que o aluno que os pais procuram promover será um aluno trabalhador, mas respeitado pelas suas especificidades e suas capacidades intelectuais/ académicas.

TRABALHO ACADÉMICO E CULTURAL DIRETIVO PARA UMA CRIANÇA-ALUNO “CULTIVADA”

Já no terceiro modelo de acompanhamento parental do trabalho escolar caberá aos pais desenvolver um trabalho académico e cultural diretivo para uma criança-aluno “cultivada” junto dos filhos. Tal consiste em fazer um acompanhamento apertado do trabalho escolar, apoiando, vigiando e desenvolvendo hábitos de trabalho e, simultaneamente, uma estimulação cultural e recreativa através de uma ação parental intencional e precoce, que contribua para desenvolver o gosto pelo conhecimento e ensinar a pensar:

No primeiro ano de escolaridade, a esmagadora maioria das crianças precisa de apoio em casa para criar hábitos de trabalho, gosto pela leitura, curiosidade pela pesquisa, prazer pelo conhecimento. E não se consegue isso (mais uma vez, na maior parte dos casos) só com aquilo que aprende na escola. (P2B15P5)

Para além de práticas mais estritamente académicas (por exemplo, “acompanhamento da matéria e do tempo que se demora a realizar os exercícios”; “correção dos testes após realização para esclarecimento de erros”), o acompanhamento parental pode envolver múltiplas formas de estimulação cultural: idas à livraria; visitas à biblioteca municipal; leituras desde bebés; visitas a museus; exploração da natureza; discussões/conversas; jogos.

Esses princípios de acompanhamento do trabalho escolar sugerem a promoção de uma criança psicologicamente confiante e irreverente, curiosa, criativa, crítica, aberta, que acede a experiências culturais diversificadas, mas terá sempre que ser orientada e culturalmente formada. Trata-se, em síntese, de uma concepção de criança como um ser a cultivar (COLLET-SABÉ; TORT, 2013COLLET-SABÉ, J.; TORT, A. What do families of the ‘professional and managerial’ class educate their children for? The links between happiness and autonomy. British Journal of Sociology of Education , v. 36, n. 2, p. 234-249, 2013.), aberta para o mundo, um sujeito a quem são reconhecidas uma agência restrita e uma autonomia limitada, carecendo, por isso, de um programa cultural ou, nos termos de Lareau (2003LAREAU, A. Unequal childhoods: class, race and family life. Berkeley: University of California Press, 2003.), de uma “cultivação concertada” por parte dos pais.

Admite-se que o aluno que os pais querem promover é, por sua vez, um aluno trabalhador, com gosto pelo conhecimento, com uma bagagem cultural abrangente e tendo adquirido atitudes que podem fazer dele um aluno brilhante.

TRABALHO DE “NAVEGAÇÃO À VISTA” PARA UMA CRIANÇA-ALUNO AUTÓNOMA

O quarto e último modelo de acompanhamento parental do trabalho escolar identificado nos discursos dos pais das classes médias, trabalho de “navegação à vista” para uma criança/aluno autónoma, corresponde a uma conceção segundo a qual os pais só intervêm diretamente no trabalho escolar a pedido dos filhos ou quando estes apresentam maus resultados. Encara-se o trabalho escolar como uma responsabilidade primeira dos filhos, pelo que lhes é dada autonomia para definirem os seus métodos e tempos de trabalho e estudo, bem como para realizarem as tarefas e aprendizagens. Esta autonomia é vista como uma forma de reconhecer e fortalecer o seu sentido de responsabilidade, o que pressupõe uma ação parental discreta, uma espécie de “navegação à vista” que vai sendo definida em função dos acontecimentos, envolvendo um misto de sentimentos de confiança e incerteza, na medida em que estão cientes de que pode haver riscos quanto aos resultados obtidos. Ou seja, no que respeita à ação dos pais, haverá uma procura constante de equilíbrio entre criar espaço e oportunidades para as crianças exercerem a sua agência e o papel influente dos pais, um balancear entre exigência e tolerância, assente numa relação pais-filhos negociada:

[…] enquanto eles tiverem boas notas - estudar é, em primeiro lugar, responsabilidade deles, não dos pais. No mundo perfeito, e a partir da idade da Carolina (aos seis ou sete anos eles ainda são muito pequenos e falta-lhes sentido de responsabilidade), os pais só deveriam intervir a pedido dos próprios. (P2B15P1)

A partir desta perspetiva de acompanhamento parental do trabalho escolar coloca-se como hipótese que a criança que se quer promover será uma criança autónoma, com sentido de responsabilidade e iniciativa. A criança será, assim, vista como um ator social, o que significa que os adultos confiam nas suas competências de autorregulação (KELLERHALS; MONTANDON, 1991KELLERHALS, J.; MONTANDON, C. Les stratégies educatives des familles: milieu social, dynamique, familiale et education des pré-adolescents. Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1991.) e consideram-na capaz de tomar decisões e lidar autonomamente, com sucesso, com as questões escolares (CORSARO, 1997CORSARO, W. Sociology of childhood. London: Pine Forge, 1997.; PERRENOUD, 1994PERRENOUD, P. Métier d’élève et sens du travail scolaire. Paris: ESF Éditeur, 1994.).

Enquanto aluno, esta criança corresponderá a um aluno trabalhador, responsável, capaz de se autorregular, bem-sucedido e eficaz; em síntese, um aluno que se comporta como um “aluno profissional” (DUBET, 1991DUBET, F. Les lycéens. Paris: Seuil, 1991.).

Em suma, embora a generalidade dos pais apresente em comum um trabalho de acompanhamento da escolaridade, controlando o processo de escolaridade dos filhos e gerindo emocionalmente a ansiedade dos exames, são visíveis distinções que configuram os quatro modelos que procurámos caracterizar. Enquanto no quarto modelo a ação parental é exercida na retaguarda, estando esta dependente dos resultados escolares obtidos pela criança, nos outros três primeiros modelos a ação parental caracteriza-se por um acompanhamento de tipo direto e pela vigilância contínua do trabalho escolar, numa atitude de antecipação e prevenção de eventuais “falhanços” académicos.

Esses primeiros três modelos diferenciam-se, todavia, entre si em função do tipo de criança e de aluno que querem promover. Desse modo, no primeiro modelo - trabalho académico diretivo para uma criança-aluno disciplinada - estão em causa práticas orientadas para a criação de hábitos escolares, ordem, disciplina e reprodução de tradições e valores, encarando-se a criança como um ser moldável e ajustável que, enquanto aluno, deve ser obediente e conformado às lógicas do sistema escolar. No segundo - trabalho académico diretivo adaptado à idade para uma criança-aluno protegida -, as práticas estão orientadas para a proteção da criança, em função das suas especificidades biopsicológicas, devido aos efeitos nocivos da pressão escolar, uma vez que se vê a criança como um ser frágil a proteger e que, enquanto aluno, deve ser trabalhador sem comprometer o ofício de criança. No terceiro modelo - trabalho académico e cultural diretivo para uma criança-aluno “cultivada” - são desenvolvidas práticas para a estimulação cultural e recreativa de forma intencional e precoce, dado que se equaciona a criança como um ser a cultivar de forma “concertada” (LAREAU, 2003LAREAU, A. Unequal childhoods: class, race and family life. Berkeley: University of California Press, 2003.) a que corresponderá um aluno cultivado, criativo e crítico.

Já o quarto modelo - trabalho de “navegação à vista” para uma criança-aluno autónoma - pressupõe uma modalidade de acompanhamento parental distinta, como anteriormente salientámos e, para além disso, uma outra conceção de criança - ator social competente - à qual se encontrará associada uma conceção de aluno autónomo, autorregulado e responsável, por isso, merecedor de confiança.

LÓGICAS DE FABRICAÇÃO DE BONS ALUNOS

Não obstante alguns princípios transversais às famílias da classe média urbana, a análise dos discursos dos pais sobre os exames do 4º ano de escolaridade pôs a descoberto, por um lado, um conjunto de modelos de escola e do trabalho escolar e, por outro, de acompanhamento parental com vista à produção de determinados tipos de crianças e de alunos, que apontam para quatro modelos de ação/influência dos pais, cujos contornos procurámos explicitar.

Uma análise cruzada dos modelos anteriores tornou possível inferir diferentes lógicas de produção de ethos de alunos e de crianças, visando à fabricação de bons alunos (Quadro 2).

QUADRO 2:
LÓGICAS DE FABRICAÇÃO DE BONS ALUNOS

Verificando que a um trabalho académico diretivo para uma criança-aluno disciplinada corresponderá uma ética do trabalho escolar restrita, identificamos uma primeira lógica de fabricação de bons alunos, de natureza tradicionalista. De acordo com esta lógica, a família encontra-se ao serviço da escola, devendo com esta colaborar no sentido de promover um aluno trabalhador, empenhado, disciplinado, respeitador das hierarquias, com vontade de superar-se continuamente. Através de um modelo de trabalho escolar transmissivo, intensivo, repetitivo e precoce, como garantia da elevação do nível de conhecimentos, a escola tem por missão preparar os alunos para o mundo dos adultos, a vida ativa e a competitividade, sendo os exames vistos como o lema e o instrumento regulador desse modelo. A produção desse ethos de aluno implica, da parte dos pais, um trabalho académico diretivo, através de uma vigilância contínua do trabalho e dos comportamentos escolares, traduzida numa socialização diária promotora de atitudes e hábitos adequados à escola. Procura-se o desenvolvimento de um ethos de criança compatível com o ethos de aluno: encarada como um ser moldável, esta criança deve ser obediente, respeitadora da autoridade e psicologicamente confiante e resiliente.

Ao trabalho académico diretivo adaptado à idade para uma criança-aluno protegida estará subjacente uma ética do trabalho escolar adaptada, o que, em nosso entender, configura uma segunda lógica de fabricação de bons alunos caracterizada por ser protecionista. Nesse caso, a escola e a família devem promover um aluno trabalhador, mas de forma que o ofício de aluno não comprometa o ofício de criança. Através de metodologias de ensino adequadas às crianças, contemplando a dimensão lúdica e proximidade professor-aluno, sem descurar o rigor e exigência, a escola tem por missão preparar para a vida adulta e ativa. Os exames são vistos, também aqui, como um instrumento regulador da qualidade do ensino e forma de desenvolver endurance no aluno, mas defendendo-se uma suavização do seu peso e pressão sobre a criança. A produção desse ethos de aluno também acarreta da parte dos pais um trabalho académico diretivo adaptado à criança, isto é, um acompanhamento atento e exigente do seu trabalho escolar, mas, ao mesmo tempo, protegendo a criança da pressão psicológica excessiva da avaliação e da subtração de tempo para ser uma criança-criança que brinca. Procura-se proteger a criança, respeitando as suas especificidades psicológicas e físicas, com base numa relação pais-filhos hierárquica em que ação dos pais é simultaneamente diretiva e protetora. Trata-se, por conseguinte, de uma lógica de fabricação de bons alunos que, embora partilhe elementos com a lógica tradicionalista, apresenta traços distintivos ancorados numa consciência adulta da alteridade da criança (CORSARO, 1997CORSARO, W. Sociology of childhood. London: Pine Forge, 1997.).

Em terceiro lugar, ao trabalho académico e cultural diretivo para uma criança-aluno “cultivada” corresponderá uma ética de um outro modelo de escola/trabalho escolar, prefigurando uma lógica de fabricação de bons alunos que designámos como cultivação. Assim, escola e família devem promover um aluno trabalhador, curioso e criativo que se move pelo gosto de aprender e não pelos resultados. Mediante metodologias de ensino/aprendizagem que promovam experiências gratificantes, tendo em conta a diversidade de potencialidades das crianças, a missão da escola é desenvolver a criatividade e ensinar a pensar, e não tanto preparar precocemente para a competição e para a vida ativa, sem deixar de ser exigente e promover a responsabilidade. Os exames são vistos como formas de avaliação que limitam o trabalho dos professores e que estimulam os alunos apenas a saber executar e não a saber pensar. A fabricação desse ethos de aluno acarreta da parte dos pais um trabalho académico e cultural diretivo, através de um acompanhamento do trabalho escolar apoiado e vigiado, complementado por uma estimulação cultural e recreativa. Esta ação parental intencional e precoce visa promover uma criança cultivada, ou seja, culta, curiosa, criativa, crítica e confiante.

Por fim, o modelo de “navegação à vista” para uma criança- -aluno autónoma parece articular-se, tal como o modelo anterior, com uma ética de um outro modelo de escola/trabalho escolar, mas esta ética surge agora assente numa relação contratual entre gerações. Nesta lógica contratualista, à semelhança da lógica de cultivação, também se defende que a escola deve desenvolver a criatividade e ensinar a pensar, através de atividades significativas para as crianças, sendo os exames igualmente criticados pelo facto de promoverem precocemente a competição e treinarem, sobretudo, competências de execução. A diferença, neste modelo, respeita essencialmente ao modo como a ação da família é equacionada. Nesta quarta lógica haverá, da parte dos pais, um trabalho académico indireto, sendo dada autonomia à criança para definir os seus métodos e tempos de trabalho e estudo. Os pais fazem, portanto, um acompanhamento de bastidores, guiando o seu acompanhamento pelos resultados obtidos pela criança, só havendo intervenção direta quando esta revela dificuldades. Pressupõem-se uma relação pais-filhos negociada e uma procura constante de equilíbrio entre a agência das crianças e o papel inf luente dos pais. Visa-se, em síntese, a uma criança-aluno responsável e autónoma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os exames assumem hoje uma larga importância nos sistemas educativos, constituindo uma das tecnologias da monitorização dos resultados tida como indicador fiável da qualidade da educação. Procurámos compreender como os exames do 4º ano de escolaridade são ressignificados e experienciados num grupo social particularmente sensível ao investimento na escolaridade - a classe média -, a partir da análise dos seus testemunhos na blogosfera.

Estas famílias da classe média urbana, detentoras de elevados volumes de capital cultural, apresentam em comum um intenso investimento na escolarização e uma gestão das emoções encarada pelos pais como crucial para se lidar com a situação dos exames.

A intensificação do acompanhamento ativo da escolaridade dos filhos, resultante da ansiedade com que encaram o futuro dos mais jovens, estará na origem do desenvolvimento de um fenómeno designado por alguns autores como parentocracia. Contudo, esta parentocracia, que assume no caso dos exames do 4º ano de escolaridade contornos relativamente precoces, não será exercida nos mesmos moldes por todas as famílias.

A partir de uma tipologia exploratória sustentada na análise do discurso de pais com atributos que apontam para um perfil situado na fração mais qualificada das classes médias (pais escolarizados que desempenham profissões intelectuais e científicas), procurámos desvendar a diversidade que existirá dentro desse grupo social.

Relativamente à forma como os pais encaram a escola e o trabalho escolar, esta análise permitiu identificar três conceções típicas de uma ética do trabalho que assumem, no entanto, particularidades próprias quanto ao modo como perspetivam a missão da escola, o papel dos professores e metodologias, a avaliação e os efeitos (psicológicos e/ou académicos) dos exames nas crianças/alunos. Falamos, assim, de uma ética do trabalho escolar restrita, uma ética do trabalho escolar adaptada e uma ética de um outro modelo de trabalho escolar.

Os efeitos dos exames nas crianças são distintamente equacionados nesses três modelos. Os pais que se enquadram na ética do trabalho escolar restrita desvalorizam os efeitos dos exames nas crianças/alunos, considerando que estes não são perniciosos e contribuem para preparar as crianças para a competição que enfrentarão no futuro. Contrariamente, os pais que se posicionam numa ética do trabalho escolar adaptada criticam os exames pela pressão que estes exercem sobre as crianças. Por sua vez, os pais que se situam numa ética de um outro modelo de trabalho escolar também criticam estas provas, mas por serem apologistas de um modelo de escola menos performativo.

Estas éticas do trabalho cruzam-se com modelos distintos de acompanhamento parental do trabalho escolar - trabalho académico diretivo para uma criança-aluno disciplinada; trabalho académico diretivo adaptado à idade para uma criança-aluno protegida; trabalho académico e cultural diretivo para uma criança-aluno “cultivada”; “navegação à vista” para uma criança-aluno autónoma -, baseados em conceções distintas de crianças e alunos: tradicionalista, protecionista, cultivação e contratualista.

O conhecimento de mais elementos relativos ao perfil social das famílias poderia contribuir para aprofundar a heterogeneidade encontrada no interior das classes médias, o que, no caso desta análise, não foi possível dada a ausência de dados nas fontes utilizadas (blogosfera).

Em todo o caso, e ainda que esta tipologia necessite de ser sujeita a novas validações, consideramos que constitui uma proposta analítica que visa contribuir para o estudo ainda pouco desenvolvido sobre o modo como as famílias das classes médias se posicionam relativamente à escolarização, e muito particularmente num contexto de pressão para a performatividade nos primeiros anos de escolaridade, como sucedeu em Portugal, com a introdução de exames no 4º ano de escolaridade entre 2012 e 2015.

Salienta-se, assim, a diversidade de valores e princípios educativos que coexistem no interior de uma mesma fração da classe média, no que respeita, concretamente, ao modo como articulam a escola e o trabalho escolar, por um lado, e as modalidades de ação parental, tendo em vista a criação de um determinado tipo de criança-aluno, por outro, o que dá conta, em última análise, da heterogeneidade de lógicas de fabricação de bons alunos presentes no discurso dos pais das classes médias analisados, ainda que isso não invalide a existência de um denominador comum a todo o grupo social, o intenso investimento na escolarização dos seus filhos.8 8 As autoras agradecem os contributos dos avaliadores para o aperfeiçoamento deste artigo.

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  • 1
    Decreto-Lei n. 139/2012, de 5 de julho; Despacho Normativo n. 24-A/2012.
  • 2
    Em Portugal, o 4º ano de escolaridade é o ano terminal do 1º ciclo do ensino básico, sendo frequentado por alunos com 9/10 anos.
  • 3
    Embora abolidos em 2015, a discussão não ficou encerrada, como comprova o relatório técnico da CNE (PORTUGAL, 2016) e as notícias que continuaram a circular nos media (DIOGO et al., 2016).
  • 4
    Proliferando também aqui as definições, referimo- -nos especialmente às novas classes médias assalariadas referentes aos profissionais técnicos e de enquadramento, designadas pelos anglo-saxónicos como service class (BIDOU- -ZACHARIASEN, 2004).
  • 5
    Legenda: P2 significa perfil 2, B5 blogue 5 e P1 post 1. Nos casos em que aparece CP trata-se de comentários a posts. Por exemplo, CP3 significa comentários ao post 3. Estes comentários, em maior ou menor número, foram escritos por pessoas diferentes.
  • 6
    TPC é uma sigla que significa trabalhos para casa, e é usada em Portugal para referir os deveres escolares.
  • 7
    A expressão “é uma seca” equivale, no Brasil, a “é um saco!”.
  • 8
    As autoras agradecem os contributos dos avaliadores para o aperfeiçoamento deste artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2017
  • Aceito
    08 Maio 2018
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