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Substâncias húmicas como suporte à classificação de solos brasileiros

Humic substances in support of the Brazilian soil classification

Resumos

As substâncias húmicas que compõem a matéria orgânica do solo participam de forma ativa dos processos pedogenéticos do solo, em especial dos horizontes diagnósticos O e H hístico, A chernozêmico, A húmico e B espódico. Este trabalho teve como objetivo determinar o teor de C orgânico das substâncias húmicas e avaliar sua influência na separação de horizontes diagnósticos. Foram utilizados 56 horizontes diagnósticos de diferentes regiões do Brasil, 52 superficiais (H hístico, A chernozêmico, A proeminente, A húmico e A moderado) e quatro subsuperficiais (B espódico). Nesses solos, foram feitas a caracterização química e física, e também de C orgânico, da fração ácidos fúlvicos (C-FAF), fração ácidos húmicos (C-FAH) e humina (C-HUM), as relações C-FAH/C-FAF e C-EA/C-HUM (C-EA = C-FAF + C-FAH) e a percentagem das frações em relação ao C orgânico total (COT), sendo as variáveis submetidas à avaliação por análises multivariadas. Nos horizontes orgânicos, o H hístico apresentou maiores valores e equilíbrio entre o C-HUM e o C-FAH. Na maioria dos horizontes minerais, observou-se predomínio do C-HUM, seguido pelo C-FAH nos horizontes A chernozêmico e A húmico e pelo C-FAF nos horizontes A proeminente e A moderado. Nos horizontes B espódico, foi observado predomínio variável de C-FAF e C-FAH. Com a análise de variáveis canônicas, identificaram-se as variáveis que poderiam ser utilizadas para a separação dos tipos de horizontes diagnósticos. Usando a análise de agrupamento, separaram-se os tipos de horizontes com menor influência da matéria orgânica. Pela análise discriminante, obtiveram-se resultados satisfatórios na classificação dos horizontes diagnósticos com base nas variáveis das substâncias húmicas, quando comparados à classificação original. Os resultados das análises multivariadas indicam que a distribuição do C das substâncias húmicas pode ser utilizada para separar os tipos de horizontes diagnósticos ricos em C orgânico.

fracionamento químico; horizontes diagnósticos; análises multivariadas


The humic substances that compose the soil organic matter participate actively in the pedogenetic soil processes, particularly in the Histic (Histic), Mollic (Chernozemic), Umbric (Humic) and Spodic (Spodic) diagnostic horizons. This study aimed to determine organic C amounts in the soil humic substances and evaluate their applicability for diagnostic horizons recognition. Fifty-six diagnostic soil horizons from different Brazilian regions were used, 52 from surface horizons or epipedons (H histic, A mollic, A proeminent, A humic and A moderate) and four subsurface (B spodic). Soil chemical and physical properties and the organic C amounts in the fulvic acid fraction (C-FAF), humic acid fraction (C-HAF) and humin (C-HUM) were determined by well-established methods. The C-HAF/C-FAF ratio and C-AE/C-HUM ratio (C-AE = C-FAF + C-HAF) and the percentage of each fraction in the total organic C (TOC) were calculated and all data were submitted to multivariate analysis. In the organic horizon, the amounts of H histic were highest and C-HUM and C-HAF amounts similar. C-HUM was predominant in the major mineral horizons, followed by C-HAF in the A mollic and A humic horizons, and by C-FAF in the A proeminent and A moderate horizons. A greater proportion of either C-FAF or C-HAF were observed in B spodic horizons. Based on canonical analysis, we identified the variables that could be used to separate diagnostic horizon types. The horizons with low influence of organic matter were distinguished from those with greater influence by cluster analysis. With the discriminatory analysis, satisfactory results were obtained for the classification of diagnostic horizons based on humic substance variables, compared to the standard classification. Multivariate analysis indicates that the distribution of C in the humic substances can be used to separate C-rich diagnostic horizon types of tropical soils in Brazil.

Chemical fractionating; diagnostic horizons; multivariate analysis


SEÇÃO V - GÊNESE, MORFOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO DO SOLO

Substâncias húmicas como suporte à classificação de solos brasileiros1 1 Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Agronomia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ.

Humic substances in support of the Brazilian soil classification

Ademir FontanaI; Vinicius de Melo BenitesII; Marcos Gervasio PereiraIII; Lúcia Helena Cuha dos AnjosIII

IDoutorando do Curso de Pós-Graduação em Agronomia - Ciência do Solo, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. CEP 23890-000 Seropédica (RJ). Bolsista CNPq. E-mail: ademir.fontana@gmail.com

IIPesquisador, Embrapa Solos. Jardim Botânico 1024, CEP 22460-000 Rio de Janeiro (RJ). E-mail: vinicius@cnps.embrapa.br

IIIProfessor Associado I, Departamento de Solos, UFRRJ. E-mails: gervasio@ufrrj.br; lanjos@ufrrj.br

RESUMO

As substâncias húmicas que compõem a matéria orgânica do solo participam de forma ativa dos processos pedogenéticos do solo, em especial dos horizontes diagnósticos O e H hístico, A chernozêmico, A húmico e B espódico. Este trabalho teve como objetivo determinar o teor de C orgânico das substâncias húmicas e avaliar sua influência na separação de horizontes diagnósticos. Foram utilizados 56 horizontes diagnósticos de diferentes regiões do Brasil, 52 superficiais (H hístico, A chernozêmico, A proeminente, A húmico e A moderado) e quatro subsuperficiais (B espódico). Nesses solos, foram feitas a caracterização química e física, e também de C orgânico, da fração ácidos fúlvicos (C-FAF), fração ácidos húmicos (C-FAH) e humina (C-HUM), as relações C-FAH/C-FAF e C-EA/C-HUM (C-EA = C-FAF + C-FAH) e a percentagem das frações em relação ao C orgânico total (COT), sendo as variáveis submetidas à avaliação por análises multivariadas. Nos horizontes orgânicos, o H hístico apresentou maiores valores e equilíbrio entre o C-HUM e o C-FAH. Na maioria dos horizontes minerais, observou-se predomínio do C-HUM, seguido pelo C-FAH nos horizontes A chernozêmico e A húmico e pelo C-FAF nos horizontes A proeminente e A moderado. Nos horizontes B espódico, foi observado predomínio variável de C-FAF e C-FAH. Com a análise de variáveis canônicas, identificaram-se as variáveis que poderiam ser utilizadas para a separação dos tipos de horizontes diagnósticos. Usando a análise de agrupamento, separaram-se os tipos de horizontes com menor influência da matéria orgânica. Pela análise discriminante, obtiveram-se resultados satisfatórios na classificação dos horizontes diagnósticos com base nas variáveis das substâncias húmicas, quando comparados à classificação original. Os resultados das análises multivariadas indicam que a distribuição do C das substâncias húmicas pode ser utilizada para separar os tipos de horizontes diagnósticos ricos em C orgânico.

Termos de indexação: fracionamento químico, horizontes diagnósticos, análises multivariadas.

SUMMARY

The humic substances that compose the soil organic matter participate actively in the pedogenetic soil processes, particularly in the Histic (Histic), Mollic (Chernozemic), Umbric (Humic) and Spodic (Spodic) diagnostic horizons. This study aimed to determine organic C amounts in the soil humic substances and evaluate their applicability for diagnostic horizons recognition. Fifty-six diagnostic soil horizons from different Brazilian regions were used, 52 from surface horizons or epipedons (H histic, A mollic, A proeminent, A humic and A moderate) and four subsurface (B spodic). Soil chemical and physical properties and the organic C amounts in the fulvic acid fraction (C-FAF), humic acid fraction (C-HAF) and humin (C-HUM) were determined by well-established methods. The C-HAF/C-FAF ratio and C-AE/C-HUM ratio (C-AE = C-FAF + C-HAF) and the percentage of each fraction in the total organic C (TOC) were calculated and all data were submitted to multivariate analysis. In the organic horizon, the amounts of H histic were highest and C-HUM and C-HAF amounts similar. C-HUM was predominant in the major mineral horizons, followed by C-HAF in the A mollic and A humic horizons, and by C-FAF in the A proeminent and A moderate horizons. A greater proportion of either C-FAF or C-HAF were observed in B spodic horizons. Based on canonical analysis, we identified the variables that could be used to separate diagnostic horizon types. The horizons with low influence of organic matter were distinguished from those with greater influence by cluster analysis. With the discriminatory analysis, satisfactory results were obtained for the classification of diagnostic horizons based on humic substance variables, compared to the standard classification. Multivariate analysis indicates that the distribution of C in the humic substances can be used to separate C-rich diagnostic horizon types of tropical soils in Brazil.

Index terms: Chemical fractionating, diagnostic horizons, multivariate analysis.

INTRODUÇÃO

A matéria orgânica do solo por meio de seus compostos, como as substâncias húmicas e, ou, frações húmicas, pode influenciar diferentes características dos solos: (a) favorecer o intemperismo de minerais, acelerando ou retardando a neoformação de minerais secundários (Ehrlich, 1990); (b) reduzir o grau de cristalinidade de óxidos de Fe (Pereira & Anjos, 1999); (c) promover modificações nas relações hematita/goethita (Kämpf & Schwertman, 1983); e (d) atuar em processos pedogenéticos (Duchaufour, 1977; Buol et al., 1980; Fanning & Fanning, 1989).

Para Buol et al. (1980) o processo de formação do horizonte B espódico é um exemplo clássico da influência das substâncias húmicas na gênese dos solos, onde o material orgânico humificado dos horizontes superficiais que formam complexos organometálicos com íons Al e Fe, é eluviado ao longo do perfil formando os horizontes Bh ou Bhs em subsuperfície. Gomes et al. (1998); Benites et al. (2001) observaram a ação positiva e intensa das substâncias húmicas mais solúveis, como os ácidos fúlvicos no processo de queluviação e transporte de cátions metálicos em perfis de Espodossolos. Como evidência do movimento e acúmulo da matéria orgânica nesses horizontes, é possível observar a presença de material orgânico, complexos orgânicos revestindo grãos de quartzo ou formando pontes que interligam minerais da fração areia (Coninck & McKeague, 1985; Schaefer et al., 2002).

Avaliando solos formados sob calcário, Cunha & Ribeiro (1998) constataram, no horizonte A chernozêmico, que compostos de alto grau de polimerização na matéria orgânica do solo atuavam como agente estabilizador dos agregados do solo. Volkoff (1980); Volkoff & Cerri (1981) relataram que a composição mineralógica com argilas 2:1, associada às condições do meio, com complexo sortivo apresentando predomínio de bases, favorece a polimerização das moléculas orgânicas em substâncias altamente condensadas e pouco móveis, que atuam no processo de cimentação e estabilização dos agregados. Corrêa et al. (2003) verificaram o efeito dos cátions alcalinos e alcalino-terrosos na estabilidade das frações húmicas com a matriz do solo, relatando a participação de humatos e fulvatos de Ca e Mg na estabilização da matéria orgânica. Para os Organossolos e outros solos com horizontes O ou H hístico, é de suma importância o conhecimento da dinâmica da matéria orgânica e das modificações que ocorrem nestes horizontes, principalmente das substâncias húmicas, quando submetidos ao cultivo (Conceição, 1989; Mendonça, 1999; Valladares, 2003).

A utilização e importância dos teores de C orgânico das substâncias húmicas, obtidos a partir do fracionamento químico da matéria orgânica do solo, para o estudo de horizontes diagnósticos de solos do Brasil, foram registradas no trabalho de Valladares et al. (2003) e destacadas na 2ª edição do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS) para a ordem dos Organossolos (Embrapa, 2006).

Para que as diversas variáveis obtidas a partir da quantificação das substâncias húmicas possam ser avaliadas, busca-se, com auxílio de técnicas estatísticas multivariadas, univariadas paramétricas e não-paramétricas, medidas de tendência central e desvio-padrão da média, ordenar os horizontes diagnósticos e selecionar variáveis que podem separar os diferentes horizontes diagnósticos, além de poderem ser utilizadas para a caracterização dentro de cada tipo de horizonte. A utilização dessas técnicas em estudos de pedologia tem sido destacada em trabalhos de Benites (2002), Valladares (2003) e Gomes et al. (2004).

Este trabalho teve como objetivo determinar o teor de C orgânico das substâncias húmicas e avaliar sua influência na separação de horizontes diagnósticos.

MATERIAL E MÉTODOS

Caracterização dos horizontes diagnósticos

Foram utilizados 56 horizontes diagnósticos de solos, coletados em diferentes regiões do Brasil, sendo 52 horizontes superficiais (H hístico, A chernozêmico, A húmico e A moderado) e quatro horizontes subsuperficiais (B espódico), classificados com base no SiBCS (Embrapa, 1999; Santos et al., 2003) e analisados segundo Embrapa (1997) (Quadro 1). Esses horizontes diagnósticos foram selecionados por apresentarem maior influência da matéria orgânica na formação e diferenciação do solo (Anjos et al., 1999).


Fracionamento químico e quantificação do carbono orgânico

As substâncias húmicas foram identificadas segundo técnica de solubilidade diferencial estabelecida pela Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas (Swift, 1996) e adaptada por Benites et al. (2003a). Foram quantificados os teores de C orgânico das frações ácidos fúlvicos (C-FAF), ácidos húmicos (C-FAH) e humina (C-HUM). Foram calculadas as relações C-FAH/C-FAF e C-EA/C-HUM (C-EA = C-FAF + C-FAF) (Benites et al., 2003a) e o percentual de cada fração em relação ao C orgânico total (COT).

Para o C-HUM, para os horizontes diagnósticos H hístico principalmente, não se fez inferência a material orgânico com alto grau de humificação e, ou, elevada estabilidade, pois, durante sua obtenção, parte do material orgânico leve foi contabilizado, devido à sua insolubilidade em meio alcalino, o que se deve levar em consideração em caso de comparação com outras frações e horizontes.

Análises estatísticas

Foram realizadas análises multivariadas utilizando as variáveis C-FAF, C-FAH e C-HUM, %FAF, %FAH, %HUM, as relações C-FAH/C-FAF e C-EA/C-HUM. Essas variáveis foram submetidas à análise de variáveis canônicas pelo programa estatístico SAS; análise de agrupamentos hierárquicos pelo programa estatístico XLstat; análise discriminante pelo programa estatístico Statistica e análise do desvio-padrão das médias. Os dados utilizados na análise de agrupamento foram padronizados obtendo-se média igual a zero e variância 1,0 (Morrison, 1976).

A proposta de utilização das técnicas estatísticas citadas anteriormente, análise exploratória, contribuiu para o melhor entendimento da distribuição das substâncias húmicas nos diferentes tipos de horizontes e da potencialidade de utilização para separar diferentes horizontes diagnósticos, pois permitem considerar simultaneamente a variabilidade entre todas as variáveis estudadas.

Pela análise de variáveis canônicas, procurou-se capturar o efeito simultâneo das variáveis a partir de combinações lineares denominadas variáveis canônicas (Khattree & Naik, 2000) e assim estabelecer quais variáveis poderiam discriminar os tipos de horizontes diagnósticos. Com a análise de agrupamento, buscou-se analisar as similaridades entre os tipos de horizontes diagnósticos a partir de agrupamentos homogêneos representados em um dendograma de similaridade (Regazzi, 2000). Por fim, buscou-se, com a análise discriminante, classificar os horizontes diagnósticos com base nas variáveis das substâncias húmicas e funções discriminantes, comparando-se com a classificação original (Khattree & Naik, 2000).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os teores de COT dos diferentes horizontes diagnósticos apresentaram ampla variação, com valores entre 7,1 e 73,0 g kg-1 para os horizontes minerais e entre 88,3 e 567,2 g kg-1 nos horizontes orgânicos, sendo os teores médios decrescentes na seguinte ordem: H hístico > A húmico > A chernozêmico > A moderado > A proeminente > B espódico (Quadro 2).


Para as substâncias húmicas (Quadro 2), no horizonte orgânico H hístico, foi observada distribuição equilibrada entre o C-HUM (16,5 e 224,5 g kg-1) e o C-FAH (8,3 e 193,4 g kg-1), sendo essas frações com maiores valores quando comparadas às de C-FAF (3,8 a 32,7 g kg-1). Para os horizontes minerais, a maioria apresentou o predomínio do C-HUM, com valores entre 0,5 e 36,8 g kg-1, sendo para os horizontes superficiais A chernozêmico e A húmico o C-FAH (1,5 a 39,3 g kg-1) como a segunda fração de maior expressão, sendo seguida pelo C-FAF (1,4 a 6,3 g kg-1). Para os horizontes superficiais A proeminente e A moderado, o C-FAF (1,7 a 8,1 g kg-1) foi a segunda fração de maior expressão, seguida pelo C-FAH (1,0 a 26,4 g kg-1). Nos horizontes subsuperficiais B espódico, os maiores teores foram verificados para o C-FAF (2,4 a 6,9 g kg-1) e C-FAH (0,4 a 10,0 g kg-1), alternadamente, e o C-HUM foi o que apresentou os mais baixos valores dentre todos os horizontes estudados.

Por meio de análise da matriz de correlação de Pearson, observa-se que algumas variáveis se correlacionaram, destacando-se as correlações positivas entre o C-HUM com C-FAF e C-FAH, e entre a relação C-FAH/C-FAF com C-FAH e %FAH (Quadro 3). Destacam-se também as correlações negativas entre a %HUM e %FAH e da relação C-EA/C-HUM com a %HUM.


Tais variáveis, quando submetidas à avaliação de variáveis canônicas, permitiram obter nos dois primeiros eixos canônicos 95,9 % da variância total, sendo para o eixo CAN1 78,2 % e CAN2 17,7 % da variância acumulada (Figura 1). Nesta representação é possível observar que três dos cinco tipos horizontes se separaram dos demais, como H hístico, com influência dos baixos valores do C-FAF e altos da relação C-FAH/C-FAF (variável qualitativa); A chernozêmico, com maior peso dos altos valores da %HUM e; B espódico, principalmente pelos altos valores da relação C-EA/C-HUM (variável qualitativa) e da %FAF (Figura 2).



Nos horizontes H hístico, os baixos valores do C-FAF e altos da relação C-FAH/C-FAF indicam a influência das condições anaeróbias sobre o processo de humificação, que, neste caso, favoreceu a manutenção do material orgânico na qualidade do tipo hêmico ou fíbrico (Embrapa, 2006), sendo os ácidos fúlvicos retirados da matriz do solo pela movimentação da água. Nos horizontes A chernozêmico, a elevada %HUM é indicativa da elevada estabilidade da humina com a matriz mineral, condicionada pela relação entre a matéria orgânica e os íons Ca e, ou, Mg (Kononova, 1966; Theng, 1979; Duchafour, 1983). Para os horizontes B espódico, os altos valores da relação C-EA/C-HUM têm destacado sua importância para distinção destes solos em relação aos demais, principalmente por ser indicativo da movimentação e do acúmulo de C (Schaefer et al., 2002; Benites, 1998, 2002), servindo para a avaliação do processo pedogenético de podzolização (Benites et al., 2001, 2003b).

As similaridades entre os horizontes apresentados pelo diagrama da figura 1 são também demonstradas pela análise das distâncias de Mahalanobis (Quadro 4), que indica a probabilidade de semelhança entre tipos de horizontes diagnósticos. Nesta análise de probabilidade, assim como na análise anterior, observa-se que os horizontes H hístico, A chernozêmico e B espódico foram os que apresentaram comportamento diferenciado, sendo observado pela baixa probabilidade de semelhança com os outros horizontes diagnósticos, enquanto, a probabilidade de semelhança entre o A proeminente com A moderado (76,7 %) e A húmico (16,0 %) e do A húmico com A moderado (12,6 %), reforçam a visualização desses horizontes de forma desordenada na figura 1.


No entanto, a avaliação do dendograma (Figura 3) demonstra discordância em relação à análise anterior, todavia não a invalida. Pelo dendograma, podem-se melhor visualizar as similaridades entre os tipos horizontes, justificando algumas sobreposições apresentadas pela análise de variáveis canônicas da figura 1. Esse dendograma apresenta cinco classes iniciais de similaridade (grupos), estando os horizontes A proeminente e A moderado na mesma classe e os demais individualizados em classes separadas. Por meio de uma análise mais geral, constatam-se dois grupos bem distintos: o primeiro com os horizontes A chernozêmico, A proeminente e A moderado, e o segundo com os horizontes H hístico, A húmico e B espódico, com menor e maior influência da matéria orgânica para a distinção entre os tipos de horizontes diagnósticos.


Quando os horizontes foram submetidos à classificação pela análise discriminante, observou-se correspondência total (acerto) com a classificação original somente nos horizontes A chernozêmico e B espódico, e entre 60 e 80 % para os demais tipos de horizontes (Quadro 5).


Nos horizontes onde houve discordância de classificação, H hístico (perfis AE19 e MG2) como A chernozêmico, observa-se para o primeiro características químicas e físicas semelhantes aos horizontes A chernozêmico. A classificação de 2 H hístico (perfis PMRO9 e RS1) como A húmico evidencia a influência da drenagem e do cultivo sobre esses solos, favorecendo assim a decomposição da matéria orgânica, conduzindo a formação de um material mais decomposto (sáprico) e conseqüentemente aumentando a proporção dos ácidos húmicos (%FAH).

Uma observação (Figura 1), porém não destacada pela análise discriminante, indica um horizonte A húmico (perfil SP1A) muito próximo dos horizontes H hístico, que apresenta características semelhantes como baixo valor do C-FAF e alto valor da relação C-FAH/C-FAF. Esse comportamento pode ser devido à permanência constante de água neste solo durante maior parte do ano, uma vez que o perfil localiza-se em área de várzea drenada. Para as demais discordâncias de classificação, pode ser reflexo da semelhança da distribuição das substâncias húmicas e das características químicas e físicas dos horizontes.

CONCLUSÕES

1. Os resultados obtidos pelas análises multivariadas indicam que a distribuição de C das substâncias húmicas pode ser utilizada para separação dos horizontes diagnósticos H hístico, A chernozêmico e B espódico, estando esses relacionados principalmente às variáveis C-FAF, %HUM e C-EA/C-HUM, respectivamente.

2. A análise de agrupamento separou dois grupos principais de horizontes, o primeiro com horizontes de menor influência da matéria orgânica do solo para a distinção dos tipos de horizontes (A moderado, A proeminente e A chernozêmico), e o segundo, de maior influência (H hístico, A húmico e B espódico).

3. A classificação dos tipos de horizontes diagnósticos com base nas variáveis relacionadas com o C das substâncias húmicas apresentou resultados satisfatórios, com 100 % de acerto para os horizontes A chernozêmico e B espódico, e entre 60 e 80 % para os demais, quando comparados à classificação original.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio do CPGA-CS/ UFRRJ, do CNPq e da Embrapa Solos.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em julho de 2007 e aprovado em agosto de 2008.

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  • 1
    Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Agronomia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Recebido
      Jul 2007
    • Aceito
      Ago 2008
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