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Uso de álcool e comportamento de saúde entre profissionais da enfermagem

Uso de alcohol y comportamiento de salud entre profesionales de enfermería

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o uso problemático de álcool e comportamentos de saúde entre profissionais de enfermagem de um hospital geral.

Método:

Estudo transversal realizado em um hospital geral. Foi aplicado um questionário com informações sociodemográficas, o teste de triagem do uso álcool e de outras drogas e o questionário de comportamentos de saúde.

Resultado:

Participaram da pesquisa 416 profissionais. No modelo final da regressão logística, os profissionais do sexo masculino (OR 4,3), solteiros (OR 3,7), que professam outras religiões (OR 3,8), exercem função de técnico de enfermagem (OR 2,3), não consomem baixas doses de bebidas alcoólicas por dia (OR 2,0), fazem uso de tabaco (OR 8,9), evitam o consumo de bebidas com cafeína (OR 1,9) e ambientes barulhentos (OR 2,0) apresentaram chances aumentadas para o consumo de álcool em nível problemático.

Conclusão:

O uso de álcool e comportamentos de saúde não saudáveis entre profissionais de enfermagem estão fortemente associados. Esses achados têm implicações para a implementação de trabalhos com estratégias de promoção de saúde e prevenção do uso de álcool nas relações de trabalho.

DESCRITORES
Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Saúde do Trabalhador; Promoção de Saúde; Equipe de Enfermagem

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar el uso problemático de alcohol y comportamientos de salud entre profesionales de enfermería de un hospital general.

Método:

Estudio transversal llevado a cabo en un hospital general. Se aplicó un cuestionario con informaciones sociodemográficas, la prueba de cribado del uso de alcohol y de otras drogas y el cuestionario de comportamientos de salud.

Resultado:

Participaron en la investigación 416 profesionales. En el modelo final de la regresión logística, los profesionales del sexo masculino (OR 4,3), solteros (OR 3,7), que profiesan otras religiones (OR 3,8), ejercen función de técnico de enfermería (OR 2,3), no consumen bajas dosis de bebidas alcohólicas por día (OR 2,0), son tabaquistas (OR 8,9), evitan el consumo de bebidas con cafeína (OR 1,9) y ambientes ruidosos (OR 2,0) presentaron probabilidades aumentadas para el consumo de alcohol a nivel problemático.

Conclusión:

Uso de alcohol y comportamientos de salud no sanos entre profesionales de enfermería están fuertemente asociados. Dichos hallazgos tienen implicaciones para la implantación de trabajos con estrategias de promoción de salud y prevención del uso de alcohol en las relaciones laborales.

DESCRIPTORES
Trastornos Relacionados con Sustancias; Salud Laboral; Promoción de la Salud; Grupo de Enfermería

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the problematic use of alcohol and health behavior among the nursing staff of a general hospital.

Method:

Cross-sectional study conducted at a general hospital. A questionnaire with socio-demographic information, the alcohol and substance use screening test, and a questionnaire on health behavior were applied.

Results:

A total of 416 professionals participated in the study. In the final model of logistical regression, male professionals (OR 4.3), singles (OR 3.7), those that professed to having other religions (OR 3.8), worked as nursing technician (OR 2.3), did not consume low doses of alcoholic beverages per day (OR 2.0), used tobacco (OR 8.9), avoided consuming beverages with caffeine (OR 1.9) and avoided noisy environments (OR 2.0) showed higher chances of consuming alcohol at a problematic level.

Conclusion:

Among nursing professionals, the use of alcohol and not engaging in health behavior are strongly associated. These findings have implications for the implementation of strategies for the promotion of health and the prevention of alcohol use in work relationships.

DESCRIPTORS
Substance-Related Disorders; Occupational Health Promotion; Nursing Team

INTRODUÇÃO

O uso abusivo de álcool e/ou de outras drogas configura-se como um dos principais problemas de saúde pública global nas últimas décadas, devido à gravidade de seus efeitos, que ultrapassam o limite do biológico. O consumo nocivo pode resultar em altos índices de morbimortalidade, gerando elevados custos sociais e econômicos(11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2014. Geneva: WHO; 2014.).

O impacto gerado pelo uso abusivo de bebidas alcoólicas é conhecido, tanto do ponto de vista de saúde quanto de suas ressonâncias sociais. Esse padrão de consumo repercute significativamente nas relações de trabalho reduzindo a produtividade, comprometendo a segurança do trabalho, além de incrementar o absenteísmo e presenteísmo(11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2014. Geneva: WHO; 2014.-22. Victorian Health Promotion Foundation (VicHealth). Reducing alcohol-related harm in the workplace: an evidence review: summary report. Melbourne, Australia: VicHealth; 2012.). Dessa maneira, existem razões éticas, legais, econômicas e de segurança suficientes para intensificar os investimentos em prevenção precoce frente aos potenciais danos e problemas acarretados pelo uso abusivo de álcool(22. Victorian Health Promotion Foundation (VicHealth). Reducing alcohol-related harm in the workplace: an evidence review: summary report. Melbourne, Australia: VicHealth; 2012.).

Evidências mostraram que diversas manifestações de ordem psíquica, comportamentais e ambientais estão associadas ao abuso de substâncias psicoativas (álcool, tabaco, calmante e outras drogas de abuso), na maioria das vezes relacionadas ao trabalho(33. Goulart Junior E, Feijó M, Cunha E, Corrêa B, Gouveia P. Exigências familiares e do trabalho: um equilíbrio necessário para a saúde de trabalhadores e organizações. Pensando Fam. 2013;17(1):110-22.). Observa-se, ainda, na literatura, em especial da área de enfermagem, um incremento de estudos que avaliam o fenômeno das drogas, porém poucos têm discutido as questões relacionadas ao uso de substâncias, assim como o consumo de álcool por profissionais da enfermagem (enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem), dentre os problemas mais importantes de saúde do trabalhador, considerando os aspectos predisponentes na realidade laboral desses profissionais. O uso de álcool e ou de outras drogas pode ser considerado como um problema de um espectro ainda maior, denominado comportamento de saúde, que de forma mais abrangente pode ser definido como um conjunto de ações dos indivíduos, ao utilizarem ou não os serviços de saúde, com a finalidade de manutenção da saúde, tais como prática de atividade física, ciclo de sono e repouso, nutrição adequada, minimização do consumo e dos danos causados pelo uso e abuso de substâncias psicoativas(44. McEachan RRC, Lawton RJ, Conner M. Classifying health-related behaviours: exploring similarities and differences amongst behaviours. Brit J Health Psych. 2010;15(2):347-66.).

Os comportamentos de saúde podem ser influenciados por diversos fatores, como aqueles que envolvem os determinantes sociais de saúde, tais como as condições socioeconômicas, familiares, ambientais e culturais, além de características pessoais que envolvem a genética e os aspectos emocionais. Os profissionais de enfermagem muitas vezes dispendem mais atenção no cuidado do outro, em detrimento do tempo dedicado aos autocuidados, o que acontece muitas vezes por falta de tempo para atividades de lazer, cuidados com alimentação ou com a própria aparência. Tal comportamento pode ser reflexo do próprio ambiente laboral, no qual raramente acontecem ações voltadas à saúde do trabalhador de enfermagem(55. Tomaschewski-Barlem JG, Piexak DR, Barlem ELD, Lunardi VL, Ramos AMJ. Produção científica da enfermagem acerca do cuidado de si: uma revisão integrativa. Rev Cuid Fundam Online [Internet]. 2016 [citado 2016 out. 21];8(3):4629-35. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/3560/pdf
http://www.seer.unirio.br/index.php/cuid...
).

Estudos que avaliam comportamentos de saúde entre profissionais de enfermagem são incipientes na literatura científica. Em busca realizada em bases indexadoras foram encontrados poucos artigos(22. Victorian Health Promotion Foundation (VicHealth). Reducing alcohol-related harm in the workplace: an evidence review: summary report. Melbourne, Australia: VicHealth; 2012.,66. Forte ECN, Trombetta AP, Pires DEP, Gelbcke FL, Lino MM. Abordagens teóricas sobre a saúde do trabalhador de enfermagem: revisão integrativa. Cogitare Enferm. 2014;19(3):604-11.-77. Oliveira EB, Fabri JMG, Paula GS, Souza SRC, Silveira WG, Matos GS. Padrões de uso de álcool por trabalhadores de enfermagem e a associação com o trabalho. Rev Enferm UERJ. 2014;21(6):729-35.), sendo que um avaliou o estresse e os demais a associação com o uso de álcool, porém não foram examinados, concomitantemente, os comportamentos de saúde. Um estudo que se aproximou desse contexto foi sobre a Síndrome de Burnout entre profissionais de saúde e sua associação a precários comportamentos de saúde, como sedentarismo, alimentação precária, uso abusivo de bebidas alcoólicas e substâncias psicoativas(88. Alexandrova-Karamanova A, Todorova I, Montgomery A, Panagopoulou E, Costa P, Baban A. Burnout and health behaviors in health professionals from seven European countries. Int Arch Occup Environ Health. 2016;89(7):1059-75.).

Pouco é sabido sobre os comportamentos de saúde e estilos de vida que contribuem para o uso abusivo de álcool e de outras drogas entre profissionais de saúde, especialmente, os de enfermagem. Nesse sentido, parece fundamental conhecer os comportamentos de saúde, uma vez que atitudes pessoais quanto ao autocuidado e às práticas de saúde desses profissionais têm implicações importantes para a prática cotidiana, seja no cuidado realizado, seja na forma de atuação junto aos diversos grupos da população. A hipótese desta investigação é que profissionais de enfermagem que fazem uso de álcool em níveis de risco apresentam comportamentos de saúde de forma mais precária. Assim, este estudo teve por objetivo avaliar o uso problemático de álcool e comportamentos de saúde entre profissionais de enfermagem de um hospital geral.

MÉTODO

Trata-se de um estudo do tipo transversal de abordagem quantitativa. O estudo foi realizado em um hospital geral público, de grande porte, localizado no município de Uberlândia, estado de Minas Gerais, Brasil.

No período da coleta de dados, a equipe de enfermagem do hospital estava composta por 1.214 trabalhadores, sendo 189 enfermeiros e 963 técnicos e auxiliares de enfermagem.

A amostra, estimada por meio de cálculo amostral, foi de 402 profissionais (127 enfermeiros e 275 técnicos e auxiliares de enfermagem), considerando-se 95% de confiabilidade e 5% de precisão. Porém, todos os 1.214 profissionais foram convidados a participar do presente estudo. Mediante a apresentação dos objetivos, 416 profissionais aceitaram participar, compondo a amostra do presente estudo.

Os critérios de elegibilidade para participar da pesquisa foram: ter idade igual ou superior a 18 anos e ser funcionário (auxiliar de enfermagem, técnico em enfermagem ou enfermeiro) do hospital. O critério de exclusão foi estar afastado do trabalho por qualquer motivo.

A coleta de dados ocorreu entre junho e agosto de 2016. Foram realizadas reuniões em todas as unidades do hospital, para esclarecimentos e convite para participação no presente estudo. Para a realização da coleta de dados e aplicação do instrumento foram agendados três momentos.

Foi utilizado um questionário autoaplicável composto por: (a) Informações sociodemográficas e sobre o trabalho; (b) Alcohol Use Disorder Identification Test - Consumption (AUDIT-C), composto por três itens que avaliam a quantidade, a frequência e o consumo de álcool no padrão de intoxicação. A pontuação final permite uma classificação dos níveis de consumo, incluindo o uso abusivo ou de risco, que também será referido no presente estudo como uso problemático(99. García Carretero M, Novalbos Ruiz J, Martínez Delgado J, O'Ferrall González C. Validación del test para la identificación de trastornos por uso de alcohol en población universitaria: AUDIT y AUDIT-C. Adicciones. 2016;28(4):194-204.); e (c) Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST), questionário para triagem do uso de álcool, tabaco e outras substâncias, composto por oito itens(1010. Henrique IFS, De Micheli D, Lacerda RB, Lacerda LA, Formigoni MLOS. Validação da versão brasileira do teste de triagem do envolvimento com álcool, cigarro e outras substâncias (ASSIST). Rev Assoc Med Bras. 2004;50(2):199-206.). Cada resposta corresponde a um escore, que varia de 0 a 4, sendo que valores quatro pontos acima classificam o indivíduo em nível de uso abusivo; (d) Questionário Comportamento de Saúde (QCS), que avalia os aspectos comportamentais relacionados à saúde (nutrição, transporte, prática de atividades físicas, uso de substâncias psicoativas). É composto por 28 itens, divididos em cinco domínios. Suas respostas variam de 1 a 5 pontos. Para a interpretação dos escores, quanto maiores os valores apresentados na somatória, piores os comportamentos de saúde(1111. Gonzales B, Ribeiro JP. Comportamentos de Saúde e dimensões da personalidade em jovens estudantes universitárias. Psicol Saúde Doenças. 2004;5(1):107-27.). Todos os instrumentos foram validados e aplicados em diversos grupos populacionais, apresentando bons níveis de confiabilidade, que recomendam sua utilização.

Para análise dos dados foi elaborado um banco de dados no Statistical Program of Social Science for Windows (SPSS), versão 20. Foram realizadas análises descritivas das variáveis categóricas, com distribuição das frequências absoluta (n) e relativa (%). A análise bivariada dos dados foi realizada por meio do teste de Qui-quadrado (χ2) para comparar as variáveis categóricas - AUDIT-C, sexo, religião, estado civil, escolaridade, função que ocupa, período de trabalho, número de vínculos trabalhistas, uso de outras drogas (ASSIST) e comportamentos de saúde (QCS). O teste-t para amostras independentes foi utilizado para avaliar as diferenças entre as médias de idade. Para avaliar a associação entre as varáveis foi utilizada a análise de regressão logística multivariada. Os resultados foram apresentados por meio da razão de chance (OR Odds Ratio), que se refere à possibilidade de ocorrência de um evento. Primeiramente, a variável independente foi abstêmio/uso de baixo risco de álcool e uso problemático/de risco, controlada pelas covariáveis: sexo, faixa etária, religião, estado civil, escolaridade, profissão, função ocupacional, período de trabalho (Tabela 1) e os itens do Questionário Comportamento de Saúde (Tabela 3). Posteriormente, definiu-se como variável independente a categoria profissional (auxiliar de enfermagem, técnico em enfermagem e enfermeiro), controlada pelas covariáveis: comportamentos relacionados à prática de atividade física, cuidados com o ambiente e a saúde (QCS) (Tabela 2). O nível de significância (valor de p) foi estabelecido em 0,05 para todos os testes utilizados.

Tabela 1
Informações sociodemográficas e uso de álcool (AUDIT-C), segundo profissionais de enfermagem de um hospital geral - Uberlândia, MG, Brasil, 2016.
Tabela 2
Uso de álcool, tabaco e similares, segundo profissionais de enfermagem de um hospital geral - Uberlândia, MG, Brasil, 2016.
Tabela 3
Uso de álcool (AUDIT-C) e comportamentos de saúde (QCS), segundo profissionais de enfermagem de um hospital geral - Uberlândia, MG, Brasil, 2016.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia (Número do Parecer: 1.585.311). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo seguiu os pressupostos éticos definidos pela Resolução 466/2012.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 416 (100%) profissionais de enfermagem (28,5% auxiliares de enfermagem, 49,3% técnicos de enfermagem e 22,3% enfermeiros), predominantemente do sexo feminino (84,1%), adultos, com média de idade de 41,2±10,2 anos, variando entre 20 e 67 anos, casados (69,5%), católicos (44,1%), que ocupavam cargo de técnico em enfermagem (49,3%) e trabalhavam no período da manhã (40,6%).

A Tabela 1 mostra que, na amostra, o consumo de álcool em níveis de risco foi associado a sexo (masculino) (p < 0,001), outras religiões (p < 0,001), estado civil (solteiros) (p = 0,024), escolaridade (nível superior) (p = 0,011), cargo de auxiliar de enfermagem (p = 0,002). No grupo de participantes com uso de álcool em níveis de risco houve predominância de homens (68,9%), solteiros (60,9%), que professavam outras religiões (76,3%), possuíam nível superior (55,3%) e os que ocupavam o cargo de auxiliar de enfermagem (59,1%) com diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05). Entre o grupo de abstêmios houve predominância de mulheres (53,4%), casadas (54,6%), evangélicas (75%), que completaram o ensino fundamental (71,4%), ocupavam o cargo de técnico de enfermagem (58,3%). Nota-se que o período de trabalho não se diferenciou na amostra. Na avaliação do teste-t para amostras independentes, houve diferenças estatisticamente significativas em relação à média de idade, entre o grupo de consumo de baixo risco/risco (40,0±9,7 versus 42,4±9,7, t = 2,168 [95% IC 0,224–4,616], p = 0,031), quando comparada à dos abstêmios (dados não apresentados em tabela). Em relação ao uso de álcool, 50,2% da amostra eram abstêmios e 49,8% fizeram consumo de álcool em nível problemático.

Na Tabela 2, ao comparar o uso de substâncias e os comportamentos de saúde entre os profissionais de enfermagem, observam-se diferenças na amostra em relação ao consumo controlado de bebidas (p < 0,001), evitar o uso de tranquilizantes (p = 0,007), anfetaminas (p = 0,006) e fumar. O uso de bebidas alcoólicas e de tabaco no último ano não se diferenciou entre os participantes da amostra (p > 0,05). Nota-se que o grupo de técnicos de enfermagem apresentaram maiores porcentagens no consumo de bebidas alcóolicas (acima de duas doses) (52,4%), e evitaram o uso de tranquilizantes (63,6%) e estimulantes, como as anfetaminas (69,0%), medicamentos não prescritos (54,1%) e tabaco (51,8%), quando comparados aos demais profissionais (dados apresentados na Tabela 2).

A prevalência de uso de outras substâncias foram 16,8% para tabaco, 2,2% para anfetaminas e 4,4% para sedativos. Na Tabela 3 observaram-se associações estatisticamente significativas entre o uso de álcool e todos os comportamentos de saúde avaliados (Tabela 3). Comportamentos de saúde, tais como prática de exercícios físicos (p = 0,044) e de esporte (p = 0,002), manutenção da carteira de vacina atualizada (p = 0,032), cuidados com a alimentação (evita alimentos gordurosos) (p = 0,003), consumo de cafeína (p = 0,012) e exposição a ambientes barulhentos (p < 0,001) foram associados ao uso de álcool. Participantes que faziam uso de álcool em nível problemático apresentaram maiores porcentagens de comportamentos não saudáveis, tais como não praticar exercícios físicos (58,2%) e esportes (64,0%) e beber acima dos limites de duas doses (63,1%), no entanto, adotavam comportamentos, tais como manter a carteira de vacinação em dia (64,3%), evitar alimentos gordurosos (58,4%), uso de bebidas com cafeína (55,7%) e ambientes barulhentos (62,6%).

Na análise de regressão logística, os participantes do sexo masculino (OR = 4,3 [IC95% 1,992-9,276]; p < 0,001), solteiros (OR 3,7 [IC95%1,928-14,840]; p = 0,044), que professam outras religiões (OR 3,8 [IC95% 1,715-8,356]; p < 0,001), exercem cargo de técnico de enfermagem (OR 2,3 [IC95% 1,402-6,886]; p < 0,001), não consomem menos do que duas doses de bebidas alcoólicas por dia (OR 2,0 [IC95%1,111- 3,742]; p = 0,021), fazem uso de tabaco (OR 8,9 [IC95% 3,126-25,728]; p < 0,001), evitam consumo de bebidas com cafeína (OR 1,9 [IC95% 1,962-6,797]; p = 0,041) e ambientes barulhentos (OR 2,0 [IC95% 1,017-3,950]; p = 0,045) apresentaram razões de chances aumentadas para o consumo de álcool em níveis problemáticos.

DISCUSSÃO

Este é um dos poucos estudos brasileiros que avaliaram o consumo de álcool e os comportamentos de saúde entre profissionais de enfermagem. Foram observadas associações importantes entre características sociodemográficas, uso problemático de álcool e comportamentos de saúde. Os resultados sugerem a necessidade de considerar as peculiaridades dos profissionais de enfermagem e o autocuidado, a fim de identificar com mais detalhes os nós críticos nesse campo, para posteriormente implementar mudanças que promovam o bem-estar físico e mental desses trabalhadores de saúde, visando à qualidade de vida, que vai além das relações de trabalho.

Ao se considerar as características sociodemográficas dos participantes do presente estudo, observou-se predominância do sexo feminino, adultos (média 41,2 anos), católicos, casados, técnicos de enfermagem, que atuavam no período da manhã (Tabela 1). Esses achados corroboram as prevalências de um cenário nacional de profissionais predominantemente do sexo feminino (84,6%) e de técnicos e auxiliares de enfermagem (80%)(1212. Conselho Federal de Enfermagem. Pesquisa inédita traça o perfil da enfermagem brasileira [Internet]. Brasília: COFEN; 2015 [citado 2016 out. 21]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/pesquisa-inedita-traca-perfil-da-enfermagem_31258.html
http://www.cofen.gov.br/pesquisa-inedita...
).

A prevalência de consumo de baixo risco e de risco de álcool foi de 49,8% na presente amostra. Esse índice é preocupante por ser uma amostra de profissionais de saúde constituída predominantemente por mulheres. No entanto, resultados semelhantes foram apresentados no levantamento nacional sobre o padrão de consumo de álcool na população brasileira (50%)(1313. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas; Universidade Federal de São Paulo. II LENAD - Levantamento Nacional de Álcool e Drogas [Internet]. São Paulo: INPAD/UNIFESP; 2014 [citado 2016 out. 21]. Disponível em: http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2...
). Além disso, a American Nurses Association (ANA) estimou que, aproximadamente, 10% das enfermeiras são dependentes de álcool e ou de outras drogas, o que pode comprometer sua saúde e seu desempenho profissional, colocando em risco a segurança do paciente(1414. Karen D, Powers C, Vuk J, Kennedy R. Predictors of substance use recidivism among Arkansas nurses. J Nurs Regul. 2014;5(2):39-44.). Outros autores mostraram ainda que o uso de álcool e ou de outras drogas entre os profissionais de enfermagem não se diferenciavam da população geral(1515. Kunik D. Substance use disorders among registered nurses: prevalence, risks and perceptions in a disciplinary jurisdiction. J Nurs Manag. 2015;23(1):54-64.-1616. Monroe T, Kenaga H. Don't ask don't tell: substance abuse and addiction among nurses. J Clin Nurs. 2010;20(3-4):504-9.).

Vale destacar que esses resultados parecem ser contraditórios, tendo em vista que a amostra é composta por profissionais qualificados na área de saúde. Isso reforça a necessidade de maior atenção ao tema do uso e abuso de substâncias psicoativas em trabalhadores da enfermagem, uma vez que o domínio do conhecimento aparentemente pouco tem contribuído para assegurar mudanças de comportamento de saúde, já que a informação não vem acompanhada de uma transformação na percepção emocional e na motivação para se comportar de forma diferente.

No entanto, reconhece-se que há falta de capacitação profissional específica ou de educação continuada sobre o assunto, o que pode ser um fator de risco para o uso dessas substâncias entre esses profissionais. Além do mais, fatores como medo de receber punição e exigências de manter a disciplina na conduta profissional dificultam a busca por apoio, o que pode resultar em comprometimento no desempenho profissional(1515. Kunik D. Substance use disorders among registered nurses: prevalence, risks and perceptions in a disciplinary jurisdiction. J Nurs Manag. 2015;23(1):54-64.-1616. Monroe T, Kenaga H. Don't ask don't tell: substance abuse and addiction among nurses. J Clin Nurs. 2010;20(3-4):504-9.). Os dados da Tabela 1 e da análise de regressão logística final mostram que profissionais do sexo masculino (OR 4,3), solteiros (OR 3,7), que professavam outras religiões (OR 3,8) e que exerciam cargo de técnico de enfermagem (OR 2,3) apresentaram maiores probabilidades de consumir bebidas alcoólicas em nível problemático.

Essas características são comumente encontradas em estudos que avaliaram fatores de risco em diversas populações, principalmente entre os mais jovens, representando vulnerabilidade potencial para o uso de álcool(1313. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas; Universidade Federal de São Paulo. II LENAD - Levantamento Nacional de Álcool e Drogas [Internet]. São Paulo: INPAD/UNIFESP; 2014 [citado 2016 out. 21]. Disponível em: http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2...
,1717. Tavares-Jomar R, Santos-Silva E. Consumo de bebidas alcoólicas entre estudantes de enfermagem. Aquichán. 2013;1 3(2):226-33.). Evidências mostraram ainda que o uso de álcool por mulheres tem sido inferior ao uso por homens, todavia, entre profissionais de enfermagem é significativamente menor quando comparado aos de amostras com predominância de homens, como, por exemplo, na medicina(77. Oliveira EB, Fabri JMG, Paula GS, Souza SRC, Silveira WG, Matos GS. Padrões de uso de álcool por trabalhadores de enfermagem e a associação com o trabalho. Rev Enferm UERJ. 2014;21(6):729-35.-88. Alexandrova-Karamanova A, Todorova I, Montgomery A, Panagopoulou E, Costa P, Baban A. Burnout and health behaviors in health professionals from seven European countries. Int Arch Occup Environ Health. 2016;89(7):1059-75.,1717. Tavares-Jomar R, Santos-Silva E. Consumo de bebidas alcoólicas entre estudantes de enfermagem. Aquichán. 2013;1 3(2):226-33.).

Uma outra questão preocupante refere-se ao uso de álcool por uma categoria profissional(1212. Conselho Federal de Enfermagem. Pesquisa inédita traça o perfil da enfermagem brasileira [Internet]. Brasília: COFEN; 2015 [citado 2016 out. 21]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/pesquisa-inedita-traca-perfil-da-enfermagem_31258.html
http://www.cofen.gov.br/pesquisa-inedita...
) de grande amplitude numérica, como os técnicos de enfermagem, que respondem por cerca de 80% dos profissionais de enfermagem no Brasil. Esses profissionais são responsáveis por cuidados de saúde de menor complexidade e mais rotineiros, e muitas vezes estão envolvidos na assistência de enfermagem direta junto ao paciente. Estudos mostraram que esses profissionais cumprem em seu cotidiano jornadas de trabalho consideráveis e muitas vezes dispõem de pouco tempo para atividades de lazer de forma prazerosa, o que leva ora a desgastes físicos, ora a sofrimentos psíquicos(66. Forte ECN, Trombetta AP, Pires DEP, Gelbcke FL, Lino MM. Abordagens teóricas sobre a saúde do trabalhador de enfermagem: revisão integrativa. Cogitare Enferm. 2014;19(3):604-11.-77. Oliveira EB, Fabri JMG, Paula GS, Souza SRC, Silveira WG, Matos GS. Padrões de uso de álcool por trabalhadores de enfermagem e a associação com o trabalho. Rev Enferm UERJ. 2014;21(6):729-35.). Nesse sentido, o desgaste emocional resultante de tais situações pode contribuir significativamente para o desenvolvimento de quadros relacionados ao estresse e transtornos mentais, tais como depressão, ansiedade, pânico, fobia e doenças psicossomáticas, e o uso de substâncias psicoativas pode estar sendo incrementado para enfrentamento e busca de alívio desses problemas(66. Forte ECN, Trombetta AP, Pires DEP, Gelbcke FL, Lino MM. Abordagens teóricas sobre a saúde do trabalhador de enfermagem: revisão integrativa. Cogitare Enferm. 2014;19(3):604-11.-77. Oliveira EB, Fabri JMG, Paula GS, Souza SRC, Silveira WG, Matos GS. Padrões de uso de álcool por trabalhadores de enfermagem e a associação com o trabalho. Rev Enferm UERJ. 2014;21(6):729-35.).

Percebe-se a predominância de comportamentos de saúde mais saudáveis em relação ao consumo de álcool e similares entre os técnicos em enfermagem (Tabela 2), tais como evitar o consumo de bebidas alcóolicas (acima de duas doses) (52,4%), o uso de tranquilizantes (63,6%), estimulantes, como anfetaminas (69%), medicamentos não prescritos (54,1%) e o tabaco (62,2%), quando comparados aos dos demais profissionais. Percebe-se nesses resultados, uma certa preocupação por parte dos profissionais em relação ao uso dessas substâncias, de modo a mantê-lo sob controle, contudo, as anfetaminas e os sedativos foram exceções, com altas porcentagens de uso entre as mulheres.

Fatores relacionados ao trabalho podem contribuir para o tipo e a quantidade de substâncias utilizadas por profissionais da enfermagem(1818. Vieira GT, Beck CLC, Dissen CM, Camponogara S, Gobatto M, Coelho APF. Adoecimento e uso de medicamentos psicoativos entre trabalhadores de enfermagem de unidades de terapia intensiva. Rev Enferm UFSM. 2013;3(2):205-14.). Na presente investigação, observou-se prevalência de uso anfetaminas (2,2%) e sedativos (4,4%). Esses valores são superiores aos da população geral, 1,3%, considerando-se os sedativos, o uso de morfina e os anestésicos(1313. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas; Universidade Federal de São Paulo. II LENAD - Levantamento Nacional de Álcool e Drogas [Internet]. São Paulo: INPAD/UNIFESP; 2014 [citado 2016 out. 21]. Disponível em: http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
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). Dos profissionais de uma equipe de enfermagem que trabalhavam em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), 28,5% usavam algum tipo de substância, principalmente, analgésicos (4%). As principais razões para o uso de substâncias foram associadas às questões laborais e a problemas familiares(1818. Vieira GT, Beck CLC, Dissen CM, Camponogara S, Gobatto M, Coelho APF. Adoecimento e uso de medicamentos psicoativos entre trabalhadores de enfermagem de unidades de terapia intensiva. Rev Enferm UFSM. 2013;3(2):205-14.).

O uso de medicamentos prescritos, tais como sedativos, é um problema preocupante no cotidiano dos profissionais de enfermagem, principalmente no dos enfermeiros, pois envolve questões éticas e legais. O fácil acesso, o manejo e a segurança de medicamentos controlados nos serviços de saúde fazem parte das atribuições do enfermeiro em sua prática diária, e o uso abusivo dessas substâncias, frequentemente estão combinados com o mau ou o uso pouco seguro dessas drogas controladas nos serviços de saúde(1818. Vieira GT, Beck CLC, Dissen CM, Camponogara S, Gobatto M, Coelho APF. Adoecimento e uso de medicamentos psicoativos entre trabalhadores de enfermagem de unidades de terapia intensiva. Rev Enferm UFSM. 2013;3(2):205-14.).

Estudo realizado com 300 enfermeiras inscritas em programas de tratamento mostrou que um sexto dessas profissionais havia mudado os locais de trabalho (geralmente, por transferência interna no mesmo hospital) para ter acesso mais fácil às drogas no local de trabalho(1919. Sullivan E, Bissell L, Leffler D. Drug use and disciplinary actions among 300 nurses. Int J Addict. 1990;25(4):375-91.). Por outro lado, ainda há um estigma muito forte em relação ao abuso de substâncias psicoativas por profissionais de saúde, principalmente por questões éticas e laborais, que acarretam potencial ameaça de perda do trabalho. Além disso, a pressão social que recai sobre as profissionais do sexo feminino faz com que esse segmento permaneça como uma população invisível entre as pessoas que usam álcool e ou outras drogas(1919. Sullivan E, Bissell L, Leffler D. Drug use and disciplinary actions among 300 nurses. Int J Addict. 1990;25(4):375-91.).

Outro resultado relevante refere-se ao tabagismo, uma vez que o uso de tabaco foi um preditor (OR 8,9) para o consumo em nível problemático de álcool na amostra (Tabela 3). Essa combinação de uso tem sido descrita na literatura, em virtude dos efeitos depressores e estimulantes gerados por essas substâncias(11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2014. Geneva: WHO; 2014.). Um dado a ser considerado no presente estudo é que a taxa de uso de tabaco foi de 16,8% entre os profissionais de enfermagem, muito semelhante à média nacional para a população geral (16,9%)(1313. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas; Universidade Federal de São Paulo. II LENAD - Levantamento Nacional de Álcool e Drogas [Internet]. São Paulo: INPAD/UNIFESP; 2014 [citado 2016 out. 21]. Disponível em: http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
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). Estudos anteriores mostraram que o uso de tabaco é um comportamento muito comum entre profissionais de saúde e que esses índices já foram bastante superiores, porém, nos últimos anos, têm declinado substancialmente nessa população(2020. Neall RA, Atherton IM, Kyle RG. Nurses' health-related behaviours: protocol for a quantitative systematic review of prevalence of tobacco smoking, physical activity, alcohol consumption and dietary habits. J Adv Nurs. 2016;72(1):197-204.). Estudo de revisão sistemática(2121. Cavusoglu F, Bahar Z, Avci IA. Smoking and substance abuse among nurses in Turkey: a systematic literature analysis. Prog Health Sci. 2012;2(2):161-6.) mostrou que as taxas de tabagismo variaram de 42,3 a 68,6% entre enfermeiros. Evidências mostraram que a associação entre álcool e tabaco potencializam diversos problemas de saúde, sendo, portanto, considerada fator de risco potencial entre profissionais de enfermagem(99. García Carretero M, Novalbos Ruiz J, Martínez Delgado J, O'Ferrall González C. Validación del test para la identificación de trastornos por uso de alcohol en población universitaria: AUDIT y AUDIT-C. Adicciones. 2016;28(4):194-204.

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-1313. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas; Universidade Federal de São Paulo. II LENAD - Levantamento Nacional de Álcool e Drogas [Internet]. São Paulo: INPAD/UNIFESP; 2014 [citado 2016 out. 21]. Disponível em: http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
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,2222. Soares MH, Oliveira FS. A relação entre álcool, tabaco e estresse em estudantes de enfermagem. SMAD Rev Eletr Saúde Mental Álcool Drog [Internet]. 2013 [citado 2016 out. 21];9(2):88-94. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/79661
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).

Quanto ao consumo de bebidas alcoólicas acima do limite preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de duas doses, participantes que não consumiam menos que duas doses de bebidas alcoólicas por dia apresentaram o dobro de chances (OR 2,0 [IC95%1,111-3,742] de consumir álcool em nível problemático (Tabela 3). Embora não haja um limite seguro de consumo, a OMS tem recomendado em suas diretrizes um uso abaixo de duas doses de álcool por dia, para que não acarrete danos a si mesmo e a outros(11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2014. Geneva: WHO; 2014.). O consumo acima dessa quantidade pode contribuir para elevar os índices de problemas relacionados à exposição a situações de acidentes, violência e comportamentos de risco, tais como prática sexual sem proteção(11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2014. Geneva: WHO; 2014.,1313. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas; Universidade Federal de São Paulo. II LENAD - Levantamento Nacional de Álcool e Drogas [Internet]. São Paulo: INPAD/UNIFESP; 2014 [citado 2016 out. 21]. Disponível em: http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
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).

Em relação à organização do trabalho, jornadas de trabalho dos profissionais de enfermagem exaustivas e densas(2323. Fernandes JC, Portela LF, Rotenberg L, Griep RH. Working hours and health behaviour among nurses at public hospitals. Rev Latino Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Mar 03];21(5):1104-11. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n5/0104-1169-rlae-21-05-1104.pdf
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), inclusive em feriados e finais de semana, com pouca disponibilidade para desfrutar de momentos de lazer, são fatores que podem levar esses profissionais a adotarem o consumo de álcool(77. Oliveira EB, Fabri JMG, Paula GS, Souza SRC, Silveira WG, Matos GS. Padrões de uso de álcool por trabalhadores de enfermagem e a associação com o trabalho. Rev Enferm UERJ. 2014;21(6):729-35.), buscando alívio do sofrimento mental decorrente de diversas situações de estresse.

Notou-se associação entre o uso problemático de álcool e evitação de ambientes barulhentos (Tabela 3). Uma possível explicação é que a amostra do estudo é constituída por adultos, que, diferentemente da população de adolescentes e jovens, optariam por consumir bebidas alcoólicas em ambientes mais silenciosos, evitando locais de consumo com mais ruídos, tais como festas ou baladas, a exemplo de um estudo realizado com jovens(1717. Tavares-Jomar R, Santos-Silva E. Consumo de bebidas alcoólicas entre estudantes de enfermagem. Aquichán. 2013;1 3(2):226-33.). Adicionalmente, esses profissionais também podem optar por consumir bebidas alcoólicas em ambientes mais discretos, por receio de alguma forma de repreensão social devido à sua posição profissional, mesmo que a recriminação possa ser indireta em relação ao ato de beber.

Foi observada também associação entre álcool e baixo envolvimento em prática de atividades físicas ou esportivas (Tabela 3). Estudo realizado com enfermeiros(2424. Acioli Neto ACF, Araújo RC, Pitangui ACR, Menezes LC, França EET, Costa EC, et al. Qualidade de vida e nível de atividade física de profissionais de saúde de unidades de terapia intensiva. Rev Bras Ativ Fis Saúde. 2013;18(6):711-9.) mostrou que a prática de atividades físicas (moderada/alta ou de baixa intensidade) reduz em quase pela metade o risco (OR 1,64; IC95% 1,29-2,10 homens e OR 1,45; IC95% 1,01-2,09 mulheres) de desenvolver problemas relacionados ao uso de álcool em comparação com o sedentarismo. Outro estudo, realizado com profissionais que trabalhavam em instituição hospitalar, identificou elevadas taxas (78,6%) de sedentarismo(2525. Ejsing LK, Becker U, Tolstrup JS, Flensborg-Madsen T. Physical activity and risk of alcohol use disorders: results from a prospective cohort study. Alcohol Alcohol. 2015;50(2):206-12.).

A adoção de comportamentos saudáveis de saúde, tais como manter a carteira de vacinação em dia, evitar o consumo de alimentos gordurosos e o uso de bebidas com cafeína foi observada na presente amostra (Tabela 3). Esses resultados sugerem o autocuidado voltado para promoção da saúde e prevenção de doenças, independentemente do consumo de álcool. A adoção de tais comportamentos e estilo de vida por profissionais de saúde é de crucial importância, tendo em vista o aumento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) na população geral, com destaque para a alimentação inadequada e o sedentarismo, decorrentes dos processos de industrialização e globalização(2020. Neall RA, Atherton IM, Kyle RG. Nurses' health-related behaviours: protocol for a quantitative systematic review of prevalence of tobacco smoking, physical activity, alcohol consumption and dietary habits. J Adv Nurs. 2016;72(1):197-204.,2626. While AE. Are nurses fit for their public health role? [editorial]. Int J Nurs Stud. 2014;51(9):1191-4.).

O estudo traz algumas implicações para a prática clínica. Entender as peculiaridades relacionadas ao uso de substâncias psicoativas e as condições de saúde de profissionais de enfermagem pode contribuir para identificar e prevenir a vulnerabilidade para o uso problemático de álcool a partir de hábitos, estilo de vida e comportamentos de saúde desses profissionais, dentro e fora das relações de trabalho. Vale destacar a originalidade do presente estudo e a sua realização com uma amostra representativa de profissionais de enfermagem de um hospital geral.

Dentre as limitações da pesquisa, deve-se ressaltar o fato de ter se restringido a uma amostra de profissionais de enfermagem que trabalhavam em um único hospital geral. Também há de se considerar as unidades em que os profissionais estavam alocados; não foi investigada, por exemplo, a UTI. Estudos futuros são necessários, envolvendo profissionais de outros serviços de saúde, como os que atuam na atenção primária à saúde, para avaliar a relação entre comportamentos de saúde e uso de drogas entre esses trabalhadores.

CONCLUSÃO

O estudo mostrou que os profissionais de enfermagem que apresentaram consumo de álcool e/ou outras drogas (como o tabaco) em nível problemático apresentaram maiores índices de comportamentos não saudáveis, tais como não praticar atividade física e esportiva e beber acima do limite de duas doses, o que corrobora a hipótese do presente estudo. Além disso, com relação às características sociodemográficas e profissionais, evidenciou-se que ser homem, solteiro, professar outras religiões e exercer a função de técnico de enfermagem são fatores associados a chances aumentadas para o padrão de consumo problemático, com potencial impacto na saúde do trabalhador.

O fortalecimento de ações de promoção e educação em saúde, voltadas para o autocuidado de profissionais de enfermagem, considerando-se as especificidades e os hábitos de saúde desse segmento, poderá contribuir para promover um trabalho mais harmonioso e equilibrado, refletindo-se no desenvolvimento de uma assistência de enfermagem de melhor qualidade, comprometida com os padrões de excelência almejados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2016
  • Aceito
    03 Jul 2017
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