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Uso de álcool e espiritualidade entre estudantes de enfermagem

Uso de alcohol y espiritualidad entre estudiantes de enfermería

Resumos

O objetivo deste estudo transversal foi investigar o uso de álcool e níveis de espiritualidade entre estudantes de Enfermagem. Aplicou-se o Teste de Identificação do Uso do Álcool e a Escala de Espiritualidade. Participaram 191 (80,2%) estudantes do curso de Enfermagem de uma cidade do interior de Minas Gerais, sendo 75,4% do sexo feminino, idade média 25 anos, 149 (78%) de religião católica. Quanto ao uso de álcool por sexo, 117 (75%) mulheres faziam uso de bebida alcoólica e 33 (56,9%) bebiam em nível problemático (p?0,05), contra 25 homens (43,1%). Foi encontrada uma pontuação baixa dos níveis de espiritualidade na amostra: em média, mulheres apresentaram escore menor em comparação aos homens (12,7 vs 13,5). Na comparação entre níveis de espiritualidade e beber problemático, observou-se que estudantes com uso de baixo risco apresentaram menores níveis de espiritualidade. Concluiu-se que a espiritualidade pode não funcionar como fator protetor para uso do álcool, sugerindo que esse comportamento pode estar sob o controle de outras variáveis.

Estudantes de enfermagem; Mulheres; Alcoolismo; Espiritualidade


El objetivo de este estudio transversal fue investigar el uso de alcohol y niveles de espiritualidad entre estudiantes de Enfermería. Fueron aplicados el Test de Identificación del Uso de Alcohol y la Escala de Espiritualidad. Participaron 191 (80,2%) estudiantes del curso de Enfermería de una ciudad del interior de Minas Gerais, perteneciendo 75,4% al sexo femenino, edad media de 25 años, 149 (78%) de religión católica. En cuanto al uso de alcohol por sexo, 117 (75%) mujeres consumían bebidas alcohólicas y 33 (56,9%) bebían en niveles problemáticos (p?0,05), en comparación a los 25 hombres (43,1%). Se encontró una puntuación baja de los niveles de espiritualidad en la muestra: en media, las mujeres presentaban puntajes menores en comparación con los hombres (12,7 vs. 13,5). En la comparación entre niveles de espiritualidad y niveles problemáticos de consumo, se observó que los estudiantes con consumo de bajo riesgo presentaron menores niveles de espiritualidad. Se concluye en que la espiritualidad puede no funcionar como factor de protección contra el uso de alcohol, sugiriéndose que tal comportamiento podría estar bajo el control de otras variables.

Estudiantes de enfermería; Mujeres; Alcoholismo; Espiritualidad


The purpose of this cross-sectional study was to investigate alcohol use and the levels of spirituality among nursing students. The tests used were the Alcohol Use Disorders Identification Test and the Spirituality Scale. Participants were 191 (80.2%) nursing undergraduates from a city in the state of Minas Gerais, 75.4% of which were female, average age 25 years, and 149 (78%) were Catholic. As for alcohol use per gender, 117 (75%) women used alcoholic beverages and 33 (56.9%) had a drinking problem (p?0.05), against 25 men (431%). Low scores for spirituality levels were found in the sample: in average, women had lower scores compared to men (12.7 against 13.5). Comparing the level of spirituality with having a drinking problem, it was observed that students with low risk alcohol use had lower levels of spirituality. In conclusion, spirituality may not function as a protecting factor for alcohol use, hence this behavior may be under the control of other variables.

Students, nursing; Women; Alcoholism; Spirituality


ARTIGO ORIGINAL

Uso de álcool e espiritualidade entre estudantes de enfermagem

Uso de alcohol y espiritualidad entre estudiantes de enfermería

Sandra Cristina PillonI; Manoel Antônio dos SantosII; Angélica Martins de Souza GonçalvesIII; Keila Maria de AraújoIV

IProfessor Associado do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem. Líder do Grupo de Estudo sobre Prevenção do Uso Nocivo do Álcool e ou Drogas (CNPq). Ribeirão Preto, SP, Brasil. pillon@eerp.usp.br

IIProfessor Doutor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. masantos@ffclrp.usp.br

IIIDoutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, SP, Brasil. angelicamartins@usp.br

IVProfessora do Curso de Graduação em Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica de Poços de Caldas. Poços de Caldas, MG, Brasil. kmarausp@yahoo.com.br

Correspondência Correspondência: Sandra Cristina Pillon Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto Av. dos Bandeirantes, 3900 - Monte Alegre CEP 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil

RESUMO

O objetivo deste estudo transversal foi investigar o uso de álcool e níveis de espiritualidade entre estudantes de Enfermagem. Aplicou-se o Teste de Identificação do Uso do Álcool e a Escala de Espiritualidade. Participaram 191 (80,2%) estudantes do curso de Enfermagem de uma cidade do interior de Minas Gerais, sendo 75,4% do sexo feminino, idade média 25 anos, 149 (78%) de religião católica. Quanto ao uso de álcool por sexo, 117 (75%) mulheres faziam uso de bebida alcoólica e 33 (56,9%) bebiam em nível problemático (p?0,05), contra 25 homens (43,1%). Foi encontrada uma pontuação baixa dos níveis de espiritualidade na amostra: em média, mulheres apresentaram escore menor em comparação aos homens (12,7 vs 13,5). Na comparação entre níveis de espiritualidade e beber problemático, observou-se que estudantes com uso de baixo risco apresentaram menores níveis de espiritualidade. Concluiu-se que a espiritualidade pode não funcionar como fator protetor para uso do álcool, sugerindo que esse comportamento pode estar sob o controle de outras variáveis.

Descritores: Estudantes de enfermagem. Mulheres. Alcoolismo. Espiritualidade.

RESUMEN

El objetivo de este estudio transversal fue investigar el uso de alcohol y niveles de espiritualidad entre estudiantes de Enfermería. Fueron aplicados el Test de Identificación del Uso de Alcohol y la Escala de Espiritualidad. Participaron 191 (80,2%) estudiantes del curso de Enfermería de una ciudad del interior de Minas Gerais, perteneciendo 75,4% al sexo femenino, edad media de 25 años, 149 (78%) de religión católica. En cuanto al uso de alcohol por sexo, 117 (75%) mujeres consumían bebidas alcohólicas y 33 (56,9%) bebían en niveles problemáticos (p?0,05), en comparación a los 25 hombres (43,1%). Se encontró una puntuación baja de los niveles de espiritualidad en la muestra: en media, las mujeres presentaban puntajes menores en comparación con los hombres (12,7 vs. 13,5). En la comparación entre niveles de espiritualidad y niveles problemáticos de consumo, se observó que los estudiantes con consumo de bajo riesgo presentaron menores niveles de espiritualidad. Se concluye en que la espiritualidad puede no funcionar como factor de protección contra el uso de alcohol, sugiriéndose que tal comportamiento podría estar bajo el control de otras variables.

Descriptores: Estudiantes de enfermería. Mujeres. Alcoholismo. Espiritualidad.

INTRODUÇÃO

O álcool é a droga mais consumida no mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que aproximadamente dois bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas(1). O uso problemático é um dos principais fatores que contribuem para as precárias condições de saúde mundial e responde por 3,2% da mortalidade e 4% dos anos perdidos de vida útil. Nos países da América Latina estima-se que 16% dos anos de vida útil perdidos estão relacionados ao consumo de álcool. Estudo epidemiológico recente, que avaliou os padrões de consumo problemático, encontrou valores considerados quatro vezes maiores do que a média mundial(1).

O estudo nacional sobre os padrões de uso de álcool na população brasileira identificou que 52% dos brasileiros acima de 18 anos bebem pelo menos uma vez ao ano. Quanto ao sexo, 65% dos homens e 41% das mulheres consomem bebidas. Por outro lado, 48% de brasileiros abstinentes, que nunca bebem ou que bebem menos de uma vez por ano. No grupo dos adultos que bebem, 60% dos homens e 33% das mulheres consumiram cinco doses ou mais, na ocasião em que mais beberam no último ano. Do conjunto dos homens adultos, 11% bebem todos os dias e 28% consomem bebida alcoólica de uma a quatro vezes por semana - são os que bebem muito freqüentemente(2).

No referido levantamento, o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil foi apontado como um importante problema de saúde pública, particularmente entre os jovens. O uso do álcool na população jovem tem iniciado cada vez mais cedo(1-2). Em relação à população universitária, estudos foram desenvolvidos em diversas regiões brasileiras com o objetivo de identificar o padrão de consumo e as conseqüências do uso de bebidas alcoólicas e de outras substâncias psicoativas(3-5).

Estudos anteriores verificaram que estudantes da área da saúde constituem um grupo da população que merece enfoque diferenciado em relação ao uso de álcool e de outras substâncias, pois representam os profissionais que, no futuro, trabalharão as questões de saúde na comunidade(3-4). Considerando essa particularidade, o consumo de álcool no último ano entre estudantes da área de ciências biológicas (93,3%) foi o mais prevalente, quando comparados com os estudantes das áreas de ciências humanas (86,0%) e ciências exatas (92,6%)(5). Independentemente dos cursos pesquisados, outro estudo mostrou resultados semelhantes(6); ao investigar estudantes de enfermagem por meio do Teste de Identificação dos Problemas Relacionados ao Uso do Álcool (AUDIT). Constatou-se que 20,5% dos acadêmicos faziam algum tipo de uso problemático de álcool (pontuação > 8 no AUDIT). Nesse ambiente permissivo, a disponibilidade de bebidas alcoólica é elevada, levando a pensar que, quanto maior a exposição, maior a propensão ao consumo e aos riscos de desenvolvimento de problemas associados(6). Evidenciou-se também que estudantes que faziam uso problemático de álcool chegavam mais atrasados às aulas e dormiam mais em sala de aula no dia seguinte após terem freqüentado festas na noite anterior. Entre os considerados de baixo risco para o consumo de álcool, 37,6% ingeriam mais de duas doses em dia típico de consumo e 35% já haviam consumido mais que seis em uma única ocasião(6).

Freqüentar festas universitárias também foi evidenciado como um fator associado. Nesse contexto, a maioria dos estudantes havia iniciado o uso de bebida alcoólica antes de entrar na universidade. No entanto, os autores do estudo consideraram esse espaço como um local de certa permissividade para a continuidade do comportamento do beber(7).

Esses estudos salientam a relevância da identificação precoce do consumo de bebidas alcoólicas de modo que se possam adotar estratégias de prevenção e intervenção no âmbito universitário(3-7). A maioria das variáveis associadas ao consumo do álcool, colocadas em relevo pela literatura, é passível de prevenção.

Como docentes do curso de enfermagem e mediante observações empíricas em sala de aula, contatamos que um número crescente de estudantes vem buscar informações, principalmente sobre o uso do álcool. Alguns estudantes chegam atrasados às aulas ou dormem em sala de aula e, quando questionados, revelam que participaram na noite anterior de alguma festa ou mesmo que estão planejando ir a uma balada, em que a bebida alcoólica está sempre presente, incorporada na sociabilidade e no lazer dos jovens. Os convites de festas que ocorrem no âmbito da universidade trazem informações como: Noite da Cerva: concorra a seis cervas pela melhor fantasia, Festa Open Bar, Proibido uso de substâncias ilegais, o que é contraditório, uma vez que, nos campi universitários, geralmente proíbe-se a comercialização e o consumo de bebidas alcoólicas, de acordo com as normas institucionais. Estudos recentes corroboram essas observações informais(6,8).

A literatura aponta que, quando os fatores de risco a que os estudantes estão expostos são identificados previamente no decorrer de seu processo educativo, a intervenção precoce pode reduzir risco de futuros comprometimentos de habilidades que, freqüentemente, só se manifestarão no desempenho da profissão(9-10). Enfermeiras que tendem a apresentar, no futuro, problemas na sua carreira profissional decorrentes do uso abusivo de álcool, muitas vezes iniciam o consumo durante a formação acadêmica(11); uma vez que a prevalência do uso é alta nessa população de estudantes universitários.

A opção pela temática ocorreu com base na análise dos resultados dos estudos(6-7) que apontam os estudantes da área de saúde, no caso os de enfermagem, como vulneráveis ao uso e abuso de álcool, quando comparados aos estudantes universitários em geral. Trata-se, portanto, de um grupo que merece enfoque diferenciado, pois, além de ter facilidade de acesso, mantém contato com substâncias psicoativas (incluindo o álcool) e são expostos a vivências acadêmicas estressantes(8).

Levantamentos nacionais sobre o consumo de álcool na população geral e entre os universitários têm mapeado um número crescente de mulheres que fazem uso de álcool ou que vêm mudando seu padrão de consumo(2-6); tendendo a equiparar-se ao consumo masculino. Devido às peculiaridades (Índice de Massa Corpórea e quantidade de gordura no corpo) que permeiam o uso de álcool no sexo feminino, esse problema representa um desafio ainda maior para a saúde pública.

Como é amplamente reconhecida, a profissão de enfermagem é, historicamente, constituída por um predomínio significativo de mulheres. Assim, não é de se estranhar que, durante o processo de formação acadêmica observa-se um alto índice de mulheres entre as estudantes de enfermagem. Estudo sobre o consumo de álcool entre estudantes de enfermagem (n=246) do primeiro ao quarto ano evidenciou que 71,2% dos que faziam uso problemático do álcool dormiam em sala de aula após terem freqüentado festa na noite anterior e 50% destes chegavam atrasados às aulas, principalmente aqueles que haviam bebido na noite anterior(3). Considerando que 97% da amostra foi constituída de mulheres, 35% assinalaram já ter consumido mais que seis doses de bebida alcoólica em uma única ocasião, pelo menos uma vez no último ano, caracterizando um quadro de intoxicação. Esse índice é considerado alto porque a OMS recomenda que, para mulheres, a dose diária permitida para baixo risco de adoecimento é de, no máximo, o equivalente a duas latinhas de cerveja por ocasião. Uma vez que não existe um consumo considerado isento de risco, o álcool, mesmo usado em baixas doses, pode ocasionar algum tipo de problema para o consumidor(6).

Estudos apresentam a religião e a prática religiosa apenas como variáveis sociodemográficas e poucas vezes associadas a comportamentos como o uso de álcool e outras drogas, contudo, não aprofundam as possíveis relações existentes. Essa problemática é complexa e as investigações não contemplam suficientemente as diferentes dimensões envolvidas(8-14). Isso dificulta a comparação dos resultados obtidos por diferentes estudos. Além disso, a existência de múltiplas definições conceituais acerca do tema espiritualidade pode limitar a compreensão dos achados.

A espiritualidade também é um aspecto que vem sendo considerado nos trabalhos com população universitária. Nesse contexto, parece funcionar, segundo sugerem alguns estudos(8); como fator protetor para o consumo do álcool. A dificuldade na comparação entre diferentes estudos também é relacionada às várias definições operacionais, bem como aspectos da religiosidade e espiritualidade que têm sido investigados(14). Algumas variáveis que têm sido comumente estudadas são unidimensionais, tais como: freqüência aos cultos religiosos, que tende a ser inversamente relacionada ao consumo de álcool e outras drogas(15-16); vinculação à instituição religiosa, que têm mostrado que adeptos das religiões evangélicas, que fazem um maior controle social do uso do álcool, mantêm baixo consumo quando comparados aos adeptos de religiões mais permissivas(17); fatores como devoção pessoal e importância das crenças religiosas, que tendem a ser inversamente relacionados ao consumo do álcool(13).

Um dos poucos estudos nacionais a respeito da relação religiosidade, espiritualidade e consumo de drogas, trata-se de uma revisão de literatura(16). Em estudo que aborda a relação entre espiritualidade e uso de substâncias psicoativas em estudantes universitários, os sujeitos foram investigados quanto à importância atribuída às crenças espirituais e religiosas na decisão de usar drogas, inclusive o álcool(13). Estudantes que apresentaram níveis mais elevados de crenças espirituais se embriagavam menos do que aqueles que não apresentaram. Porém, para outros tipos de drogas, como maconha, não houve diferenças ao longo do tempo na relação entre as duas variáveis: nível de espiritualidade e uso de substâncias, o que mostra que o usuário não reduz o consumo. De fato, 41% dos estudantes que relataram dar pouca importância à espiritualidade usavam maconha, comparados com aproximadamente 15% de alunos que atribuíam alta importância às crenças espirituais.

Estudo sobre a prevalência do uso de substâncias com 241 estudantes do primeiro ano de enfermagem em escolas e faculdades de caráter religioso, que investigou a relação entre religiosidade e indicadores de risco para abuso e dependência, mostrou que 24% referiram uso atual de substâncias, sendo que 15% preencheram critérios para categoria de abuso e provável dependência. Estudantes que com forte vinculação religiosa apresentaram menores índices de abuso e dependência de substâncias, bem como baixo número de indicadores de risco(14).

Existem várias razões que explicariam essa relação inversa entre religiosidade e uso de substâncias(11). Pessoas podem ser socializadas para se absterem ou para beberem dentro dos limites de consumo permitidos por meio da internalização das normas religiosas, as quais afetariam seu comportamento. Outra consideração é que a religião também contemplaria as necessidades básicas do indivíduo, oferecendo modos alternativos para lidar com situações estressantes por meio de atividades como orar e receber apoio social. A espiritualidade pode ser, ainda, uma alternativa poderosa para construir sentidos que permitem à pessoa dar significado à vida(16).

Em termos conceituais a espiritualidade refere-se às questões relacionadas ao significado da vida, não se limitando às crenças, costumes e práticas religiosas. O conceito, historicamente, faz referência à influência de Deus, de um Ser Superior que interfere no viver humano. No século XX, a palavra foi amplamente difundida para vários idiomas, relacionada ou não a tradições religiosas, mas ainda destituída de conceituação plenamente satisfatória(18).

Uma definição direcionada ao âmbito das dependências apresenta a seguinte proposta de conceituação:

espiritualidade é uma distinta e potencialmente criativa dimensão universal da experiência humana resultante da percepção subjetiva interna dos indivíduos e sua inserção na comunidade, grupos sociais e tradições. Pode ser vivenciada como uma relação intimamente interna, pessoal, que faz parte da essência do ser com ele mesmo e com o outro, e/ou uma relação com a qual a totalidade do 'outro' transcende além de si mesmo. Isto é experimentado como sendo de fundamental importância, e tem relação com o significado do sentido e propósito da vida, da verdade e dos valores(19).

No presente estudo, a espiritualidade será compreendida como um conceito separado de religiosidade. Nessa concepção, a espiritualidade é um construto relativamente novo nas ciências empíricas(13). Enquanto a religiosidade inclui a espiritualidade dentro de um quadro de crenças, costumes e práticas específicas, espiritualidade é um enfoque muito mais individualizado que pode ou não seguir a prática de devoção. Um indivíduo que tem uma prática espiritual pode não aderir à prática religiosa ou associá-la a uma religião estabelecida(20). A religiosidade é baseada na crença e é um compromisso com doutrinas e práticas(21-22). Espiritualidade, por outro lado, não requer a prática de rituais religiosos ou participação em uma organização religiosa(21); que transcenda a religião.

A espiritualidade pode ser objetivamente mensurada. Existem instrumentos disponíveis na literatura que se propõem avaliar níveis de espiritualidade, como, por exemplo, a Spirituality Self-Rating Scale - SSRS(21-22); a ser utilizada no presente estudo. Esse instrumento permite apreender esse construto e relacioná-lo a outros domínios.

Ao considerar a importância do fenômeno do uso de álcool na contemporaneidade e a necessidade de identificação de fatores protetores, como parece ser o caso da espiritualidade, torna-se relevante para as profissões de saúde, em particular a enfermagem, dimensionar a problemática durante a formação do profissional. Na fase de identificação dos fatores protetores ou de riscos do consumo de bebidas, as intervenções que, eventualmente, se mostram necessárias podem ser implementadas em etapa precoce, potencializando sua eficácia. Nessa perspectiva, o presente estudo teve por objetivo identificar o consumo de álcool e os níveis de espiritualidade entre estudantes de enfermagem.

MÉTODO

Estudo descritivo exploratório, de corte transversal. A amostra foi composta por 191 estudantes do primeiro ao quarto ano de graduação em Enfermagem de uma instituição pública de ensino superior de uma cidade do interior do Estado de Minas Gerais. No ano de 2007, essa unidade de ensino contava com um total de 244 (100%) alunos matriculados, sendo: 61 (25%) do primeiro ano, 71 (29%) do segundo ano, 77 (31,5%) do terceiro ano e 35 (14,3%) do quarto ano. A amostra obtida equivale a 78,2% do universo de alunos matriculados na instituição, nos períodos vespertino e noturno.

A pesquisa foi desenvolvida em agosto de 2007. A coleta de dados ocorreu em sala de aula, por meio de um questionário fechado, auto-aplicável e anônimo, composto e adaptado com o propósito de contemplar os objetivos do estudo. O questionário foi aplicado em horário pré-estabelecido, de modo que não interferisse nas atividades didáticas do aluno. O tempo despendido para o preenchimento do instrumento não ultrapassou 20 minutos. Estabeleceu-se esse tempo após a realização do estudo piloto, do qual participaram 10 voluntários.

O questionário utilizado continha quatro partes, sendo: a) informações sociodemográficas, b) questões sobre espiritualidade, c) Teste de identificação dos problemas relacionados ao uso do álcool (AUDIT)(23); e d) Escala de Espiritualidade (Spirituality Self-Rating Scale - SSRS)(22).

O AUDIT é um instrumento de rastreamento do uso do álcool, validado para o contexto brasileiro(6). Trata-se de um teste de autopreenchimento, que contém 10 perguntas que avaliam o padrão de consumo do álcool, os sinais e sintomas da dependência e os problemas decorrentes do seu uso. Para sua leitura soma-se a pontuação das respostas, que variam de zero a 40 pontos e as classificam em duas categorias: sujeitos com pontuação de 0 a 7 AUDIT<8, que correspondem aos abstinentes ou bebedores dentro dos limites recomendados pela OMS, e acima de 8 pontos AUDIT> 8, que caracterizam pessoas que fazem uso problemático do álcool.

A SSRS(22) é uma escala com seis itens que refletem a orientação para espiritualidade do indivíduo, ou seja, se ele considera ou julga importante (mais ou menos), as questões referentes às dimensões espiritual/religiosa e como as aplica em sua vida. Foi elaborada levando em consideração alguns itens sobre práticas religiosas e preceitos teóricos dos Doze Passos dos Alcoólatras Anônimos. Alguns desses preceitos que não estão relacionados com a doutrina religiosa referem-se à crença que um Poder Superior tem potencial para recuperação, necessidade de reconhecimento de falhas pessoais e necessidade de prática espiritual.

As respostas da SSRS são do tipo Likert, variando de 1 - discordo muito a 5 - concordo muito, e a soma dos itens permite a leitura dos escores, ou seja, quanto maior o escore, maiores os níveis de orientação espiritual. Na apuração dos resultados, deve-se inverter a pontuação dos itens. Os itens da escala referem-se à intervenção divina no dia a dia da pessoa e prática de rituais religiosos, como rezar. Essa escala, que avalia os níveis de espiritualidade foi validada no Brasil, o teste de confiabilidade apresentou coeficiente alpha de Cronbach igual a 0,78, valor considerado aceitável, o que referenda a utilização do instrumento(21).

Os estudantes que aceitaram participar firmaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após terem recebido orientações quanto ao objetivo do estudo e garantia do anonimato. A participação do universitário no estudo foi voluntária, com total liberdade para recusar-se a colaborar com a pesquisa.

Uma caixa simulando uma urna foi colocada sobre a mesa da sala de aula para que os questionários fossem ali depositados após o término do preenchimento. Mesmo que os alunos optassem por deixá-lo em branco, deveriam seguir as mesmas regras para que não fossem identificados. Após a entrega do último questionário o aplicador conferia com o número de alunos matriculados, a fim de avaliar os faltosos e, posteriormente, realizar nova visita à sala de aula para tentar recrutá-los.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Processo nº 0804/2007. Seguiu a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, garantindo o anonimato dos participantes e confidencialidade das informações.

Elaborou-se um banco de dados no programa Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 11. O tratamento dos dados foi realizado mediante análise descritiva (freqüência, porcentagem, média e desvio-padrão). Para verificação de associações utilizou-se o teste de Qui-quadrado. Adotou-se o valor de p<0,05, com intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

Quanto às características sociodemográficas dos estudantes, a idade variou entre 18 e 48 anos; média de idade 25,0 ( 6,5) anos. Houve predomínio do sexo feminino 144 (75,4%) e solteiros 125 (65,4%). Em relação ao ano do curso de enfermagem, 47 (24,6%) estudantes eram do primeiro ano, 65 (34,0%) do segundo ano, 54 (28,3%) do terceiro ano e 25 (13,1%) do quarto ano. Quanto à religião, 149 (78,0%) declararam ser católicos, quatro evangélicos, três espíritas, dois declararam não ter religião e 33 (17,3%) não responderam esse item; 71,0% declararam ser praticantes.

Em relação ao uso de bebidas alcoólicas, 156 (81,7%) já haviam consumido em algum momento no último ano. Considerando os bebedores problemáticos e não problemáticos, 58 (30,4%) consumiram em níveis problemáticos. Quanto ao padrão de consumo, 66 (42,3%) beberam em uma frequência de uma vez por mês ou menos, e 46 (24,6%) consumiram a quantidade de duas a três doses de bebidas alcoólicas em um dia normal. Por fim, 115 (61,4%) relataram que já se embriagaram pelo menos uma vez na vida. No último ano, 52 (45,2%) estudantes se embriagaram menos que uma vez por mês e para 37 (32,2%) isso ocorreu uma vez por mês.

Em relação ao sexo, 117 (75%) mulheres faziam uso de bebida alcoólica. Constatou-se, ainda, que 33 mulheres (56,9%) bebiam em níveis problemáticos (X2= 15,5; p<0,05), quando comparadas aos homens (n=25, 43,1%).

Quanto ao ano do curso, o segundo ano foi identificado como o que apresentou maior número de alunos bebedores em níveis problemáticos: 29 (50%) enquanto o quarto ano 4 (6,9%).

Os escores da Escala de Espiritualidade variaram de 6 a 29 pontos - média de 12,9(± 4,05), valores considerados baixos, de acordo com o estudo original(22).

Ao comparar a média dos escores da SSRS, embora não tenha havido relação estatística significativa, o sexo feminino apresentou uma pontuação menor em comparação aos homens (12,7 vs 13,5, respectivamente).

Não houve relação estatisticamente significativa entre os níveis de espiritualidade e o beber problemático. Observou-se que os estudantes que bebiam dentro dos limites preconizados pela OMS apresentavam menores níveis de espiritualidade - média de 12,5 ( 4,2) em comparação aos que faziam uso problemático do álcool - média de 13,7( 3,4).

A Tabela 1 mostra que os estudantes de enfermagem que apresentaram menores níveis de espiritualidade consumiam bebidas alcoólicas dentro dos limites recomendados - AUDIT<8 (n=86, 67,2%), p<0,05.

Conforme se observa na Tabela 2, houve variabilidade de respostas nas dimensões positivas, negativas e neutras em relação às crenças ou atitudes espirituais enunciadas pelos itens da escala. Assim, 156 (82,1%) concordaram que a espiritualidade ajuda na manutenção da estabilidade e do equilíbrio de sua vida; 9(4,7%) endossaram negativamente que as orações ou pensamentos espirituais, quando estão sozinhos, são tão importantes quanto os que eles teriam durante cerimônias religiosas ou reuniões espirituais e 88 (46,1%) concordaram e 64 (33,5%) mostraram-se indiferentes ao enunciado que situa a espiritualidade como um norteador de sua vida. Esse dado sugere que tal crença conta com menor adesão quando comparada com as demais. Esse enunciado obteve o maior índice de indiferença.

DISCUSSÃO

Universitários da área da saúde são apontados por diversas investigações como vulneráveis ao uso e abuso de álcool(3-8,13) quando comparados aos universitários em geral. Isso indica a premência de dimensionar essa problemática no contexto da Enfermagem brasileira, bem como identificar os fatores protetores, de modo a contribuir para a maximização desses aspectos durante a formação do futuro profissional. Um exame da literatura, especialmente no contexto nacional, indicou escassez de estudos dedicados ao conhecimento da espiritualidade como um componente que pode atuar como fator protetor, o que justificou a proposta do presente estudo.

Participaram da pesquisa 191 (78,2%) estudantes do primeiro ao quarto ano do curso de Enfermagem de uma cidade do interior do Estado de Minas Gerais. A amostra foi composta predominantemente por mulheres jovens, solteiras, católicas praticantes, características reconhecidas pela literatura como peculiares à profissão(3).

Os resultados indicaram que o uso de álcool no último ano esteve presente em uma parcela expressiva de estudantes (81,7%), que faziam uso problemático (30,4%) ou que embriagavam-se menos que uma vez por mês (45,2%). Esses números são preocupantes e sugerem a necessidade de acompanhamento sistemático da evolução desses padrões de consumo, uma vez que, na medida em que se mantém a disponibilidade de bebidas alcoólicas e dependendo da freqüência às festas na universidade, da pressão social para consumir e do estresse decorrente do cotidiano universitário, o hábito de beber tende a se modificar ao longo do tempo. Assim, os universitários que foram atualmente classificados como de baixo risco podem passar a beber de modo problemático, o que os levaria, a médio ou longo prazo, a desenvolverem conseqüências severas.

No presente estudo, as mulheres consumiram bebidas alcoólicas em níveis problemáticos, o que corrobora os dados da literatura(3-6). Embora os estudos descrevam que o consumo do álcool(2-3) é maior no sexo masculino, pois os homens bebem de uma forma marcantemente diferente em comparação com as mulheres(2); no presente estudo houve prevalência maior no sexo feminino, uma vez que esse grupo vem mudando seu padrão de consumo, com projeções de equiparar-se ao consumo masculino. No entanto, a produção do conhecimento na área mostra lacunas em relação a estudos no âmbito universitário sobre essa problemática e suas diferentes apresentações conforme o sexo. Estudos evidenciam que pertencer ao sexo masculino é considerado um fator de risco importante para o uso abusivo do álcool, todavia, os levantamentos mais recentes apontam um crescente número de mulheres que estão fazendo uso de álcool(2,6-7).

Esse fato é preocupante, considerando as peculiaridades em relação aos fatores de risco intensificados no contexto universitário, dada a exposição aos eventos festivos, atividades sexuais sem proteção e envolvimento em acidentes. Além disso, há potenciais prejuízos no desempenho acadêmico, como perder aula, chegar atrasado ou dormir em sala, comportamentos que muitas vezes não são percebidos como prejudiciais(3-6).

Quanto às respostas da escala SRSS houve variabilidade nas dimensões positivas, negativas e neutras em relação às crenças ou atitudes espirituais enunciadas. Desse modo, 156 (82,1%) concordaram que a espiritualidade ajuda na manutenção, estabilidade e equilíbrio da vida; 9 (4,7%) endossaram negativamente que as orações ou pensamentos espirituais, quando estão sozinhos, são tão importantes quanto seriam se eles estivessem em cerimônias religiosas ou reuniões espirituais; 88 (46,1%) concordaram e 64 (33,5%) mostraram-se indiferentes ao enunciado que situa a espiritualidade como um norteador de sua vida.

Esses dados indicam que os estudantes de enfermagem valorizam a presença nos cultos como forma de expressão da espiritualidade, o que pode estar relacionado às características da amostra, composta por mulheres jovens adultas, o que diferencia essa população da maior parte dos estudos envolvendo universitários(3-5,14-17). Por outro lado, os participantes se dividiram entre aqueles que concordam com a centralidade da espiritualidade em suas vidas e aqueles que não se posicionam em relação a essa questão. Este dado pode estar vinculada às incertezas relacionadas à influência dos aspectos espirituais sobre a condução da sua vida. Em relação aos que concordaram com o fato de a espiritualidade ser decisiva em suas vidas, há que se considerar que esse construto concerne a um sistema de crenças que comporta vitalidade e acrescenta sentido aos eventos da vida. Nessa vertente, a espiritualidade também representa uma conexão com o transcendente e, como tal, dá valor e propósito à vida(15,22).

Identificou-se uma pontuação baixa dos níveis de espiritualidade entre os estudantes de modo geral e, principalmente, entre as mulheres. Embora tenha ocorrido variabilidade de respostas, de modo geral constatou-se que as crenças em relação à espiritualidade foram positivas, quando avaliados os itens da escala separadamente, o que indica uma propensão à devoção espiritual. Esses resultados contraditórios podem ter influenciado o baixo poder protetor exercido pela espiritualidade em relação ao beber, na amostra do presente estudo.

Em contrapartida, evidências na literatura internacional comprovam que religiosidade e espiritualidade são fatores de proteção ao uso de álcool e outras drogas(14-17). O que se coloca em discussão, a partir do presente estudo, bem como de outros, é não apenas a existência, como a magnitude desse efeito. Nessa direção, estudo refere que tal efeito é moderado e que, na verdade, deve ser considerado com cautela, uma vez que um exame mais acurado dos dados revelou algumas incongruências(13). Entre os estudantes que referiram que as crenças espirituais e religiosas eram muito importantes na sua decisão de usar álcool ou drogas, 45% se embriagaram no mínimo duas vezes nas últimas duas semanas. E ainda no grupo de universitários que atribuíram elevada importância à espiritualidade, 16% faziam uso regular de maconha. Tais resultados são consistentes com os obtidos no presente estudo e sugerem que, apesar do efeito protetor da espiritualidade, esforços precisam ser envidados no sentido de incluir todos os estudantes universitários na prevenção ao uso de álcool e outras substâncias. Assim, mesmo aqueles jovens que não são considerados de risco podem se beneficiar das estratégias de prevenção(13).

No presente estudo, os níveis de espiritualidade, quando comparados aos níveis de consumo do álcool pelos estudantes de enfermagem, foram baixos. Esses resultados são inferiores aos encontrados no estudo realizado em contexto internacional(22) que utilizou a SSRS. Os valores encontrados no presente estudo de certo modo são surpreendentes, considerando que se trata de uma amostra majoritariamente de jovens adultos, do sexo feminino, que se autodeclararam católicos praticantes. Os pesquisadores tinham um pressuposto de que essas características da amostra sugeriam que os níveis de espiritualidade seriam mais elevados. O resultado encontrado indica que um indivíduo que tem uma espiritualidade pode não aderir à prática religiosa ou associá-la a uma religião estabelecida(20); o que pode ou não influenciar o uso do álcool.

É claro que a espiritualidade pode resultar em escolha de religião, assim como religião pode resultar no desenvolvimento da espiritualidade(20-21). Esta tem sido considerada como um dos construtos que podem desempenhar um papel significativo no beber em estudantes universitários. Um exame da literatura mostra que há estudos sobre a relação entre espiritualidade e uso de substâncias psicoativas, porém, a maioria das pesquisas é de caráter sociodemográfico e descritivo, preocupando-se com as diferenças nos padrões de consumo(2-6,16). Resultados de pesquisas empíricas tendem a sugerir que existe uma influência protetora moderada para os estudantes que mantêm alguma prática religiosa. Esse achado, porém, não é conclusivo, porque há resultados que o contradizem e, além disso, algumas evidências sugerem que estudantes podem também consumir substâncias para induzir uma experiência mística(8,13-14).

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos permitem concluir que, na amostra estudada, os níveis de espiritualidade podem não ter funcionado como fator de proteção para o uso do álcool, sugerindo que esse comportamento pode estar sob controle de outras variáveis. O que sugere que novos estudos necessitam ser desenvolvidos para explorar melhor a relação entre essas variáveis e a temática, considerando que o uso de substâncias psicoativas é um fenômeno multifatorial e, como tal, resulta de uma combinação de fatores que atuam de maneira interdependente. A espiritualidade deve ser vista como um desses possíveis fatores, cuja associação com o beber precisa ser melhor explorada.

Outro aspecto preocupante refere-se às diferenças peculiares do sexo feminino (peso e composição corporal), que mesmo com o consumo de quantidades menores de bebidas alcoólicas não excluem a vulnerabilidades a problemas sociais e físicos.

É preciso também atentar para o fato de que a preocupação com a investigação científica da temática da espiritualidade, principalmente no contexto brasileiro, ainda é relativamente recente. Particularmente na interface com o uso de álcool, os estudos ainda são muito escassos. A enfermagem tem se destacado no panorama das publicações, mas se verifica uma atenção ainda muito voltada para a área oncológica.

Uma limitação importante da área de pesquisa diz respeito à conceitualização, que ainda é um tanto quanto confusa não apenas entre o público leigo, como no meio acadêmico. Por exemplo, a delimitação das fronteiras conceituais entre religiosidade e espiritualidade ainda não é muito precisa. Nesse sentido, é importante que se defina claramente o conceito de espiritualidade que está sendo utilizado em cada estudo, o que contribuiria para diminuir a imprecisão conceitual, facilitando a comparação entre os resultados de diferentes estudos.

O ambiente acadêmico torna-se um espaço de referência para o desenvolvimento e implantação de programas preventivos em relação ao uso e abuso de substâncias, tendo em vista que grande parte dos jovens atualmente passa pela universidade em idade e circunstâncias que facilitam o uso de drogas, em especial o álcool.

Este estudo pode ser visto como uma tentativa de explorar as relações entre espiritualidade e uso de substâncias por estudantes de enfermagem. É importante ressaltar o caráter pioneiro dessa investigação.

A pesquisa apresenta, por outro lado, algumas limitações, como não evidenciar diretamente a influência que a espiritualidade exerce sobre a decisão de beber ou de usar outras drogas. É possível que existam diferenças na influência de crenças e práticas espirituais orientadas para o indivíduo e aquelas mais orientadas para a comunidade. O exame dessa relação talvez possibilite avançar no conhecimento de como o conceito de espiritualidade contribui para o fenômeno do uso de substâncias psicoativas entre estudantes universitários.

Recebido: 14/11/2008

Aprovado: 13/08/2010

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  • Correspondência:

    Sandra Cristina Pillon
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
    Av. dos Bandeirantes, 3900 - Monte Alegre
    CEP 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      14 Nov 2008
    • Aceito
      13 Ago 2010
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