Aprimorando a Ressuscitação Cardiopulmonar

Parada Cardíaca; Reanimação Cardiopulmonar; Taxa de Sobrevida; Cardioversão Elétrica/métodos; Hospitalização; Treinamento com Simulação de Alta Fidelidade/métodos; Escala de Borg; Pesquisa em Educação de Enfermagem

A parada cardiorrespiratória (PCR) é o evento de maior gravidade na área da saúde e seu pronto reconhecimento com o consequente início das manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) são fundamentais para o retorno da circulação espontânea (RCE). Apesar da ausência de dados epidemiológicos robustos, uma metanálise com 141 estudos incluindo países da América do Norte, Europa, Ásia e Oceania, demonstrou taxa de RCE abaixo de 30% nos casos de PCR extra-hospitalar, e concluiu que as chances de sucesso estavam ligadas ao fato da PCR ter sido testemunhada e em casos cuja RCP havia sido iniciada por um espectador da mesma.¹

No Brasil, de acordo com a diretriz sobre Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia, as taxas de sobrevida de PCR extra-hospitalar, quando abordada dentro dos primeiros 5 minutos com desfibrilação precoce, variam entre 50% e 70%.² Por outro lado, no ambiente intra-hospitalar, paradoxalmente, as taxas de sobrevida são inferiores a 20%, provavelmente devido às condições clínicas associadas e à maior gravidade dos pacientes, que fazem da assistolia e da atividade elétrica sem pulso os ritmos mais prevalentes.²

Independentemente do ambiente, os protocolos nacionais² e internacionais³ para a abordagem da PCR ressaltam a importância da execução da cadeia de sobrevivência, cuja sequência de ações envolve a RCP de alta qualidade. Por sua vez, promover uma RCP de alta qualidade envolve minimizar interrupções nas compressões torácicas, promover compressões torácicas com frequência e profundidade adequadas, permitir retorno total do tórax entre as compressões e evitar a hiperventilação.⁴

Desta forma, as taxas de sucesso da RCP estão ligadas diretamente à correta execução das manobras e ao cumprimento dos protocolos de atendimento à PCR,²-⁴ o que requer treinamento e aprendizado constantes. Neste cenário, os mecanismos de feedback são cruciais para o aprimoramento das ações e devem fazer parte do conjunto de medidas que visam aumentar a sobrevida após uma PCR. Estes mecanismos são compostos por ações ou dispositivos que avaliam a qualidade da RCP e podem ser aparelhos eletrônicos, questionários, monitoramento por vídeo, supervisão humana ou qualquer outra estratégia com o mesmo objetivo. Abella et al.,⁵demostraram, por exemplo, em estudo observacional com 67 pacientes, que as manobras de RCP nos primeiros cinco minutos não atingiram as metas das diretrizes internacionais, com compressões lentas (<90bpm) e superficiais (<38mm). Estes achados foram possíveis devido ao uso de um dispositivo de feedback durante o atendimento a uma vítima de PCR intra-hospitalar.

Em outro estudo, Cheng et al.,⁶ utilizaram monitoramento em tempo real das manobras de RCP intra-hospitalar e as ações eram revistas e apresentadas em feedback semanal aos membros dos times de ressuscitação.⁶ Zheng et al.,⁷ por meio de pesquisa com 1405 profissionais de 75 hospitais terciários na China, observaram que 91% reconheciam a necessidade de monitoramento da RCP e 67,3% entendiam que o principal problema durante a RCP era a qualidade das compressões torácicas, influenciada diretamente pela fadiga do operador.⁷ Esta influência da fadiga foi também observada por Trowbridge et al.,⁸ que demonstraram redução significativa da profundidade das compressões torácicas dentro dos dois primeiros minutos do início das manobras de RCP, ressaltando a importância do revezamento de socorristas.⁸

Neste contexto, o artigo publicado na revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia, traz informações importantes que podem contribuir para o aperfeiçoamento das equipes de atendimento à PCR.⁹ Nele, os autores combinaram a utilização de um dispositivo de feedback com a escala de Borg¹⁰para a percepção do cansaço durante a realização de manobras de RCP, em hospital público de ensino da cidade de São Paulo (SP – Brasil).⁹ O estudo foi realizado utilizando cenário simulado com auxílio de manequins com dispositivo de feedback, incluiu 69 enfermeiros de áreas críticas e não críticas de atendimento à adultos do hospital e todos os participantes utilizaram frequencímetro para registro da frequência cardíaca durante a atividade.⁹

Os autores observaram que os enfermeiros que efetuaram a RCP com dispositivo de feedback apresentaram menores médias na escala de Borg no primeiro e no segundo minutos quando comparados ao grupo controle (13,5 e 14,2 versus 14 e 14,9 respectivamente).⁹ Em relação à frequência cardíaca, observou-se comportamento semelhante, isto é, aqueles que realizaram a RCP em manequins com dispositivo de feedback apresentaram menores médias no primeiro e no segundo minutos em relação ao grupo controle (119 bpm e 121 bpm versus 121 bpm e 123 bpm).⁹ Apesar dos grupos apresentarem valores próximos, é importante destacar a tendência de apresentação, e quando combinados com a escala de Borg,¹⁰ permitem a mensuração de um dado objetivo, como a frequência cardíaca, em concomitância com um dado subjetivo, como a percepção de cansaço.

Apesar do número reduzido de participantes, do menor percentual de praticantes de atividade física no grupo controle (33,3% versus 41,6%), e do fato da RCP ter sido realizada em manequim,⁹ os resultados do estudo demonstram com clareza a percepção de fadiga do operador, que é provavelmente o principal determinante do sucesso durante a realização da RCP. Além deste fato, Gandolfi et al.,¹¹ em estudo semelhante, também em ambiente simulado e utilizando manequins com dispositivo de feedback, observaram melhora imediata da frequência e da profundidade das compressões torácicas quando o dispositivo era utilizado,¹¹ permitindo aprimoramento em tempo real das manobras de RCP. Portanto, pode-se observar que o reconhecimento das limitações na execução das ações é fundamental para a realização das correções necessárias, e assim, os dispositivos de feedback podem impactar positivamente na qualidade da RCP.

Assim, torna-se cada vez mais relevante a discussão sobre o uso de mecanismos de feedback durante a assistência a uma vítima de PCR, e o presente estudo⁹ tem o mérito de centralizar a atenção no socorrista, demonstrando a importância do dispositivo na sua percepção de cansaço combinada à sua resposta ao exercício, ambas menores em relação ao grupo controle. Por fim, é importante ressaltar a necessidade de divulgação dos resultados de estudos neste cenário para que os dados sejam transformados em ações e a história natural da PCR seja modificada de forma consistente.

Referências

• ¹
  Yan S, Gan Y, Jiang N, Wang R, Chen Y, Luo Z, et al. The global survival rate among adult out-of-hospital cardiac arrest patients who received cardiopulmonary resuscitation: a systematic review and meta-analysis. Crit Care. 2020 Feb 22;24(1):61. doi: 10.1186/s13054-020-2773-2.
• ²
  Bernoche C, Timerman S, Polastri TF, Giannetti NS, Siqueira AWS, Piscopo A et al. Atualização da Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019. Arq Bras Cardiol. 2019; 113(3):449-663. doi: 10.5935/abc.20190203.
  » https://doi.org/10.5935/abc.20190203
• ³
  Merchant RM, Topjian AA, Panchal AR, Cheng A, Aziz K, Berg KM, et al. Adult Basic and Advanced Life Support, Pediatric Basic and Advanced Life Support, Neonatal Life Support, Resuscitation Education Science, and Systems of Care Writing Groups. Part 1: Executive Summary: 2020 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2020 Oct 20;142(16_suppl_2):S337-S357. doi: 10.1161/CIR.0000000000000918.
• ⁴
  Meaney PA, Bobrow BJ, Mancini ME, Christenson J, de Caen AR, Bhanji F, Abella BS, et al. on behalf of the CPR Quality Summit Investigators, the American Heart Association Emergency Cardiovascular Care Committee, and the Council on Cardiopulmonary, Critical Care, Perioperative and Resuscitation. Cardiopulmonary resuscitation quality: improving cardiac resuscitation outcomes both inside and outside the hospital: a consensus statement from the American Heart Association. Circulation. 2013;128(4):417–35. DOI: 10.1161/CIR.0b013e31829d8654
• ⁵
  Abella BS, Alvarado JP, Myklebust H, Edelson DP, Barry A, O’Hearn N, et al. Quality of cardiopulmonary resuscitation during in-hospital cardiac arrest. JAMA. 2005 Jan 19;293(3):305-10. doi: 10.1001/jama.293.3.305. PMID: 15657323.
• ⁶
  Cheng J, Yan, Zhiqiao C, Sheng S, Xiaobo Y. Improving cardiopulmonary resuscitation in the emergency department by real-time video recording and regular feedback learning. Resuscitation. 2010 Dec;81(12):1664-9. doi: 10.1016/j.resuscitation.2010.06.023.
• ⁷
  Zheng K, Du L, Cao Y, Niu Z, Song Z, Liu Z, et al. Monitoring cardiopulmonary resuscitation quality in emergency departments: a national survey in China on current knowledge, attitudes, and practices. BMC Emerg Med. 2022 Feb 28;22(1):33. doi: 10.1186/s12873-022-00590-z. PMID: 35227198; PMCID: PMC8887136.
• ⁸
  Trowbridge C, Parekh JN, Ricard MD, Potts J, Patrickson WC, Cason CL. A randomized cross-over study of the quality of cardiopulmonary resuscitation among females performing 30:2 and hands-only cardiopulmonary resuscitation. BMC Nurs. 2009 Jul 7;8:6. doi: 10.1186/1472-6955-8-6.
• ⁹
  Tobase L, Peres HHC, Polastri TF, Cardoso SH, Souza DR, Almeida DG, et al. The Use of the Borg Rating of Perceived Exertion Scale in Cardiopulmonary Resuscitation. Arq Bras Cardiol. 2023; 120(1):e20220240.
• ¹⁰
  Escala de Borg. Disponível em <http://borgperception.se>. Acesso em dezembro/2022.
  » http://borgperception.se>
• ¹¹
  Gandolfi S, Luciani A, Meessen J, Semeraro F, Scapigliati A, Grieco N, et al. A cross-sectional study to evaluate high-quality CPR maneuvers in rescuers and instructors attending the General Instructor Course. Ital J Emerg Med 2020;9:161-8. DOI: 10.23736/S2532-1285.20.00027-0.

• Minieditorial referente ao artigo: O Uso da Escala de Borg na Percepção do Esforço em Manobras de Reanimação Cardiopulmonar

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Fev 2023
• Data do Fascículo
  Jan 2023