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Ventriculografia: Quando Escolher Realizá-la?

Aterosclerose; Ecocardiografia de contraste; Angioplastia

As diretrizes atuais abordam as indicações de cateterismo cardíaco esquerdo associado à cinecoronariografia, porém a grande maioria dessas instruções não cita a ventriculografia, ficando este exame, muitas vezes, a critério do operador. A ventriculografia foi utilizada, por anos, como método padrão-ouro para função ventricular. O que este minieditorial relata são algumas considerações que tentam preencher esse vazio.11. Gigliotti OS, Babb JD, Dieter RS, Feldman DN, Islam AM. Optimal use of left ventriculography at the time of cardiac cathetrization: a consensus statement from the Society for cardiovascular Angiography and interventions. Catheter Cardiovasc Interv. 2015;85(2):181-91. doi: 10.1002/ccd.25642

No que diz a respeito à ventriculografia, podem ocorrer algumas complicações, como a nefropatia induzida por contraste (NIC), que ocorre em, aproximadamente, 1% dos pacientes sem fatores predisponentes e, em 10% a 30% daqueles com fatores de risco, embolização, arritmias e tamponamento cardíaco, e uma maior exposição à radiação.22. Guimarães JI, Sociedade Brasileira de cardiologia. Guideline for conducting diagnostic and therapeutic examinations in hemodynamics. Arq Bras Cardiol. 2004;82(Suppl 1):2-6. PMID: 15129651

É necessário que a ventriculografia seja feita com boa qualidade e, para isso, alguns pontos precisam ser elencados, como as injeções realizadas de forma manual, a quantidade de pressão ou até mesmo injeções manuais que podem até ser perigosas se realizadas por meio de cateter com único orifício final. Além disso, os volumes de contrastes devem ser suficientes para opacificar o ventrículo e o posicionamento adequado, permitindo a quantificação automatizada e precisa dos volumes do ventrículo esquerdo e dimensões da aorta.33. Croft CH, Lipacomb K, Mathis K, Firth BG, Nicod P, Tilton G, et al. Limitations of qualitative angiographic grading in aórtica or mitral regurgitation. Am J Cardiol. 1984;53(11):1593-8. doi: 10.1016/0002-9149(84)90585-x.

A fração de ejeção determinada visualmente pela ventriculografia esquerda correlaciona-se de forma variável à fração de ejeção da ecocardiografia. Já em relação à ventriculografia esquerda biplano, esta se correlaciona melhor do que a ventriculografia esquerda monoplano quando comparada à ressonância magnética cardíaca (RM) para fração de ejeção, volumes ventriculares e movimentação da parede.44. Grebe O, Kestler HA, Merkle N, Worhrle J, Kochs M, Hohler M, et al. Assessment of left ventricular function with steady-state-free precession magnetic resonance imaging. Reference values and a comparison to left ventriculography. Z Kardiol. 2004;93(9):686-95.

A decisão de realizar a ventriculografia quando há outros métodos diagnósticos tem sido individualizada, variando também entre regiões geográficas e hospitais.55. ACCF/SCAI/ AATS/AHA/ASNC/HFSA/HRS/SCCM/SCCT/SCMR/STS. 2012 appropriate use criteria for diagnostic catheterization: a report. J Am Coll Cardiol. 2012;59(22):1995-2027. doi: 10.1016/j.jacc.2012.03.003

No estudo realizado por Lima Santos et al., foram analisados prontuários de 600 pacientes submetidos à cineangiocoronariografia. Destes, 324 fizeram o exame de ventriculografia.66. Santos CCL, Oliveira RP, Sena J, Oliveira AD, Ferreira MG, Santos Filho R, et al. Fatores que impactam a decisão de realizar ventriculografia esquerda em doença arterial coronária. Arq Bras Cardiol.2022;118(3):607-13. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200217
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Ademais, foram selecionados pacientes com 18 anos ou mais, atendidos em caráter de urgência ou com suspeita de DAC, e que passaram pelo procedimento da angioplastia.

No estudo, em relação às variáveis, 89.8% dos pacientes realizaram o exame no período diurno, 33,75% tinham função ventricular conhecida e 283 (47,2%) tinham síndrome coronariana crônica. Outrossim, ao ser avaliado o uso do contraste, observou-se que foram utilizados apenas 3 ml a mais, quando comparado aos pacientes que não utilizaram ventriculografia, o que chamou a atenção, visto que geralmente utiliza-se 30 ml a mais para realização do exame.

O paciente com diagnóstico de síndrome coronariana crônica tem, de maneira independente, maior chance de realizar ventriculografia. Por outro lado, ter a função ventricular esquerda conhecida, ser hipertenso, ter sido submetido à revascularização cirúrgica previa e apresentar valores aumentados de creatinina associaram-se com maior chance de não realizar a técnica.

Tais dados, até então, eram compatíveis com a literatura, porém, um achado inesperado no estudo sobreveio: a ventriculografia foi mais utilizada em pacientes com síndromes coronarianas crônicas do que naqueles com síndromes coronarianas agudas, o que, na teoria, poderia exigir uma avaliação mais imediata.

Métodos não invasivos, como as novas tecnologias desenvolvidas nos aparelhos de ecocardiografia, têm sido possíveis por meio da análise do strain global longitudinal (SGL) das paredes do VE, pelo diagnóstico precoce das alterações isquêmicas em pacientes com alteração de troponina, todavia, sem alteração do ECG ou ecocardiograma de repouso.77. Nicolau Jc. Feitosa Filho G, Petriz JL, Furtado RHM, Précoma DB, Santos Filho RD, et al.; Brazilian Society of Cardiology. Guidelines on unstable angina and acute myocardial infarction without ST-segment elevation, Arq Bras Cardiol. 2021;117(1):181-24. doi: 10.36660/abc.20210180

Nos pacientes com choque cardiogênico, a avaliação da função ventricular pode ser prejudicada, pois o miocárdio encontra-se atordoado,88. Rodrigues JÁ, Melleu K, Schmidt MM, Gottschall CAM, Moraes MAP, Quadros AS. Preditores de apresentação tardia em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2018;111(4):587-93. doi: 10.5935/abc.20180178 sendo importante ressaltar que, nesses casos agudos, a presença de um defeito de enchimento apical sugestivo de trombo não deve ser negligenciada, pois pode ser visualizado na ventriculografia, mas não observado no eco trans torácico sem contraste.99. Starling MR, walsh RA. Accuracy of biplane axial oblique and oblique cineangiographic left ventricular cast volume determinations using a modification of Simpson’s rule algorithm. Am Heart J.1985;110(6):1219-25. doi: 10.1016/0002-8703(85)90016-x.

Outra necessidade no infarto com supra de ST seria avaliar complicações como ruptura aguda de parede livre, comunicação interventricular, insuficiência mitral e síndrome de Takotsubo.1010. Piegas L, Timerman A, Nicolau JC, Mattos LA, Rossi Neto JM, Feitosa G, et al. IV Diretriz sobre tratamento do infarto agudo do miocárdio. Arq Bras Cardiol. 2009;83(supl 4):1-86. | ID: lil-389546

Na amostra, não houve nenhum paciente com complicação mecânica, portanto, essa situação não foi avaliada no estudo.

No caso de síndrome coronariana sem supra de ST, com eletrocardiograma não interpretável e doença em mais de um vaso, a ventriculografia pode ajudar na identificação da artéria culpada.1111. Fihn SD, Gardin JM, Abrams J, Berra K, Blankenship JC, Dallas AP, et al. 2012 ACCF/AHA/ACP/AATS/PCNA/SCAI/STS. Guideline for the diagnosis and management of patients with stable ischemic heart disease: a report. J Am Coll cardiol.2012;60(24):e44-e164. doi: 10.1016/j.jacc.2012.07.013.

Cabe mencionar que neste estudo não existe discriminação se é infarto com supra de ST ou infarto sem supra de ST.

Por fim, fica visível que o papel da ventriculografia esquerda evoluiu radicalmente ao longo do último meio século, mas recebeu pouca atenção na literatura acadêmica. É importante lembrar que a técnica e a frequência de uso da ventriculografia esquerda variam entre as regiões, instituições e a decisão do operador.

Sugerimos, então, que sejam incluídos nas diretrizes critérios para utilização do método.

Referências

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    Gigliotti OS, Babb JD, Dieter RS, Feldman DN, Islam AM. Optimal use of left ventriculography at the time of cardiac cathetrization: a consensus statement from the Society for cardiovascular Angiography and interventions. Catheter Cardiovasc Interv. 2015;85(2):181-91. doi: 10.1002/ccd.25642
  • 2
    Guimarães JI, Sociedade Brasileira de cardiologia. Guideline for conducting diagnostic and therapeutic examinations in hemodynamics. Arq Bras Cardiol. 2004;82(Suppl 1):2-6. PMID: 15129651
  • 3
    Croft CH, Lipacomb K, Mathis K, Firth BG, Nicod P, Tilton G, et al. Limitations of qualitative angiographic grading in aórtica or mitral regurgitation. Am J Cardiol. 1984;53(11):1593-8. doi: 10.1016/0002-9149(84)90585-x.
  • 4
    Grebe O, Kestler HA, Merkle N, Worhrle J, Kochs M, Hohler M, et al. Assessment of left ventricular function with steady-state-free precession magnetic resonance imaging. Reference values and a comparison to left ventriculography. Z Kardiol. 2004;93(9):686-95.
  • 5
    ACCF/SCAI/ AATS/AHA/ASNC/HFSA/HRS/SCCM/SCCT/SCMR/STS. 2012 appropriate use criteria for diagnostic catheterization: a report. J Am Coll Cardiol. 2012;59(22):1995-2027. doi: 10.1016/j.jacc.2012.03.003
  • 6
    Santos CCL, Oliveira RP, Sena J, Oliveira AD, Ferreira MG, Santos Filho R, et al. Fatores que impactam a decisão de realizar ventriculografia esquerda em doença arterial coronária. Arq Bras Cardiol.2022;118(3):607-13. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200217
    » https://doi.org/10.36660/abc.20200217
  • 7
    Nicolau Jc. Feitosa Filho G, Petriz JL, Furtado RHM, Précoma DB, Santos Filho RD, et al.; Brazilian Society of Cardiology. Guidelines on unstable angina and acute myocardial infarction without ST-segment elevation, Arq Bras Cardiol. 2021;117(1):181-24. doi: 10.36660/abc.20210180
  • 8
    Rodrigues JÁ, Melleu K, Schmidt MM, Gottschall CAM, Moraes MAP, Quadros AS. Preditores de apresentação tardia em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2018;111(4):587-93. doi: 10.5935/abc.20180178
  • 9
    Starling MR, walsh RA. Accuracy of biplane axial oblique and oblique cineangiographic left ventricular cast volume determinations using a modification of Simpson’s rule algorithm. Am Heart J.1985;110(6):1219-25. doi: 10.1016/0002-8703(85)90016-x.
  • 10
    Piegas L, Timerman A, Nicolau JC, Mattos LA, Rossi Neto JM, Feitosa G, et al. IV Diretriz sobre tratamento do infarto agudo do miocárdio. Arq Bras Cardiol. 2009;83(supl 4):1-86. | ID: lil-389546
  • 11
    Fihn SD, Gardin JM, Abrams J, Berra K, Blankenship JC, Dallas AP, et al. 2012 ACCF/AHA/ACP/AATS/PCNA/SCAI/STS. Guideline for the diagnosis and management of patients with stable ischemic heart disease: a report. J Am Coll cardiol.2012;60(24):e44-e164. doi: 10.1016/j.jacc.2012.07.013.
  • Minieditorial referente ao artigo: Fatores que Impactam a Decisão de Realizar Ventriculografia Esquerda em Doença Arterial Coronariana

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Maio 2022
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