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A Evolução da Angioplastia Transluminal Coronariana na America Latina

Palavras-chave
Angina Pectoris; Cineangiografia/história; Angioplastia Coronária com Balão/história; Angioplastia Coronária com Balão/tendências; Stents; Miocárdio/metabolismo; Evolução Clínica

Em agosto de 1979, dois anos e um mês após a realização da primeira angioplastia no mundo por Andreas Grüntzig (setembro de 1977),11. Grüntzig AR, Myler ES, Hanna ES, Turina MI. Transluminal angioplasty of coronary artery stenosis. Circulation. 1977; 56 (Suppl 2): 84-90. recebemos na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (SCMC) um paciente (A. S. O.) de 55 anos, sexo masculino, com quadro de angina aos esforços. O mesmo foi submetido a uma cineangiocoronariografia, que mostrou uma lesão crítica (estenose avaliada entre 75-80%), localizada no segmento proximal da artéria coronária direita (ACD). A artéria coronária esquerda (ACEsq) apresentava aspecto angiográfico normal e o ventrículo esquerdo (VE) uma hipocinesia discreta na parede inferior com a válvula mitral competente.

Surgia, então, a oportunidade de colocar em prática pela primeira vez na America Latina a técnica descrita por Grüntzig et al.11. Grüntzig AR, Myler ES, Hanna ES, Turina MI. Transluminal angioplasty of coronary artery stenosis. Circulation. 1977; 56 (Suppl 2): 84-90. Isso porque as lesões encontradas neste paciente preenchiam as características anatômicas necessárias: lesão única, curta (< 10 mm), proximal, com ausência de espasmo, concêntrica, não calcificada e indicação de cirurgia de revascularização do miocárdio. Dessa forma, após uma discussão entre a equipe clínica e o serviço de cirurgia cardiovascular, optou-se por propor ao paciente a dilatação da obstrução da ACD como tentativa de tratamento de sua insuficiência coronária.

Após a sua concordância, em 10 de agosto de 1979 o paciente foi encaminhado para a sala de hemodinâmica, sendo submetido à intervenção coronária percutânea (ICP) descrita por Costantini et al.22. Costantini CR, Garcia LC, Garcia DP, Rojas RI, Michelotto PV, Nogueira F. Angioplastia coronariana transluminal. Aspectos cineangiográficos e metabólicos. Relato de um caso. Arq Bras Cardiol. 1980; 34(4): 307-10. Após a ICP, a obstrução crítica da ACD foi reduzida a uma lesão de grau discreto (estenose avaliada entre 15-20%). Apesar do bom resultado angiográfico, existia a preocupação com o metabolismo do músculo cardíaco. Na ausência de outro método de avaliação isquêmica, foi realizada uma avaliação metabólica por meio da extração de uma amostra de sangue do seio coronário para avaliação do ácido lático, que confirmou a adequada oferta de oxigênio ao músculo cardíaco conforme demonstra a Figura 1.22. Costantini CR, Garcia LC, Garcia DP, Rojas RI, Michelotto PV, Nogueira F. Angioplastia coronariana transluminal. Aspectos cineangiográficos e metabólicos. Relato de um caso. Arq Bras Cardiol. 1980; 34(4): 307-10.

Figura 1
A) ACD Lesão em segmento proximal; B) Local da lesão pós-angioplastia; C) Dosagem de ácido láctico pré e pós-angioplastia (ano de 1979).

Nos anos seguintes, o paciente (A. S. O.) foi rigorosamente monitorado quanto à evolução de sua doença coronariana. Outros tratamentos foram realizados ao longo do tempo, com a utilização de novas técnicas e tecnologias. A Figura 2 e a Tabela 1 apresentam toda a sua evolução terapêutica entre os anos de 1982 e 2009.

Figura 2
Evolução terapêutica entre 1982 e 2009 (A. S. O.).
Tabela 1
Descritivo do quadro evolutivo e tratamento do paciente (A. S. O.) entre 1982 e 2009

Em março de 2010, o paciente reingressa com novo quadro de angina estável (AE) classe II, sendo submetido ao nono cateterismo cardíaco, como apresentado na Figura 3. A ventriculografia apresentava VE com volumes discretamente aumentados devido à hipocinesia difusa, fração de ejeção de 46% (A) e progressão importante da lesão do 1/3 proximal submetida à angioplastia em 1979 (B). O USIC mostrou uma área luminal de 3,22 mm2 (C). ACEsq apresentava ótima evolução angiográfica nos locais submetidos a implante de stents (D, E). Por apresentar quadro de AE e com a progressão da placa aterosclerótica do 1/3 proximal da ACD optou-se pelo implante de dois stents Taxus® 4,0*16 mm e 4,0*12 mm (F), guiados com USIC (G, H). Os dois stents prévios nos 1/3 médio e distal apresentavam hiperplasia neointimal de grau discreto pela avaliação com USIC (I, J). Na avaliação angiográfica e com USIC dos stents implantados previamente em TCESQ e ADA, observou-se uma ótima evolução com presença de discreto grau de hiperplasia neointimal (L-O).

Figura 3
A) VE; B) ACD resultado angiográfico; C) ACD resultado USIC lesão severa 1/3 proximal; D) TCESQ/ACX resultado angiográfico; E) ADA resultado angiográfico; F) ACD pós-implante de stents 1/3 proximal; G, H) ACD USIC pós novos stents 1/3 proximal; I, J) ACD USIC stents prévios em 1/3 médio e distal; K-O) TCESQ/ADA resultado angiográfico e com USIC stents.

Após 41 anos de pioneirismo, seguindo com entusiasmo a técnica que Grüntzig nos ensinou, oferecemos aos nossos pacientes o que há de mais novo dentro da cardiologia intervencionista, buscando sempre novas tecnológicas para fortalecer cada vez mais o tratamento da doença coronariana.

Ao acompanhar a trajetória do paciente A. S. O., tivemos a grandiosa oportunidade de conhecer os aspectos morfológicos desta patologia coronária, que é evolutiva e não tem cura. Foi possível acompanhar todo o avanço terapêutico e o diagnóstico por imagem (angiografia, USIC e OCT), desde a utilização do primeiro cateter-balão até a primeira geração de stents farmacológicos.

Após 34 anos de evolução, o paciente A. S. O. faleceu em 2013 em virtude de causas neurológicas. Aos seus familiares e em sua memória fica nosso eterno agradecimento pela confiança depositada em nossa equipe. Além disso, ressaltamos a importância dos colegas Dr. Flávio Nogueira (in memoriam) e Dr. Donaldo Pereira Garcia (in memoriam), que contribuíram sobremaneira para a evolução da técnica no Brasil.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Referências

  • 1
    Grüntzig AR, Myler ES, Hanna ES, Turina MI. Transluminal angioplasty of coronary artery stenosis. Circulation. 1977; 56 (Suppl 2): 84-90.
  • 2
    Costantini CR, Garcia LC, Garcia DP, Rojas RI, Michelotto PV, Nogueira F. Angioplastia coronariana transluminal. Aspectos cineangiográficos e metabólicos. Relato de um caso. Arq Bras Cardiol. 1980; 34(4): 307-10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Maio 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2020
  • Revisado
    02 Dez 2020
  • Aceito
    02 Dez 2020
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