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Parâmetros da Hemodinâmica Central como Novos Biomarcadores de Risco Cardiovascular

Hipertensão; Pressão Sanguínea; Hemodinâmica; Fatores de Risco; Análise da Onda de Pulso; Doenças Vasculares/prevenção e controle

Historicamente, a importância da onda de pulso arterial já era observada pelos egípcios e os chineses, antes de Cristo. O conhecimento da hemodinâmica periférica mostrou um grande avanço após a introdução da medida não invasiva da pressão arterial (PA) com o esfigmomanômetro há cerca de 120 anos e, até hoje, a PA braquial representa um excelente preditor de morbidade e mortalidade cardiovascular.11. Nelson MR, Stepanek J, Cevette M, Covalciuc M, Hurst RT, Tajik AJ. Noninvasive measurement of central vascular pressures with arterial tonometry: clinical revival of the pulse pressure waveform? Mayo Clin Proc. 2010;85(5):460-72. No entanto, modificações da macro e da microcirculação não podem ser completamente observadas somente pela medida periférica da PA. Assim, alterações vasculares estruturais e funcionais podem ser melhor avaliadas por parâmetros da hemodinâmica central, representados por PA central, augmentation index e velocidade de onda de pulso (VOP),22. Protogerou AD, Papaioannou TG, Blacher J, Papamichael CM, Lekakis JP, Safar ME. Central blood pressures: do we need them in the management of cardiovascular disease? Is it a feasible therapeutic target? J Hypertens. 2007;25(2):265-72. , 33. Safar ME, Blacher J, Protogerou A, Achimastos A. Arterial stiffness and central hemodynamics in treated hypertensive subjects according to brachial blood pressure classification. J Hypertens. 2008;26(1):130-7. sendo a VOP o padrão-ouro na avaliação da rigidez arterial.44. Van Bortel LM, Laurent S, Boutouyrie P, Chowienczyk P, Cruickshank JK, De Backer T; Artery Society; European Society of Hypertension Working Group on Vascular Structure and Function; European Network for Noninvasive Investigation of Large Arteries. Expert consensus document on the measurement of aortic stiffness in daily practice using carotid-femoral pulse wave velocity. J Hypertens. 2012;30(3):445–48. O referencial do valor prognóstico da hemodinâmica central foi demonstrado clinicamente pelo estudo CAFE (Conduit Artery Function Evaluation Study), qual evidenciou que uma maior redução da PA central comparada à PA periférica resultou em maior redução de eventos cardiovasculares.55. Williams B, Lacy PS, Thom SM, Cruickshank K, Stanton A, Collier D, et al. Differential impact of blood pressure-lowering drugs on central aortic pressure and clinical outcomes: principal results of the Conduit Artery Function Evaluation (CAFE) study. Circulation. 2006;113(9):1213-25.

Por sua vez, outros estudos associaram o papel da VOP à presença de lesões cardiovasculares e cerebrovasculares, de tal forma que este tema foi incluído nas diretrizes europeias de hipertensão em 2007.66. Mancia G, De Backer G, Dominiczak A, Cifkova R, Fagard R, Germano G, et al. 2007 Guidelines for the Management of Arterial Hypertension: The Task Force for the Management of Arterial Hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and of the European Society of Cardiology (ESC). J Hypertens. 2007;25(6):1105-87. A VOP foi usada pela primeira vez como índice clínico da elasticidade arterial em 1922, mas sua determinação demorou a ser aplicada à prática clínica porque seu registro e cálculo eram difíceis de se obter. A rigidez aórtica, medida pela VOP carótida-femoral, tem sido a mais utilizada em estudos epidemiológicos. A obtenção da VOP no segmento carotídeo-femoral é simples, não invasivo, reprodutível, amplamente aceito e clinicamente relevante, pois inclui a aorta, um segmento importante em relação aos efeitos fisiopatológicos da rigidez arterial. Atualmente, VOP pode ser considerada um biomarcador de risco cardiovascular,77. Palatini P, Casiglia E, Gasowski J, Głuszek J, Jankowski P, Narkiewicz K, et al. Arterial stiffness, central hemodynamics, and cardiovascular risk in hypertension. Vasc Health Risk Manag. 2011;7:725-39. além de ser preditor de eventos cardiovasculares e de mortalidade.88. Laurent S, Boutouyrie P, Asmar R, Gautier I, Laloux B, Guize L, et al. Aortic stiffness is an independent predictor of all-cause and cardiovascular mortality in hypertensive patients. Hypertension. 2001;37(5):1236-41. , 99. Boutouyrie P, Tropeano AI, Asmar R, et al. Aortic stiffness is an independent predictor of primary coronary events in hypertensive patients: a longitudinal study. Hypertension. 2002; 39(1):10-5.

O conceito de marcadores de lesões orgânicas foi introduzido nas últimas décadas. Biomarcador é uma medida variável que se apresenta como substância encontrada em amostra biológica ou pode ser avaliada por exames de imagem. Um biomarcador pode refletir fisiopatologia da doença, predizer futuros eventos ou indicar a presença da doença subclínica ou clínica. Um biomarcador também pode ser medido para avaliar a resposta ao tratamento instituído. Ocasionalmente, um marcador pode funcionar como um fator etiológico ou de risco.1010. Biomarkers Definitions Working Group. Biomarkers and surrogate endpoints: preferred definitions and conceptual framework. Clin Pharmacol Ther. 2001;69(3):89–95.

Reconhecidamente, a PA é um biomarcador universal para hipertensão arterial sistêmica (HAS). A medida da PA define a condição de hipertensão, orienta a abordagem terapêutica e avalia respostas ao tratamento instituído. Biomarcadores adicionais oferecem a possibilidade de reclassificar indivíduos, especialmente nas categorias de risco intermediário, com maior ou menor risco de lesão de órgão-alvo do que o estimado somente pela PA. Assim, fornecer informações independentes da PA e de outros fatores de risco clássicos é um dos requisitos básicos para um biomarcador que pode servir como um instrumento de reestratificação de risco, fato proposto no artigo apresentado nesta edição. Fagundes e colaboradores investigaram a relação entre biomarcadores de lesões subclínicas, tendo por base a relação entre VOP e biomarcadores de hipertrofia ventricular esquerda (espessura do septo interventricular e da parede posterior do ventrículo esquerdo, e diâmetro do átrio esquerdo) e um marcador vascular [espessura íntima média carotídea (EIM)]. Eles demonstraram que a VOP se correlacionou com a EIM e com os parâmetros ecocardiográficos acima, mostrando uma associação independente com EIM, isto é, EIM acima de 1 mm aumentou em aproximadamente 4 vezes a chance de VOP maior do que 10m/s, ponto de corte acima do qual o risco de eventos cardiovasculares aumenta.1111. Fagundes RR, Vitorino PVO, Lelis ES, Jardim PCV, Souza ALL, Jardim TSV, et al. Relação entre Velocidade de Onda de Pulso e Biomarcadores Cardiovasculares em Pacientes com Fatores de Risco. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(6):1125-1132

Adicionalmente, o uso de outros parâmetros de hemodinâmica central, tal como a PA central, é capaz de detectar diferentes fenótipos de HAS em conjunto com a PA braquial e classificar o risco cardiovascular de forma mais fidedigna. Chuang et al.1212. Chuang S-Y, Chang H-Y, Cheng H-M, Pan W-H, Chen C-H. Prevalence of Hypertension Defined by Central Blood Pressure Measured Using a Type II Device in a Nationally Representative Cohort. Am J Hypertens. 2018;31(3):346-54. mostraram em uma população adulta quatro fenótipos distintos de PA, baseando-se nas medidas da pressão periférica e PA central, ou seja, normotensão concordante braquial e central, hipertensão isolada braquial, hipertensão isolada central e hipertensão concordante braquial e central. Também demonstraram que a elevação concordante das duas pressões levou a maior risco de doença arterial coronariana em 10 anos em comparação à elevação de somente uma das pressões avaliadas. O estudo também evidenciou que a detecção de HAS somente pelo método convencional subestimou a real prevalência de hipertensão, em comparação ao uso combinado das duas formas de avaliação da PA.1212. Chuang S-Y, Chang H-Y, Cheng H-M, Pan W-H, Chen C-H. Prevalence of Hypertension Defined by Central Blood Pressure Measured Using a Type II Device in a Nationally Representative Cohort. Am J Hypertens. 2018;31(3):346-54. Em outro estudo realizado em idosos ≥65 anos, a hipertensão combinada braquial e central esteve significantemente associada com lesões cardíacas (hipertrofia ventricular esquerda e disfunção diastólica), vasculares (VOP) e renais (relação albumina/creatinina) em comparação às medidas isoladas, tanto periférica quanto central.1313. Yu S, Xiong J, Lu Y, Chi Y, Teliewubai J, Bai B, et al. The prevalence of central hypertension defined by a central blood pressure type I device and its association with target organ damage in the community-dwelling elderly Chinese: The Northern Shanghai Study. J Am Soc Hypertens. 2018;12(3):211-9.

Assim, a PA periférica continua sendo o melhor biomarcador no manuseio de pacientes com HAS; todavia, fornece informações incompletas sobre a patogênese e o comprometimento de órgãos-alvo, e pode não representar o melhor meio de avaliação da resposta terapêutica instituída. Novas modalidades de biomarcadores, representados pelos parâmetros da hemodinâmica central, ajudarão a individualizar estratégias preventivas e terapêuticas em indivíduos com hipertensão. A PA não será substituída por outros biomarcadores, mas pode ser complementada por marcadores que forneçam informações adicionais.1414. Currie G, Delles C. Use of Biomarkers in the Evaluation and Treatment of Hypertensive Patients. Curr Hypertens Rep. 2016;18(7):54.

Referências

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    Nelson MR, Stepanek J, Cevette M, Covalciuc M, Hurst RT, Tajik AJ. Noninvasive measurement of central vascular pressures with arterial tonometry: clinical revival of the pulse pressure waveform? Mayo Clin Proc. 2010;85(5):460-72.
  • 2
    Protogerou AD, Papaioannou TG, Blacher J, Papamichael CM, Lekakis JP, Safar ME. Central blood pressures: do we need them in the management of cardiovascular disease? Is it a feasible therapeutic target? J Hypertens. 2007;25(2):265-72.
  • 3
    Safar ME, Blacher J, Protogerou A, Achimastos A. Arterial stiffness and central hemodynamics in treated hypertensive subjects according to brachial blood pressure classification. J Hypertens. 2008;26(1):130-7.
  • 4
    Van Bortel LM, Laurent S, Boutouyrie P, Chowienczyk P, Cruickshank JK, De Backer T; Artery Society; European Society of Hypertension Working Group on Vascular Structure and Function; European Network for Noninvasive Investigation of Large Arteries. Expert consensus document on the measurement of aortic stiffness in daily practice using carotid-femoral pulse wave velocity. J Hypertens. 2012;30(3):445–48.
  • 5
    Williams B, Lacy PS, Thom SM, Cruickshank K, Stanton A, Collier D, et al. Differential impact of blood pressure-lowering drugs on central aortic pressure and clinical outcomes: principal results of the Conduit Artery Function Evaluation (CAFE) study. Circulation. 2006;113(9):1213-25.
  • 6
    Mancia G, De Backer G, Dominiczak A, Cifkova R, Fagard R, Germano G, et al. 2007 Guidelines for the Management of Arterial Hypertension: The Task Force for the Management of Arterial Hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and of the European Society of Cardiology (ESC). J Hypertens. 2007;25(6):1105-87.
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    Palatini P, Casiglia E, Gasowski J, Głuszek J, Jankowski P, Narkiewicz K, et al. Arterial stiffness, central hemodynamics, and cardiovascular risk in hypertension. Vasc Health Risk Manag. 2011;7:725-39.
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    Laurent S, Boutouyrie P, Asmar R, Gautier I, Laloux B, Guize L, et al. Aortic stiffness is an independent predictor of all-cause and cardiovascular mortality in hypertensive patients. Hypertension. 2001;37(5):1236-41.
  • 9
    Boutouyrie P, Tropeano AI, Asmar R, et al. Aortic stiffness is an independent predictor of primary coronary events in hypertensive patients: a longitudinal study. Hypertension. 2002; 39(1):10-5.
  • 10
    Biomarkers Definitions Working Group. Biomarkers and surrogate endpoints: preferred definitions and conceptual framework. Clin Pharmacol Ther. 2001;69(3):89–95.
  • 11
    Fagundes RR, Vitorino PVO, Lelis ES, Jardim PCV, Souza ALL, Jardim TSV, et al. Relação entre Velocidade de Onda de Pulso e Biomarcadores Cardiovasculares em Pacientes com Fatores de Risco. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(6):1125-1132
  • 12
    Chuang S-Y, Chang H-Y, Cheng H-M, Pan W-H, Chen C-H. Prevalence of Hypertension Defined by Central Blood Pressure Measured Using a Type II Device in a Nationally Representative Cohort. Am J Hypertens. 2018;31(3):346-54.
  • 13
    Yu S, Xiong J, Lu Y, Chi Y, Teliewubai J, Bai B, et al. The prevalence of central hypertension defined by a central blood pressure type I device and its association with target organ damage in the community-dwelling elderly Chinese: The Northern Shanghai Study. J Am Soc Hypertens. 2018;12(3):211-9.
  • 14
    Currie G, Delles C. Use of Biomarkers in the Evaluation and Treatment of Hypertensive Patients. Curr Hypertens Rep. 2016;18(7):54.
  • Minieditorial referente ao artigo: Relação entre Velocidade de Onda de Pulso e Biomarcadores Cardiovasculares em Pacientes com Fatores de Risco.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Dez 2020
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