Acessibilidade / Reportar erro

Efeitos da Esqueletização em Comparação com a Manutenção do Pedículo da Artéria Radial sobre a Patência e Fluxo Pós-Operatórios do Enxerto

Resumos

Fundamento:

O enxerto de artéria radial (AR) foi o segundo enxerto arterial a ser introduzido na prática clínica para revascularização miocárdica. A técnica de esqueletização da artéria torácica interna esquerda (ATIE) pode, de fato, alterar a capacidade de fluxo do enxerto com potenciais vantagens, o que leva à suposição de que o comportamento da AR, como enxerto coronariano, seja semelhante ao da ATIE esqueletizada.

Objetivo:

Este estudo avaliou enxertos aortocoronários "livres" de AR, quer esqueletizados, quer com tecidos adjacentes.

Métodos:

Foi realizado um estudo prospectivo randomizado comparando 40 pacientes distribuídos em dois grupos. No grupo I, foram utilizadas artérias radiais esqueletizadas (20 pacientes), e no grupo II, artérias radiais com tecidos adjacentes (20 pacientes). Após o procedimento cirúrgico, os pacientes foram submetidos a medidas da velocidade de fluxo.

Resultados:

As principais variáveis cirúrgicas foram: diâmetro interno, comprimento e fluxo sanguíneo livre da AR. Os diâmetros médios dos enxertos de AR calculados através de angiografia quantitativa no pós-operatório imediato foram semelhantes, assim como as variáveis de medidas de velocidade de fluxo. Por outro lado, a cinecoronariografia mostrou a presença de oclusão em um enxerto de AR e estenose em cinco enxertos de AR no GII, enquanto que apenas um caso de estenose em um enxerto de AR no GI (p = 0,045).

Conclusão:

Os resultados mostram que tanto as características morfológicas e anatomopatológicas quanto o desempenho hemodinâmico dos enxertos livres de artéria radial, quer preparados de forma esqueletizada ou com tecidos adjacentes, são semelhantes. Entretanto, pode-se observar um maior número de lesões não obstrutivas quando a AR é preparada com tecidos adjacentes.

Enxerto Radial; Revascularização Miocárdica; Patência Angiográfica


Background:

Radial artery (RA) was the second arterial graft introduced in clinical practice for myocardial revascularization. The skeletonization technique of the left internal thoracic artery (LITA) may actually change the graft's flow capacity with potential advantages. This leads to the assumption that the behavior of the RA, as a coronary graft, is similar to that of the LITA, when skeletonized.

Objective:

This study evaluated 'free' aortic-coronary radial artery (RA) grafts, whether skeletonized or with adjacent tissues.

Methods:

A prospective randomized study comparing 40 patients distributed into two groups was conducted. In group I, we used skeletonized radial arteries (20 patients), and in group II, we used radial arteries with adjacent tissues (20 patients). After the surgical procedure, patients underwent flow velocity measurements.

Results:

The main surgical variables were: RA internal diameter, RA length, and free blood flow in the radial artery. The mean RA graft diameters as calculated using quantitative angiography in the immediate postoperative period were similar, as well as the flow velocity measurement variables. On the other hand, coronary cineangiography showed the presence of occlusion in one RA graft and stenosis in five RA grafts in GII, while GI presented stenosis in only one RA graft (p = 0.045).

Conclusion:

These results show that the morphological and pathological features, as well as the hemodynamic performance of the free radial artery grafts, whether prepared in a skeletonized manner or with adjacent tissues, are similar. However, a larger number of non-obstructive lesions may be observed when RA is prepared with adjacent tissues.

Coronary Diseases / surgery; Radial Artery / abnormalities; Radial Artery / surgery; Vascular Patency


Introdução

O enxerto de artéria radial (AR) foi o segundo enxerto arterial a ser introduzido na prática clínica para revascularização miocárdica11. Carpentier A, Guermonprez JL, Deloche A, Frechette C, DuBost C. The aorta-tocoronary radial artery bypass graft: a technique avoiding pathological changes in grafts. Ann Thorac Surg. 1973;16(2):111-21., tendo apresentado, inicialmente, resultados angiográficos desfavoráveis. No entanto, com mudanças na técnica cirúrgica e o uso de vasodilatadores para a prevenção de vasoespasmo, a AR passou a ser utilizada de forma segura e com bons resultados no tratamento das doenças coronarianas22. Acar C, Jebara VA, Portoghese M, Beyssen B, Pagny JY, Grare P, et al. Revival of the radial artery for coronary artery bypass grafting. Ann Thorac Surg. 1992;54(4):652-9..

A dissecção esqueletizada da AR foi introduzida por Taggart et cols. em 200133. Taggart DP, Mathur MN, Ahmad I. Skeletonization of the radial artery: advantages over the pedicle technique. Ann Thorac Surg. 2001;72(1):298-9., com base nos bons resultados obtidos com a esqueletização da artéria torácica interna esquerda (ATIE) introduzida por Cunningham et cols. em 199244. Cunningham JM, Gharavi MA, Fardin R, Meek RA. Considerations in the skeletonization technique of internal thoracic artery dissection. Ann Thorac Surg. 1992;54(5):947-50.. Não há dúvidas quanto aos efeitos da ATIE pediculada na revascularização miocárdica e, a despeito desses excelentes resultados, a técnica de esqueletização da ATIE pode, de fato, alterar a capacidade de fluxo do enxerto com potenciais vantagens44. Cunningham JM, Gharavi MA, Fardin R, Meek RA. Considerations in the skeletonization technique of internal thoracic artery dissection. Ann Thorac Surg. 1992;54(5):947-50. , 55. Takami Y, Ina H. Effects of skeletonization on intraoperative flow and anastomosis diameter internal thoracic arteries in coronary artery bypass grafting. Ann Thorac Surg. 2002;73(5):1441-5. , 66. Gaudino M, Trani C, Glieca F, Mazzari MA, Rigattieri S, Nasso G, et al. Early vasoreactive profile of skeletonized versus pedicle internal thoracic artery grafts. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003;125(3):638-41., o que leva à suposição de que o comportamento da AR, como enxerto coronariano, seja semelhante ao da ATIE esqueletizada.

Portanto, o objetivo deste estudo foi comparar, de forma randomizada, o desempenho hemodinâmico e funcional dos enxertos aortocoronários de AR, quer preparados de forma esqueletizada, quer com tecidos adjacentes, através de angiografia pós-cirúrgica e fluxometria realizada no pós-operatório imediato. Foram também comparadas as características morfológicas e anatomopatológicas desses enxertos.

Pacientes e métodos

População do estudo

Este é um estudo clínico randomizado com distribuição de vinte pacientes por grupo, de acordo com a técnica de dissecção e preparo da AR (Grupo I - enxerto de AR esqueletizada e Grupo II - enxerto de AR com tecidos adjacentes). Foram incluídos pacientes com diagnóstico de angina estável, angina instável, ou antecedente de infarto não agudo do miocárdio (com ou sem supradesnivelamento do segmento ST) após discussão livre e clara dos riscos, alternativas, e benefícios percebidos com as cirurgias. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e pelo Conselho de Revisão Científica da instituição e registrado no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram selecionados pacientes com cineangiografia mostrando estenoses coronarianas acima de 70% e boa anatomia distal77. Moran SV, Baeza R, Guarda E, Zalaquett R, Irarrazaval MJ, Marchant E, et al. Predictors of radial artery patency for coronary bypass operations. Ann Thorac Surg. 2001;72(5):1552-6. em pelo menos dois ramos principais, incluindo o território da circunflexa, e testes de Allen clássico e modificado negativos88. Allen EV. Thromboangiitis obliterans: methods of diagnosis of chronic occlusive arterial lesions distal to the wrist illustrative cases. Am J Med Sci. 1929;178:237-44. , 99. Ejrup B, Fischer B, Wright IS. Clinical evaluation of blood flow to the hand: the false-positive Allen test. Circulation. 1966;33(5):778-80. no antebraço no qual seria realizada a dissecção da AR. Foram aplicados os seguintes critérios de exclusão: (a) idade acima de 70 anos; (b) obesidade grave; (c) teste de Allen positivo1010. Johnson WH 3rd, Cromartie RS 3rd, Arrants JE, Wuamett JD, Holt JB. Simplified method for candidate selection for radial artery harvesting. Ann Thorac Surg. 1998;65(4):1167. , 1111. Starnes SL, Wolk SW, Lampman RM, Shanley CJ, Prager RL, Kong BK, et al. Nonivasive evaluation of hand circulation before radial artery harvest for coronary artery bypass grafting. J Thorac Cardiovasc Surg. 1999;117(2):261-6.; (d) pacientes com fístula arteriovenosa para hemodiálise, vasculite ou doença de Raynaud; (e) AR apresentando calcificações macroscopicamente visíveis ou doença aterosclerótica difusa; (f) reoperação; (g) procedimento adicional; (h) função do ventrículo esquerdo gravemente diminuída; (i) contraindicações para o uso de bloqueadores de canal de cálcio; (j) contraindicação para angiografia pós-operatória; (j) infarto agudo do miocárdio com ou sem supradesnivelamento do segmento ST; (k) pacientes portadores de insuficiência renal ou doença arterial periférica.

Foram selecionados quarenta pacientes para o estudo, sendo que todos apresentavam angina classe 2-4 segundo a Sociedade Cardiovascular Canadense. As variáveis infarto do miocárdio (IM) pregresso, número de vasos acometidos, idade, sexo, diabetes mellitus, hipertensão e outras características foram semelhantes em ambos os grupos e estão descritas na Tabela 1. Todos os pacientes foram submetidos à cirurgia de forma eletiva.

Tabela 1
Variáveis clínicas e cirúrgicas

Técnica cirúrgica e protocolo farmacológico

Todos os pacientes foram operados sob circulação extracorporeal, hipotermia leve (32-34ºC) e pinçamento intermitente da aorta. Logo após a retirada da circulação extracorpórea, foi feita administração endovenosa de nitroglicerina por 48 horas, que foi posteriormente substituída por antagonista de canal de cálcio.

Foram realizados dissecção e preparo da AR concomitantemente à dissecção da ATIE. A técnica de dissecção da AR utilizada foi aquela proposta por Reyes et cols.1212. Reyes AT, Frame R, Brodman R. Technique for harvesting the radial artery as a coronary artery bypass graft. Ann Thorac Surg. 1995;59(1):118-26., e a esqueletização, quando utilizada, foi feita no antebraço com o auxílio de tesoura; os vasos colaterais foram ligados com fio de algodão 4-0. Foi realizado preenchimento intraluminal dos enxertos de AR com sangue heparinizado e papaverina tópica. A ATIE foi usada para enxertar a artéria descendente anterior esquerda e todas as AR foram usadas para enxertar a artéria marginal obtusa, o ramo intermediário ou o primeiro ramo diagonal com lesões > 75%. Os enxertos de AR foram anastomosados proximalmente na aorta (retroaórtico), através de orifício realizado com um bisturi, por meio de sutura contínua com polipropileno 6-0 ou 7-0, e distalmente aos ramos coronarianos, por meio de anastomose término-lateral contínua com fio de propileno 7-0. A artéria coronária direita e seus ramos, bem como as artérias com lesões > 75%, receberam enxertos de veia safena.

Foram analisadas as seguintes variáveis intraoperatórias: comprimento e fluxo livre da AR. Foi ainda realizado exame anatomopatológico para análise do comportamento endotelial da AR nos dois grupos.

Todos os pacientes receberam infusão de mononitrato de isossorbida (0,8 mg/kg por minuto) e diltiazem (2 mg/kg por minuto) no intraoperatório e até 24 horas após a cirurgia, seguidos de uma dose oral de, respectivamente, 20 mg e 180 mg/dia, além de antiplaquetários por pelo menos 6 meses. A ocorrência de IM foi monitorada por eletrocardiogramas e análises seriadas de CK-MB sérica.

Angiografia e protocolo de fluxometria

Os pacientes foram submetidos a angiografia e fluxometria entre o sétimo e décimo pós-operatórios. O exame foi realizado através do acesso femoral. Os enxertos foram analisados por um cardiologista experiente e classificados de acordo com a presença ou ausência de: estenose não obstrutiva (< 50%), estenose obstrutiva (> 50%), e oclusão total.

A média do pico de velocidade e o fluxo do enxerto de AR foram registrados na porção inicial (a 3 cm da anastomose proximal) da AR nos dois grupos. Para essas medidas, foi utilizado um fio-guia de Doppler de 12 MHz de 0,014 polegadas (0,035 cm) de diâmetro, e 175 cm de comprimento (Flowire; Cardiometrics Inc)1313. Doucette JW, Corl D, Payne HM, Flynn AE, Goto M, Nassi M, et al. Validation of a Doppler guide wire for intravascular measurement of coronary artery flow velocity. Circulation. 1992;85(5):1899-911.. Os registros foram feitos em repouso e em hiperemia, que foi induzida através da injeção de 30 µg de adenosina diretamente no enxerto. A reserva de fluxo do enxerto consistiu na razão entre os picos de velocidade em hiperemia e em repouso. Calculou-se o fluxo sanguíneo na porção proximal dos enxertos pelo método de Doucette1313. Doucette JW, Corl D, Payne HM, Flynn AE, Goto M, Nassi M, et al. Validation of a Doppler guide wire for intravascular measurement of coronary artery flow velocity. Circulation. 1992;85(5):1899-911., através da média de tempo do pico de velocidade e da área transversal do enxerto, a qual foi obtida após determinação do diâmetro por angiografia quantitativa para análise do contorno marginal. Foram calculadas as dimensões absolutas, tomando-se o diâmetro do cateter diagnóstico como referência.

Análise estatística

Os dados são apresentados como média ± desvio padrão ou como porcentagens, e foram analisados através do teste não paramétrico de Mann-Whitney, teste do qui quadrado ou teste exato de Fisher, quando apropriado. O tamanho amostral foi projetado para um poder de 90% para identificar uma diferença de 10% na patência do enxerto, com nível de significância de 5%. Valores de p menores que 0,05 foram considerados significativos, conforme determinados através do programa SPSS para Windows, versão 13.0 (SPSS, Inc., Chicago, IL).

Resultados

Cada grupo foi constituído por 20 pacientes. Não houve mortalidade hospitalar. As variáveis cirúrgicas estão apresentadas na Tabela 1. As complicações pós-operatórias foram: fibrilação atrial (cinco casos), taquicardia supraventricular paroxística (um caso), broncopneumonia (um caso), reoperação devido a sangramento no pós-operatório imediato (dois casos), infecção da incisão cirúrgica (um caso). O comprimento dos enxertos de AR no período intraoperatório foi, em média, de 171 ± 22,5 mm no GI, e de 163,5 ± 24,4 mm no GII (p = 0,414); o volume sistólico da AR livre, calculado com pressão arterial média semelhante, foi de 84,6 ± 53.1 mL/min no GI, e de 95,5 ± 63,3 mL/min no GII (p = 0,627). Não houve diferenças entre os grupos em relação aos exames anatomopatológicos.

Dados angiográficos

Foi realizada cateterização cardíaca no pós-operatório imediato em trinta e nove pacientes. No momento do procedimento, não houve variações na pressão arterial, frequência cardíaca, ou no hematócrito entre os grupos. A patência global prévia foi semelhante entre os grupos (p = NS), sendo de 100% no GI (n = 19), e de 95% no GII (n = 20). No entanto, houve diferença na patência perfeita (p = 0,045) devido ao fato de que o GI apresentou apenas um enxerto de AR com estenose não obstrutiva (< 50%), enquanto que o GII apresentou cinco enxertos de AR com estenose (Figura 1), além de uma oclusão (Figura 2).

Figura 1
Artéria radial pediculada com lesão não obstrutiva no terço proximal.
Figura 2
Artéria radial pediculada ocluída proximalmente.

Angiografia quantitativa

O diâmetro proximal médio da AR foi de 2,66 ± 0,11 mm no GI, e de 2,53 ± 0,05 mm no GII, com IC de 95% (Figura 3).

Figura 3
Diâmetro angiográfico proximal interno médio da artéria radial (p = 0,492). Média ± IC 95%.

As velocidades de pico médias da AR em repouso foram de 18,92 ± 1,75 cm/s no GI, e de 18 ± 1,9 cm/s no GII. A reserva de fluxo do enxerto de AR foi de 2,12 ± 0.11 no GI, e de 2,01 ± 0,1 no GII (Figura 4). O fluxo sanguíneo na porção inicial da AR foi de 54,92 ± 7,66 mL/min no GI, e de 44,19 ± 5,13 mL/min no GII (Figura 5).

Figura 4
Reserva de fluxo coronário da artéria radial (p = 0,624). Média ± IC 95%.
Figura 5
Fluxo sanguíneo da artéria radial em repouso (p = 0,435). Média ± IC 95%.

Discussão

O presente estudo não demonstrou diferenças entre as características cirúrgicas dos enxertos de AR. Taggart et cols. identificaram algumas vantagens da AR esqueletizada, prevendo claramente seu comprimento, oferecendo assim uma opção ao cirurgião quanto à escolha do tipo de anastomose (usando-a para mais de um enxerto sequencialmente, ou como extensão para outros vasos)33. Taggart DP, Mathur MN, Ahmad I. Skeletonization of the radial artery: advantages over the pedicle technique. Ann Thorac Surg. 2001;72(1):298-9.. Neste estudo, embora não tenhamos encontrado diferenças estatísticas entre os grupos quanto ao comprimento da AR, a esqueletização nos permitiu uma melhor noção da extensão do enxerto. Rukosujem observou diferenças no comprimento da AR esqueletizada em relação a AR com tecidos adjacentes dissecadas com o auxílio de tesoura e pinça1414. Rukosujem A, Reichelt R, Fabricius AM, Drees G, Tjan TDT, Rothenburger M, et al. Skeletonization versus pedicle preparation of the radial artery with and without the ultrasonic scalpel. Ann Thorac Surg. 2004;77(1):120-5..

Não houve diferenças anatômicas ou anatomopatológicas entre os grupos, incluindo lesão endotelial grave devido a eletrocauterização e espessamento da íntima. Rukosujem observou um número maior de lesões endoteliais em pacientes cujas AR foram esqueletizadas com bisturi ultrassônico1414. Rukosujem A, Reichelt R, Fabricius AM, Drees G, Tjan TDT, Rothenburger M, et al. Skeletonization versus pedicle preparation of the radial artery with and without the ultrasonic scalpel. Ann Thorac Surg. 2004;77(1):120-5..

Achouh e Acar discutiram os achados de acompanhamento de 629 enxertos de artéria radial realizados ao longo de 20 anos. Houve estenose focal em 3% das AR, ao passo que o sinal da corda foi observado em 0,9%. A patência geral dos enxertos foi de 83%. A patência do enxerto diminuiu exponencialmente durante o primeiro ano de pós-operatório, e posteriormente de forma linear com baixo atrito, sugerindo ausência de doença do enxerto radial1515. Achouh P, Acar C. Twenty-year fate of the radial artery graft. Ann Cardiothorac Surg. 2013;2(4):481-4..

No presente estudo, a angiografia pós-operatória mostrou evidências de patência global semelhante entre os grupos, mas diferença na patência perfeita, devido a um maior número de estenoses não obstrutivas (< 50%) e a uma oclusão nos enxertos de AR com tecidos adjacentes. Através de uma inspeção visual mais confiável, a esqueletização permite a identificação de espasmos ou áreas com lesões, que podem não ser visíveis nos enxertos com tecidos adjacentes, melhorando, assim, a qualidade angiográfica do enxerto. A diferença entre a patência global e perfeita da AR com tecidos adjacentes tem sido demonstrada desde a década de 1990 por diversos autores. Parolari et cols.1616. Parolari A, Rubini P, Alamanni F, Cannata A, Xin W, Gherli T, et al. The radial artery: which place in coronary operation? Ann Thorac Surg. 2000;69(4):1288-94. publicaram uma revisão de literatura apresentando uma patência global média precoce de 98,1%, e patência perfeita de 90,8% dos enxertos de AR com tecidos adjacentes1717. Weinschelbaum EE, Gabe ED, Macchia A, Smimmo R, Suárez LD. Total myocardial revascularization with arterial conduits: radial artery combined with internal thoracic arteries. J Thorac Cardiovasc Surg. 1997;114(6):991-6.. Relataram, ainda, taxas de patência global média e perfeita de 93,3% e de 78,8%, respectivamente, entre 6 e 36 meses após a cirurgia. Diferenças semelhantes também foram observadas por outros autores1818. Acar C, Ramsheyi A, Pagny JY, Jebara V, Barrier P, Fabiani JN, et al. The radial artery coronary for artery after bypass grafting: clinical and angiographic results at for five years. J Thorac Cardiovasc Surg. 1998;116(6):981-9. , 1919. Possati GF, Gaudino M, Alessandrini F, Luciani N, Glieca F, Trani C, et al. Midterm clinical and angiographic results of radial artery grafts used for myocardial revascularizaton. J Thorac Cardiovasc Surg. 1998;116(6):1015-21..

Corroborando os achados de nossa investigação angiográfica, Amano et cols, em uma série não randômica de casos, demonstraram uma patência total da AR em, respectivamente, 98,6% e 98,9% para AR esqueletizada e com tecidos adjacentes, enquanto que a patência perfeita foi de, respectivamente, 96,5% e 84,9%2020. Amano A, Takahashi A, Hirose H. Skeletonized radial artery grafting: improved angiographic results. Ann Thorac Surg. 2002;73(6):1880-7.. Em 2004, Hirose et cols. também publicaram os achados angiográficos após seguimento de um ano mostrando que 20 pacientes que receberam AR esqueletizada apresentaram uma taxa de patência perfeita de 95,2%2222. Hirose H, Amano A, Takahashi A, Takanashi S. Skeletonization of the radial artery with the ultrasonic scalpel: clinic angiographic results. Heart Surg Forum. 2003;6(3):E42-7..

Ali e cols. concluíram que a esqueletização da AR oferece bons resultados quanto à patência. Assim, se for utilizada como conduto em cirurgia de revascularização, a AR pode ser preparada tanto na forma esqueletizada quanto na de pedículo; no entanto, o estudo desses autores sugeriu que a esqueletização pode conferir uma maior patência ao conduto radial em comparação com a técnica de pedículo2323. Ali E, Saso S, Ahmed K, Athanasiou T. When harvested for coronary artery bypass graft surgery does a skeletonized or pedicled radial artery improve conduit patency? Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2010;10(2):289-92.. Tokuda et cols. demonstraram que, para enxertos para o sistema coronário esquerdo, um fluxo médio < 15 m>/min, e < 20 mL/min para enxertos para o sistema coronariano direito foram preditivos de falência do enxerto2424. Tokuda V, Song MH, Oshima H, Usui A, Ueda Y. Predicting coronary bypass graft failure by intraoperative transit time flow measurement. Ann Thorac Surg. 2007;84(6):1928-33.. Os diâmetros internos proximais dos enxertos de AR, calculados por angiografia quantitativa, foram semelhantes neste estudo. Não há informações prévias comparando o diâmetro interno proximal das AR. No entanto, quando esse parâmetro foi analisado em ATIE esqueletonizadas e pediculadas, através de angiografia quantitativa, observou-se aumento significativo do diâmetro interno proximal com a esqueletização55. Takami Y, Ina H. Effects of skeletonization on intraoperative flow and anastomosis diameter internal thoracic arteries in coronary artery bypass grafting. Ann Thorac Surg. 2002;73(5):1441-5..

Webb e cols. relataram um diâmetro da artéria radial por angiografia coronária quantitativa de aproximadamente 2,7 m em 15 casos após 5 anos de acompanhamento2525. Webb CM, Moat NE, Chong CF, Collins P. Vascular reactivity and flow characteristics of radial artery and long saphenous vein coronary bypass grafts: a 5-year follow-up. Circulation. 2010;122(9):861-7..

Na análise das variáveis de fluxo (fluxo sanguíneo intravascular, média de pico de velocidade, reserva de fluxo do enxerto de AR) através da fluxometria por Doppler no período pós-operatório imediato, não observamos diferenças estatísticas entre os dois grupos do estudo. A metodologia de Doppler intravascular empregada neste estudo para a obtenção de dados (velocidade do fluxo sanguíneo) é altamente confiável1313. Doucette JW, Corl D, Payne HM, Flynn AE, Goto M, Nassi M, et al. Validation of a Doppler guide wire for intravascular measurement of coronary artery flow velocity. Circulation. 1992;85(5):1899-911.. O comportamento do fluxo sanguíneo do enxerto de ATIE para a artéria descendente anterior esquerda já foi estudado por Akasaka et cols, através de fluxometria por Doppler, em 19952626. Akasaka T, Yoshikawa J, Yoshida K, Maeda K, Hozumi T, Nasu M, et al. Flow capacity of internal mammary artery grafts: early restriction and late improvement assessed by Doppler guide wire: comparison with saphenous vein grafts. J Am Coll Cardiol. 1995;25(3):640-7., tendo os autores demonstrado que o fluxo sanguíneo foi de 62 ± 17 mL/min em repouso e a reserva de fluxo coronário, de 1,8 ± 0,3 mL/min. Resultados semelhantes também foram obtidos por Gurné e cols2727. Gurné O, Chenu P, Polidori C, Louagie Y, Buche M, Haxhe JP, et al. Functional evaluation of internal mammary artery bypass grafts in the early and late postoperative periods. J Am Coll Cardiol. 1995;25(5):1120-8.. Comparando duas estratégias de dissecção da ATIE - esqueletizada e pediculada, e usando fluxometria intraoperatória, Takami et cols.55. Takami Y, Ina H. Effects of skeletonization on intraoperative flow and anastomosis diameter internal thoracic arteries in coronary artery bypass grafting. Ann Thorac Surg. 2002;73(5):1441-5. encontraram fluxo superior (42,6 ± 29,1 mL/min) na ATIE esqueletizada em relação à ATIE pediculada (26,4 ± 16,1 mL/min)2121. Hirose H, Amano A. Skeletonized radial artery grafting: one-year patency rate. Heart Surg Forum. 2004;7(4):E277-82.. Por outro lado, Rukosujew e cols1515. Achouh P, Acar C. Twenty-year fate of the radial artery graft. Ann Cardiothorac Surg. 2013;2(4):481-4. calcularam o fluxo sanguíneo perivascular livre em 40 pacientes que receberam AR esqueletizada ou com tecidos adjacentes e não encontraram diferenças estatísticas entre os grupos, à semelhança do que foi observado no presente estudo.

Webb e cols. calcularam um valor basal de fluxo sanguíneo médio do enxerto coronariano de 35 mL/min em enxerto de artéria radial2525. Webb CM, Moat NE, Chong CF, Collins P. Vascular reactivity and flow characteristics of radial artery and long saphenous vein coronary bypass grafts: a 5-year follow-up. Circulation. 2010;122(9):861-7.. A reserva de fluxo coronário também tem sido uma variável cada vez mais utilizada para a avaliação de lesões coronarianas e resultados deintervenções percutâneas. À semelhança do que ocorre com o pico de velocidade médio, pode haver grandes variações desse parâmetro em pacientes com artérias angiograficamente normais. Com base na experiência com a análise da reserva de fluxo coronário na ATIE, e relatado por Webb et cols, a reserva de fluxo coronário média em enxerto de radial foi 2,3 com o uso de medidas de velocidade2525. Webb CM, Moat NE, Chong CF, Collins P. Vascular reactivity and flow characteristics of radial artery and long saphenous vein coronary bypass grafts: a 5-year follow-up. Circulation. 2010;122(9):861-7..

Neste estudo, a reserva de fluxo do enxerto foi de 2,12 ± 0.11 no GI, e de 2,01 ± 0,1 no GII, o que pode ser considerado satisfatório, demonstrando assim uma perspectiva promissora da adaptabilidade da AR a diferentes territórios coronarianos.

Concluindo, os resultados do presente estudo, com um grupo selecionado de pacientes, nos permitem afirmar que o desempenho morfológico, funcional e hemodinâmico dos enxertos aortocoronarianos de AR para os ramos coronários esquerdos é semelhante, quer tenham sido preparados de forma esqueletizada, quer pediculada.

Entretanto, a maior frequência de obstrução e estenose observada com os enxertos pediculados pode comprometer seu desempenho em longo prazo.

  • Contribuição dos autores
    Concepção e desenho da pesquisa e Análise estatística: Bonini RCA, Moreira, LFP; Obtenção de dados e Análise e interpretação dos dados: Bonini RCA, Staico R; Obtenção de financiamento e Redação do manuscrito: Bonini RCA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Bonini RCA, Dinkhuysen JJ, Moreira, LFP; Realizou cirurgia: Issa M, Arnoni AS, Chaccur P, Abdulmassih Neto C, Dinkhuysen JJ, Paulista PP, Souza LCB.
  • Fontes de Financiamento
    O presente estudo foi financiado pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.
  • Vinculação Acadêmica
    Este artigo é parte de tese de Doutorado de Rômulo C. Arnal Bonini pela Faculdade de Medicina da USP.

Referências

  • 1
    Carpentier A, Guermonprez JL, Deloche A, Frechette C, DuBost C. The aorta-tocoronary radial artery bypass graft: a technique avoiding pathological changes in grafts. Ann Thorac Surg. 1973;16(2):111-21.
  • 2
    Acar C, Jebara VA, Portoghese M, Beyssen B, Pagny JY, Grare P, et al. Revival of the radial artery for coronary artery bypass grafting. Ann Thorac Surg. 1992;54(4):652-9.
  • 3
    Taggart DP, Mathur MN, Ahmad I. Skeletonization of the radial artery: advantages over the pedicle technique. Ann Thorac Surg. 2001;72(1):298-9.
  • 4
    Cunningham JM, Gharavi MA, Fardin R, Meek RA. Considerations in the skeletonization technique of internal thoracic artery dissection. Ann Thorac Surg. 1992;54(5):947-50.
  • 5
    Takami Y, Ina H. Effects of skeletonization on intraoperative flow and anastomosis diameter internal thoracic arteries in coronary artery bypass grafting. Ann Thorac Surg. 2002;73(5):1441-5.
  • 6
    Gaudino M, Trani C, Glieca F, Mazzari MA, Rigattieri S, Nasso G, et al. Early vasoreactive profile of skeletonized versus pedicle internal thoracic artery grafts. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003;125(3):638-41.
  • 7
    Moran SV, Baeza R, Guarda E, Zalaquett R, Irarrazaval MJ, Marchant E, et al. Predictors of radial artery patency for coronary bypass operations. Ann Thorac Surg. 2001;72(5):1552-6.
  • 8
    Allen EV. Thromboangiitis obliterans: methods of diagnosis of chronic occlusive arterial lesions distal to the wrist illustrative cases. Am J Med Sci. 1929;178:237-44.
  • 9
    Ejrup B, Fischer B, Wright IS. Clinical evaluation of blood flow to the hand: the false-positive Allen test. Circulation. 1966;33(5):778-80.
  • 10
    Johnson WH 3rd, Cromartie RS 3rd, Arrants JE, Wuamett JD, Holt JB. Simplified method for candidate selection for radial artery harvesting. Ann Thorac Surg. 1998;65(4):1167.
  • 11
    Starnes SL, Wolk SW, Lampman RM, Shanley CJ, Prager RL, Kong BK, et al. Nonivasive evaluation of hand circulation before radial artery harvest for coronary artery bypass grafting. J Thorac Cardiovasc Surg. 1999;117(2):261-6.
  • 12
    Reyes AT, Frame R, Brodman R. Technique for harvesting the radial artery as a coronary artery bypass graft. Ann Thorac Surg. 1995;59(1):118-26.
  • 13
    Doucette JW, Corl D, Payne HM, Flynn AE, Goto M, Nassi M, et al. Validation of a Doppler guide wire for intravascular measurement of coronary artery flow velocity. Circulation. 1992;85(5):1899-911.
  • 14
    Rukosujem A, Reichelt R, Fabricius AM, Drees G, Tjan TDT, Rothenburger M, et al. Skeletonization versus pedicle preparation of the radial artery with and without the ultrasonic scalpel. Ann Thorac Surg. 2004;77(1):120-5.
  • 15
    Achouh P, Acar C. Twenty-year fate of the radial artery graft. Ann Cardiothorac Surg. 2013;2(4):481-4.
  • 16
    Parolari A, Rubini P, Alamanni F, Cannata A, Xin W, Gherli T, et al. The radial artery: which place in coronary operation? Ann Thorac Surg. 2000;69(4):1288-94.
  • 17
    Weinschelbaum EE, Gabe ED, Macchia A, Smimmo R, Suárez LD. Total myocardial revascularization with arterial conduits: radial artery combined with internal thoracic arteries. J Thorac Cardiovasc Surg. 1997;114(6):991-6.
  • 18
    Acar C, Ramsheyi A, Pagny JY, Jebara V, Barrier P, Fabiani JN, et al. The radial artery coronary for artery after bypass grafting: clinical and angiographic results at for five years. J Thorac Cardiovasc Surg. 1998;116(6):981-9.
  • 19
    Possati GF, Gaudino M, Alessandrini F, Luciani N, Glieca F, Trani C, et al. Midterm clinical and angiographic results of radial artery grafts used for myocardial revascularizaton. J Thorac Cardiovasc Surg. 1998;116(6):1015-21.
  • 20
    Amano A, Takahashi A, Hirose H. Skeletonized radial artery grafting: improved angiographic results. Ann Thorac Surg. 2002;73(6):1880-7.
  • 21
    Hirose H, Amano A. Skeletonized radial artery grafting: one-year patency rate. Heart Surg Forum. 2004;7(4):E277-82.
  • 22
    Hirose H, Amano A, Takahashi A, Takanashi S. Skeletonization of the radial artery with the ultrasonic scalpel: clinic angiographic results. Heart Surg Forum. 2003;6(3):E42-7.
  • 23
    Ali E, Saso S, Ahmed K, Athanasiou T. When harvested for coronary artery bypass graft surgery does a skeletonized or pedicled radial artery improve conduit patency? Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2010;10(2):289-92.
  • 24
    Tokuda V, Song MH, Oshima H, Usui A, Ueda Y. Predicting coronary bypass graft failure by intraoperative transit time flow measurement. Ann Thorac Surg. 2007;84(6):1928-33.
  • 25
    Webb CM, Moat NE, Chong CF, Collins P. Vascular reactivity and flow characteristics of radial artery and long saphenous vein coronary bypass grafts: a 5-year follow-up. Circulation. 2010;122(9):861-7.
  • 26
    Akasaka T, Yoshikawa J, Yoshida K, Maeda K, Hozumi T, Nasu M, et al. Flow capacity of internal mammary artery grafts: early restriction and late improvement assessed by Doppler guide wire: comparison with saphenous vein grafts. J Am Coll Cardiol. 1995;25(3):640-7.
  • 27
    Gurné O, Chenu P, Polidori C, Louagie Y, Buche M, Haxhe JP, et al. Functional evaluation of internal mammary artery bypass grafts in the early and late postoperative periods. J Am Coll Cardiol. 1995;25(5):1120-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2014

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2013
  • Revisado
    04 Out 2013
  • Aceito
    04 Out 2013
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br