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Eco 3D transesofágico na correção percutânea de refluxo paraprotético

RELATO DE CASO

Eco 3D transesofágico na correção percutânea de refluxo paraprotético

David Costa de Souza Le Bihan; Leonardo Mello Guimarães de Toledo; Rodrigo Bellio de Mattos Barretto; Cesar Augusto Esteves; Jorge Eduardo Assef; Amanda Guerra Moraes Rego Sousa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Leonardo Mello Guimarães de Toledo Rua Botucatu, 261, ap 23, Vila Mariana São Paulo-SP, CEP 04023-061 E-mail: leonardotoledo@cardiol.br, leonardotoledo_med@yahoo.com.br

Palavras-chave: Ecocardiografia Transesofageana, Ecocardiografia Tridimensional, Valvas Cardíacas /cirurgia, Próteses Valvulares Cardíacas.

Introdução

Cerca de 210 mil cirurgias para troca valvar são realizadas anualmente no mundo. Os refluxos paraprotéticos são uma complicação que pode acontecer, especialmente em próteses mecânicas e reoperações, atingindo uma prevalência de 10 a 15% em estudos de follow-up1.

O tratamento cirúrgico continua sendo a primeira escolha, especialmente quando há sintomas significativos e hemólise. Entretanto, devido à alta mortalidade perioperatória (6-14%)2,3, técnicas percutâneas para correção dos refluxos paraprotéticos têm sido desenvolvidas, apesar de ainda não existirem dispositivos específicos para a sua oclusão.

O ecocardiograma transesofágico tridimensional em tempo real (ECOTE3D) tem papel fundamental na realização do procedimento desde o diagnóstico, quantificação do refluxo, localização e medidas do orifício regurgitante e guiando, em tempo real, o implante de próteses percutâneas.

A experiência inicial de nosso serviço é de quatro casos de oclusão de refluxo paraprotético mitral por via percutânea. Embora não se tenha conseguido resolução completa do refluxo em três casos (dois permaneceram com refluxo moderado e um com refluxo discreto), vale ressaltar que os procedimentos transcorreram sem intercorrências e que todos os pacientes melhoraram a classe funcional após o implante. Com o intuito de discutir o papel da ecocardiografia neste contexto, relatamos o caso em que se conseguiu oclusão completa do defeito paraprotético após o implante dos dispositivos.

Relato do Caso

Paciente do sexo masculino, com 76 anos, atendido em agosto de 2010 com queixa de dispneia progressiva aos esforços há dois anos, com piora há um mês, acompanhada de episódios de pré-síncope. Foi diagnosticado com estenose aórtica importante e, em janeiro de 2011, submeteu-se à cirurgia para substituição da valva aórtica por bioprótese, recebendo alta no sétimo dia de pós-operatório, que transcorreu sem intercorrências.

Em abril de 2011, foi hospitalizado com quadro de febre, disartria e sopro sistólico ejetivo em foco aórtico. A hipótese de endocardite infecciosa foi confirmada pelo ecocardiograma transesofágico que evidenciou imagem de abscesso próximo ao anel anterior e vegetações protéticas, além de insuficiência mitral importante e disfunção sistólica discreta do ventrículo esquerdo. A hemocultura foi positiva para S. aureus e a tomografia de crânio demonstrou lesão hipodensa frontal à esquerda (provável embolia séptica). Recebeu tratamento com vancomicina, gentamicina e rifampicina. Foi submetido à nova cirurgia com implante de próteses biológicas em posições aórtica e mitral. Recebeu alta após dois meses de internação hospitalar.

Após quatro meses, o paciente foi submetido a novo ecocardiograma transtorácico no qual se observou próteses biológicas com folhetos anatomicamente normais e a presença de refluxo paraprotético mitral de grau importante. Tal achado foi confirmado pelo ECOTE3D, que ainda conseguiu localizar a posição do vazamento e medir as dimensões do defeito (Figura 1A).


Em razão do alto risco cirúrgico, optou-se pela correção percutânea do refluxo paraprotético em 30/11/2011. O procedimento foi realizado sob anestesia geral e teve início com a punção da veia femoral direita e da artéria femoral esquerda. Posteriormente, foi realizada a punção transeptal, com auxílio do ecocardiograma, que ajudou a localizar o cateter em posição posterior, no intuito de facilitar o acesso à valva mitral. O refluxo paraprotético foi então localizado pelo ECOTE3D e medido em seu comprimento e diâmetro, para planejamento do número e da dimensão dos dispositivos a serem implantados. Posteriormente, o intervencionista tentou ultrapassar o defeito com auxílio do ECOTE3D. Nesse momento, o auxílio da ecocardiografia foi fundamental, uma vez que a tendência natural do cateter é ultrapassar a prótese pelo seu orifício central. Com a confirmação da cateterização do defeito pelo ECOTE3D, foram introduzidos separadamente dois cateteres terapêuticos e implantadas duas próteses AmplatzerTM Vascular Plug III. O ECOTE3D orientou quanto ao correto posicionamento e liberação das próteses. Ao final, demonstrou-se que o refluxo paraprotético tinha desaparecido completamente (Figura 1B). O procedimento ocorreu sem intercorrências. O paciente foi extubado dentro da sala de hemodinâmica, mantido em observação por cerca de duas horas e encaminhado à enfermaria.

Foi submetido à ecocardiograma transtorácico de controle após dois dias, que demonstrou biopróteses normais e ausência de refluxo mitral. Recebeu alta hospitalar neste mesmo dia.

Discussão

A experiência mundial com a correção percutânea dos refluxos paraprotéticos ainda é pequena. Em uma série de casos publicada em 2008, com 27 pacientes submetidos a implante dos dispositivos percutâneos, 30% apresentaram redução significativa do refluxo paraprotético, sem nenhum óbito ou complicação significativa relacionada ao procedimento4.

Em 2011, Sorajja e colaboradores mostraram os resultados da maior série de casos até o momento. Dos 126 pacientes submetidos à correção percutânea de refluxos paraprotéticos, 76% deixaram a sala de hemodinâmica sem refluxo residual ou com refluxo leve. Neste grupo, durante o seguimento de três anos, a sobrevida livre de necessidade de cirurgia ou de morte cardiovascular foi de 64%, enquanto no grupo com refluxo residual moderado/importante, esta sobrevida foi significativamente menor (31%). Não houve nenhuma morte durante o procedimento, mas três mortes ocorreram nos 30 dias subsequentes, além de dois episódios de acidente vascular cerebral5.

O ECOTE3D desempenha papel essencial como auxiliar do tratamento percutâneo. Antes do procedimento, essa modalidade ecocardiográfica permite confirmar o diagnóstico, a gravidade do defeito e avaliar a probabilidade de sucesso, pela correta localização espacial do refluxo paraprotético, o que é de suma importância, pois nas maiores séries publicadas evidenciou-se que defeitos posteriores apresentam maior taxa de sucesso após procedimento6.

Além disso, o ECO3DTE permite planejar o número e tamanho dos dispositivos a serem implantados, por meio da definição das dimensões e forma do defeito, que só é possível pela imagem tridimensional. Devemos lembrar que, após a liberação dos dispositivos, por conta da possibilidade de embolização, a nova cateterização do orifício é perigosa. Portanto, o intervencionista precisa saber de antemão quantos e quais dispositivos utilizará para conseguir uma oclusão completa.

Durante o procedimento, o ECOTE3D ajuda a guiar o cateter para ultrapassar o defeito, pois a imagem angiográfica bidimensional não permite a localização espacial do vazamento e não assegura ao intervencionista se o cateter está por dentro ou por fora do anel protético. Durante a liberação do dispositivo, há necessidade de monitoração ecocardiográfica, em tempo real, das complicações que podem ocorrer, tais como migração da prótese e compressão de estruturas vizinhas. Por fim, a avaliação do resultado final ainda em sala, por meio da ECOTE3D, facilita o acompanhamento clínico do paciente imediatamente após o implante dos dispositivos de oclusão.

Vale a pena ressaltar que ainda não existem próteses percutâneas com a finalidade específica de correção de refluxos paraprotéticos, que se ajustem à "anatomia irregular" habitualmente encontrada nestes casos. Portanto, o desenvolvimento de dispositivos específicos e que possuam a propriedade de ser bem visíveis ao ecocardiograma certamente proporcionará melhores resultados.

De qualquer forma, a correção percutânea dos refluxos paraprotéticos nos pacientes de alto risco operatório parece ser um método promissor à medida que se adquire experiência com as imagens, com os dispositivos e com a técnica. Cada vez mais os intervencionistas, os ecocardiografistas e os cirurgiões estão aprendendo a trabalhar em conjunto em procedimentos ditos híbridos. Isto parece ser uma tendência mundial, particularmente para as valvopatias.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Le Bihan DCS, Toledo LMG, Barretto RBM, Esteves CA, Assef JE, Sousa AGMR; Obtenção de dados: Le Bihan DCS, Toledo LMG, Barretto RBM, Esteves CA; Análise e interpretação dos dados: Le Bihan DCS, Toledo LMG, Barretto RBM, Esteves CA, Assef JE, Sousa AGMR; Redação do manuscrito: Le Bihan DCS, Toledo LMG, Assef JE; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Le Bihan DCS, Toledo LMG, Assef JE, Sousa AGMR.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 09/07/12, revisado em 27/11/12, aceito em 04/01/13.

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  • 6. Garcia-Fernandez MA, Cortés M, García-Robles JA, Diego JJ, Perez-David E, García E. Utility of real-time three-dimensional transesophageal echocardiography in evaluating the success of percutaneous transcatheter closure of mitral paravalvular leaks. J Am Soc Echocardiogr. 2010;23(1):26-32.
  • Correspondência:

    Leonardo Mello Guimarães de Toledo
    Rua Botucatu, 261, ap 23, Vila Mariana
    São Paulo-SP, CEP 04023-061
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jul 2013
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