Acessibilidade / Reportar erro

Acurácia dos escores GRACE e TIMI na predição da gravidade angiográfica da síndrome coronariana aguda

Resumos

FUNDAMENTO: A acurácia dos escores GRACE e TIMI em predizer a extensão da doença coronariana em pacientes com síndromes coronarianas agudas sem supradesnivelamento do segmento ST (SCA) não está estabelecida. OBJETIVO: Testar a hipótese de que os escores de risco GRACE e TIMI predizem satisfatoriamente a extensão da doença coronariana, em pacientes com SCA submetidos a coronariografia. MÉTODOS: Indivíduos admitidos com critérios objetivos de SCA e que realizaram coronariografia durante o internamento foram consecutivamente analisados. A doença coronariana angiográfica foi descrita de três formas: quantificação da extensão da doença coronariana pelo escore de Gensini; presença de qualquer obstrução coronariana (> 70% ou > 50% quando tronco de coronária esquerda); presença de doença severa (triarterial ou tronco de coronária esquerda). RESULTADOS: Em 112 pacientes avaliados, observou-se correlação positiva do escore de Gensini com os escores GRACE (p = 0,017) e TIMI (p = 0,02), porém essa associação foi de fraca magnitude (r = 0,23 e r = 0,27; respectivamente). O escore GRACE não foi capaz de predizer doença coronariana obstrutiva (área abaixo da curva ROC = 0,57; 95%IC = 0,46 - 0,69), nem doença coronariana severa (ROC = 0,59; 95%IC = 0,48 -0,70). O Escore TIMI se mostrou modesto preditor em relação à presença de doença coronariana (ROC = 0,65; 95%IC = 0,55 - 0,76) e presença de doença severa (ROC = 0,66; 95%IC = 0,56 - 0,76). CONCLUSÃO: (1) Existe associação positiva entre o valor dos escores TIMI ou GRACE e a extensão da doença coronária em pacientes com SCA; (2) No entanto, o grau dessa associação não é suficiente para que esses escores sejam preditores acurados dos resultados da coronariografia.

Síndrome coronariana aguda; pontuação de propensão; angiografia coronariana; vasos coronários


BACKGROUND: The accuracy of the GRACE and TIMI scores in predicting coronary disease extension in patients with non-ST-elevation acute coronary syndromes (ACS) has not been established. OBJECTIVE: To assess the hypothesis that the GRACE and TIMI risk scores satisfactorily predict coronary disease extension in patients withnon-ST-elevation ACS undergoing coronary angiography. METHODS: Individuals meeting the objective criteria for ACS and undergoing coronary angiography during hospitalization were consecutively assessed. Angiographic coronary disease was described as follows: quantification of coronary disease extension by using Gensini score; presence of any coronary artery obstruction (> 70% or > 50% when affecting left main coronary artery); and presence of severe disease (three-vessel disease or affecting the left main coronary artery). RESULTS: Of 112 patients assessed, a positive correlation of the Gensini score was observed with the GRACE (p = 0.017) and TIMI (p = 0.02) scores, but that association was weak (r = 0.23 and r = 0.27; respectively). The GRACE score could predict neither obstructive coronary disease (area under the ROC curve = 0.57; 95% CI = 0.46 - 0.69), nor severe coronary disease (ROC = 0.59; 95% CI = 0.48 - 0.70). The TIMI score proved to be a modest predictor of coronary disease (ROC = 0.65; 95% CI = 0.55 - 0.76) and of severe coronary disease (ROC = 0.66; 95% CI = 0.56 - 0.76). CONCLUSION: (1) There is a positive association between the values of the TIMI or GRACE scores and the extension of coronary artery disease in patients with ACS; (2) however, the degree of that association is not sufficient to make those scores accurate predictors of coronary angiography results.

Acute coronary syndrome; propensity score; coronary angiography; coronary vessels


Acurácia dos escores GRACE e TIMI na predição da gravidade angiográfica da síndrome coronariana aguda

Carolina Esteves Barbosa; Mateus Viana; Mariana Brito; Michael Sabino; Guilherme Garcia; Mayara Maraux; Alexandre Costa Souza; Márcia Noya-Rabelo; J. Péricles Esteves; Luis Cláudio Lemos Correia

Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública; Hospital São Rafael; Hospital Português, Salvador, BA - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luis Cláudio Lemos Correia Av. Princesa Leopoldina, 19/402, Graça CEP 40150-080, Salvador, BA - Brasil E-mail: lccorreia@cardiol.br; lccorreia@terra.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A acurácia dos escores GRACE e TIMI em predizer a extensão da doença coronariana em pacientes com síndromes coronarianas agudas sem supradesnivelamento do segmento ST (SCA) não está estabelecida.

OBJETIVO: Testar a hipótese de que os escores de risco GRACE e TIMI predizem satisfatoriamente a extensão da doença coronariana, em pacientes com SCA submetidos a coronariografia.

MÉTODOS: Indivíduos admitidos com critérios objetivos de SCA e que realizaram coronariografia durante o internamento foram consecutivamente analisados. A doença coronariana angiográfica foi descrita de três formas: quantificação da extensão da doença coronariana pelo escore de Gensini; presença de qualquer obstrução coronariana (> 70% ou > 50% quando tronco de coronária esquerda); presença de doença severa (triarterial ou tronco de coronária esquerda).

RESULTADOS: Em 112 pacientes avaliados, observou-se correlação positiva do escore de Gensini com os escores GRACE (p = 0,017) e TIMI (p = 0,02), porém essa associação foi de fraca magnitude (r = 0,23 e r = 0,27; respectivamente). O escore GRACE não foi capaz de predizer doença coronariana obstrutiva (área abaixo da curva ROC = 0,57; 95%IC = 0,46 - 0,69), nem doença coronariana severa (ROC = 0,59; 95%IC = 0,48 -0,70). O Escore TIMI se mostrou modesto preditor em relação à presença de doença coronariana (ROC = 0,65; 95%IC = 0,55 - 0,76) e presença de doença severa (ROC = 0,66; 95%IC = 0,56 - 0,76).

CONCLUSÃO: (1) Existe associação positiva entre o valor dos escores TIMI ou GRACE e a extensão da doença coronária em pacientes com SCA; (2) No entanto, o grau dessa associação não é suficiente para que esses escores sejam preditores acurados dos resultados da coronariografia.

Palavras-chave: Síndrome coronariana aguda / complicações; pontuação de propensão; angiografia coronariana / utilização; vasos coronários / anatomia & histologia.

Introdução

Indivíduos hospitalizados por síndromes coronarianas agudas sem supradesnivelamento do segmento ST (SCA) possuem amplo espectro de gravidade, que varia de acordo com características clínicas e laboratoriais1. Dessa forma, a estratificação de risco é essencial para adequada decisão clínica, discriminando indivíduos que se beneficiam de estratégias mais agressivas. Está demonstrado que a utilização de modelos multivariados na forma de escores representa o meio mais acurado para predição de risco, superior ao obtido subjetivamente pela impressão clínica2. Os escores TIMI e GRACE são os mais utilizados e com valor prognóstico estabelecido por estudos de coorte prospectiva1,3.

Além da avaliação prognóstica, a predição da extensão anatômica da doença coronariana é potencialmente útil para a decisão clínica. Isso porque a predição de doença obstrutiva (ou severamente obstrutiva) representa mais um critério a favor da realização de coronariografia, pois esse achado antecipa a necessidade de revascularização miocárdica. A esse respeito, alguns trabalhos demonstram associação entre o valor do escore TIMI e o número de artérias acometidas por doença obstrutiva. Por sua vez, nenhum desses estudos faz uma análise de acurácia discriminatória, deixando em aberto a valor diagnóstico desse escore quanto a presença e severidade da doença coronariana4-7. Quanto ao escore GRACE, não há trabalhos que explorem sua associação com anatomia coronariana.

No intuito de testar a hipótese de que os escores de risco TIMI e GRACE são preditores acurados da presença e extensão de doença coronariana obstrutiva, foram analisados pacientes consecutivamente admitidos no Registro de Síndromes Coronarianas Agudas (Resca) que foram submetidos a coronariografia, sem passado de cirurgia de revascularização. A capacidade preditora dos escores foi analisada em relação à medida quantitativa da extensão da doença coronária (escore de Gensini), à presença de qualquer doença coronariana obstrutiva e à presença de doença coronariana obstrutiva de grau severo.

Métodos

Seleção da amostra

Indivíduos consecutivamente admitidos na Unidade Coronária de nosso Hospital entre agosto de 2007 e janeiro de 2009, com diagnóstico de angina instável ou infarto sem supradesnivelamento do segmento ST, foram considerados candidatos ao Resca. O critério de inclusão desse registro é definido por desconforto precordial típico e em repouso, nas últimas 48 horas, associado a pelo menos uma das seguintes características: 1) marcador de necrose miocárdica positivo, definido por troponina T > 0,01 ug/L ou troponina I > 0,034 µg/L,

o que corresponde a valores acima do percentil 998,9; 2) alterações eletrocardiográficas isquêmicas, consistindo de inversão de onda T (> 0,1 mV) ou infradesnivelamento transitório do segmento ST (> 0,05 mV); 3) doença arterial coronariana previamente documentada, definida por história de infarto do miocárdio ou angiografia prévia demonstrando obstrução coronariana > 50%. Para a presente análise, dentre os pacientes incluídos no Resca, foram selecionados aqueles submetidos a coronariografia invasiva durante o internamento.

Escores GRACE e TIMI

Para os cálculos dos escores, foram utilizados dados clínicos da apresentação do paciente no setor de emergência, registros eletrocardiográficos realizados nas primeiras seis horas de atendimento, dosagens de troponina T referentes às primeiras 12 horas de atendimento e o valor da primeira creatinina plasmática. Elevação de marcador de necrose miocárdica como componente dos escores foi definida como troponina T > 0,01 ug/L ou troponina I > 0,034 µg/L, ou seja, acima do percentil 998,9. A classificação de Killip10 foi também aplicada aos pacientes com angina instável a fim de que o escore GRACE fosse calculado.

Foram utilizados os critérios previamente definidos nos respectivos trabalhos de validação dos escores. Resumidamente, o Escore de Risco TIMI consiste de sete variáveis, todas dicotômicas. A presença de cada variável adiciona um ponto ao escore total, que varia de zero a sete. Essas variáveis são relacionadas à apresentação clínica da síndrome coronariana aguda (infradesnivelamento do segmento ST, elevação de marcador de necrose miocárdica, > 1 episódio de angina em 24 horas) ou a características prévias dos pacientes (idade > 65 anos, uso de aspirina, obstrução coronariana > 50%, > 3 fatores de risco para doença aterosclerótica)1.

O escore GRACE consiste de oito variáveis: cinco delas computadas de forma semiquantitativa, ou seja, diferente peso para cada estrato de idade, pressão arterial sistólica, frequência cardíaca, creatinina plasmática e classe de Killip; três delas computadas de forma dicotômica (infradesnivelamento do segmento ST, elevação de marcador de necrose miocárdica, parada cardíaca na admissão). O escore final pode variar de 0 a 3723.

Avaliação da extensão da doença coronariana

A anatomia coronariana foi analisada por um único hemodinamicista experiente, que definiu a extensão da doença coronariana de duas formas: quantitativa e categórica. A análise quantitativa foi realizada pelo escore de Gensini11,12. Resumidamente, esse escore avalia 28 segmentos coronários, que são pontuados de acordo com a sua importância anatômica (variando de 0,5 a 5) multiplicada pela pontuação referente ao grau máximo de obstrução (0-25% = 2; 26%-50% = 4; 51%-75% = 8; 76%-90% =16; 91%-99% = 32; 100% = 64 pontos). A pontuação dos 28 segmentos é somada, resultando no escore final.

Do ponto de vista categórico, a anatomia foi definida de duas formas: presença de doença coronariana obstrutiva (qualquer obstrução > 70% ou > 50% se em tronco de coronária esquerda); presença de doença coronariana severa (obstrução > 70% em descendente anterior, circunflexa e coronária direita, caracterizando padrão triarterial ou obstrução > 50% no tronco da coronária esquerda).

Análise dos dados

Considerando que o escore de Gensini apresentou distribuição não normal (teste de Kolmogorov-Smirnov), as análises estatísticas foram prioritariamente não paramétricas. No intuito de avaliar a associação entre escores de risco (GRACE ou TIMI) e extensão da doença coronariana, algumas análises foram utilizadas. Primeiro, a associação linear de cada escore de risco com o escore de Gensini foi avaliada por correlação de Spearman, enquanto regressão linear foi utilizada para demonstrar a força de influência do valor dos escores GRACE ou TIMI na extensão da doença coronária. Segundo, teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para comparar os valores do escore de Gensini entre os grupos divididos de acordo com os tercis dos escores de risco. Terceiro, curva receiver-operating characteristics (ROC) foi utilizada para testar a acurácia preditora dos escores de risco em relação à presença de doença coronária e de doença coronária severa. Predição significativa ocorreu quando a área abaixo da curva foi estatisticamente diferente de 0,5.

Foi estimado o tamanho amostral necessário para as análises de correlação e a descrição das áreas abaixo da curva ROC. Para a primeira análise, considerando um coeficiente de correlação mínimo de 0,25 e alfa de 0,05, um tamanho amostral de 96 pacientes seria suficiente para proporcionar um poder estatístico de 80% na rejeição da hipótese nula de ausência de correlação. Na segunda análise, antevendo uma área abaixo da curva ROC de 0,65, seriam necessários 100 pacientes (30 sem doença e 70 sem doença obstrutiva ou 70 sem doença severa e 30 com doença severa) para proporcionar uma precisão de ± 0,12 no intervalo de confiança da curva ROC, o que seria suficiente para rejeitar a hipótese nula de área de 0,50.

Os escores foram descritos em mediana e intervalo interquartil (IIQ) e significância estatística foi definida por p < 0,05. SPSS Statistical Software (Versão 9.0, SPSS Inc., Chicago, Illinois, USA) foi utilizada para análise dos dados.

Resultados

Características da amostra

Durante o período do estudo, 241 pacientes foram admitidos no Resca. Desses, 76 não realizaram coronariografia durante o internamento e 53 tinham cirurgia de revascularização miocárdica prévia. Dessa forma, foram estudados 112 pacientes para o objetivo do presente estudo, idade 70 ± 12 anos, 51% do sexo masculino, 63% com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM) sem supradesnivelamento do segmento ST e os demais com angina instável. A mediana do escore GRACE foi de 115 (IIQ 91 - 141), enquanto o escore TIMI apresentou mediana de 3 (IIQ 2 - 4), indicando uma distribuição simétrica dos indivíduos entre as faixas de baixo, intermediário e alto risco. Classificação de Killip > 1 e disfunção sistólica pelo menos moderada (fração de ejeção < 45%) estiveram presentes em apenas 11% e 12% dos pacientes, respectivamente. Demais características clínicas estão demonstradas na Tabela 1.

Na análise da coronariografia, 71% dos pacientes apresentavam pelo menos uma obstrução coronária > 70%. Doença coronariana severa (triarterial ou tronco de coronária esquerda) esteve presente em 32% da amostra, biarterial em 18%, uniarterial em 21% e os 29% restantes não tinham doença coronária obstrutiva. O escore angiográfico de Gensini apresentou mediana de 103 (IIQ 65 - 155) e distribuição não normal (p < 0,001).

Predição da anatomia coronariana pelo escore GRACE

Houve associação linear positiva entre o escore GRACE e o escore de Gensini, representada pela fórmula de regressão Gensini = 48 + 0,65 x GRACE (p = 0,001). Embora essa relação seja estatisticamente significante, o coeficiente de correlação de Spearman indicou fraco grau de associação (r = 0,23; p = 0,017) - Figura 1A.


O escore de Gensini apresentou mediana de 85 (IIQ = 60 - 128) no primeiro tercil do Escore GRACE, mediana de 89 (67 - 167) no segundo tercil, comparados a mediana de 132 (78 - 187) no terceiro tercil. Essa tendência a maior extensão do doença coronariana de acordo com tercis do GRACE não alcançou significância estatística (p = 0,099) - Figura 1B.

Apesar das tendências acima descritas, o escore GRACE não apresentou capacidade discriminatória entre pacientes com ou sem doença coronariana obstrutiva, tendo área abaixo da curva ROC de 0,57 (95% IC = 0,46 - 0,69; p = 0,22) - Figura 1C. A prevalência de doença obstrutiva foi semelhante entre os primeiro, segundo e terceiro tercis do GRACE (respectivamente, 66%, 71%, 77%; p = 0,58). O escore GRACE também não foi capaz de discriminar pacientes com ou sem doença coronariana severa (tronco de coronária esquerda ou triarterial) - área abaixo da curva ROC de 0,59 (95% IC = 0,48- 0,70; p = 0,13) - Figura 1D. A prevalência de doença coronariana severa não diferiu significativamente entre os três tercis do GRACE (respectivamente, 25%, 33%, 37%; p = 0,56).

Predição da anatomia coronariana pelo escore TIMI

Houve associação linear positiva entre o escore TIMI e o escore de Gensini, representada pela fórmula de regressão Gensini = 79 + 16 x TIMI (p = 0,009). Embora essa relação seja estatisticamente significante, o coeficiente de correlação de Spearman indicou fraco grau de associação (r = 0,28; p = 0,003) - Figura 2A.


O escore de Gensini apresentou mediana de 78 (IIQ = 62 - 117) no primeiro tercil do escore TIMI, mediana de 107 (62 - 188) no segundo tercil, comparados a mediana de 120 (95 - 166) no terceiro tercil (p = 0,024) - Figura 2B.

O escore TIMI apresentou capacidade discriminatória entre pacientes com ou sem doença coronariana obstrutiva, porém de caráter modesto, com área abaixo da curva ROC = 0,65 (95% IC = 0,55 - 0,76; p = 0,01) - Figura 2C. A prevalência de doença coronariana obstrutiva apresentou tendência a aumento de acordo com tercis ascendentes do TIMI (61%, 69%, 86%; p = 0,056). Da mesma foram, o escore TIMI discriminou modestamente pacientes com ou sem doença coronária severa (tronco de coronária esquerda ou triarterial) - área abaixo da curva ROC de 0,66; 95% IC = 0,56 - 0,76; p = 0,008 - Figura 2D. Essa modesta capacidade discriminatória se refletiu em menor prevalência de doença severa no primeiro tercil do GRACE quando comparado aos dois tercis superiores (15%, 44%, 40%, respectivamente; p = 0,10).

Discussão

O presente estudo não confirma a hipótese inicial de que os escores TIMI e GRACE predizem de forma acurada a presença e extensão anatômica da doença coronária em pacientes com SCA.

Neste trabalho, a anatomia coronariana foi descrita como variável quantitativa (escore de Gensini) e como variável categórica (presença de doença obstrutiva ou doença severa). No primeiro caso, houve correlação estatisticamente significante da anatomia com ambos os escores. Essa tendência é confirmada pelo gradiente dose-resposta entre os tercis dos escores e o valor do escore de Gensini, estatisticamente significante no caso do TIMI e limítrofe no caso do GRACE. Essas análises sugerem que a informação prognóstica contida nos escores é parcialmente mediada pela extensão da anatomia coronária.

Quando, entretanto, é feita a análise da força de associação desses escores com a anatomia coronariana, os resultados vão em outra direção. Primeiro, a fraca correlação (r < 0,30) com o escore de Gensini demonstra que a calibração dos escores prognósticos para predizer anatomia coronariana é pequena. Ou seja, utilizando a fórmula de regressão para extensão da doença coronariana, é grande a diferença entre o valor predito e o valor observado do escore de Gensini. Segundo, há uma razoável superposição dos IIQ do escore de Gensini entre os tercis do GRACE ou TIMI. Terceiro, a área abaixo da curva ROC do escore GRACE não é estatisticamente significante e a do escore TIMI, embora estatisticamente significante, revela modesta acurácia na discriminação de pacientes com doença obstrutiva ou com doença severa (área < 0,70). Esses dados indicam que os escores prognósticos não exercem um bom papel como modelos preditores de anatomia coronária.

Sabe-se que prognóstico da doença coronariana é diretamente influenciado pela extensão do acometimento arterial12. Como explicar então que modelos prognósticos não são bons modelos preditores da anatomia? A resposta para essa questão vem do fato de que a extensão anatômica da doença representa apenas um dos vários determinantes de gravidade em um modelo multivariado complexo, típico da maioria dos sistemas biológicos. Ou seja, o prognóstico não depende apenas da anatomia. Sendo assim, esses escores podem ser capazes de predizer risco, sem necessariamente predizer anatomia na mesma proporção. Por exemplo, mesmo uniarterial, um paciente pode apresentar um infarto com grave disfunção ventricular esquerda se houver comprometimento proximal da descendente anterior provocando isquemia severa de grande extensão. A gravidade desse paciente se refletiria nas variáveis hemodinâmicas, eletrocardiográficas, marcadores de necrose que constituem esses escores.

O escore GRACE tem superior valor prognóstico quando comparado ao escore TIMI em diferentes trabalhos2,5,13. Paradoxalmente, o TIMI demonstrou melhor predição da anatomia. Esse achado pode ser explicado pelo fato de o escore TIMI considerar algumas variáveis especificamente relacionadas à existência de doença coronariana1. Por exemplo, umas das variáveis do TIMI é exatamente o conhecimento prévio de que o paciente tem doença coronariana obstrutiva; além disso, uso prévio de aspirina e número de fatores de risco, variáveis exclusivas do TIMI, marcam doença coronária mais extensa.

As implicações práticas dos resultados encontrados devem ser discutidas. Os dois escores são comumente utilizados na decisão clínica de pacientes com SCA, no intuito de definir a agressividade do tratamento antitrombótico e a estratégia de estratificação, invasiva ou seletiva14,15. Essa utilidade é embasada no valor prognóstico estabelecido desses escores e na relação do risco basal com a magnitude de benefício de certas estratégias. Importante salientar que nossos resultados não contradizem o valor dos escores na decisão clínica. Contudo, devemos reconhecer que a utilidade desses seria maior se fossem capazes de predizer anatomia. Isso porque a estratégia invasiva, aplicada a pacientes de risco médio a alto de acordo com os escores, se completa com um procedimento de revascularização da artéria culpada. Se os escores fossem capazes de identificar melhor a presença de doença obstrutiva, identificariam pacientes cuja estratégia invasiva seja mais útil. Outro exemplo de utilidade seria a predição de pacientes com doença extensa, prevenindo a administração de certos antiplaquetários que aumentassem o risco de sangramento de uma eventual cirurgia precoce.

Quanto à originalidade, este é o primeiro estudo que descreve a associação do escore GRACE com anatomia coronariana. Em relação ao escore TIMI, há quatro trabalhos que avaliaram essa questão4-7. Todos descrevem uma associação positiva entre o valor do escore e a extensão da doença coronariana. No entanto, sabemos que associação não é suficiente para garantir acurácia. Essa deve ser avaliada por testes de calibração e capacidade discriminatória entre doentes versus saudáveis (ou doença severa versus não severa). Sendo nosso trabalho o único a fazer esse tipo de análise, nossa conclusão foi contrária ao valor do escore TIMI em predizer anatomia, diferente dos trabalhos prévios que se limitaram a demonstrar a presença de associação entre o escore TIMI e número de artérias acometidas. Nossos dados confirmam a associação com extensão da doença, porém demonstram que essa é insuficiente para promover uma acurácia satisfatória. Além disso, dentre os estudos citados, fomos os primeiros a mensurar a extensão da doença coronária de forma quantitativa, pelo escore de Gensini.

Devemos reconhecer as limitações do presente estudo. Em primeiro lugar, o viés de seleção em relação à população-alvo que representa o foco de nossa questão, indivíduos com síndromes coronarianas agudas sem supradesnivelamento do segmento ST. Idealmente deveríamos avaliar toda a amostra de pacientes com critérios diagnósticos dessa condição clínica. Porém, apenas 60% dos indivíduos sem cirurgia prévia realizaram coronariografia, limitando a amostra do estudo. Embora tal característica seja inerente à maioria dos estudos de anatomia coronariana, essa pode provocar um viés na avaliação da acurácia dos escores de risco quanto à anatomia. Na prática, pacientes com escores baixos tendem ser menos submetidos a coronariografia. Esse viés reduz a especificidade do escore de risco em reconhecer pacientes sem doença coronariana obstrutiva. Ou seja, possivelmente esses escores reconheceriam certo número de pacientes como não portadores de doença obstrutiva ou de doença severa, porém esses não foram computados na análise, pois o padrão de referência (coronariografia) não foi realizado. Por outro lado, a sensibilidade pode estar superestimada, pois o grupo de pacientes que realizaram coronariografia tende a ter maior frequência de valores altos dos escores. Esse fenômeno é denominado viés de verificação16. Por esse motivo, evitamos descrever especificamente sensibilidade e especificidade, optando pela análise da área abaixo da curva ROC, o que representa uma análise combinadas dessas duas propriedades diagnósticas17.

Nossa segunda limitação é o tamanho amostral relativamente pequeno. Essa característica foi parcialmente resolvida pela abordagem de análise dos dados. Primeiro, a descrição da doença coronária sob a forma quantitativa (escore de Gensini) permitiu poder estatístico suficiente para análise de correlação. Segundo, na descrição da área abaixo da curva ROC, o tamanho amostral foi suficiente para garantir precisão satisfatória. Mesmo assim, devemos reconhecer que estudos futuros com maior número de pacientes fornecerão maior precisão às nossas estimativas.

Em conclusão, o presente estudo sugere que os escores TIMI e GRACE não são ferramentas acuradas para predição da extensão da doença coronariana em pacientes com síndromes coronarianas agudas sem supradesnivelamento do segmento ST. A utilidade desses escores no raciocínio clínico deve se limitar à estimativa da probabilidade de eventos cardiovasculares recorrentes.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado por Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (FAPESB).

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de mestrado de Carolina Esteves Barbosa pela Escola Bahiana de Medicina.

Artigo recebido em 16/11/11

Revisado em 16/11/11

Aceito em 05/04/12

  • 1. Antman EM, Cohen M, Bernink PJ, McCabe CH, Horacek T, Papuchis G, et al. The TIMI risk score for unstable angina/non-ST elevation MI: a method for prognostication and therapeutic decision making. JAMA. 2000;284(7):835-42.
  • 2. Yan AT, Yan RT, Tan M, Casanova A, Labinaz M, Sridhar K, et al. Risk scores for risk stratification in acute coronary syndromes: useful but simpler is not necessarily better. Eur Heart J. 2007;28(9):1072-8.
  • 3. Granger CB, Goldberg RJ, Dabbous O, Pieper KS, Eagle KA, Cannon CP, et al.; Global Registry of Acute Coronary Events Investigators. Predictors of hospital mortality in the global registry of acute coronary events. Arch Intern Med. 2003;163(19):2345-53.
  • 4. Lakhani MS, Qadir F, Hanif B, Farooq S, Khan M. Correlation of thrombolysis in myocardial infarction (TIMI) risk score with extent of coronary artery disease in patients with acute coronary syndrome. J Pak Med Assoc. 2010;60(3):197-200.
  • 5. Mega JL, Morrow DA, Sabatine MS, Zhao XQ, Snapinn SM, DiBattiste PM, et al. Correlation between the TIMI risk score and high-risk angiographic findings in non-st-elevation acute coronary syndromes: observations from the Platelet Receptor Inhibition in Ischemic Syndrome Management in Patients Limited by Unstable Signs and Symptoms (PRISM-PLUS) trial. Am Heart J. 2005;149(5):846-50.
  • 6. Garcia S, Canoniero M, Peter A, de Marchena E, Ferreira A. Correlation of TIMI risk score with angiographic severity and extent of coronary artery disease in patients with non-ST-elevation acute coronary syndromes. Am J Cardiol. 2004;93(7):813-6.
  • 7. Ben Salem H, Ouali S, Hammas S, Bougmiza I, Gribaa R, Ghannem K, et al. [Correlation of TIMI risk score with angiographic extent and severity of coronary artery disease in non-ST-elevation acute coronary syndromes]. Ann Cardiol Angeiol (Paris). 2011;60(2):87-91.
  • 8. Apple FS, Pearce LA, Smith SW, Kaczmarek JM, Murakami MM. Role of monitoring changes in sensitive cardiac troponin I assay results for early diagnosis of myocardial infarction and prediction of risk of adverse events. Clin Chem. 2009;55(5):930-7.
  • 9. Apple FS, Quist HE, Doyle PJ, Otto AP, Murakami MM. Plasma 99th percentile reference limits for cardiac troponin and creatine kinase MB mass for use with European Society of Cardiology/American College of Cardiology consensus recommendations. Clin Chem. 2003;49(8):1331-6.
  • 10. Khot UN, Jia G, Moliterno DJ, Lincoff AM, Khot MB, Harrington RA, et al. Prognostic importance of physical examination for heart failure in non-ST-elevation acute coronary syndromes: the enduring value of Killip classification. JAMA. 2003;290(16):2174-81.
  • 11. Huang G, Zhao JL, Du H, Lan XB, Yin YH. Coronary score adds prognostic information for patients with acute coronary syndrome. Circ J. 2010;74(3):490-5.
  • 12. Ringqvist I, Fisher LD, Mock M, Davis KB, Wedel H, Chaitman BR, et al. Prognostic value of angiographic indices of coronary artery disease from the Coronary Artery Surgery Study (CASS). J Clin Invest. 1983;71(6):1854-66.
  • 13. Correia LC, Freitas R, Bittencourt AP, Souza AC, Almeida MC, Leal J, et al. [Prognostic value of GRACE scores versus TIMI score in acute coronary syndromes]. Arq Bras Cardiol. 2010;94(5):613-9.
  • 14. Anderson JL, Adams CD, Antman EM, Bridges CR, Califf RM, Casey DE Jr, et al. 2011 ACCF/AHA Focused Update Incorporated Into the ACC/AHA 2007 Guidelines for the Management of Patients With Unstable Angina/Non-ST-Elevation Myocardial Infarction: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2011;123(18):e426-579.
  • 15. Hamm CW, Bassand JP, Agewall S, Bax J, Boersma E, Bueno H, et al. ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST-segment elevation: The Task Force for the management of acute coronary syndromes (ACS) in patients presenting without persistent ST-segment elevation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2011;32(23):2999-3054.
  • 16. Whiting PF, Rutjes AW, Westwood ME, Mallett S, Deeks JJ, Reitsma JB, et al. QUADAS-2: a revised tool for the quality assessment of diagnostic accuracy studies. Ann Intern Med. 2011;155(8):529-36.
  • 17. Obuchowski NA. Receiver operating characteristic curves and their use in radiology. Radiology. 2003;229(1):3-8
  • Endereço para correspondência:
    Luis Cláudio Lemos Correia
    Av. Princesa Leopoldina, 19/402, Graça
    CEP 40150-080, Salvador, BA - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      16 Nov 2011
    • Aceito
      05 Abr 2012
    • Revisado
      16 Nov 2011
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br