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Oclusão de comunicação interventricular pós-infarto com prótese percutânea CERA

Infarto do miocárdio; comunicação interventricular; comunicação interventricular; dispositivo para oclusão septal

RELATO DE CASO

Oclusão de comunicação interventricular pós-infarto com prótese percutânea CERA

Henrique Barbosa Ribeiro; Luciano Moreira Baracioli; Luiz Junya Kajita; Martina Battistini Pinheiro; Expedito E. Ribeiro; José Carlos Nicolau

Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Brasil

Correspondência Correspondência: Henrique Barbosa Ribeiro Rua Cônego Eugenio Leite, 866 / 43, Cerqueira César CEP 05414-001, São Paulo, SP - Brasil E-mail: hbribeiro@cardiol.br, henrique37@terra.com.br

Palavras-chave: Infarto do miocárdio; comunicação interventricular / mortalidade; comunicação interventricular / cirurgia; dispositivo para oclusão septal.

Introdução

A Comunicação Interventricular (CIV) que ocorre após o Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) é um evento raro, com incidência relatada na literatura de 0,2% a 0,34% dos casos1. O tratamento de escolha é a correção cirúrgica, e, caso não seja realizada precocemente, com o devido suporte (em especial do implante do balão intra-aórtico nos casos de choque cardiogênico2,3), a doença apresenta mortalidade acima de 90%1,3,4.

Por sua vez, o tratamento cirúrgico adequado da CIV ainda resulta em altas taxas de mortalidade, que variam nas séries atuais de 20% a 87%4.

Mais recentemente, tem sido proposto como método alternativo, menos invasivo que a cirurgia, o fechamento da CIV após o IAM com técnica percutânea por dispositivos de oclusão3,5. Na maioria dos relatos e séries de casos na literatura avaliando sua utilização no contexto do IAM utilizou-se a prótese de Amplatzer® (AGA Medical Corporation, Plymouth, MN, USA)3,5. Atualmente, outras próteses são disponíveis, como a prótese CERA, feita de nitinol com recobrimento de camadas de cerâmica e malha de ePTFE. Nesse sentido, relatamos o primeiro caso de fechamento percutâneo de CIV pós-IAM realizado em nosso país com a utilização dessa prótese.

Relato do Caso

Paciente masculino, 55 anos, branco, previamente hipertenso, dislipidêmico e tabagista (40 anos/maço). Iniciou quadro de dor torácica ao repouso e pequenos esforços, de início recente (cinco semanas), associado a dispneia. Radiografia de tórax demonstrou aumento da área cardíaca, sendo encaminhado para estudo ecocardiográfico, que evidenciou fração de ejeção (FEVE) = 65%, apesar de acinesia da parede ântero-septal. Foi otimizado o tratamento clínico e solicitada cintilografia de perfusão miocárdica com estresse farmacológico, que demonstrou hipocaptação persistente em parede inferior (porção apical) e em parede ântero-septal, com discreto componente de transitoriedade, além de FEVE de 40%.

Diante desses exames, foi realizada cineangiocoronariografia, que demonstrou a artéria Descendente Anterior (DA) ocluída no terço médio, recebendo circulação colateral grau I da artéria Coronária Direita (CD); artéria circunflexa com obstrução de 70% em seu terço distal; CD sem lesões obstrutivas. Na ventriculografia esquerda, além de hipocontratilidade moderada anterior e acinesia ântero-septal, foi visualizada CIV muscular próxima ao ápice ventricular (Figura 1). Nesse mesmo dia, novo ecocardiograma confirmou a CIV muscular com cerca de 5 mm e shunt E/D.


Paciente foi então encaminhado para nosso serviço, duas semanas após o diagnóstico da CIV, mantendo algum grau de dispneia (NYHA CF II). Promovemos uma discussão (clínico, hemodinamicista e cirurgião cardíaco) e, diante da não indicação de revascularização miocárdica (leito distal de DA muito fino) e anatomia da CIV favorável para fechamento percutâneo (CIV muscular, próxima ao ápice cardíaco, com cerca 5 mm de diâmetro e bordas > 5 mm), optamos pela correção da CIV com a utilização de prótese percutânea.

O procedimento de fechamento da CIV foi realizado com sucesso, através de implante de prótese CERA tipo muscular nº 10 guiado por ecocardiograma transtorácico e angiografia. Esse dispositivo para CIV muscular é feito de malha de fios ultrafinos de nitinol com retalhos de poliéster na porção interna (ePTFE)6, composta de dois discos conectados por cintura central de comprimento de 7 mm (Figura 2). Além disso, hastes da prótese, parafuso e ponta são revestidos por nanoestruturas de cerâmica, que evitam o contato direto do nitinol (que contém níquel) com o sangue. Essa prótese é autoexpansível e autocentrável, sendo implantada por sistema de baixo perfil que permite resgatá-la e reposicioná-la em qualquer momento até sua liberação final do cabo liberador (Figura 2). Todos esses dispositivos possuem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).


Não houve intercorrências durante o procedimento, e a ventriculografia de controle não evidenciou shunt residual (Figura 1). O paciente evoluiu assintomático após o procedimento, recebendo alta hospitalar em 48 horas. No seguimento de nove meses, o paciente encontra-se assintomático, com melhora importante de classe funcional (NYHA CF I), e o ecocardiograma de controle demonstrou FEVE normal sem evidência de shunt residual.

Discussão

Relatamos o caso de CIV pós-IAM fechada por via percutânea com prótese CERA, tendo o paciente apresentado boa evolução clínica imediata e no seguimento de nove meses. A CIV que ocorre após o IAM é um evento com alta morbimortalidade, especialmente nos pacientes que evoluem com choque cardiogênico e naqueles não submetidos ao fechamento cirúrgico do defeito1,3,4. Entretanto, esse tipo de tratamento ainda apresenta índices de sucesso aquém do ideal, especialmente quando realizado em pacientes com alto risco operatório e/ou anatomia desfavorável4.

Apesar de o tratamento cirúrgico ainda ser considerado o tratamento de escolha para correção da CIV pós-IAM2, temos o fato de que os ramos septais são expostos ao estresse de cisalhamento e remoção de tecidos necróticos, precocemente após a ocorrência da CIV, o que pode resultar em subsequente expansão abrupta do defeito, com consequente shunt residual. Obviamente, os resultados cirúrgicos são melhores quando se espera a cicatrização do IAM (quatro a seis semanas)3,5,7, mas essas constatações apenas caracterizam um viés de seleção (casos mais graves falecem mais precocemente), sendo recomendação oficial de todas as diretrizes atuais sobre o assunto a correção do defeito o mais rapidamente possível após o diagnóstico2.

Desde a introdução do fechamento percutâneo da CIV7, diversas séries têm sido relatadas, sendo inicialmente utilizada apenas para pacientes com CIV em fase subaguda ou crônica, ou para pacientes com shunt residual pós-operatório5. Posteriormente, Thiele e cols.3 publicaram a primeira experiência com o procedimento realizado em pacientes agudos e em choque cardiogênico, com taxa de sobrevida aos 30 dias de 35%, chegando a 12% naqueles em choque cardiogênico (p < 0,001). Além disso, 41% dos pacientes apresentavam shunt residual, ruptura ventricular esquerda ou embolização do dispositivo no seguimento.

A maioria dos relatos e séries de casos na literatura avaliando o fechamento percutâneo da CIV no contexto do IAM utilizou a prótese de Amplatzer® (AGA Medical Corporation, Plymouth, MN, USA)3,5. Contudo, atualmente diversas outras próteses têm sido testadas como alternativas s próteses de Amplatzer® para o fechamento de defeitos septais, entre elas a CERA, cujas características já foram descritas previamente. Importante reforçar que tais características evitam o contato direto do nitinol com o sangue, promovem o crescimento tecidual e reduzem o risco de formação de trombos6.

No presente caso, o defeito era pequeno (5 mm) e localizado na região muscular, havendo descrição de fechamento espontâneo de CIV pós-IAM com tais características8. Entretanto, nosso paciente já estava com cerca de cinco a seis semanas de evolução do IAM e apresentava uma evolução clínica desfavorável, com piora progressiva dos sintomas; a opção pela correção do defeito resultou em total remissão dos sintomas.

Conclusão

Conclui-se que, apesar do tratamento cirúrgico continuar sendo o tratamento de escolha em pacientes com CIV pós-IAM, o procedimento percutâneo pode ser uma opção, especialmente em pacientes com muito alto risco operatório e/ou anatomia desfavorável para cirurgia.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 06/07/11

Revisado em 17/08/11

Aceito em 22/08/11

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  • Correspondência:
    Henrique Barbosa Ribeiro
    Rua Cônego Eugenio Leite, 866 / 43, Cerqueira César
    CEP 05414-001, São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Jul 2012

    Histórico

    • Recebido
      06 Jul 2011
    • Aceito
      22 Ago 2011
    • Revisado
      17 Ago 2011
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