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Caso 1/2011: adolescente de 15 anos de idade, do sexo masculino, com insuficiência tricúspide congênita que simulava anomalia de Ebstein

CORRELAÇÃO CLÍNICO-RADIOGRÁFICA

Caso 1/2011 - adolescente de 15 anos de idade, do sexo masculino, com insuficiência tricúspide congênita que simulava anomalia de Ebstein

Edmar Atik

Clínica Privada do Dr. Edmar Atik

Correspondência Correspondência: Edmar Atik Rua Dona Adma Jafet, 74 conj. 73 - Bela Vista 01308-050 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: eatik@cardiol.br, conatik@incor.usp.br

Palavras-chave: Cardiopatias congênitas, anomalia de Ebstein, insuficiência da valva tricúspide, disfunção ventricular direita.

Aspectos clínicos

Desde o nascimento, era conhecida a presença da insuficiência tricúspide por suposta anomalia de Ebstein, exteriorizada por sopro cardíaco auscultado nas primeiras horas de vida. Ao longo do tempo, o paciente permaneceu com cansaço discreto a grandes esforços e sem medicação específica, tendo desenvolvimentoido pôndero-estatural normal. Há 06 meses, devido ao aumento progressivo das cavidades cardíacas direitas e também ao achado de disfunção ventricular direita pela ressonância nuclear magnética, considerou-se a necessidade da correção operatória do defeito.

Em exame físico, o paciente apresentou bom estado geral, eupneico, corado, pulsos normais, com peso de 72 kg e altura de 1,73 m. A PA estava em 110/80 mmHg e a FC em 82 bpm. A aorta não foi palpada na fúrcula. Precórdio: impulsões sistólicas discretas na borda esternal esquerda e ictus cordis difuso no 4º e 5º espaços intercostais esquerdos. As bulhas eram normofonéticas e auscultava-se sopro sistólico e diastólico, +/++ de intensidade, rudes, nos 3º e 4º espaços intercostais esquerdos na borda esternal com irradiação para a área mitral e borda esternal direita. O fígado não era palpado.

Exames complementares

Eletrocardiograma - desde o nascimento, mostrava sinais de bloqueio completo do ramo direito com duração de QRS de 0,14".

Radiografia de tórax - mostra acentuado aumento da área cardíaca à custa das cavidades direitas, arco médio escavado e trama vascular pulmonar diminuída (Figura 1).


Ecocardiograma - mostrava acentuada regurgitação tricúspide e aumento das cavidades direitas. Havia dilatação pronunciada do anel tricúspide e acolamento da válvula septal no septo ventricular, com discreta mobilidade, orientando portanto para o diagnóstico da anomalia de Ebstein. A cavidade de ventrículo direito correspondia a 54 mm, a do ventrículo esquerdo a 36 mm e a função ventricular direita pelo método de Simpson era de 44,0%. Ao longo do tempo, notou-se dilatação progressiva do ventrículo direito de 25 mm de diâmetro com 14 meses, e de 54 mm aos 15 anos de idade. Nesses períodos, o ventrículo esquerdo conservou o mesmo diâmetro de 37 mm (Figura 2).


Ressonância nuclear magnética - confirmou o mesmo diagnóstico com acentuado aumento das cavidades direitas e disfunção do ventrículo direito.

Diagnóstico

Anomalia de Ebstein com acentuada insuficiência tricúspide e disfunção de ventrículo direito, em paciente pouco sintomático.

Raciocínio clínico

O diagnóstico da insuficiência tricúspide foi facilmente estabelecido e a anomalia de Ebstein sugerida desde o início pela ecocardiografia. No entanto, essa imagem pode ser confundida e critérios mais rigorosos e precisos devem ser evocados.

Diagnóstico diferencial

Confundida com a anomalia de Ebstein pelo ecocardiograma, qualquer outra alteração da valva tricúspide, congênita ou adquirida, poderia se exteriorizar clinicamente da mesma maneira e com as mesmas implicações em relação à conduta estabelecida.

Conduta

A correção operatória do defeito foi considerada em vista da progressão das alterações decorrentes da insuficiência tricúspide crônica, desde o nascimento, e com disfunção do ventrículo direito.

À operação, a valva tricúspide era trivalvulada, mas com displasia acentuada. As válvulas eram afiladas e a válvula septal não estava acolada no septo ventricular, mas retificada em face da dilatação acentuada do anel tricúspide e com ventrículo direito muito dilatado. Afastado o diagnóstico de anomalia de Ebstein, as válvulas anterior e posterior foram retiradas e substituídas por prótese biológica número 31, em circulação extracorpórea a 28º C.

A evolução imediata foi complicada por fibrilo-flutter no 1º e 2º dias pós-operatórios, controlada com amiodarona e reversão elétrica por duas vezes. Houve desaparecimento do sopro cardíaco e os exames complementares exibiam ainda os mesmos aspectos do pré-operatório.

Considerações

A válvula septal da tricúspide com mobilidade reduzida e retificada falseava a impressão diagnóstica presuntiva da anomalia de Ebstein. O verdadeiro diagnóstico anatômico, estabelecido à operação, descartou tal anomalia como causa da insuficiência tricúspide, presente desde o nascimento. A malformação tricúspide vista à operação é raramente encontrada na especialidade pediátrica, mas se comporta como qualquer causa de insuficiência tricúspide congênita com boa tolerância evolutiva, haja vista que o paciente era pouco sintomático, apesar da magnitude do defeito. Nessa anomalia, importa estabelecer conduta operatória em época oportuna a fim de impedir a evolução desfavorável, o que acontece quando o ventrículo direito mostra sinais de deterioração acentuada da função. Por isso, hoje, reconhece-se como ideal que a intervenção cirúrgica seja realizada antes do aparecimento de qualquer disfunção ventricular. Por fim, é importante lembrar que os índices proibitivos e de mau prognóstico referem-se a valores superiores a 180 ml/m2 e a 80 ml/m2 dos volumes diastólico e sistólico de ventrículo direito.

Artigo recebido em 29/07/10; revisado recebido em 14/12/10; aceito em 14/12/10.

  • Correspondência:

    Edmar Atik
    Rua Dona Adma Jafet, 74 conj. 73 - Bela Vista
    01308-050 - São Paulo, SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Jan 2011
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