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Terapia de ressincronização cardíaca: há algo de novo no front?

EDITORIAL

Terapia de ressincronização cardíaca: há algo de novo no front?

Ana Clara Tude Rodrigues

Instituto do Coração (InCor) - HC- FMUSP - Departamento de Ecocardiografia, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Ana Clara Tude Rodrigues Ecocardiografia - InRad - HC- FMUSP Av. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 Cerqueira César - 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil E-mail: claratude@yahoo.com

Palavras-chave: Estimulação cardíaca artificial/utilização/tendências.

A terapia de ressincronização cardíaca (TRC) está bem estabelecida como uma alternativa eficaz para o tratamento da insuficiência cardíaca refratária, com diversos estudos mostrando diminuição na mortalidade, melhora da qualidade de vida, sintomatologia e remodelamento cardíaco.

No entanto, em função principalmente do custo elevado e da falência terapêutica em cerca de um terço dos pacientes submetidos a essa intervenção, várias estratégias têm sido dirigidas no sentido de identificar pacientes que possam melhor se beneficiar desse procedimento. Da mesma forma, tais estratégias de estratificação procuram selecionar os pacientes que não se favoreceriam, ou poderiam até mesmo piorar seus parâmetros clínicos, após o implante do ressincronizador cardíaco.

Nesse sentido, o ecocardiograma se sobressai entre os vários exames usados para a avaliação desse grupo de pacientes, em função de ser não invasivo, isento de risco e apresentar menor custo. Embora inúmeros estudos menores tenham mostrado a eficácia do ecocardiograma para a seleção e quantificação adequada de dissincronia eletromecânica na insuficiência cardíaca, em especial com a utilização do Doppler tecidual1-3, estes achados não foram reproduzidos em um estudo prospectivo multicêntrico (PROSPECT) mais recente4. Por essa razão, a presença de bloqueio de ramo esquerdo continua a ser utilizada como critério de seleção para ressincronização cardíaca em pacientes com insuficiência cardíaca.

Nesta edição dos ABC, os autores relatam seus resultados em pacientes com insuficiência cardíaca refratária submetidos à TRC e avaliados com ecocardiografia com Doppler tecidual, antes e depois do procedimento, com acompanhamento por até dois anos.

Apesar da casuística limitada (20 pacientes), o manuscrito revela dois pontos importantes: inicialmente, é essencial destacar a elevada mortalidade em pacientes chagásicos, sugerindo que, aparentemente, a sua história natural possa não ser modificada com a TRC. Freitas e cols.5 já haviam demonstrado previamente maior mortalidade para pacientes com insuficiência cardíaca de etiologia chagásica quando comparados àqueles com miocardiopatia dilatada idiopática.

Algumas características peculiares desse subgrupo poderiam ser aventadas como responsáveis por tais resultados. É sabido que pacientes com doença de Chagas frequentemente apresentam acometimento miocárdico mais acentuado em região inferolateral do ventrículo esquerdo. Ao mesmo tempo, a ausência de resposta à ressincronização, relacionada à presença de tecido cicatricial nessa região, foi observada em pacientes com miocardiopatia isquêmica6, mesmo com dissincronia confirmada ao Doppler tecidual, sugerindo que a ativação resultante do marca-passo, em região do miocárdico com fibrose, poderia não se mostrar eficaz.

Seria relevante, portanto, um estudo comparativo para testar a resposta à ressincronização em pacientes chagásicos, correlacionando a sua evolução clínica com a extensão do acometimento miocárdico regional. Infelizmente, sem os dados de contratilidade segmentar nesse grupo de pacientes, não é possível confirmar tal hipótese. Adicionalmente, fatores associados, tais como a presença de disfunção ventricular direita mais acentuada e/ou arritmias ventriculares complexas, poderiam estar relacionados à maior mortalidade no grupo de pacientes chagásicos.

O estudo, porém, não faz referência às causas de óbito (se de origem cardiovascular ou não), não sendo possível, portanto, especular sobre esta associação. A ausência de correlação com a piora da classe funcional poderia implicar que, sendo o óbito de origem cardiovascular, provavelmente teria causa arrítmica.

A etiologia da insuficiência cardíaca é um importante determinante do sucesso da terapia de ressincronização, como foi demonstrado no CARE-HF7, onde uma maior mortalidade foi observada em pacientes com miocardiopatia isquêmica. Em função da prevalência marcante de chagásicos com insuficiência cardíaca em nossa população, a importância desse dado não deve ser subestimada.

Outro ponto interessante observado pelos autores é que a diferença do atraso eletromecânico pelo Doppler tecidual, após o implante do marca-passo, foi estatisticamente menor para os sobreviventes que para os pacientes que apresentaram óbito, sem que houvesse, entretanto, diferença nos valores pré- implante. A partir dessa constatação, os autores sugerem que a avaliação com Doppler tecidual, após a TRC, possa ser usada para identificar os pacientes que apresentarão pior prognóstico. Inferem assim que, apesar de não prevenir um implante desnecessário, o Doppler tecidual poderia ser utilizado para direcionar maiores cuidados para esse grupo selecionado de alto risco.

É crucial, no entanto, que esses dados sejam interpretados com bastante cautela, em função principalmente da pequena população estudada. Adicionalmente, o estudo apresenta uma limitação considerável que, apesar de citada pelos autores, não deve ter sua importância diminuída: a ausência de avaliação da variabilidade intra ou interobservador, cuja variabilidade para as medidas de ecocardiograma pode chegar a 5 % para alguns parâmetros (a fração de ejeção, por exemplo), o que praticamente inviabilizaria alguns dos resultados encontrados. Estudos como o PROSPECT4, inclusive, tiveram a acentuada variabilidade das medidas do ecocardiograma como uma explicação para a ineficácia do método na seleção de pacientes para ressincronizacão.

Em função dessas características, este estudo necessitaria confirmação em uma população maior e com metodologia mais adequada, afim de que os achados fossem considerados clinicamente relevantes na prática diária.

Artigo recebido em 11/06/09; revisado recebido em 16/06/09; aceito em 28/07/09

  • 1. Bax JJ, Bleeker GB, Marwick TH, Molhoek SG, Boersma E, Steendijk P, et al. Left ventricular dyssynchrony predicts response and prognosis after cardiac resynchronization therapy. J Am Coll Cardiol. 2004; 44: 1834-40.
  • 2. Yu CM, Chau E, Sanderson JE, Fan K, Tang MO, Fung WH, et al. Tissue Doppler echocardiographic evidence of reverse remodeling and improved synchronicity by simultaneously delaying regional contraction after biventricular pacing therapy in heart failure. Circulation. 2002; 105: 438-45.
  • 3. Sogaard P, Egeblad H, Pedersen AK, Kim WY, Kristensen BO, Hansen PS, et al. Sequential versus simultaneous biventricular resynchronization for severe heart failure; evaluation by tissue Doppler imaging. Circulation. 2002; 106: 2078-84.
  • 4. Chung ES, Leon AR, Tavazzi L, Sun JP, Nihoyannopoulos P, Merlino J, et al. Results of the Predictors of Response to CRT (PROSPECT) trial. Circulation. 2008; 117 (20): 2608-16.
  • 5. Freitas HF, Chizzola PR, Paes AT, Lima AC, Mansur AJ. Risk stratification in a Brazilian hospital-based cohort of 1220 out patients with heart failure: role of Chagas' heart disease. Int J Cardiol. 2005; 102: 239-47.
  • 6. Bleeker GB, Kaandorp TA, Lamb HJ, Boersma E, Steendijk P, de Roos A, et al. Effect of postero-lateral scar tissue on clinical and echocardiographic improvement after cardiac resynchronization therapy. Circulation. 2006; 113 (7): 969-76.
  • 7. Wikstrom G, Blomström-Lundqvist C, Andren B, Lönnerholm S, Blomström P, Freemantle N, et al. The effects of aetiology on outcome in patients treated with cardiac resynchronization therapy in the CARE-HF trial. Eur Heart J. 2009; 30 (7): 782-8.
  • Correspondência:
    Ana Clara Tude Rodrigues
    Ecocardiografia - InRad - HC- FMUSP
    Av. Enéas de Carvalho Aguiar, 255
    Cerqueira César - 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jan 2010
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