Acessibilidade / Reportar erro

Displasia arritmogênica do ventrículo direito

Resumos

A displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD) é caracterizada pela substituição dos miócitos por tecido fibrogorduroso. Descrita em 1977, é considerada uma doença cardíaca potencialmente letal ainda pouco entendida. Afeta primariamente o ventrículo direito e tem sido associada a arritmias, insuficiência cardíaca e morte súbita. O objetivo deste artigo é descrever o caso clínico de um paciente de 25 anos com síncope associada a extra-sístoles ventriculares e achados de ressonância magnética do coração compatíveis com DAVD.

Displasia arritmogênica ventricular direita; arritmia; hereditariedade


Arritmogenic right ventricular dysplasia (ARVD) is characterized by the gradual replacement of myocytes by adipose and fibrous tissue. Described in 1977, is considered a potentially lethal cause of cardiac disease poorly understood. This disorder usually involves the right ventricle and has been associated with arrthymia, heart failure, and sudden death. In this paper, we report a case of a 25-years-old patient with syncope associated with ventricular extrasystoles. A magnetic resonance imaging was performed and showed findings that support ARVD diagnose.

Arrhythmogenic right ventricular dysplasia; arrhythmia; heredity


RELATO DE CASO

Displasia arritmogênica do ventrículo direito

Rogério Ferreira da SilvaI; Karina MorgarbelI; Christian Moreno LuizeI; Carla Gonçalves RosaI; Marcelo RomanoII; Ieda Maria LiguoriI

IHospital do Coração (HCOR) - Associação do Sanatório Sírio, São Paulo, SP

IIUniversidade Oeste Paulista (UNOESTE), Presidente Prudente, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Rogério Ferreira da Silva Rua Desembargador Eliseu Guilherme, 31/45 - Paraíso 04004-030, São Paulo, SP - Brasil E-mail: rfsilva@hcor.com.br

RESUMO

A displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD) é caracterizada pela substituição dos miócitos por tecido fibrogorduroso. Descrita em 1977, é considerada uma doença cardíaca potencialmente letal ainda pouco entendida. Afeta primariamente o ventrículo direito e tem sido associada a arritmias, insuficiência cardíaca e morte súbita. O objetivo deste artigo é descrever o caso clínico de um paciente de 25 anos com síncope associada a extra-sístoles ventriculares e achados de ressonância magnética do coração compatíveis com DAVD.

Palavras-chave: Displasia arritmogênica ventricular direita, arritmia, hereditariedade.

Introdução

A displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD), descrita em 1977 por Fontaine e cols.1, é uma doença cardíaca potencialmente letal, ainda pouco entendida2,3. Afeta primariamente o ventrículo direito (VD), caracteriza-se pela substituição dos miócitos por tecido fibrogorduroso, e tem sido associada a arritmias, insuficiência cardíaca e morte súbita3-5.

A prevalência estimada é de 1/5.000, embora haja dificuldade diagnóstica3. Responde por 3% a 4% das mortes em esportistas, e a 5% das mortes súbitas abaixo dos 65 anos2.

A predisposição familiar foi descrita em 1982 por Marcus e cols.6. Cerca de 30% dos pacientes diagnosticados referem história familiar2,3. Alterações genéticas suspeitas têm sido identificadas nos cromossomos 14 e 37. A seguir, descreveremos o caso clínico de um jovem com DAVD.

Relato do Caso

Paciente 25 anos, masculino, casado, procedente de Santo André-SP, internado no Hospital do Coração, São Paulo, em março de 2007, com história de síncope durante ato sexual. Não soube quantificar duração do evento. Referiu após síncope precordialgia intensa, opressiva, ventilatório dependente. Negava tabagismo e referia participar de triatlon como amador. Nega história familiar de morte súbita.

O exame físico era normal, exceto pela presença de extra-sístoles freqüentes.

O eletrocardiograma da internação evidenciou ritmo sinusal, BRD de segundo grau e extra-sístoles ventriculares freqüentes com padrão de BRE.

Foi encaminhado à Unidade Coronariana, onde permaneceu assintomático, mantendo extra-sístoles monomórficas freqüentes e realizou os exames:

• Ecocardiograma transtorácico: sem alterações.

• Holter 24 horas: presença de 1.443 extra-sístoles ventriculares monomórficas.

• Teste ergométrico: presença de extra-sístoles ventriculares monomórficas, isoladas e freqüentes; extra-sístoles supraventriculares, isoladas e raras no esforço. Comportamento de freqüência cardíaca e pressão arterial normais.

• Ressonância magnética cardíaca (fig. 1): adelgaçamento no ponto médio da parede anterior do VD, com movimento discinético, e hiperintensidade de sinal na fase tardia após a injeção de meio de contraste paramagnético, sugerindo diagnóstico de DAVD.


O estudo eletrofisiológico evidenciou ventrículos estáveis mesmo com sensibilização com isoproterenol e protocolos de estimulação em ponta e em via de saída de VD; ausência de sinais de síndrome de Brugada.

Foi feito diagnóstico de DAVD com base nos dados clínicos e radiológicos.

No quarto dia de internação, foi submetido a ablação de extra-sístole da via de saída do VD com sucesso. O foco de arritmia estava localizado na região do septo médio do VD, próximo ao feixe de His.

Evoluiu com ritmo sinusal, sem extra-sístoles, recebendo alta hospitalar em uso de sotalol 160 mg/dia, com indicação de acompanhamento clínico rigoroso, restrição absoluta de atividade física extenuante. Após cinco meses de seguimento, o paciente encontra-se assintomático, em ritmo sinusal, sem extra-sístoles e apresentou discreta dilatação de VD no ecocardiograma de controle.

Discussão

A DAVD é caracterizada por arritmias ventriculares com padrão de BRE e morfologicamente por infiltração do miocárdio do VD por tecido fibrogorduroso7. O local mais comum dessa infiltração está entre o infundíbulo anterior, o ápice e a porção diafragmática do VD, o "triângulo de displasia", que pode evoluir para dilatações ou aneurismas2.

Pacientes com DAVD podem apresentar sintomas a qualquer idade, sendo mais comum na juventude, com predomínio do sexo masculino (razão 3:1)2.

Palpitações, fadiga e síncope são os sintomas mais comuns. Em alguns casos, parada cardíaca após esforço físico pode ser a apresentação inicial2.

A taxa anual de mortalidade é estimada em 3% na ausência de tratamento, e em 1% com tratamento farmacológico, não incluindo implante de cardiodesfibrilador implantável (CDI). O mecanismo de morte súbita é a degeneração da taquicardia ventricular para fibrilação ventricular3.

As ilhas de tecido fibrogorduroso geram macrorreentradas, formando o substrato arritmogênico. Essas arritmias são induzidas por estimulação adrenérgica como infusão de catecolaminas ou atividade física3.

A DAVD pode causar insuficiência cardíaca direita ou biventricular em razão de dilatação e perda da função contrátil3.

O diagnóstico definitivo requer o achado histológico de tecido fibrogorduroso3. Em 1994, a Sociedade Européia de Cardiologia propôs um sistema de critérios para facilitar o diagnóstico (tab. 1). Os pacientes deveriam apresentar dois critérios maiores, ou um maior e dois menores, ou quatro menores3,8.

A alteração característica do eletrocardiograma é o surgimento de ondas epsilon, pequenos entalhes ao final do QRS, vistas em 30% dos casos3.

No ecocardiograma as alterações mais sugestivas são dilatação do VD, com aneurismas localizados e discinesia3.

A ressonância magnética (RM) permite uma análise morfofuncional dos ventrículos, e evidencia a presença de tecido adiposo. Alguns autores sugerem que a RM possa ser utilizada em substituição à biópsia9. Os critérios que podem ser evidenciados pela RM são: infiltração gordurosa do VD com sinais de hiperintensidade, infiltração fibrogordurosa causando adelgaçamento difuso da miocárdio, aneurismas ou dilatação do VD e da via de saída do VD, alterações segmentares de contração e disfunção sistólica ou diastólica global7.

O tratamento farmacológico é a opção inicial, com antiarrítmicos como sotalol, verapamil, amiodarona, betabloqueadores, propafenona com respostas terapêuticas variáveis2,7. Atividade física extenuante deve ser evitada2.

A ablação por radiofreqüência pode ser utilizada em casos de taquicardia ventricular persistente ou refratária, e em taquiarritmias freqüentes que provocam disparo do CDI. A meta da ablação é eliminar as vias de condução que perpetuam a arritmia. É bem-sucedida em 30% a 65% dos casos, podendo surgir novos focos arritmogênicos2.

Em pacientes com tratamento antiarrítmico otimizado, é discutível o momento do implante do CDI. Deve ser considerado em arritmias refratárias, em pacientes muito jovens, histórico de parada cardíaca e envolvimento do ventrículo esquerdo2.

A DAVD é uma doença progressiva de evolução incerta, podendo ser causa de morte súbita em jovens atletas ou achado incidental em necropsias de pacientes mais velhos2. Dalal e cols.10 descreveram uma casuística de 100 pacientes com DAVD com seguimento médio de seis anos, dos quais 66 permaneceram vivos (cinco desenvolveram insuficiência cardíaca, dois foram transplantados, 44 implantaram CDI) e 34 morreram (21 sofreram morte súbita como apresentação inicial, e dez, durante o seguimento)10.

No caso relatado, o paciente apresentava taquicardia não sustentada com padrão de BRE, extra-sístoles ventriculares freqüentes (maior que 1000/Holter 24h), discinesia do VD, somando dois critérios menores e um maior segundo a Sociedade Européia de Cardiologia. Quanto aos critérios de RM, foram observados: infiltração gordurosa do VD com sinais de hiperintensidade, adelgaçamento do miocárdio e alteração segmentar do VD. A associação dos critérios clássicos com as imagens da RM torna o diagnóstico de DAVD muito provável. Concluímos que a ressonância magnética auxilia no diagnóstico de DAVD.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 13/08/07; revisado recebido em 07/09/07; aceito em 26/09/07.

  • 1. Fontaine GH, Guiraudon G, Frank R. Stimulation studies and epicardial mapping in ventricular tachycardia: study of mechanisms and selection for sugery. In: Kulbertus HE, ed. Re-entrant arrhythmias: mechanisms and treatment. Baltimore: University Park Press, 1977. p. 334-50.
  • 2. Anderson EL. Arrhythmogenic right ventricular dysplasia. Am Fam Physician. 2006; 73 (8): 1391-8.
  • 3. Gemayel C, Pelliccia A, Thompson PD. Arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol. 2001; 38 (7): 1773-81.
  • 4. Czarnowska E, Wlodarska EK, Zaleska T. Arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy (dysplasia): etiology, clinical presentation, diagnosis and treatment. Kardiol Pol. 2003; 58 (1): 58-63.
  • 5. Sen-Chowdhry S, Lowe MD, Sporton SC, McKenna WJ. Arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy: clinical presentation, diagnosis and management. Am J Med. 2004; 117 (9): 685-95.
  • 6. Marcus FI, Fontaine GH, Guiraudon G, Frank R, Laurenceau JL, Malergue C, et al. Right ventricular dysplasia: a report of 24 adult cases. Circulation. 1982; 65: 384-98.
  • 7. Kayser H, van der Wall E, Plein S, Sivananthan MU, Bloomer TN, de Ross A. Diagnosis of arrhythmogenic right ventricular dysplasia: a review. Radiographics. 2002; 22: 639-48.
  • 8. Corrado D, Buja G, Basso C, Thiene G. Clinical diagnosis and management strategies in arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy. J Electrocardiol. 2000; 33: 49-55.
  • 9. Elias J, Tonet J, Fontaine G, Frank R. Displasia arritmogência do VD. Arq Bras Cardiol. 1998; 70 (6): 449-56.
  • 10. Dalal D, Nasir K, Bomma C, Prakasa K, Tandri H, Piccini J, et al. Arrhythmogenic right ventricular dysplasia: a United States Experience. Circulation. 2005; 112: 3823-32.
  • Correspondência:
    Rogério Ferreira da Silva
    Rua Desembargador Eliseu Guilherme, 31/45 - Paraíso
    04004-030, São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Recebido
      13 Ago 2007
    • Revisado
      07 Set 2007
    • Aceito
      26 Set 2007
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br