Acessibilidade / Reportar erro

Pseudo-aneurisma iatrogênico de artéria axilar

RELATO DE CASO

Pseudo-aneurisma iatrogênico de artéria axilar

Amélia Cristina Seidel; Fausto Miranda Jr.; Leandro V. Fregadolli

Universidade Estadual de Maringá, Universidade Federal de São Paulo - Maringá, PR - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Amélia Cristina Seidel Rua Dr. Gerardo Braga, 118 87050-610 – Maringá, PR E-mail: seidel@wnet.com.br

Os pseudo-aneurismas resultam de uma variedade de mecanismos, entre os quais infecção, trauma, procedimentos cirúrgicos e radiologia intervencionista após cateterização percutânea transfemoral ou transbraquial1.

Com o aumento do uso de procedimento intervencionista e diagnóstico invasivo em doenças cardiovasculares, o conhecimento do tipo e da freqüência de possíveis complicações é importante, especialmente aqueles que podem ocorrer tardiamente.

A incidência de pseudo-aneurismas varia na literatura de 0,1% a 6%2 até 0,5% a 9%, dependendo do procedimento diagnóstico ou terapêutico realizado3, mas aqueles de membros superiores são raros, muito menos que nos membros inferiores, compreendendo menos que 2% de todas as lesões4. Há descrição de alguns casos de aneurismas axilares em casos de trauma com deslocamento de ombro ou por arma de fogo.

Este trabalho foi realizado para ilustrar uma possível complicação dos procedimentos intervencionistas e também citar as possibilidades de diagnóstico e tratamento.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino com 76 anos de idade foi internado no serviço de hemodinâmica e cirurgia cardíaca para realização de um procedimento diagnóstico por apresentar clínica compatível com angina de peito, cujos sintomas de dor torácica aos esforços e dispnéia estavam se exacerbando rapidamente.

Sua história pregressa revelava que ele tinha uma dieta pouco controlada em relação à ingestão de lipídeos, mas não era obeso. Negava tabagismo, alcoolismo e não apresentava diabete melito.

No exame físico da internação apresentava-se com PA = 200x120 mmHg, com discreta palidez de pele, à ausculta pulmonar não havia ruídos adventícios, a ausculta cardíaca demonstrava bulhas hipofonéticas com presença de freqüentes extra-sístoles e ausência de sopros. Nos membros superiores todos os pulsos eram palpáveis; nos inferiores foram palpados somente os pulsos femorais bilateralmente, os distais estavam ausentes, mesmo ao exame com Doppler cego.

Os exames complementares mostraram taxas de enzimas (troponinas e CK-MB) sem alteração, mas um aumento das taxas de colesterol e triglicerídeos. Na radiografia do tórax, um aumento da área cardíaca, e ao eletrocardiograma apresentava ritmo sinusal com extra-sístoles atriais.

Foi submetido a angiografia coronariana via artéria braquial direita, por dissecção desta. Houve alguma dificuldade na progressão do cateter, mas uma vez superada, o exame pôde ser realizado sem outras intercorrências. No final do dia da realização do exame o paciente queixou-se de discreta parestesia em antebraço, a qual foi apenas observada. No dia seguinte, houve aparecimento de uma massa pulsátil em região axilar direita com sopro sistólico e discreto aumento de temperatura local, perda da força muscular e diminuição da sensibilidade no membro superior direito.

Com a realização do ecocolor Doppler da região, foi diagnosticado um pseudo-aneurisma com 18x23 mm da artéria axilar, a qual apresentava placas ateromatosas heterogêneas com pontos de calcificação (fig. 1).


Em razão da presença dos sintomas neurológicos, a opção foi pelo imediato tratamento cirúrgico. Na exploração local foi realizada uma arteriotomia com visibilização de uma placa ateromatosa desgarrada do endotélio e o orifício do pseudo-aneurisma. O procedimento realizado foi uma endarterectomia e sutura lateral da artéria (fig. 2).


A evolução do paciente foi satisfatória, havendo melhora dos sintomas neurológicos de imediato, mas a completa recuperação ocorreu após trinta dias da operação, com realização de fisioterapia motora do membro diariamente.

DISCUSSÃO

O pseudo-aneurisma iatrogênico apresenta achados clínicos típicos precoces e é diagnosticado freqüentemente na primeira hora pós-punção, ainda na fase de hematoma; diversamente do ocorrido, que com uma evolução clínica mais lenta teve o diagnóstico somente após 24 horas do procedimento.

Os fatores de risco que devem ser considerados para seu aparecimento são a idade, o sexo feminino e a evidência clínica de doença vascular periférica, sendo essa o fator determinante para o aparecimento do pseudo-aneurisma do caso relatado, pois ocorreu no local onde houve a ruptura de uma placa ateromatosa na artéria axilar. Outros fatores que devem ser considerados incluem a inexperiência do operador e o tamanho do cateter maior que 8F, com anticoagulação concomitante3.

Apesar da pequena incidência, esses pseudo-aneurismas apresentam um potencial maior de complicações mais graves, requerendo diagnóstico precoce e pronta intervenção para minimizar o alto índice daquelas e graves seqüelas em longo prazo4.

A literatura refere-se ao ecocolor Doppler como a técnica de escolha para avaliar as potenciais complicações relacionadas à cateterização de artéria braquial ou femoral4,5, sendo o diagnóstico mais rápido e muito confiável1, como foi realizado nesse caso. Outros trabalhos ainda citam a necessidade de angiografia para confirmação diagnóstica6.

O diagnóstico diferencial com hematoma parietal e transmissão do pulso arterial deve ser feito prontamente para que seja realizado o tratamento mais indicado para cada caso.

Contrariamente a lesões arteriais, o curso natural dos pseudo-aneurismas é benigno, podendo ocorrer oclusão espontânea em alguns deles. Caso contrário, há outros tipos de tratamento a serem instituídos como: compressão local guiado pelo ultra-som, injeção de trombina, embolização com "coil" ou tratamento cirúrgico em casos de falência das opções citadas ou na presença de complicações1,3,7.

A opção terapêutica no manuseio do pseudo-aneurisma iatrogênico tem mudado dramaticamente na última década, necessitando operação somente raramente4.

No tratamento moderno, a compressão com controle ultra-sonográfico é preferível como opção inicial e o tamanho do pseudo-aneurisma parece não afetar o resultado favorável desse tratamento.

A injeção percutânea de trombina no saco aneurismático é considerada um método promissor e minimamente invasivo para tratamento de pseudo-aneurisma iatrogênico em que o colo é estreito5,8. Quando há um ramo ou onde o colo é largo é recomendado insuflar um balão através do colo do aneurisma e não está indicado se há fístula arteriovenosa2.

Os resultados do uso de stents para tratamento de lesões vasculares em curto prazo sugerem que é um procedimento de baixo risco e parece menos invasivo que a operação, mas os resultados em médio e longo prazos ainda não estão disponíveis9. Segundo Oktar e cols., que realizaram a colocação de stent Hemobahn de 6 mm em um pseudo-aneurisma de artéria axilar por ferimento por arma de fogo em uma mulher 24 anos, ocorreu estenose após cinco anos por hiperplasia da íntima, sendo tratada por angioplastia com balão10.

Julia e cols. relataram que, apesar de o tratamento endovascular dessas lesões ser atrativo, deu-se preferência a técnica cirúrgica aberta por permitir tratar as lesões concomitantes e realizar descompressão da fossa axilar por causa do hematoma6.

Semelhantes a esses autores, outros concordaram com a indicação do tratamento cirúrgico em casos de grandes hematomas, sangramento, dano do vaso nativo, compressão arterial, venosa ou déficit neurológico, ou com infecções2. Mesmo se houver demora no diagnóstico, a operação deve ser realizada urgentemente. O prognóstico é baseado no pronto reconhecimento e intervenção cirúrgica oportuna.

Neste caso, o paciente foi submetido a tratamento operatório para realizar retirada do hematoma, descompres-são do plexo braquial e restauração do vaso nativo.

Comparando as três modalidades de tratamento citadas, Stone e cols. concluíram que a injeção de trombina guiada pelo ultra-som deveria tornar-se o tratamento inicial de escolha com operação reservada para falência desse tratamento7.

A demora no reconhecimento dessas lesões pode levar a déficits neurológicos permanentes apesar do adequado reparo da artéria axilar10.

A prevenção de pseudo-aneurismas é baseada na punção arterial atraumática, boa compressão após retirada da bainha e uso de dispositivos para fechamento arterial percutâneo3.

REFERÊNCIAS

1. Rosa RFC, González IG, García RC. Case report. Pseudoaneurism of the femoral artery after cardiac catheterization. Rev Sanid Mil 2000;54 (5):244-8.

2. Görge G, Kunz T, Kirstein M. Non-surgical therapy of iatrogenic false aneurysms. Dtsch Med Wochenschr 2003;128(1-2):36-40.

3. Righini M, Quéré I, Laroche JP. Prise en charge des faux anévrismes artériels post-cathétérisme. J Mal Vasc 2004;29(2):63-72.

4. Szendro G, Golcman L, Klimov A et al. Arterial false aneurysm and their modern management. Isr Med Assoc J 2001;3(1):5-8.

5. Ghersin E, Karram T, Gaitini D et al. Percutaneous ultrasonographically guided thrombin injection of iatrogenic pseudoaneurysms in unusual sites. J Ultrasound Med 2003;22(8): 809-16.

6. Julia J, Lozano P, Gomez F, Corominas C. Traumatic pseudoaneurysm of the axillary artery following anterior dislocation of the shoulder. Case report. J Cardiovasc Surg 1998; 39(2):167-9.

7. Stone P, Lohan JA, Copeland SE, Hamrick RE, Tiley EH, Flaherty SK. Iatrogenic pseudoaneurysms: comparison of treatment modalities, including duplex-guided thrombin injection. W V Med J 2003;99(6):230-2.

8. Undseth RM, Klow NE, Hoffmann P. Treatment of pseudoaneurysms after vascular interventions. Tidsskr Nor Laegeforen 2004; 124(10):1384-6.

9. Baltacioglu F, Cimsit NC, Cil B, Cekirge S, Ispir S. Endovascular stent-graft applications in latrogenic vascular injuries. Cardiovasc Intervent Radiol 2003;26(5):434-9.

10. Oktar GL, Balkan ME, Akpek S, Ilgit E. Endovascular stent-graft placement for the management of a traumatic axillary artery pseudoaneurysm-a case report. Vasc Endovascular Surg 2002;36(4):323-6.

Recebido em 29/06/05

Aceito em 25/07/05

  • Correspondência:

    Amélia Cristina Seidel
    Rua Dr. Gerardo Braga, 118
    87050-610 – Maringá, PR
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br