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Duplo produto elevado como preditor de ausência de coronariopatia obstrutiva de grau importante em pacientes com teste ergométrico positivo

Resumos

OBJETIVO: Correlacionar valores do duplo produto acima de 30.000 mmHg.bpm, com presença ou não de coronariopatia obstrutiva importante, em pacientes com teste ergométrico positivo. MÉTODOS: Análise retrospectiva de 246 pacientes que haviam sido submetidos a teste ergométrico no máximo trinta dias antes de estudo cineangiocoronariográfico, por suspeita de coronariopatia obstrutiva, dos quais 165 pacientes tinham teste ergométrico positivo. O critério único para positividade foi a presença de infradesnivelamento do segmento ST de pelo menos 1,0 mm, de morfologia horizontal ou descendente, persistindo 0,08 seg. após o ponto J. RESULTADOS: Dentre os 165 pacientes, 50 (30,3%) alcançaram duplo produto > 30.000 mmHg.bpm; desses, 38 (76%) eram angiograficamente normais ou tinham coronariopatia obstrutiva leve e 12 (24%) tinham coronariopatia importante. Entre os outros 115 pacientes com teste ergométrico positivo, mas duplo produto < 30.000 mmHg.bpm, 59 (51,3%) eram normais ou com coronariopatia obstrutiva leve, e 56 (48,7%) apresentavam coronariopatia obstrutiva importante (Odds Ratio = 0,3327 IC 95% = 0,1579 a 0,7009; P = 0,0034). CONCLUSÃO: Com base nos dados obtidos dessa investigação, demonstrou-se que o duplo produto elevado constituiu-se em uma variável importante para prever a ausência de coronariopatia obstrutiva significante em indivíduos com teste ergométrico positivo, podendo tornar-se ferramenta útil na tomada de decisão clínica.

teste ergométrico; duplo produto; coronariopatia obstrutiva; método disgnóstico


OBJECTIVE: To correlate values of rate-pressure product (RPP) above 30,000 mmHg.bpm with or without significant obstructive coronary artery disease (CAD) in patients with positive exercise test. METHODS: A retrospective analysus of 246 patients that had been submitted to Exercise Treadmill Test (ETT) up to 30 days before coronary angiography on suspicion of obstructive disease. The 165 patients in which the ETT was positive were analyzed considering as positive the presence of horizontal or descending depression of the ST segment for at least 1 mm, 0.08 seconds after J point. RESULTS: Among the 165 appraised patients, 50 (30.3%) reached RPP > 30,000 mmHg.bpm, of which 38 (76%) had normal coronary vessel angiography or low degree obstructive coronary artery disease and 12 (24%) had significant. Among the remaining 115 appraised patients with positive ETT and RPP < 30,000 mmHg.bpm, 59 (51.3%) were normal or with low significance obstructive coronary artery disease, and 56 (48.7%) had significant disease. (Odds Ratio = 0.3327 CI 95% = 0.1579 to 0.7009; P=0.0034). CONCLUSION: Based on data collected in the present investigation, it has been demonstrated that RPP above 30,000 mmHg.bpm stands as a relevant variable to predict the absence of significant obstructive coronariopathy in individuals with positive ET and as a useful tool in making clinical decisions.

exercise test; rate-pressure product; obstructive coronary artery disease; diagnostic methods


ARTIGO ORIGINAL

Duplo produto elevado como preditor de ausência de coronariopatia obstrutiva de grau importante em pacientes com teste ergométrico positivo

Luis Domingos Fornitano; Moacir Fernandes de Godoy

Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – Famerp e Hospital de Base da Fundação Faculdade Regional de Medicina – Funfarme - São José do Rio Preto, SP

Correspondência Correspondência Moacir Fernandes de Godoy Rua Garabed Karabashian, 570 15070-600 - São José do Rio Preto, SP E-mail: moacirgodoy@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Correlacionar valores do duplo produto acima de 30.000 mmHg.bpm, com presença ou não de coronariopatia obstrutiva importante, em pacientes com teste ergométrico positivo.

MÉTODOS: Análise retrospectiva de 246 pacientes que haviam sido submetidos a teste ergométrico no máximo trinta dias antes de estudo cineangiocoronariográfico, por suspeita de coronariopatia obstrutiva, dos quais 165 pacientes tinham teste ergométrico positivo. O critério único para positividade foi a presença de infradesnivelamento do segmento ST de pelo menos 1,0 mm, de morfologia horizontal ou descendente, persistindo 0,08 seg. após o ponto J.

RESULTADOS: Dentre os 165 pacientes, 50 (30,3%) alcançaram duplo produto > 30.000 mmHg.bpm; desses, 38 (76%) eram angiograficamente normais ou tinham coronariopatia obstrutiva leve e 12 (24%) tinham coronariopatia importante. Entre os outros 115 pacientes com teste ergométrico positivo, mas duplo produto < 30.000 mmHg.bpm, 59 (51,3%) eram normais ou com coronariopatia obstrutiva leve, e 56 (48,7%) apresentavam coronariopatia obstrutiva importante (Odds Ratio = 0,3327 IC 95% = 0,1579 a 0,7009; P = 0,0034).

CONCLUSÃO: Com base nos dados obtidos dessa investigação, demonstrou-se que o duplo produto elevado constituiu-se em uma variável importante para prever a ausência de coronariopatia obstrutiva significante em indivíduos com teste ergométrico positivo, podendo tornar-se ferramenta útil na tomada de decisão clínica.

Palavras-chave: teste ergométrico, duplo produto, coronariopatia obstrutiva, método disgnóstico

Estudos correlacionando a resposta eletrocardiográfica ao exercício com achados de cinecoronariografia (CINE) evidenciaram ECG anormal em até 30% dos pacientes sem nenhuma obstrução coronariana demonstrável1, com a sensibilidade do teste ergométrico variando de 50% a 72% (média 67%), e a especificidade de 69% a 74% (média 71%)2-5.

É importante, entretanto, ressaltar as limitações dessas afirmações, uma vez que o padrão de referência de comparação é a cinecoronariografia, que analisa apenas a anatomia da árvore arterial coronariana, mais precisamente a luz dos vasos coronários e não propriamente a repercussão funcional das eventuais obstruções. Coronariopatia obstrutiva não é necessariamente sinônimo de doença isquêmica do coração. Entretanto, o infradesnivelamento do segmento ST pode ou não ser expressão de isquemia miocárdica, e em hipótese alguma reflete, obrigatoriamente, as condições anatômicas relacionadas à perfusão miocárdica6. Sabe-se que os estágios iniciais da doença arterial coronariana (DAC) podem determinar disfunção endotelial e desencadear respostas anormais da vasculatura coronariana, mesmo na ausência de doença obstrutiva. Outra dificuldade é a grande diversidade das populações estudadas, nem sempre com características superponíveis e o fato de o valor preditivo do teste de esforço estar diretamente relacionado à prevalência da doença na população estudada7-9. Em indivíduos com baixa probabilidade pré-teste de doença, um resultado positivo tem baixa acurácia preditiva, enquanto um idêntico resultado positivo em indivíduos com 50% de probabilidade pré-teste determina 88% de probabilidade pós-teste de doença10.

O duplo produto (DP), que é resultante da multiplicação da pressão arterial sistólica (PAS) pela freqüência cardíaca (FC), tem sido considerado importante parâmetro na avaliação da função ventricular, especulando-se que valores elevados no pico do esforço, refletindo o trabalho cardíaco, devam estar relacionados a boa função ventricular e ausência de isquemia, o contrário acontecendo no caso de valores muito baixos11-13.

O Consenso Nacional de Ergometria faz referência a esse parâmetro como um índice não-invasivo que melhor reflete com consumo de oxigênio miocárdico (MVO2), e que a importância de sua determinação reside na avaliação da dor torácica e dos esquemas terapêuticos protetores para a isquemia miocárdica14.

Nas Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Teste Ergométrico15, o duplo produto elevado é citado como uma indicação para a realização do TE em associação a outros métodos, como a cintilografia de perfusão miocárdica, em grau de recomendação B1 (recomendável; com evidência muito boa). No texto não se encontra uma referência clara sobre o motivo da indicação, mas é conhecido o fato do DP elevado, por determinar excessivo consumo de O2 miocárdico, associar-se a resultados falso-positivos para a resposta do segmento ST no TE, por insuficiência coronariana relativa.

Já foram utilizados outros métodos visando tentar melhorar o valor preditivo diagnóstico de DAC, correlacionando dados do TE com cintilografia miocárdica com Thallium, associada ao ecocardiograma de esforço ou a outros procedimentos como Holter e radiograma de tórax, ventriculografia por radionuclídeo, fluoroscopia, aumento da atividade pulmonar do Thallium e vetorcardiograma16-23.

Também já foram desenvolvidos escores correlacionando-se achados do TE com dados de história clínica, visando predizer a presença, a extensão e o prognóstico da DAC. Nesse sentido, Kansal e cols.24, estudando 608 pacientes com queixa de angina, correlacionaram os achados do TE em 351 deles, em análise multivariada, propondo um escore de pontos para melhorar a acurácia diagnóstica de DAC. Em homens, as variáveis de significância foram: 1) FC máxima alcançada menor que 80% da FC máxima prevista; 2) depressão do segmento ST > a 1,0 mm; 3) idade > a 55 anos; e 4) tempo de exercício na esteira < 8 minutos. Em mulheres, a FC máxima alcançada < 90% e tempo de exercício < 6 minutos foram significantes. Verificou-se que a redução da FC máxima teve a melhor correlação com DAC, seguida das modificações do segmento ST, porém outras variáveis como a configuração e a magnitude da depressão do segmento ST, o DP < 30.000 mmHg.bpm em homens, angina e tempo de exercício também tiveram relevância na interpretação.

Mark e cols.25 desenvolveram estudo com base em dados como duração do exercício em associação com quantificação da depressão do segmento ST e na presença ou não de angina (escore de Duke), identificando, assim, os pacientes com baixo, moderado e alto risco de eventos coronarianos e a sobrevivência em quatro anos. Concluíram que o escore proposto era de valor para ajudar na decisão da indicação ou não da cinecoronariografia.

Morise e cols.26 desenvolveram um escore de pontos para estimar a probabilidade de DAC em pacientes com suspeita da doença, considerando variáveis clínicas como sexo, idade, presença ou não de dor torácica, situação hormonal, diabete melito, hipertensão arterial, tabagismo, hiperlipidemia, história familiar e índice de massa corporal, selecionados de uma população de pacientes com ECG normal que procuraram o hospital para se submeterem a TE, e que posteriormente realizaram CINE. Nesse estudo, os autores ressaltaram a dificuldade de utilização, na prática clínica, de escores propostos anteriormente por outros autores, e ainda a forma arbitrária com que, na maioria das vezes, os pacientes são classificados como de baixa, intermediária e alta probabilidade de DAC.

Faris e cols.27 estudaram a importância dos fatores de risco coronarianos e achados do TE como preditores de DAC significante em mulheres com angina instável, após a estabilização do quadro clínico. Entre outras conclusões, os achados de baixa capacidade física em associação a baixo incremento do DP permaneceram como os únicos parâmetros do TE considerados como significantes preditores de DAC angiograficamente documentada.

Raxwal e cols.28 publicaram estudo também objetivando o desenvolvimento de um novo escore de pontos, baseando-se em variáveis da história clínica e parâmetros encontrados no TE, como índice de angina e quantificação das anormalidades do segmento ST. Os autores não encontraram diferença na PAS máxima entre os dois grupos, com e sem DAC. Embora se notem diferenças de valores do DP alcançado entre os pacientes com e sem DAC, os autores não fazem referência acerca da significância estatística desses achados. De qualquer modo, em relação aos números apresentados, no grupo com coronárias normais na população utilizada para a validação do escore nota-se que o DP foi maior quando comparado ao encontrado entre os pacientes com DAC, inclusive atingindo valores acima de 30.000 mmHg.bpm, o que reforça a idéia de que o DP elevado pressupõe menor probabilidade de DAC, mesmo em presença de alterações do segmento ST.

O estudo de Ho e cols.29 teve como objetivo determinar se achados de ECG de repouso normal ou com discretas alterações do segmento ST ou onda T poderiam influenciar o prognóstico de pacientes submetidos a investigação não-invasiva de DAC. O escore foi calculado atribuindo-se 1 ponto para cada uma das seguintes condições clínicas: sexo masculino, história de infarto do miocárdio, angina do peito típica, diabete melito, uso de insulina, e a cada década de vida após os quarenta anos. Concluíram pela validade do escore em ajudar a determinar o prognóstico em pacientes sintomáticos, com DAC suspeita ou conhecida e ECG normal ou com discretas alterações do segmento ST e onda T.

Morise e cols.30 desenvolveram outro escore de pontos, agora para uma população de mulheres, baseando-se em características clínicas como idade, sintomas, diabete, tabagismo e nível hormonal sérico, em associação com variáveis do TE como a depressão de ST, FC atingida no exercício e índice de angina. Assim, dentre os parâmetros avaliados do TE, quanto maior o nível de FC atingida, menor o número de pontos atribuído a essa variável, e, portanto, menor o risco quando ajustadas as outras variáveis.

Vários desses métodos diagnósticos descritos são onerosos e freqüentemente não-disponíveis. Os escores são indubitavelmente úteis, mas alguns, em razão da complexidade ou por necessitarem de computadores ou calculadoras, são de difícil execução na prática cardiológica diária. O teste ergométrico, porém, é realizado em curto espaço de tempo, é de baixo custo e inclui-se entre os procedimentos não-invasivos que oferecem elevado valor preditivo31.

Assim sendo, o objetivo do presente estudo foi correlacionar valores do duplo produto (acima de 30.000 mmHg.bpm) com a presença ou não de coronariopatia obstrutiva de grau importante à cinecoronariografia, em pacientes com teste ergométrico positivo, com a hipótese de trabalho de que valores elevados indicariam ausência de coronariopatia significante.

MÉTODOS

Foram incluídos 246 pacientes, não-selecionados, com idades variando de 28 a 79 anos (média 58,7 ± 9,4 anos; mediana 59 anos), sendo 125 (50,8%) do sexo masculino, sem DAC prévia conhecida (infarto do miocárdio, cirurgia de revascularização miocárdica ou angioplastia transluminal coronariana). Todos haviam sido submetidos a estudo cineangiocoronariográfico por suspeita de doença coronariana obstrutiva e tinham realizado teste ergométrico (TE) em esteiras rolantes marcas Inbramed, modelos KT 4000, KT 10200 e Imbrasport standard, há menos de trinta dias do estudo angiográfico. Foram utilizados os protocolos de Bruce, Ellestad e Kattus, optando-se por um deles de acordo com a avaliação pré-teste. As medidas de freqüência cardíaca, pressão arterial e os traçados eletrocardiográficos foram obtidos no repouso, no final de cada estágio do esforço e nos minutos 1, 2, 4 e 6 da recuperação, em monitores de sinais marcas TEB (Apex 1000, Apex 2000 e Micromed), monitorando-se continuamente as derivações CM5, D2M e V2M. A pressão arterial foi aferida utilizando-se esfigmomanômetros aneróides marca Tycos, calibrados periodicamente segundo as recomendações do fabricante. Todos os testes ergométricos foram revistos pelo mesmo observador, tendo sido utilizado como único critério de positividade a presença de infradesnivelamento do segmento ST de pelo menos 1,0 mm, de morfologia horizontal ou descendente, persistindo 0,08 seg. após o ponto J.

Esse critério isolado de positividade foi utilizado retrospectivamente, somente para realização do presente estudo, pelo fato de ser o mais facilmente avaliável e menos propenso a interpretações subjetivas, uma vez que, na indicação original do exame angiográfico, o médico clínico solicitante pode ter-se valido também de outros critérios, tais como dor, arritmia ou ainda dados complementares de cintilografia miocárdica. Os estudos cinecoronariográficos foram realizados pelas técnicas de Sones ou de Judkins, em equipamento de imagem digital, e revistos para fins deste estudo por um único hemodinamicista, sendo classificados como positivos no caso da existência de um ou mais ramos principais com doença obstrutiva comprometendo 50% ou mais do diâmetro do vaso. Adotou-se esse critério pelo fato de já corresponder a 75% de perda da área luminal do vaso e, portanto, com redução aceita como suficiente para produção de isquemia. Assim, obstruções inferiores a 50% do diâmetro do vaso foram classificadas como doença obstrutiva leve, e acima desse valor, em pelo menos um ramo coronário principal, como doença obstrutiva coronariana importante.

Não houve preocupação, no presente estudo, com a caracterização dos agentes eventualmente em uso, uma vez que, como já mencionado, é uma avaliação retrospectiva, e com outros critérios diagnósticos, de testes ergométricos que já haviam sido realizados e nos quais as medidas recomendadas em relação à suspensão de medicamentos com potencial de falseamento diagnóstico haviam sido tomadas, seguindo o protocolo habitual.

O grupo total de 246 pacientes foi utilizado para caracterização da amostra, porém, para a finalidade específica do presente estudo, foram analisados apenas os 165 com teste ergométrico positivo, de acordo com o critério já informado. Esses 165 pacientes com teste ergométrico positivo foram divididos em dois grupos: Grupo A (estudo), composto de cinqüenta pacientes (30,3%) com DP acima de 30.000 mmHg.bpm e idade variando de 36 a 72 anos com média de 59,2 ± 7,4 anos (mediana 60 anos), sendo 54,0% do sexo masculino; Grupo B com 115 pacientes (60,6%) com DP igual ou menor que 30.000 mmHg.bpm e idade variando de 28 a 79 anos com média de 59,0 ± 9,8 anos (mediana 59,5 anos), sendo 53,0% do sexo masculino (P > 0,05 para comparação de idades e sexo, entre os dois grupos).

O protocolo de estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, parecer número 037/2004.

Os dados foram analisados com o auxílio do teste exato de Fisher e cálculo da odds ratio com intervalo de confiança 95%, além de determinações de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo e likelihood ratio positiva do teste ergométrico. Considerou-se significante o valor de P < 0,05.

RESULTADOS

No grupo A, o DP variou de 30.200 a 43.200 mmHg.bpm, com média de 34.502 ± 3.572 mmHg.bpm (mediana 34.090 mmHg.bpm). Nesse grupo, doze pacientes (24%) tinham coronariopatia obstrutiva de grau importante e 38 (76%) eram normais ou com coronariopatia obstrutiva leve.

No grupo B, o DP variou de 12.480 a 29.760 mmHg.bpm com média de 23.455 ± 4.230 mmHg.bpm (mediana de 24.600 mmHg.bpm). Nesse Grupo, 56 pacientes (48,7%) tinham coronariopatia obstrutiva de grau importante e 59 (51,3%) eram normais ou com coronariopatia obstrutiva leve.

Verificou-se que a freqüência de pacientes com DAC foi significativamente menor entre aqueles com TE+ associado a um DP > 30.000 mmHg.bpm, quando comparados àqueles com TE +, mas com DP < 30.000 mmHg.bpm (Teste exato de Fisher; P = 0,0034; Odds Ratio 0,3327 (IC95% 0,1579 a 0,7009) (tab. 1).

No grupo total de pacientes (n = 246), a sensibilidade foi de 0,8095 (IC95% 0,7096 a 0,8872); a especificidade foi de 0,4012 (IC95% 0,3248 a 0,4812); valor preditivo positivo 0,4121 (IC95% 0,3360 a 0,4909) e o valor preditivo negativo 0,8025 (IC95% 0,6992 a 0,8827); a likelihood ratio positiva nesse grupo total foi de 1,352. A distribuição das freqüências de pacientes de acordo com o resultado do teste ergométrico e a presença ou não de doença arterial coronariana de grau importante encontra-se na tabela 2.

Refazendo-se a posteriori esses cálculos, considerando os pacientes do grupo A (DP> 30.000 mmHg.bpm) como testes negativos, foram obtidos os seguintes resultados: sensibilidade 0,6667 (IC95% 0,5559 a 0,7657); especificidade 0,6358 (IC95% 0,5574 a 0,7097); valor preditivo positivo 0,4870 (IC95% 0,3930 a 0,5820); valor preditivo negativo 0,7863 (IC95% 0,7058 a 0,8533; a likelihood ratio positiva passou para 1,831 (tab. 3).

DISCUSSÃO

A despeito do grande número de testes utilizados para o diagnóstico e prognóstico de pacientes com suspeita de doença arterial coronariana, o teste ergométrico em esteira permanece como o mais fácil e usado para esse propósito25. Procurou-se, no presente estudo, utilizar um indicador objetivo e de fácil obtenção para a validação de testes ergométricos positivos. A proposta foi a de empregar o Duplo Produto Máximo acima de 30.000 mmHg.bpm como limite de corte na caracterização de testes verdadeiramente positivos (DP < 30.000) em oposição a testes falsamente positivos (DP > 30.000).

Realmente, pela análise estatística foi possível comprovar que no grupo de pacientes com testes positivos, mas com duplo produto acima de 30.000 mmHg.bpm, o risco da existência de coronariopatia obstrutiva significante em pelo menos um ramo principal foi significantemente menor que quando o teste era positivo mas com duplo produto baixo. Além disso, considerando-se os TE+ com DP > 30.000 como testes negativos, conseguiu-se melhor valor da likelihood ratio positiva, o que significa maior acurácia do teste. Isso ressaltou o valor dessa variável em separar indivíduos com e sem DAC significante em presença de um TE positivo.

Em metanálise publicada em 1989 por Detrano e cols.2, nos trabalhos em que o DP é citado, os valores variaram de 16.300 mmHg.bpm a 28.000 mmHg.bpm (média de 22.430±3.789 mmHg.bpm), com sensibilidade e especificidade para a detecção de qualquer grau de obstrução coronária > 50%, variando, respectivamente, de 0,46 a 0,90 (P = 0,04) e 0,37 a 0,93 (P = 0,93).

Sabe-se que o TE não altera significativamente a taxa de diagnóstico em pacientes de baixo ou alto risco para DAC, sendo mais bem indicado em pacientes de risco intermediário. A população do presente estudo constituiu-se de dois grupos em que o número de pacientes foi semelhante em relação a sexo e idade (Grupo A com mediana de sessenta anos, sendo 54% do sexo masculino, e B com mediana de 59,5 anos, e 53% do sexo masculino), justamente a população para a qual o TE tem seu melhor valor preditivo.

Currie e cols., em 198320, associando os resultados do TE com a ventriculografia por radionuclídeo durante o exercício, adicionaram valor preditivo positivo para DAC, mas isso não foi conseguido utilizando-se quaisquer dos testes isoladamente. De fato, entre os pacientes sem coronariopatia, o DP medido foi de 31.900 ± 6.200 mmHg.bpm, e nos outros 65 pacientes com DAC significante, o DP alcançou 26.300 ± 7.200mmHg (p < 0,001). Comparando com os resultados do presente estudo, constatamos que o DP encontrado nos pacientes livres de lesões coronarianas significantes foi maior em relação aos portadores de lesões angiograficamente importantes.

Hung e cols.21, em uma população do sexo masculino, estudada por meio de múltiplos testes não-invasivos, encontraram pacientes com coronárias normais cujo DP foi de 33.600 ± 5.500 mmHg.bpm; com DAC de um vaso o DP foi de 28.600 ± 7.300mmHg.bpm e com DAC de múltiplos vasos foi 23.600 ± 7.000 mmHg.bpm. Note-se a tendência a um valor de DP mais elevado em indivíduos normais angiograficamente.

Berman e cols.32 obtiveram êxito em conseguir aumentar o valor preditivo de um TE negativo para ausência de DAC, quando o DP encontrado foi maior que 30.000 mmHg.bpm. No presente estudo, ao considerarmos um TE + com DP > 30.000 como negativo, obtivemos uma redução do valor preditivo negativo de 0.8025 (IC95% 06992 a 0.8827) para 0.7858 (IC95% 0.7058 a 0.8533), porém houve um incremento da likelihood ratio positiva para 1.831, mostrando uma melhora na acurácia do teste. O fato de Berman e cols.32 terem aumentado o valor preditivo negativo do TE negativo para ausência de DAC deve-se provavelmente à razão da menor probabilidade de se encontrar doença significante em testes sem alterações do segmento ST (normais), ou ainda pela diversidade das populações estudadas em relação à prevalência de DAC.

Chaitman e cols.33, correlacionando o TE utilizando um sistema de múltiplas derivações e as respostas hemodinâmicas frente ao esforço para o diagnóstico de DAC, encontraram o DP no momento do aparecimento da isquemia eletrocardiográfica como um parâmetro útil para predizer a doença. Naquele estudo, somente 2/21 (10%) dos pacientes com doença coronariana triarterial foram capazes de atingir duplo produto maior que 25.000 mmHg.bpm no momento em que o teste se tornou positivo. Esses achados em relação ao DP são concordantes com os encontrados por Hsu e cols.34, em que o DP no momento do aparecimento da isquemia eletrocardiográfica ajudou a diferenciar pacientes com DAC daqueles com síndrome X, uma vez que nesse grupo o DP médio foi de 21.115 ± 5.250 mmHg.bpm, enquanto nos coronariopatas obstrutivos foi 18.444 ± 4.375 mmHg.bpm (P < 0,05).

No estudo de Wasir e cols.35, tanto em análise univariada quanto multivariada do TE, o DP no pico do esforço teve forte poder discriminante entre pacientes com lesões multiarteriais e o grupo com lesão de um vaso ou aqueles com coronárias normais. Naquele trabalho, nenhum dos pacientes com lesões de dois ou três vasos foi capaz de atingir o DP de 30.000 mmHg.bpm. No presente estudo, dos cinqüenta pacientes com DP > 30.000 mmHg.bpm, em doze foram encontradas lesões coronarianas de 1,2 ou três vasos, indistintamente. Isso pode ter se dado pelo fato de que a cinecoronariografia analisa a anatomia da árvore arterial coronariana, e, assim, lesões anatomicamente consideradas como importantes podem não determinar isquemia miocárdica extensa, mantendo-se a função ventricular próxima do normal. Da mesma forma, lesões coronarianas tidas como "não-significantes" à cinecoronariografia podem se mostrar importantes à luz do ultra-som intracoronariano, acarretando extensa isquemia e comprometendo gravemente a contratilidade miocárdica.

No estudo de Faris e cols.27 observa-se que, entre outras variáveis, o DP no pico do exercício e a variação do DP (delta FC x PAS) foram menores em pacientes com DAC significante que naqueles sem DAC significante. Esses achados são concordantes com os nossos resultados no sentido de que na maioria dos indivíduos com DP elevado de nossa casuística não foram encontradas lesões coronarianas significantes, pressupondo-se melhor função ventricular durante o exercício.

Na prática médica diária, a decisão de encaminhar um paciente para a cineangiocoronariografia é complexa e freqüentemente depende da avaliação clínica relacionada ao prognóstico e do desejo do médico ou do paciente em confirmar ou afastar o diagnóstico de DAC25. Dessa forma, como já citado anteriormente, vários autores propuseram métodos que incorporam variáveis clínicas, eletrocardiográficas de repouso e esforço, dados derivados de outros exames como cintilografia miocárdica de perfusão, monitorização com Holter, ecocardiograma de esforço e radiograma de tórax. Assim surgiram os já citados escores prognósticos24-30 que fornecem informações indubitavelmente úteis na decisão sobre a conduta diante de um paciente com suspeita de doença coronariana. Ocorre que muitos deles são de difícil execução na prática clínica diária, seja pela complexidade ou por necessitarem de análise por computador ou calculadoras seja por utilizarem procedimentos caros e, por assim dizer, inconcebíveis à realidade de nosso país, prejudicando a relação custo-efetividade.

Diante desses fatos, acreditamos que nosso estudo, por incorporar variáveis facilmente obtidas no teste de esforço, revelou-se um método de valor na investigação não-invasiva da doença arterial coronariana.

Com base nos dados obtidos dessa investigação, demonstrou-se que o duplo produto acima de 30.000 mmHg.bpm constituiu-se em uma variável importante para prever a ausência de coronariopatia obstrutiva significante em indivíduos com teste ergométrico positivo, podendo tornar-se ferramenta útil na tomada de decisão clínica.

Recebido em 15/10/04

Aceito em 08/06/05

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  • Correspondência

    Moacir Fernandes de Godoy
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2006

    Histórico

    • Recebido
      15 Out 2004
    • Aceito
      08 Jun 2005
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