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Homem de 88 anos de idade com edema agudo dos pulmões, choque cardiogêncio e novo sopro holossistólico de aparecimento recente

A 88 year-old man with acute pulmonary edema, cardiogenic schock and holosystolic murmur of recent onset

CORRELAÇÃO ANATOMOCLÍNICA

Homem de 88 anos de idade com edema agudo dos pulmões, choque cardiogêncio e novo sopro holossistólico de aparecimento recente

Fernando Eduardo Cordeiro Barreto; Jussara Bianchi Castelli

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência Fernando Eduardo Cordeiro Barreto Rua Capote Valente, 467 - ap. 84 05409-001 - São Paulo, SP E-mail: barreto@frontier.com.br, feduardo@cardiol.br

Homem de 88 anos procurou atendimento médico por dispnéia intensa.

Dez anos antes sofrera síncope pós-miccional noturna com traumatismo craniano - ferimento lácero-contuso frontal esquerdo. Apresentava na ocasião dispnéia sem relação com esforços físico e de leve intensidade. Não havia queixa de palpitações ou história de cardiopatia. Procurou atendimento médico, foi feito o diagnóstico de sopro cardíaco, e foi encaminhado para o Instituto do Coração.

O exame físico (dez/89) revelou paciente em bom estado geral, pulso regular, freqüência de 76 batimentos por minuto, pressão arterial em membro superior direito 170/110 mmHg (decúbito dorsal) e 160/100 mmHg (sentado). O exame dos pulmões foi normal. O exame do coração revelou hiperfonese de primeira bulha em área mitral e sopro mesotelessistólico em área mitral (++/4+). O exame do abdome foi normal e não havia edema de membros inferiores. Os pulsos eram simétricos nos membros.

O eletrocardiograma (ECG) (29/11/89] demonstrou ritmo sinusal, freqüência 75 bpm, onda P de 80 ms de duração, intervalo PR 120 ms, duração de complexo QRS de 80 ms, sobrecarga de ventrículo esquerdo e alterações da repolarização ventricular (fig. 1).


A radiografia de tórax foi normal.

A avaliação laboratorial revelou (nov/89) 13,2g/dL de hemoglobina, 41% de hematócrito, 5800 leucócitos/ mm3, taxas séricas de creatinina de 1,4 mg/dL, 141 mEq/L de sódio e 4,3 mEq/L de potássio.

No ecocardiograma (fev/90), a espessura do septo interventricular e da parede posterior de ventrículo esquerdo foi de 9 mm, diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo 53 mm, fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 66%, o diâmetro da aorta foi 29 mm e do átrio esquerdo foi 29 mm. Havia prolapso de valva mitral com sinais que foram considerados sugestivos de degeneração mixomatosa discreta, sem insuficiência valvar.

O comportamento da freqüência cardíaca foi normal no teste ergométrico (fev/90) passando de 94 bpm no repouso para 148 bpm no pico do esforço; a pressão arterial foi 142/102 mmHg em repouso e 206/104 mmHg ao final de quatro minutos de esforço. Não houve alteração do segmento ST sugestiva de isquemia miocárdica.

O ECG de longa duração pelo sistema Holter (jul 90) revelou 950 extra-sístoles ventriculares isoladas e 10 em pares. Foram registradas 1.735 extra-sístoles atriais isoladas, 52 em pares e 29 taquicardias atriais, a mais longa com cinco batimentos e freqüência de 92 bpm e a mais rápida de três batimentos com 139 bpm de freqüência. O paciente não apresentou sintomas durante a gravação.

O ECG de alta resolução (ago/90) revelou: QRS filtrado de 90 ms, duração de potenciais abaixo de 40 mV de 30 ms e voltagem dos 40 ms finais de 36 mV, e foi considerado negativo para a presença de potenciais tardios de baixa voltagem (critérios de positividade: duração QRS filtrado >114 ms, duração de potenciais abaixo de 40 mV de 38 ms e potenciais dos 40 ms finais abaixo de 20 ms).

Foram feitos os diagnósticos de prolapso de valva mitral e hipertensão arterial sistêmica. O paciente fez seguimento médico irregular até 1992, sempre com pouca aderência à medicação anti-hipertensiva.

Depois de sete anos da consulta inicial (jun/99) procurou atendimento médico em outro serviço por piora da dispnéia nos dois dias anteriores e alteração da cor da urina.

Os exames laboratoriais revelaram níveis séricos de uréia de 184 mg/dL e 2,1 mg/dL de creatinina.

Ao exame ultra-sonográfico dos rins e vias urinárias (28/06/99), o rim direito mediu 10,3 x 4 cm e o rim esquerdo com 8,8 x 4,2 cm. No rim esquerdo foram identificadas imagens atribuídas a cistos de paredes finas e de conteúdo homogêneo. Na bexiga foi detectado espessamento da parede vesical com lesão vegetante com aumento dos sinais reflexão de 4,6 x 2,1 cm e, ainda, imagem hipoecogênica no assoalho da bexiga sugestiva de coágulo sangüíneo.

Houve melhora da dispnéia e o paciente recebeu alta (jun/06/99) com prescrição de 75 mg de captopril, 40 mg de furosemida, 25 mg de clortalidona e 1 g de ciprofloxacina por dia e encaminhamento para tratamento especializado para tumor de bexiga.

Dez dias depois (8/07/99) procurou atendimento por dispnéia intensa, mesmo em repouso. O exame físico (8/07/99) revelou paciente em regular estado geral, com cianose labial e das extremidades, 50 incursões respiratórias por minuto, pulso regular com freqüência de 84 bpm e pressão arterial inaudível, palpada em 50 mmHg. O exame dos pulmões revelou estertores crepitantes nos 2/3 inferiores de ambos os hemitórax. O exame do coração revelou batimentos cardíacos irregulares e sopro sistólico mitral +++/4 com irradiação para toda a região precordial. O exame do abdome foi prejudicado pela intensa dispnéia e havia edema +++/4 nos membros inferiores.

Foi feito o diagnóstico de edema agudo de pulmão.

O ECG (jul/99) revelou ritmo sinusal, 100 bpm de freqüência, com raras extra-sístoles ventriculares isoladas. Havia intervalo PR de 0,16 seg, sobrecarga atrial esquerda, baixa voltagem dos complexos QRS no plano frontal e complexos QS de V1 a V5 e QRS de baixa voltagem em V6 e supradesnivelamento de segmento ST com ondas T positivas de V1 a V4 (fig. 2).


Os exames de laboratório (jul/99) revelaram níveis séricos de uréia de 199 mg/dL, 2,7 mg/dL de creatinina, 132 mEq/L de sódio, 4,1 mEq/L de potássio e 128 mg/dL de glicose. A amostra de sangue para medida de fração MB da fosfocreatinokinase sofreu hemólise.

Apesar do uso de drogas vasoativas, dobutamina e dopamina, o paciente continuou em choque e faleceu na madrugada do dia 10/07/99 com bradicardia seguida de assistolia.

DISCUSSÃO

Aspectos clínicos

Trata-se de paciente do sexo masculino, de 88 anos, internado com manifestações clínicas de edema agudo dos pulmões (EAP) e choque. O EAP neste paciente poderia ter resultado de infarto agudo do miocárdio (IAM), hipervolemia secundária à insuficiência renal crônica agudizada, insuficiência valvar mitral aguda, tromboembolismo pulmonar ou síndrome restritiva.

A favor de IAM temos: 1) a idade do paciente, uma vez que pacientes idosos podem apresentar isquemia silenciosa com manifestação de EAP; 2) o antecedente de hipertensão arterial sistêmica (HAS); 3) os achados eletrocardiográficos de supradesnivelamento do segmento ST com ondas T positivas de V1 a V4. Não foram apresentados ECGs evolutivos e curva de enzimas cardíacas.

Os dados que sugerem insuficiência renal crônica agudizada levando a hipervolemia e a EAP, são a história de alteração da cor da urina, o antecedente de HAS, o edema de membros inferiores, os exames laboratoriais à admissão (aumento de uréia e creatinina), a piora da função renal com o uso de Captopril e a ultra-sonografia pregressa com diminuição do rim esquerdo, o que nos levaria a considerar hipótese de estenose de artéria renal esquerda com hipertensão arterial secundária. O edema de membros inferiores poderia ser explicado por síndrome nefrótica, mas não temos análise da urina que mostrasse proteinúria.

A favor de insuficiência valvar mitral aguda, temos o ecocardiograma pregresso com prolapso de valva mitral e o aumento da intensidade do sopro cardíaco em relação à ausculta prévia, que nos levaria a pensar em rotura de cordoalha da valva mitral.

Tromboembolismo pulmonar (TEP) também entra nas possibilidades diagnósticas, já que o paciente em questão era idoso e apresentava lesão vegetante em bexiga ao ultra-som de abdômen e existe a associação de carcinoma de bexiga e TEP.

Outra possibilidade diagnóstica é uma síndrome restritiva, como sugerem os achados eletrocardiográficos de complexos QRS de baixa voltagem no plano frontal e em V6 e QS de V1 a V5 no ECG de entrada do paciente.

As síndromes restritivas podem ser secundárias a cardiomiopatia restritiva ou pericardite constritiva. Não temos a radiografia de tórax e o ecocardiograma, de grande valia no diagnóstico diferencial. Entretanto, no caso apresentado, os achados eletrocardiográficos que simulam infarto do miocárdio sugerem cardiomiopatia restritiva. Entre as cardiomiopatia restritivas, temos as miocárdicas e endomiocárdicas. As miocárdicas incluem doenças não infiltrativas (idiopáticas e esclerodermia), infiltrativas (amiloidose, sarcoidose, entre outras) e de armazenamento (hemocromatose, doença de Fabry). As endomiocárdicas compreendem a fibrose endomiocárdica, síndrome hipereosinofílica, alterações associadas ao carcinóide, radiação, entre outras.

Neste paciente, os achados de: hipotensão postural (apesar de sintoma freqüente em idosos), ultra-sonografia com cistos renais, espessamento de parede vesical com lesão vegetante, presença de coágulo intravesical e diminuição do tamanho renal, piora da dispnéia e choque irreversível secundário ao uso de vasodilatador (inibidor da ECA) e os achados eletrocardiográficos, podem corresponder a achados encontrados na amiloidose, que se caracteriza pela deposição de fibrilas formadas por várias proteínas (substância amilóide). O amilóide pode ser encontrado em quase todos os órgãos. A incidência estimada é de cerca de 5,1 a 12,8 casos por milhões de pessoas por ano (dados norte-americanos correspondendo a 1.275 a 3.200 casos novos por ano).

Uma das mais usadas classsificações é aquela que define quatro tipos de amiloidose: a primária que se caracateriza pela produção de proteína amilóide composta de partes de imunoglobulinas de cadeia leve por plasmócitos monoclonais como conseqüência de mieloma múltiplo; a secundária com produção de proteína não imunoglobulínica, geralmente, associada a processos inflamatórios crônicos; a amiloidose familial, hereditária, autossômica dominante, com produção de proteína pré - albumínica, denominada transtiretina, que pode se acompanhar de neuropatia progressiva, miocardiopatia ou nefropatia; a amiloidose sistêmica senil com produção de proteínas semelhante ao fator natriurético atrial1. Este último tipo vem se tornando mais comum à medida que aumenta a média de vida da população.

A amiloidose cardíaca ocorre mais comumente em homens e é rara antes dos trinta anos de idade.

O envolvimento cardíaco é comum e é a causa de mortalidade mais freqüente nos pacientes com amiloidose primária. A doença cardíaca clínica está presente em um terço dos pacientes, embora o envolvimento cardíaco nos estudos anatomopatológicos esteja presente na quase totalidade dos casos.

Na amiloidose secundária o envolvimento cardíaco é incomum. Na familial, está presente em 1/4 dos pacientes, na fase tardia da doença1.

Na amiloidose senil o acometimento cardíaco varia de pequenos depósitos atriais ao envolvimento ventricular extenso, com conseqüente insuficiência cardíaca.

As manifestações clínicas decorrentes da amiloidose podem ser de quatro tipos1 :

Miocardiopatia restritiva onde os achados de insuficiência cardíaca direita predominam, como estase jugular, baixa pressão de pulso, hepatomegalia e edema periférico.

Disfunção sistólica : em alguns pacientes a deposição amilóide nos átrios pode ser responsável pela perda da função de transporte atrial, precipitando insuficiência cardíaca congestiva e edema agudo dos pulmões. Em alguns casos, pode haver angina com coronárias normais à cineangiocoronariografia.

Hipotensão ortostática: pode ocorrer em 10% dos casos, devido a infiltrações de substância amilóide no sistema nervoso autônomo ou vasos sanguíneos. Pode haver hipovolemia secundária à síndrome nefrótica devido a amiloidose renal. O uso de vasodilatadores, como os inibidores da ECA, pode ocasionar hipotensão refratária ao tratamento clínico.

Anormalidade na formação e condução do impulso elétrico do coração levando a arritmias ventriculares complexas e supra ventriculares, como fibrilação atrial, taquicardia atrial e anormalidades na condução AV, são também descritas nesta doença.

Algumas das manifestações clínicas do paciente podem ser sugestivas do envolvimento cardiovascular: edema de membros inferiores, disfunção sistólica caracterizada pelo EAP, hipotensão refratária secundária ao uso do captopril e arritmias cardíacas complexas ao Holter.

Algumas alterações no ECG presentes no caso atual podem ser devidas à amiloidose, pois sabe-se que pode ocorrer simulação de infarto do miocárdio com ondas R pequenas ou ausentes nas derivações precordiais direitas, complexos QRS de baixa voltagem no plano frontal, evidências de sobrecarga atrial esquerda, aumento do intervalo PR, além das arritmias já citadas.

O ecocardiograma, que demonstrou espessura da parede dos ventrículos dentro da normalidade e ausência de dilatação atrial, não sugere o diagnósitco de amiloidose.

A amiloidose renal na fase inicial pode apresentar-se com aumento do tamanho renal ao ultra-som de rins e vias urinárias e, nos estágios finais, pode levar à diminuição do tamanho renal, com síndrome nefrótica e insuficiência renal, com proteinúria e aumento nos níveis séricos de uréia e creatinina1.

Há relatos de casos onde a presença de hematúria e lesão vegetante em bexiga ao ultra-som de rins e vias urinárias levaram ao diagnóstico errôneo de carcinoma de bexiga. Nestes casos, posterior investigação mostrou tratar-se de depósitos de substância amilóide na parede vesical, simulando lesões vegetantes. Esta hipótese deve ser considerada para o paciente em questão.

(Dr. Fernando Eduardo Cordeiro Barreto)

Hipóteses diagnósticas: amiloidose; infarto agudo do miocárdio e tromboembolismo pulmonar

(Dr. Fernando Eduardo Cordeiro Barreto)

Necropsia

O paciente apresentava aterosclerose generalizada, caracterizada por ateromasia moderada da aorta e seus ramos, complicada por calcificação na croça e no setor abdominal, abaixo das artérias renais. O polígono de Willis mostrava ateromasia discreta. Havia atrofia dos giros na convexidade cerebral e redução do peso encefálico (1.000g).

O coração mostrava infarto agudo transmural extenso, localizado na parede ântero-septal do ventrículo esquerdo (fig. 3), desde a porção médio-basal até o ápice, com afilamento da parede e dilatação aneurismática discreta no local. Grande trombo recobria a parede anterior infartada, cuja superfície já mostrava endotelização inicial. A datação do infarto correspondeu a cerca de 2 semanas de evolução. Não foram constatadas lesões isquêmicas antigas. Como complicação do infarto evidenciou-se comunicação interventricular (CIV), por ruptura da parede septal ântero-apical, em região limítrofe entre o miocárdio infartado e não, com orifício medindo cerca de 1,5 cm (fig. 4). No restante, o miocárdio do ventrículo esquerdo era hipertrófico. O ventrículo direito apresentava hipertrofia discreta e dilatação moderada, principalmente na via de saída.



As coronárias foram mapeadas e evidenciaram-se as seguintes lesões na coronária esquerda: ramo interventricular anterior (RIA) com 90% de obstrução e trombose recente oclusiva (TRO) em recanalização no 3º e 5º cm, propagando-se pela segunda diagonal; nos demais ramos, havia lesões de 70% no 2º cm do ramo circunflexo, 1º cm do ramo ventricular anterior esquerdo e 1º cm do ramo marginal esquerdo, neste último associada à TRO em recanalização. A coronária direita apresentava apenas 50% de obstrução no 3º cm e dava origem ao ramo interventricular posterior, este último artéria de pequeno porte. Nos demais ramos as lesões distrutivas eram menores que 30%.

A valva mitral apresentava prolapso, com cúspides espessas e redundantes, de aspecto mixomatoso, salientando-se ligeiramente para o átrio. Havia coaptação adequada das cúspides o que sugeriu não haver incompetência valvar.

Os rins tinham aspecto de atrofia isquêmica e arteriolosclerose, apresentando cistos de retenção, o maior deles medindo 5 cm. O aspecto de arteriolosclerose renal associado a hipertrofia ventricular esquerda representaram-nos substrato morfológico de hipertensão arterial sistêmica.

Na próstata havia hiperplasia nodular, fazendo estenose uretral, associada a adenocarcinoma multifocal (Gleason 3+3). A bexiga urinária mostrava hipertrofia da parede e trabeculado grosseiro na mucosa, compatível com "bexiga de esforço". Na parede lateral direita vesical constatou-se pequena tumoração com cerca de 2 cm cuja histologia revelou tratar-se de carcinoma de células transicionais, grau I (ASH). Ambas as neoplasias estavam limitadas ao seu sítio primário.

A causa do óbito foi choque cardiogênico, caracterizado por pulmões de choque em fase exsudativa e necrose centro-lobular hepática, associada ainda a broncopneumonia multifocal terminal.

(Dra Jussara Bianchi Castelli)

Diagnósticos anatomopatológicos: Aterosclerose coronariana; infarto agudo do miocárdio; CIV pós-infarto; choque cardiogênico com repercussão pulmonar (dano alveolar difuso) e hepática (necrose centro-lobular); prolapso mitral sem repercussões hemodinâmicas; cardiopatia hipertensiva; carcinoma de células transicionais da bexiga; adenocarcinoma da próstata; broncopneumonia bilateral terminal.

(Dra Jussara Bianchi Castelli)

COMENTÁRIOS

A CIV é uma complicação mecânica infreqüente do infarto do miocárdio (IAM). Em estudo recente, 0,2% (84/41.021) de pacientes pós-IAM desenvolveram CIV2, incidência menor do que a anteriormente registrada na era pré-trombolítica (1 a 2% dos casos2,3). Esta complicação geralmente é precoce, podendo ocorrer até 14 dias no pós-IAM 2-8. Apresenta alta taxa de mortalidade4,5, porém menor em pacientes tratados cirurgicamente até 30 dias quando comparados com aqueles submetidos a tratamento clínico7. São indicadas algumas condições que tornam o paciente propenso a esta complicação, a saber: idade avançada3,6-9; sexo feminino6; tendência a seguir o primeiro infarto transmural4,6,9 e doença coronariana limitada, representada por lesões não extensas levando a circulação colateral pouco desenvolvida2,5,9. Além disso, afilamento acentuado (mais de 50% em relação à parede não infartada), com acometimento extenso da parede septal2 e a demora na admissão hospitalar para tratamento do IAM, com a manutenção da atividade física7, parecem estar associados com maior risco de ruptura cardíaca. A localização do infarto na parede anterior também é indicada como um fator associado2,8, entretanto outros autores em sua casuística mostram a parede posterior como a mais freqüentemente envolvida pelo IAM que complicou com ruptura septal8.

Este caso ilustra aspectos da CIV pós-infarto, pela idade avançada, ausência de lesões miocárdicas isquêmicas antigas, aterosclerose coronariana grave limitada ao RIA sugerindo uma circulação colateral possivelmente pouco desenvolvida ou incipiente, e, além disso, um considerável afilamento e extenso acometimento do septo pelo infarto. A hipertrofia do miocárdio e a localização da ruptura entre o miocárdio sadio e infartado sugerem que a hipertensão arterial sistêmica possa ter um papel patogenético na sua ocorrência. A hipótese clínica de amiloidose cardíaca foi afastada pelo exame anatomopatológico.

(Dra Jussara Bianchi Castelli)

REFERÊNCIAS

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Recebido em 14/06/05

Aceito em 15/07/05

Editor da Seção: Alfredo José Mansur

Editores Associados: Desidério Favarato e Vera Demarchi Aiello

  • Correspondência

    Fernando Eduardo Cordeiro Barreto
    Rua Capote Valente, 467 - ap. 84
    05409-001 - São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2005
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