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Infarto agudo do miocárdio e morte súbita documentada

Resumos

Homem, sexagenário, deu entrada na emergência com dor torácica duvidosa e lipotímia. Investigado e estratificado, teve eletrocardiogramas e marcadores séricos de injúria miocárdica seriados negativos para isquemia miocárdica, e teste ergométrico sem critérios para isquemia miocárdica. Contudo, apresentou morte súbita presenciada dentro do hospital enquanto fazia uso da monitorização eletrocardiográfica contínua com o holter, que evidenciou, em seus traçados, infarto agudo do miocárdico complicado com arritmia ventricular complexa (taquicardia e fibrilação ventricular), que culminou em morte refratária às manobras de reanimação cardio-respiratória.


A sexagenarian man sought the emergency unit complaining of dubious chest pain and lipothymia. He was investigated and stratified. His serial electrocardiograms and serum markers for myocardial injury were negative for myocardial ischemia, as was his exercise test. However, the patient died suddenly inside the hospital while under continuous electrocardiographic Holter monitoring, which evidenced acute myocardial infarction complicated by complex ventricular arrhythmia (ventricular tachycardia and fibrillation), which culminated in death refractory to the cardiopulmonary resuscitation maneuvers.


RELATO DE CASO

Infarto agudo do miocárdio e morte súbita documentada

Gustavo Carvalho; Maurício de Nassau Machado; Lília Nigro Maia

São José do Rio Preto, SP

Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Gustavo Carvalho Rua Mario Porto, 42 Cep 16400-677 — Lins — SP E-mail: gustavocarvalho@cardiol.br

RESUMO

Homem, sexagenário, deu entrada na emergência com dor torácica duvidosa e lipotímia. Investigado e estratificado, teve eletrocardiogramas e marcadores séricos de injúria miocárdica seriados negativos para isquemia miocárdica, e teste ergométrico sem critérios para isquemia miocárdica. Contudo, apresentou morte súbita presenciada dentro do hospital enquanto fazia uso da monitorização eletrocardiográfica contínua com o holter, que evidenciou, em seus traçados, infarto agudo do miocárdico complicado com arritmia ventricular complexa (taquicardia e fibrilação ventricular), que culminou em morte refratária às manobras de reanimação cardio-respiratória.

A morte súbita é a manifestação inicial mais temida do infarto agudo do miocárdio, acometendo aproximadamente 50% dos casos. As arritmias ventriculares complexas são as principais responsáveis pelo desfecho1,2. Com a criação das unidades de terapia intensiva e unidades de dor torácica, assim como, o treinamento e capacitação de profissionais de saúde e até mesmo do público leigo, o reconhecimento e tratamento rápido e adequado de uma situação de morte súbita tem culminado em reversão com sucesso significativo em muitas ocasiões1,3. No entanto, tal sucesso não pode ser obtido com freqüência, até mesmo quando ocorre dentro do hospital4.

Relato de caso

Homem de 60 anos, natural e procedente de São José do Rio Preto - SP, tabagista de 20 cigarros por dia, hipertenso em uso irregular de medicação (captopril), procurou a emergência com queixa de dor torácica. Referindo dor retro-esternal de difícil caracterização, com irradiação para região inframamária esquerda, sem relação com esforços físicos e de duração variável, de segundos a horas, que cessava espontaneamente. Há cerca de 15 dias não havia outros sintomas associados. Na admissão referia dor que já durava 13 horas. Apresentou dois episódios de lipotímia nos últimos dias, sem relação com a dor torácica. Tinha história família de doença de Chagas.

Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral, corado, hidratado, eupneico, acianótico e afebril. Pressão arterial 160 x 100 mmHg, freqüência cardíaca 90 bpm. Ritmo cardíaco regular em dois tempos, com extra-sístoles freqüentes. Ausência de sopros nas carótidas. Sem anormalidades no restante do exame físico.

Foi medicado com ácido acetilsalicílico 200mg macerado sublingual, oxigênio, obtido acesso venoso e monitorização eletrocardiográfica contínua. Feito nitrato sublingual com alívio completo da dor. Os traçados eletrocardiográficos de 12 derivações pré e pós-nitrato, assim como seu registro seriado por 12 horas, apresentavam ritmo sinusal, com bloqueio completo do ramo direito, alteração da repolarização ventricular na parede inferior, extra-sístoles ventriculares, sem alterações dinâmicas do segmento ST. Os marcadores de injúria miocárdica foram normais (troponina-T). Após 24 horas foi realizado o teste ergométrico que não evidenciou alterações que sugerissem isquemia miocárdica. No ecocardiograma não havia disfunção ventricular e a sorologia para doença de Chagas foi negativa. Realizada a monitorização eletrocardiográfica contínua com holter-24h, valorizando as queixa de lipotímia. Na 20ª hora da monitorização do holter o paciente evoluiu com morte súbita presenciada, sendo prontamente atendido, porém sem sucesso. Os registros eletrocardiográficos evidenciaram supradesnivelamento do segmento ST nas derivações CM5 e D2M, assintomático por 15 min, seguido por arritmias ventriculares complexas que degeneraram para fibrilação ventricular refratária às manobras de ressuscitação cardio-respiratória-cerebral (figs. 1, 2 ,3 , 4 e 5).






Discussão

A doença cardíaca é a principal causa de morte entre os americanos e, juntamente com o acidente vascular cerebral, são importantes causas de invalidez, contribuindo de maneira significante com o aumento dos custos da saúde pública nos Estados Unidos. A doença arterial coronariana é a responsável pela mais alta proporção das doenças do coração em cerca de 12 milhões de americanos afetados5.

No Brasil, as doenças cardiovasculares são responsáveis por até 32% das mortes segundo o DATASUS, com um aumento na prevalência em 22% nos últimos 19 anos6.

A manifestação mais comum da doença coronariana é a angina e a avaliação de pacientes com dor torácica na sala de emergência tem trazido uma série de desafios devido ao grande volume de atendimentos e altíssimos custos. Se, por um lado a análise inadequada desses pacientes com dor torácica pode levar à liberação de um paciente com síndrome coronariana aguda não diagnosticada, com uma nítida piora no prognóstico e mortalidade desses pacientes, sua admissão indiscriminada para estratificação de risco onera o sistema e inviabiliza um atendimento racional, já que apenas 25% dos pacientes triados na emergência necessitam internação por detecção de isquemia7.

Assim, uma série de protocolos tem sido desenvolvidos e utilizados com o intuito de se estratificar adequadamente os pacientes com dor torácica na sala de emergência, minimizando os riscos de uma alta inadequada e permitindo a racionalização dos recursos com os pacientes realmente de alto risco para eventos coronarianos, principalmente infarto, reinfarto e morte súbita.

O tripé desta avaliação se baseia na associação de dados clínicos, eletrocardiográficos e de marcadores de lesão miocárdica, além da pesquisa de isquemia, em pacientes selecionados, através da ergometria ou da cintilografia de perfusão miocárdica. Pacientes sem características clínicas de alto risco (idade avançada, dor prolongada em repouso, sinais de disfunção ventricular e arritmias), sem alterações dinâmicas do segmento ST-T e com marcadores de lesão miocárdica negativos são considerados de baixo risco e podem ser submetidos a teste provocativo de isquemia ainda na sala de emergência. Um teste ergométrico negativo indica um paciente de baixo risco para eventos futuros, podendo ser liberado com segurança do departamento de emergência8.

A doença arterial coronariana é responsável por pelo menos 80% dos casos de morte súbita em todo mundo, muitas vezes sendo a manifestação inicial do infarto do miocárdio, já tendo sido demonstrado que 50% dos óbitos no infarto agudo do miocárdio ocorrem na primeira hora de evolução, chegando a 80% nas primeiras 24 horas9.

As arritmias ventriculares complexas como a taquicardia ventricular e fibrilação ventricular (TV/FV) são a causa principal da morte súbita. Apesar da redução da mortalidade dos pacientes que chegam ao hospital, houve pouca alteração na sua mortalidade pré-hospitalar1.

Mesmo em registros internacionais de países desenvolvidos, a recuperação pré-hospitalar da morte súbita também é baixa, com uma sobrevida em um mês de 5% na população geral e de 9,5% para aqueles com TV/FV documentadas no primeiro eletrocardiograma, quando comparados com 1,6% daqueles sem estas arritmias2.

O treinamento adequado dos profissionais de saúde e até mesmo do público leigo no reconhecimento de tal situação de emergência poderia mudar a sua história e evolução1,3,4.

No entanto, em casos atípicos e duvidosos, mesmo seguindo criteriosamente todos os passos na avaliação, na emergência, de pacientes com dor torácica, a doença arterial coronariana pode se manifestar com este desfecho letal e inesperado e sua reversão estaria relacionada não só ao tempo gasto até o atendimento da vítima, mas também à extensão do miocárdio isquêmico e sua reestabilização elétrica9.

No caso em discussão, o paciente foi admitido na unidade de emergência com dor torácica duvidosa, estratificado inicialmente com eletrocardiogramas e marcadores séricos de injúria miocárdica seriados que foram negativos. Após mais de 12 horas de observação clínica, foi submetido ao teste ergométrico sintoma limitado que foi negativo para isquemia miocárdica. Respeitando o valor preditivo negativo do teste nesses casos, o uso da ergometria na avaliação de dor torácica de risco baixo e intermediário pode garantir mínimas complicações cardiovasculares se não for evidenciado isquemia miocárdica8.

Mesmo assim, valorizando-se a queixa de lipotímia, o paciente foi admitido para realização de Holter que documentou a fatalidade da ocorrência de um infarto do miocárdio complicado com arritmia ventricular complexa que resultou em morte súbita.

Concluindo a doença arterial coronariana é uma doença que pode se apresentar em um amplo espectro, sendo a morte súbita sua forma mais temida e muitas vezes inevitável, mesmo utilizando-se todos os recursos técnicos e clínicos, permanecendo como um desafio às equipes médicas que trabalham no setores críticos do Hospital.

Recebido para Publicação em 05/11/2003

Aceito em 03/03/2004

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  • Endereço para correspondência

    Gustavo Carvalho
    Rua Mario Porto, 42
    Cep 16400-677 — Lins — SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Fev 2005
    • Data do Fascículo
      Jan 2005

    Histórico

    • Aceito
      03 Mar 2004
    • Recebido
      05 Nov 2003
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