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Achados ecocardiográficos em pacientes com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os achados ecocardiográficos em pacientes com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa. MÉTODOS: Foram submetidos à investigação ecocardiográfica transtorácica e transesofágica 262 pacientes com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa. Analisadas imagens de vegetações, abscessos valvares e insuficiência periprotética aguda e avaliada a correlação com dados clínicos, laboratoriais, categoria diagnóstica e a evolução hospitalar. RESULTADOS: O diagnóstico de endocardite foi categorizado como definido em 127 (47,8%) episódios, possível em 81 (30,4%) e rejeitado em 58 (21,8%). Nos pacientes com o diagnóstico definido, foram identificadas 135 imagens de vegetações, 37 de abscesso e 6 de insuficiência periprotética. Vegetações foram mais freqüentes em pacientes com endocardite por estreptococos do grupo viridans e enterococos (p=0,02) e com duração dos sintomas < 10 dias (p= 0,001); abscesso mais freqüente em pacientes com duração dos sintomas < 10 dias (p= 0,001) e insuficiência periprotética associada à maior necessidade de tratamento cirúrgico (p=0,001). Nos pacientes com o diagnóstico possível de endocardite, foram identificadas 8 imagens ecocardiográficas consideradas compatíveis com vegetações e, nos pacientes com diagnóstico de endocardite rejeitado, não foram demonstradas vegetações, abscessos valvares e insuficiência periprotética. CONCLUSÃO: Nossos achados ecocardiográficos variaram de acordo com a categoria diagnóstica. A contribuição tanto para o diagnóstico quanto para a avaliação prognóstica deve levar em consideração a probabilidade pré-teste do diagnóstico de endocardite infecciosa.

Endocardite infecciosa; ecocardiograma


OBJECTIVE: To assess the echocardiographic findings in patients with suspected infective endocarditis. METHODS: Two hundred sixty-two patients with suspected infective endocarditis underwent transthoracic and transesophageal echocardiographic investigation. Images of vegetations, valvular abscesses, and acute periprosthetic insufficiency were analyzed, and the correlation with clinical and laboratory data, diagnostic category, and hospital evolution was assessed. RESULTS: The diagnosis of endocarditis was categorized as defined in 127 (47.8%) episodes, possible in 81 (30.4%), and rejected in 58 (21.8%). In patients with the defined diagnosis, the following images were identified: 135 vegetations, 37 abscesses, and 6 periprosthetic insufficiencies. Vegetations were more frequent in patients with endocarditis due to streptococci of the viridans group and enterococci (P=0.02), and with symptom duration < 10 days (P=0.001). Abscesses were more frequent in patients with symptom duration < 10 days (P=0.001). Periprosthetic insufficiency was associated with a greater need for surgical treatment (P=0.001). In patients with the possible diagnosis of endocarditis, 8 echocardiographic images considered compatible with vegetations were identified. In patients whose diagnosis of endocarditis was rejected, no vegetations, valvular abscesses, or periprosthetic insufficiencies were demonstrated. CONCLUSION: Our echocardiographic findings varied according to the diagnostic category. The contribution to both the diagnosis and prognostic evaluation should consider the pretest probability of the diagnosis of infective endocarditis.

infective endocarditis; echocardiography


ARTIGO ORIGINAL

Achados ecocardiográficos em pacientes com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa

Marcelo Luiz Campos Vieira; Max Grinberg; Pablo M. A. Pomerantzeff; José L. de Andrade; Alfredo J. Mansur

São Paulo, SP

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Marcelo Luiz Campos Vieira R: Cardoso de Melo, 463 - ap. 21 Vila Olímpia - São Paulo, SP 04548-002 - e-mail: mlcvieira@aol.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os achados ecocardiográficos em pacientes com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa.

MÉTODOS: Foram submetidos à investigação ecocardiográfica transtorácica e transesofágica 262 pacientes com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa. Analisadas imagens de vegetações, abscessos valvares e insuficiência periprotética aguda e avaliada a correlação com dados clínicos, laboratoriais, categoria diagnóstica e a evolução hospitalar.

RESULTADOS: O diagnóstico de endocardite foi categorizado como definido em 127 (47,8%) episódios, possível em 81 (30,4%) e rejeitado em 58 (21,8%). Nos pacientes com o diagnóstico definido, foram identificadas 135 imagens de vegetações, 37 de abscesso e 6 de insuficiência periprotética. Vegetações foram mais freqüentes em pacientes com endocardite por estreptococos do grupo viridans e enterococos (p=0,02) e com duração dos sintomas < 10 dias (p= 0,001); abscesso mais freqüente em pacientes com duração dos sintomas < 10 dias (p= 0,001) e insuficiência periprotética associada à maior necessidade de tratamento cirúrgico (p=0,001). Nos pacientes com o diagnóstico possível de endocardite, foram identificadas 8 imagens ecocardiográficas consideradas compatíveis com vegetações e, nos pacientes com diagnóstico de endocardite rejeitado, não foram demonstradas vegetações, abscessos valvares e insuficiência periprotética.

CONCLUSÃO: Nossos achados ecocardiográficos variaram de acordo com a categoria diagnóstica. A contribuição tanto para o diagnóstico quanto para a avaliação prognóstica deve levar em consideração a probabilidade pré-teste do diagnóstico de endocardite infecciosa.

Palavras-chave: Endocardite infecciosa, ecocardiograma

A ecocardiografia contribuiu para o manuseio diagnóstico e terapêutico de doentes com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa, tanto pela técnica transtorácica1, quanto pela técnica transesofágica2.

Apesar do progresso verificado, situações de dificuldade diagnóstica de endocardite infecciosa ocorrem, como por exemplo, nos portadores de doença aguda, de infecção em próteses valvares cardíacas3,4, de infecção em prótese no período pós-operatório imediato5,6, em portadores de marcapasso cardíaco artificial7,8, em pacientes que receberam terapêutica antimicrobiana prévia ou aqueles nos quais as hemoculturas foram negativas9,10.

Nos diferentes estudos recentes sobre o emprego do ecocardiograma transesofágico em pacientes com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa publicados na literatura, observamos casuísticas entre 23 e 180 pacientes, com o emprego de transdutores biplanares ou parte da casuística estudada com sondas multiplanares11-15. Além disso, não incluiram a categorização diagnóstica dos pacientes.

Assim, planejamos o presente estudo com a finalidade de avaliar os achados ecocardiográficos, tanto pela técnica transtorácica quanto pela técnica transesofágica multiplanar, em casuística mais numerosa de pacientes com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa, classificados segundo categorias de diagnóstico, e que também incluem situações de maior dificuldade diagnóstica.

Métodos

Foram estudados, prospectivamente, 262 pacientes em 266 episódios de doença, nos quais o diagnóstico diferencial incluiu a hipótese diagnóstica de endocardite infecciosa. A idade dos pacientes variou de 10 a 85 anos (média 47,6; desvio padrão 17,9), 139 (52,2%) episódios ocorreram em homens, 127 (47,8%) em mulheres.

A indicação do exame ecocardiográfico foi feita pelo médico clínico responsável pelo paciente. Os pacientes estudados foram submetidos, inicialmente, ao estudo transtorácico e, por ocasião da investigação transesofágica, o exame foi precedido de novo estudo transtorácico. Todos os pacientes foram submetidos a investigação ecocardiográfica transtorácica e transesofágica.

O diagnóstico de endocardite infecciosa foi feito com base no quadro clínico (febre, cardiopatia predisponente, uso ilícito de drogas intravenosas, sopro cardíaco, fenômenos vasculares ou imunológicos), identificação do agente etiológico em pelo menos duas hemoculturas, identificação do acometimento endocárdico pelo ecocardiograma transtorácico ou transesofágico e evidência histológica de endocardite infecciosa nos achados cirúrgicos ou de necrópsia. O diagnóstico da endocardite infecciosa obedeceu às recomendações dos critérios previamente publicados1, sendo este categorizado em definido, possível e rejeitado.

Os exames foram realizados segundo a rotina do Serviço, e de acordo com técnicas previamente recomendadas16,17. Para o exame transesofágico não foi administrada profilaxia antibiótica17. O exame transesofágico foi feito sob monitoração eletrocardiográfica e oximétrica. O tempo médio de realização do exame transesofágico foi 28,2 minutos (desvio padrão 6,4 minutos).

Os exames foram realizados em aparelhos Advanced Thecnology Laboratory, modelos Apogee CX 200, HDI 3000 e HDI 5000, Bothell, Washington, (EUA). Os exames transesofágicos foram realizados com transdutores multiplanares. Os exames transtorácicos que precederam aos exames transesofágicos, e os exames transesofágicos, foram registrados em vídeo VHS.

A análise dos exames foi feita pelo médico que os realizou, e depois por um segundo pesquisador, sem prévio conhecimento do diagnóstico clínico. A concordância entre os diferentes observadores, na análise dos exames transesofágicos, foi superior a 95% para a presença de imagens definidas como vegetações, abscessos e insuficiência periprotética aguda (deiscência de prótese valvar cardíaca). Quando ocorreu divergência na identificação das imagens foi realizada a análise por um terceiro observador.

Os achados ecocardiográficos foram diagnosticados segundo critérios previamente publicados18-20.

As imagens obtidas nos exames transtorácicos foram categorizadas quanto à qualidade, tomando como critério a identificação do endocárdio e das estruturas valvares em: a) adequada; b) regular; c) inadequada21.

Foram examinadas as seguintes características das vegetações: a) localização na estrutura cardíaca; b) dimensão em seu maior diâmetro (até 5 mm, de 6 a 10 mm, > 10 mm); c) refringência > à do endocárdio (com o ganho do equipamento ecocardiográfico em valores mínimos capazes de identificação da imagem definida como vegetação); d) mobilidade (firmemente aderida à estrutura sobre a qual se assenta; base fixa com borda livre móvel; prolapsante).

Foram estudados: a) aspectos demográficos e clínicos (idade, sexo, tempo entre início dos sintomas e hospitalização, uso prévio de antimicrobianos, categorização diagnóstica da endocardite, agentes etiológicos, cardiopatia, tratamento, evolução); b) achados ecocardiográficos (vegetação, abscesso perivalvar; insuficiência periprotética; fístula entre câmaras cardíacas; trombo; derrame pericárdico).

A análise descritiva das variáveis contínuas foi feita pelos valores mínimo, máximo, média e desvio-padrão, e das variáveis categóricas pelas freqüências absolutas e relativas. A análise comparativa foi realizada com o emprego do teste qui-quadrado ou do teste exato de Fisher. Os dados foram processados com o sistema de análise estatística do SAS Institute, Cary, Carolina do Norte, EUA. Valores de p< 0,05 foram considerados significantes.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Resultados

As características demográficas e clínicas, incluindo os dados laboratoriais, complicações e evolução hospitalar são apresentados na tabela I. A população estudada caracterizou-se por predomínio de portadores de próteses valvares cardíacas, com o tempo do início dos sintomas e a hospitalização < 10 dias e, em mais da metade dos pacientes, houve a necessidade de tratamento cirúgico durante a evolução intra-hospitalar.

O diagnóstico foi categorizado em definido em 127 (47,8%) episódios - 112 (88,2%) por critérios clínicos e 15 (11,8%) por critérios anatomopatológicos; em possível em 81 episódios (30,4%) e em rejeitado em 58 (21,8%) episódios.

Os agentes microbiológicos identificados nos 127 episódios com o diagnóstico definido de endocardite infecciosa foram: estafilococos coagulase-negativo em 26 (20,5%); estafilococos aureus em 21 (16,5%); estreptococos do grupo viridans em 20 (15,7%); estreptococos não pertencentes ao grupo viridans em 6 (4,7%); bactérias gram-negativas em 10 (7,9 %); enterococos faecalis em 5 (3,9%); fungos em 3 (2,4%); associação de 2 agentes infecciosos em 3 (2,4%) episódios. Não foram identificados agentes infecciosos em hemoculturas em 33 (26%) episódios, sendo que, em 22 pacientes com 33 episódios, não foi possível a identificação do agente etiológico, pois apresentavam próteses valvares cardíacas.

As imagens dos exames transtorácicos que precederam aos exames transesofágicos foram consideradas de qualidade adequada em 256 (77,6%) de 330 exames, regular em 52 (15,7%) e inadequada em 22 (6,7%) exames.

Nos pacientes com o diagnóstico definido de endocardite, foram identificadas 135 imagens de vegetações. Pela análise transtorácica foram identificadas imagens de vegetações em 61 (48%) dos 127 casos de diagnóstico definido como endocardite infecciosa e, em 112 (88,2%) casos, pela análise transesofágica. Portanto, a identificação de vegetações pela análise transtorácica foi de 61 (54,4%) em 112 casos, onde houve identificação pelo exame transesofágico.

As imagens de vegetações foram identificadas em prótese valvar mitral em 46 (36,1%) de 127 episódios, em prótese aórtica em 33 (26%) episódios, em prótese pulmonar em 1 (0,8%), em valva mitral nativa em 15 (11,8%), em valva aórtica nativa em 9 (7,1%), em valva tricúspide em 2 (1,6%), em valva pulmonar nativa em 1 (0,8%), em valva mitral e em valva aórtica em 15 (11,8%), na extensão de marcapasso cardíaco artificial em 3 (2,4 %), e em endocárdio ventricular em 2 (1,6%) episódios.

As dimensões das imagens identificadas como vegetações foram < 5 mm em 24 de 135 (17,8%), entre 6 e 10 mm em 78 (57,8%) e > 10 mm em 33 (24,4%). A refringência das imagens de vegetações foi igual a do endocárdio em 132 (97,8%) imagens e maior do que a do endocárdio em 3 (2,2%). As imagens de vegetações apresentaram base fixa com borda livre móvel em 45 (33,3%) caracterizações, e estruturas prolapsantes em 90 (66,7%) imagens.

A distribuição da presença de vegetações diferiu com as diferentes etiologias (mais freqüente para os estreptococos do grupo viridans e enterococos) (p=0,02).

A presença de vegetações foi mais freqüente com os diferentes tempos de início dos sintomas e a hospitalização (mais freqüente para o tempo do início dos sintomas e a hospitalização até 10 dias) (p= 0,001).

Nos pacientes com o diagnóstico possível para endocardite, foram identificadas imagens analisadas como vegetações pela ecocardiografia transesofágica em 8 (9,8%) de 81 episódios, e em 2 (2,5%) com o emprego do ecocardiograma transtorácico. Destes 8 casos, todos apresentavam culturas sangüíneas negativas, 5 receberam antibioticoterapia por curto prazo de tempo (inferior a 14 dias), com remissão do quadro, com manutenção das imagens em exame transesofágico posterior, e receberam alta hospitalar, com seguimento clínico por pelo menos 6 meses, sem terem apresentado novo quadro suspeito de endocardite infecciosa. Dos 8 pacientes com imagem considerada como vegetação, 3 foram submetidos a tratamento cirúrgico, não tendo sido encontrado material macroscópico ou histológico compatível com vegetações, tendo sido as imagens visibilizadas ao ecocardiograma caracterizadas como fio de sutura cirúrgica. Dos 8 casos, 7 apresentavam prótese biológica (5 em posição mitral, 2 em posição aórtica). Um caso apresentava imagem em valva aórtica nativa. Todos os 8 não apresentavam história pregressa de episódio de endocardite infecciosa.

Nos episódios com o diagnóstico rejeitado para endocardite não houve identificação ecocardiográfica de imagens de vegetações.

Nos pacientes com o diagnóstico definido de endocardite infecciosa ocorreram 357 complicações decorrentes do quadro infeccioso: insuficiência renal aguda em 67 episódios, insuficiência cardíaca congestiva em 52, abscesso valvar cardíaco em 31, acidente vascular cerebral em 29, embolia periférica em 21, bloqueio átrioventricular total em 13, embolia cerebral em 7, aneurisma micótico em 7, embolia pulmonar em 3 e outras complicações em 127. Acidente vascular cerebral foi mais freqüente em pacientes que apresentaram vegetação > 10 mm (p=0,02).

Não houve maior necessidade de tratamento cirúrgico entre os pacientes em que foram identificadas vegetações.

A taxa de mortalidade não foi maior nos pacientes que apresentaram vegetações.

Não houve significância estatística entre refringência e sexo, idade, abscesso, fluxo de insuficiência periprotética aguda, tempo entre o início dos sintomas e a hospitalização, uso prévio de antibioticoterapia, complicações, tratamento e condição de alta hospitalar.

Nos episódios com o diagnóstico definido de endocardite infecciosa, abscessos de anel valvar foram identificados em 5 casos com o emprego do ecocardiograma transtorácico (4 em anel valvar aórtico, 1 em anel mitral). Pela análise transesofágica, foram identificadas 37 imagens de abscesso de anel (24 em anel aórtico, 7 em anel mitral, 6 em outras localizações). A identificação de abscesso perivalvar durante o ato operatório foi de 31 casos (22 em anel aórtico, 7 em anel mitral, 2 na junção mitroaórtica). Nos 6 casos onde houve a identificação de abscesso perivalvar pela ecocardiografia transesofágica, sem confirmação diagnóstica intraoperatória, havia manipulação cirúrgica prévia.

Abscesso de anel valvar foi mais freqüente nos portadores de endocardite com vegetações com dimensão > 10 mm (p=0,01); e com mobilidade prolapsante (p =0,02).

Não houve significância estatística entre a presença de abscesso perivalvar e os diferentes agentes etiológicos.

A distribuição da presença de abscessos diferiu de acordo com os diferentes tempos de início dos sintomas e a hospitalização (tempo do início dos sintomas e a hospitalização até 10 dias) (p= 0,001). Não houve significância estatística entre a presença de abscessos, sexo, idade.

Nos pacientes com o diagnóstico possível ou rejeitado para endocardite, não houve identificação ecocardiográfica de abscesso perivalvar.

Insuficiência renal foi mais freqüente em pacientes com o diagnóstico definido de endocardite infecciosa que apresentaram abscesso de anel valvar (p=0,04).

A necessidade de tratamento cirúrgico foi maior entre os pacientes em que foram identificados abscessos perivalvares (p=0,004).

A taxa de mortalidade foi maior nos pacientes que apresentaram abscessos perivalvares (p=0,003).

Nos pacientes com o diagnóstico definido de endocardite infecciosa, insuficiência periprotética foi evidenciada em 2 casos pela análise transtorácica e em 6 pelo exame transesofágico (tab. II). Nesses 6 episódios, havia a descrição de novo sopro em 3. Houve predomínio do número de exames transtorácico e transesofágico em pacientes com o diagnóstico definido de endocardite, com decréscimo relativo do número de exames nos pacientes com diagnóstico possível e rejeitado.

Houve maior necessidade de tratamento cirúrgico entre os pacientes em que foi identificada insuficiência periprotética aguda (p=0,001).

Não houve significância estatística entre a presença de insuficiência periprotética aguda e sexo, idade, os diferentes agentes etiológicos, entre os diferentes tempos de início dos sintomas e a hospitalização, não foi maior a presença de complicações, a taxa de mortalidade não foi maior, e nos pacientes com o diagnóstico possível ou rejeitado para endocardite, não houve identificação ecocardiográfica de insuficiência periprotética aguda.

Nos casos definidos de endocardite infecciosa, além das vegetações foram observados pela análise ecocardiográfica trombos em 6 casos (todos com confirmação cirúrgica, 2 ao exame transtorácico), contraste espontâneo em 10 casos (2 ao exame transtorácico), perfuração de cúspide mitral em 2 (com confirmação cirúrgica, sem evidência ao exame transtorácico), fechamento precoce da valva mitral em caso de insuficiência valvar aórtica aguda em 1 (somente realizado exame transtorácico), destruição da junção mitro-aórtica em 8 (todos com confirmação cirúrgica, com identificação pelo exame transtorácico em 1 caso) e 2 de fístulas da aorta para o átrio direito (1 caso identificado com o exame transtorácico, com confirmação cirúrgica) e rotura de cordoalha em 5 (todos com confirmação cirúrgica e com identificação pelo exame transtorácico).

Discussão

A casuística estudada tem como características predomínio de portadores de próteses valvares cardíacas (63%), de pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico (73,2%) e mortalidade elevada (35,2%), o que demonstra a gravidade da doença nesses casos.

Os achados obtidos com o emprego do ecocardiograma transtorácico contribuíram para o diagnóstico em 61 (48%) dos 127 pacientes com o diagnóstico definido de endocardite. Os achados do ecocardiograma transesofágico possibilitaram acrescentar informações diagnósticas em 112 (88,2%) desses 127 pacientes, visibilizando vegetação endocárdica em outros 51 pacientes (40,1%), além dos já diagnosticados ao transtorácico (61 pacientes). Este incremento diagnóstico leva em consideração a população envolvida no estudo, em que há predomínio de portadores de próteses valvares cardíacas. Em grupos específicos, como em portadores de próteses valvares cardíacas, a investigação ecocardiográfica transesofágica pode ser evidenciada como método de investigação diagnóstica inicial, tendo-se em vista a maior acurácia diagnóstica da técnica transesofágica em relação ao ecocardiograma transtorácico2,14. Em pacientes com maior dificuldade diagnóstica, há a necessidade da repetição dos exames ecocardiográficos2 . No presente estudo, os exames transtorácicos foram repetidos até o 6º exame, e os exames transesofágicos até o 5º exame. Não observamos acréscimo de informação diagnóstica após o 3º exame, tanto transtorácico quanto transesofágico22.

Observamos maior freqüência de acidente vascular cerebral em portadores de endocardite em que houve identificação de vegetações com dimensões > 10mm, embora não tenha sido observada maior freqüência de fenômenos embólicos periféricos correlacionados às dimensões das vegetações. Não observamos maior freqüência de acidente vascular cerebral ou de embolia periférica correlacionada à mobilidade das vegetações ou à localização da vegetação. Até 65% dos eventos embólicos podem acometer o sistema nervoso central2, com menor freqüência nos diferentes órgãos e locais23,24. Em estudos prévios 24-30, há controvérsia entre a freqüência de fenômenos embólicos em relação às dimensões e mobilidade das vegetações. Em alguns estudos, observou-se maior freqüência de fenômenos embólicos em pacientes que apresentavam vegetações com dimensões > 10mm24-27, com grande mobilidade24,27 e com envolvimento da valva mitral26 . Em outras séries, não foi observada maior freqüência de fenômenos embólicos em pacientes com vegetações > 10mm28-30 e com grande mobilidade28,30. As diferentes séries divergem quanto aos resultados e aos métodos ecocardiográficos empregados para a identificação das vegetações. Em algumas séries foi empregada somente a investigação transtorácica25,27,29 e, em outras, a transesofágica24,26,28,30.

A ocorrência de vegetações e de abscessos valvares cardíacos foi mais freqüente em pacientes com período de início de sintomas e hospitalização < 10 dias, assim como o número de casos com o diagnóstico definido de endocardite, 76 (59,8%) de 127 casos, a ocorrência de insuficiência cardíaca, de acidente vascular cerebral, de insuficiência renal, e de fenômenos embólicos extracerebrais, respectivamente, 28 (53,8%) de 52 casos, 19 (65,5%) de 29 episódios, 37 (55,2%) de 67, e 12 (57,1%) de 21. Estes dados mostram a importância da valorização dos sinais e sintomas clínicos iniciais e da investigação diagnóstica em pacientes nos quais é possível o diagnóstico de endocardite infecciosa.

A identificação de 132 (97,8%) de 135 imagens de vegetação com refringência semelhante à do endocárdio demonstra, a princípio, envolvimento endocárdico recente, pois a maior refringência estrutural poderia representar depósito de cálcio em função de maior tempo de ocorrência do evento.

A identificação de abscessos perivalvares cardíacos foi também mais freqüente nos pacientes apresentando vegetações com dimensões > 10mm e com maior mobilidade. As vegetações de maiores dimensões e maior mobilidade podem representar envolvimento endocárdico mais acentuado, com potencial maior de desenvolvimento de abscessos valvares cardíacos.

A implicação terapêutica e prognóstica do diagnóstico dos abscessos perivalvares e de insuficiência periprotética foi muito grande, uma vez que, nos pacientes com abscessos perivalvares, foi maior a necessidade de tratamento cirúrgico e ocorrência de insuficiência renal, havendo maior mortalidade e, entre os pacientes com insuficiência periprotética, foi maior a necessidade de tratamento cirúrgico.

Em oito pacientes com o diagnóstico de endocardite possível, foram visibilizadas, nos exames ecocardiográficos transesofágicos, estruturas identificadas como vegetações decorrentes da endocardite infecciosa, que posteriormente não apresentaram confirmação anatomopatológica ou que apresentaram melhora clínica após tratamento por curto intervalo de tempo. Na série de pacientes em que critérios ecocardiográficos foram introduzidos para a categorizacão diagnóstica de endocardite1, foram identificadas imagens definidas como vegetações em 11 (7%) casos, com o diagnóstico possível para endocardite e em 4 (8%) de diagnóstico rejeitado. O diagnóstico diferencial de vegetações provenientes da endocardite infecciosa ocorre em estruturas naturais como o espessamento e a degeneração valvar, a cordoalha valvar, em estruturas nodulares encontradas sobretudo em valva aórtica nativa, como as excrescências de Lambl e os nódulos de Arantius. Na endocardite marântica (trombótica), na endocardite não infecciosa de Libman-Sacks, em pequenos tumores, como o fibroelastoma papilar, em presença de trombos cardíacos, também podemos encontrar estruturas com morfologia semelhante à vegetação decorrente da endocardite infecciosa. Maior dificuldade ocorre na diferenciação morfológica de pequenas vegetações e de fios de sutura cirúrgica ou de estruturas denominadas filamentos de fibrina31,32. Em nosso estudo, todas as estruturas identificadas como vegetações, que foram submetidas a procedimento cirúrgico não tendo havido confirmação estrutural, tratavam-se de fios de sutura cirúrgica, com período pós-operatório < 2 meses.

Nossa casuística apresentou grupo de pacientes com predomínio de portadores de próteses valvares cardíacas com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa, com investigação ecocardiográfica realizada em hospital terciário voltado para cardiologia, e que pode não ser representativo de outras circunstâncias clínicas em que é possível o diagnóstico de endocardite. As indicações da realização da investigação ecocardiográfica foram heterogêneas, tendo sido fundamentadas na necessidade da investigação diagnóstica e na apreciação do médico assistente.

Em conclusão, em pacientes com suspeita diagnóstica de endocardite infecciosa submetidos à avaliação ecocardiográfica, os achados ecocardiográficos variaram de acordo com a categoria diagnóstica definida, possível e rejeitada. A contribuição da informação ecocardiográfica, tanto para o diagnóstico quanto para a avaliação prognóstica, deve levar em consideração a probabilidade pré-teste do diagnóstico de endocardite infecciosa.

Recebido para Publicação em 9/10/03

Aceito em 18/2/04

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  • Endereço para correspondência
    Dr. Marcelo Luiz Campos Vieira
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Set 2004

    Histórico

    • Aceito
      18 Fev 2004
    • Recebido
      09 Out 2003
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